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ALIMENTAÇÃO INFORMAÇÃO NUTRICIONAL
Sinal amarelo para o
Shutterstock
semáforo n
Quando a indústria
se une para barrar
os modelos de
rotulagem de
alimentos mais
honestos, a
pressão popular
e os caminhos
alternativos de
acesso à informação
tornam-se mais
necessários
30 • Dezembro 2012 • REVISTA DO IDEC
I
nformar o consumidor por meio do
rótulo dos produtos não é tarefa simples. Envolve legisladores, agências reguladoras, interesses econômicos, muito
dinheiro e influências políticas imperceptíveis. Como nem sempre o que é melhor
para as pessoas é melhor para as empresas,
o consumidor pode acabar sendo desinformado. Isso porque ainda não existe
nenhuma iniciativa, pelo menos aqui no
Brasil, que faça as empresas informarem
na embalagem, de maneira clara e objetiva, a quantidade de algumas substâncias e
os males que fazem à saúde.
Há cerca de seis anos, a Food Standards
Agency (FSA), agência reguladora de alimentos do Reino Unido, apareceu com
uma proposta que parte do mundo aplaudiu. Ela sugeria que o rótulo de produtos
alimentícios exibisse um esquema gráfico
bastante simples, baseado nas cores do
semáforo, informando se os teores de
açúcar, sódio e gordura nos alimentos
industrializados eram altos (vermelho),
médios (amarelo) ou baixos (verde), a
fim de facilitar escolhas mais saudáveis.
Profissionais de saúde e entidades de defesa do consumidor acharam a ideia ótima,
e algumas empresas britânicas abraçaram
a causa, usando o esquema – chamado de Traffic Light Labelling (Semáforo
Nutricional) – em suas embalagens. O
resto do mundo observava atento.
Diversas pesquisas foram feitas e os
o nutricional
consumidores britânicos pareciam aprovar a novidade. Tudo aparentemente ia tão bem, que a União
Europeia resolveu fazer uma votação para decidir se
todos os seus países membros adotariam o modelo.
A aprovação era tida como certa. Mas em junho de
2010, o placar virou. Numa derrota que surpreendeu a opinião pública, a proposta foi derrubada
pelo parlamento europeu.
A “culpa” foi do lobby. As grandes corporações
do setor de alimentos haviam investido pesado
numa campanha de promoção de outro esquema
de rotulagem nutricional, conhecido como VDR
(Valor Diário de Referência), e conseguiram mudar
a opinião dos congressistas. Segundo a Corporate
Europe Observatory, uma ONG da Bélgica que
monitora o lobby empresarial na Europa, cerca de
1 bilhão teria sido gasto na estratégia. Embora a
Confederação da Indústria de Alimentos e Bebidas
da União Europeia (CIAA) não tenha confirmado
essa cifra, documentos da entidade teriam revelado
o investimento de pelo menos 671 mil na promoção do VDR. Para eles valeu a pena, pois esse modelo está hoje regulamentado na Europa.
A Nestlé, que já usava o VDR no mercado europeu desde pelo menos 2008, se declara contra o
semáforo “ou outros esquemas simplistas baseados
na divisão errônea entre ‘bons produtos e produtos
ruins’ porque focam apenas nos aspectos negativos
dos nutrientes e não oferecem informações factuais”.
Ela defende ainda que o VDR “dá aos consumidores
a oportunidade de avaliar o papel de um produto
na dieta diária”. Para a Kellogg’s, o VDR “é a melhor
opção para informar o consumidor de que forma
um produto é incorporado a sua dieta inteira, em
vez de uma análise parcial”.
No Brasil, onde o mercado de alimentos é
dominado pelas mesmas multinacionais que atuam
na Europa, nos Estados Unidos e no resto do
mundo, a entidade representativa do setor também se posiciona contra o semáforo. Em nota
para a Revista do Idec, a Associação Brasileira das
Indústrias da Alimentação (Abia) disse que o semáforo nutricional “em vez de informar ou educar,
pode confundir o consumidor, culminando em
uma alimentação inadequada”, e que sua “simples
inserção [nas embalagens] em nada contribui para
a escolha dos produtos”.
VDR x SEMÁFORO
Tanto o VDR quanto o semáforo são esquemas
simplificados de rotulagem nutricional criados para
estampar a parte da frente da embalagem – aquela
que o consumidor vê primeiro na prateleira –, de
modo que a decisão de comprar ou não o produto seja rápida, sem contorcionismos para decifrar
a tabela nutricional. Segundo pesquisas feitas na
Europa, os consumidores acham o semáforo mais
simples de usar. Uma revisão científica publicada
este ano na revista internacional Public Health Nutrition mostrou que o VDR é confuso, devido aos
percentuais, e poucas pessoas o consideram útil.
Mas, se combinado com as cores do semáforo, pode
resultar num sistema funcional.
