Conteúdo 1 Grupos - MAT-UnB

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Conteúdo
1 Grupos
1.1 Grupo simétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.2 Ordem de um elemento e grupos cı́clicos . . . . .
1.3 Subgrupos e teorema de Lagrange . . . . . . . .
1.4 Subgrupos normais e grupos quociente . . . . . .
1.5 O grupo alternado . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.6 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . .
1.7 Homomorfismos, Teorema de Isomorfismo . . . .
1.8 Sobre produtos diretos e grupos abelianos finitos
1.9 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . .
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1
3
4
6
9
12
17
24
30
34
2 Aneis comutativos unitários
2.1 Ideais, quociêntes, teorema de isomorfismo
2.2 Polinômios, divisão com resto . . . . . . .
2.3 Ideais gerados por elementos. . . . . . . .
2.4 Domı́nios Euclidianos . . . . . . . . . . .
2.5 Ideais de um anel quociênte . . . . . . . .
2.6 Mais sobre domı́nios Euclidianos . . . . .
2.7 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . .
2.8 Z[i] é Euclidiano . . . . . . . . . . . . . .
2.9 Fatoração . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.10 Domı́nios principais . . . . . . . . . . . .
2.11 O teorema de Gauss . . . . . . . . . . . .
2.12 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . .
37
41
43
44
47
48
50
52
60
61
64
67
70
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3 Corpos
3.1 Os elementos irredutı́veis de Z[i] . . . . . . . .
3.2 Um resultado de teoria dos números (algebrica)
3.3 Um corpo finito . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.4 Polinômios irredutı́veis em Z[X] e em Q[X] . .
3.5 Extensões de corpos . . . . . . . . . . . . . . .
3.6 Formula do grau . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.7 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . . . . .
3.8 Corpo de decomposição . . . . . . . . . . . . .
3.9 Estrutura dos corpos finitos . . . . . . . . . . .
3.10 Exercı́cios resolvidos . . . . . . . . . . . . . . .
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78
. 79
. 81
. 81
. 83
. 84
. 88
. 90
. 98
. 99
. 103
1
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Grupos
Definição 1. Um conjunto G com uma operação G × G → G, (a, b) 7→ a · b é
um grupo se satisfaz as propriedades seguintes.
1. Associatividade: (a · b) · c = a · (b · c) para todo a, b, c ∈ G.
1
2. Elemento neutro: existe e ∈ G tal que a · e = a = a · e para todo a ∈ G.
3. Inverso: para todo a ∈ G existe b ∈ G tal que a · b = e = b · a.
O grupo G é dito “abeliano” o “comutativo” se ab = ba para todo a, b ∈ G.
A notação formal de um grupo G com a sua operação · é (G, ·). As vezes
vou usar a notação ab em vez de a · b. Observe que se a, b, c ∈ G então o produto
abc está bem definido porque as duas interpretações possı́veis, (ab)c e a(bc), são
iguais pela propriedade associativa.
Algumas consequências faceis:
• O elemento neutro é único: se e, e0 são dois elementos neutros então e = ee0
sendo e0 um elemento neutro e ee0 = e0 sendo e um elemento neutro. Logo
e = e0 .
• O inverso é único: se b, b0 são inversos de a então ab = e = ba e ab0 = e =
b0 a logo b = be = bab0 = eb0 = b0 . Vamos denotar o (único) inverso de a
por a−1 .
• Se a, b, x ∈ G e ax = bx então a = b. De fato, multiplicando por x−1 a
direita obtemos axx−1 = bxx−1 logo ae = be, isto é, a = b. Similarmente,
se xa = xb então a = b.
Alguns exemplos:
• (Z, +) é um grupo abeliano, onde Z denota o conjunto dos números inteiros, Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .}. A operação aqui é a soma, (a, b) 7→ a+b.
O elemento neutro é 0 e o inverso de a é −a.
• (Q, +), (R, +) e (C, +) são grupos também.