Então por que tantas empresas preferem o VDR?
Há quem acredite que é justamente por ser difícil
de entender. Ou seja, seria mais interessante para os
fabricantes que o consumidor continuasse perdido
no mar de informações nutricionais, pois assim não
deixaria de comprar os produtos não saudáveis,
que geralmente são os mais lucrativos. Para a americana Marion Nestle, professora da Universidade
de Nova York, blogueira e autora de vários livros
sobre a política de alimentos nos Estados Unidos
(e cujo sobrenome não tem nenhuma relação com
a marca de alimentos), o consumidor tende a evitar
produtos com sinal vermelho – o que significaria
grandes perdas em vendas. Mas serão esses os critérios corretos para definir um padrão para a rotulagem? “Os governos têm de decidir o que é mais
importante: informar a sociedade e promover a
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Dezembro 2012 • 31
ALIMENTAÇÃO INFORMAÇÃO NUTRICIONAL
TENTATIVAS DE
PADRONIZAÇÃO
Nos Estados Unidos, onde tanto
a indústria quanto o varejo permanecem livres para criar seus próprios
esquemas de rotulagem simplificada,
o governo anunciou, em 2010, a
intenção de padronizar a rotulagem
frontal. A expectativa do governo era
aprovar algo parecido com o Guiding
32 • Dezembro 2012 • REVISTA DO IDEC
Stars, um selo que dá uma, duas ou
três estrelas ao alimento conforme os
critérios oficiais de saúde. Isso seria
feito com base em novas pesquisas
acadêmicas. Mas as grandes marcas
se adiantaram e, juntas, apresentaram o Facts Up Front, bem mais
parecido com o VDR do que com o
Guiding Stars.
Em tese, a imposição de um modelo único pelo governo americano
eliminaria das embalagens todos os
modelos criados voluntariamente pela
indústria e pelo varejo. Mas o diretor da empresa que criou o Guiding
Stars, John Eldredge, duvida que isso
vá acontecer tão cedo. “Os interesses
empresariais têm uma força de lobby
poderosa em Washington, e o FDA
[agência americana que regula o setor
de alimentos] tem outras questões
prioritárias para lidar”, diz.
Se nos países desenvolvidos a
padronização da rotulagem ainda vai
demorar, no Brasil a tendência é que
a mesma indefinição se arraste até
que o resto do mundo chegue a um
consenso. As normas brasileiras para
o rótulo são decididas em conjunto
com os demais países do Mercosul e
com base no Codex Alimentarius, um
acordo internacional que estabelece
parâmetros para tudo que se refere
ao mercado de alimentos. Segundo
a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), o que se andou
dizendo nas últimas reuniões desses
grupos é que nada será decidido antes
que novas pesquisas esclareçam o que
é melhor para o consumidor.
Para Antonia Aquino, gerente de
produtos especiais da Anvisa, o semáforo nutricional ainda gera muitas
dúvidas. “Dependendo do critério escolhido, por exemplo, o leite poderia
ser considerado um alimento com
alto teor de gordura saturada e ter seu
consumo desestimulado. Entretanto,
sabemos que esse alimento é uma
Exemplos de
rotulagem frontal
Traffic Light Labelling
ou Semáforo Nutricional
Usa as três cores do sinal de trânsito para
indicar se os teores de açúcar, gordura e sódio
estão altos (vermelho), médios (amarelo) ou
baixos (verde).
No Brasil, as empresas não são obrigadas
a declarar na embalagem a quantidade de açúcar presente em seus produtos, o que dificulta
a adoção desse esquema usado por algumas
marcas do Reino Unido.
Fotos reprodução
saúde pública ou apoiar os interesses
econômicos de empresas de alimentos”, afirma Marion.
Na contramão da campanha do
contra, algumas marcas do varejo
europeias usam e promovem o semáforo, de olho numa aparente mudança
de comportamento do consumidor. A
Sainsbury’s, terceira maior rede de
supermercados do Reino Unido, adotou, em 2005, um sistema com cores
e continua apostando em seu sucesso,
com base no aumento das vendas de
produtos com sinal verde. Em agosto deste ano, a Tesco, concorrente
número um da Sainsbury’s, que até
então usava o VDR, viu-se obrigada
a atender à pressão dos clientes e
também implantou um sistema misto,
que combina as cores do semáforo
com as recomendações diárias.
Nesse cenário, as empresas acabam
se adaptando às pressões em nome da
concorrência. Mas isso não significa
que o consumidor saia ganhando.
Na opinião do médico José Augusto
Taddei, professor da Universidade
Federal de São Paulo e coautor de
um dos poucos estudos sobre o tema
feitos no Brasil, o semáforo não é o
único nem necessariamente o melhor
modelo de rotulagem simplificada, e
certamente pode ser aprimorado, mas
é importante que se adote um modelo
único para todo o mercado. “Se cada
empresa rotular como quiser, será
como tentar ensinar dez abecedários
à população”, ele critica.
Valor Diário de Referência (VDR)
Repete parte das informações da tabela
nutricional, mas com maior destaque, utilizando uma sequência de “bandeirinhas” de cor
única. Pesquisas feitas na Europa e nos EUA
mostraram que os consumidores não o entendem muito bem, devido aos percentuais e à ausência de indicação da quantidade do produto
que se deveria consumir.
É o esquema preferido das grandes marcas mundiais de alimentos, como Nestlé e
Kellogg’s, presentes no Brasil.
Facts Up Front
Parecido com o VDR, exibe a quantidade
de calorias, gordura saturada, sódio e açúcares
(em gramas) por porção, junto com os respectivos percentuais da recomendação diária, ou
seja, indica de forma indireta em que medida
o produto atende ou extrapola as necessidades
nutricionais de um adulto. Também apresenta
os “nutrientes a incentivar” (os nutrientes “do
bem” presentes no produto).
Foi adotado por marcas de alimentos embalados nos Estados Unidos.
Multiple Traffic Lights
Combina as cores do semáforo com as
bandeirinhas do VDR, relacionando a recomendação diária de cada nutriente com sua
presença no produto e a atitude esperada do
consumidor: comer pouco, moderadamente ou
à vontade.
Foi adotado pelas maiores redes de supermercados britânicas.
importante fonte de proteínas e cálcio”, destaca. Considera-se também que o semáforo nutricional foi feito para a população europeia e que seria necessário
fazer pesquisas com a população brasileira, que tem características diferentes. Mas, até o momento, estudos
desse tipo no Brasil são uma raridade. A Anvisa admite que “esse é um
aspecto que pode dificultar consideravelmente a implementação de
inovações no modelo de rotulagem
nutricional no Brasil”. Além desse
obstáculo, há a própria legislação
atual, que não obriga as empresas
a declarar a quantidade de açúcar
usada nos produtos, o que inviabilizaria a plena aplicação do semáforo ou de outras rotulagens frontais. A Anvisa diz já ter solicitado
ao Mercosul a inclusão dessa norma.
Para o Idec, diante das controvérsias sobre o tema e dificuldades de
implementação no Brasil, não podemos desanimar, muito menos aguardar providências externas. “O governo brasileiro pode e deve priorizar
esse debate no Codex Alimentarius,
e ter um papel determinante para
que medidas em prol da adequada
informação ao consumidor sejam
adotadas. São necessárias vontade
política e coragem para enfrentar
fortes interesses econômicos envolvidos nessa questão. Por isso, a pressão da sociedade civil é fundamental para impulsionar esse processo”,
acredita Mariana Ferraz, advogada
do Idec e conselheira titular do
Conselho Nacional de Segurança
Alimentar (Consea).
Benefícios da
rotulagem simplificada
Guiding Stars
Lançado pela empresa americana Guiding
Stars Licensing Company, agradou o governo americano. Ele atribui de uma a três estrelas ao alimento (seja ele uma fruta fresca
ou um pacote de biscoitos), de acordo com a
sua qualidade nutricional. Veja os
critérios para a atribuição das estrelas
em <http://guiding
stars.com>.
O modelo é usado voluntariamente
por redes de varejo
dos Estados Unidos.
A
lém de facilitar a escolha
por alimentos saudáveis,
os esquemas simplificados
também têm servido para provocar
mudanças na formulação dos produtos alimentícios. Segundo a revisão
científica publicada na Public Health
Nutrition, alguns estudos mostram
que mesmo os modelos que o consumidor não entende direito podem
servir de incentivo para os fabricantes melhorarem o perfil nutricional
de seus produtos. O artigo diz que
na Nova Zelândia a introdução no
mercado de um selo que identificava
os produtos mais saudáveis levou a
indústria de alimentos a eliminar, em
um ano, 33 toneladas de sal de suas
linhas de montagem.
Para Christina Roberto, pesquisadora do Rudd Center for Food Policy
and Obesity da Universidade Yale
(EUA) e coautora da revisão citada
anteriormente, é importante que os
rótulos ajudem a indústria a mudar
seus produtos. Mas diz que ainda não
há pesquisas suficientes para afirmar
com certeza qual é o melhor modelo
de rotulagem simplificada para o
consumidor.
A dúvida é importante. Num artigo de 2011 publicado no Journal of
Hunger & Environmental Nutrition,
o nutricionista Andy Bellatti e a advogada Michele Simon, ambos blogueiros, lembram que não há estudos
suficientes confirmando que o consumidor entenderá melhor os rótulos
frontais do que a tabela completa e
sugerem que eles podem ser apenas
mais um instrumento de marketing
endossado pelos governos
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