• (Q − {0}, ·), (R − {0}, ·) e (C − {0}, ·) são grupos abelianos também. Aqui
o elemento neutro é 1 e o inverso de a é 1/a.
Como vocês já perceberam, tem duas notações que vamos utilizar.
1. Notação multiplicativa: (a, b) 7→ a · b = ab. Nesse tipo de notação o
elemento neutro é indicado por 1 e o inverso de a é indicado por a−1 .
2. Notação aditiva: (a, b) 7→ a + b. Nesse tipo de notação (mais usada para
grupos abelianos) o elemento neutro é indicado por 0 e o inverso de a é
indicado por −a.
Observamos também que existem operações não associativas: por exemplo
(a, b) 7→ a − b é uma operação de Z que não é associativa, porque (a − b) − c 6=
a − (b − c) em geral: de fato (a − b) − c = a − b − c e a − (b − c) = a − b + c são
diferentes se c 6= 0.
2
1.1
Grupo simétrico
Os exemplos dados até agora são de grupos abelianos. Vamos introduzir um
exemplo importante de grupo não abeliano.
Seja X um conjunto. Uma “permutação” de X é uma bijeção X → X. O
grupo simétrico de X é o conjunto G = Sym(X) de todas as permutações de X
com a operação de composição. Lembre-se que a composição entre f, g : X → X
é a função f g = f ◦ g definida assim: (f ◦ g)(x) := f (g(x)). O elemento neutro
nesse grupo é a identidade, idX , definida por idX (x) := x para todo x ∈ X. Se
X = {1, . . . , n} vamos usar a notação Sn para denotar Sym(X).
Por exemplo seja X = {1, 2, 3} assim G = S3 . Para descrever uma permutação f de X (isto é, um elemento de G = S3 ) precisamos escrever as imagens de 1, 2, 3, isto é, os elementos f (1), f (2), f (3). Uma notação que vamos
usar é
1
2
3
.
f (1) f (2) f (3)
1 2 3
Assim por exemplo a identidade é
. Tem permutações que não são
1 2 3
a identidade, por exemplo
1 2 3
1 2 3
1 2 3
1 2 3
1 2 3
,
,
,
,
.
2 1 3
3 2 1
1 3 2
2 3 1
3 1 2
As permutações listadas são todos os elementos de G = S3 .
Vamos introduzir uma notação diferente para os elementos de G que vai
ser útil, a “notação cı́clica”. Um ciclo é indicado por (12 . . . m), e significa o
seguinte: 1 7→ 2 7→ 3 7→ . . . 7→ m 7→ 1. Os elementos que não aparecem no ciclo
(por exemplo m + 1, m + 2, . . .) são elementos fixados
pelo ciclo:
m + 1 7→ m + 1,
1 2 3
m + 2 7→ m + 2, . . . Por exemplo a permutação
escrita na notação
2 1 3
cı́clica
é (12)(o elemento 3 não aparece, isto significa que 3 7→ 3), a permutação
1 2 3
na notação cı́clica é (123). O elemento neutro nessa notação é
2 3 1
indicado por 1. Mais em geral
1 2 3
1 2 3
1 2 3
= 1,
= (12),
= (13),
1 2 3
2 1 3
3 2 1
1 2 3
1 2 3
1 2 3
= (23),
= (123),
= (132).
1 3 2
2 3 1
3 1 2
Vamos calcular o produto f g onde f = (12) e g = (13). Para conhecer uma
permutação de X precisamos conhecer a imagem de todos os elementos de X,
nesse caso 1, 2, 3. Em outras palavras, queremos calcular f g(1), f g(2), f g(3).
Lembre-se que a definição de f g é a seguinte: (f g)(x) := f (g(x)). Logo, como
f (1) = 2, f (2) = 1, f (3) = 3, g(1) = 3, g(2) = 2 e g(3) = 1 temos
3
• (f g)(1) = f (g(1)) = f (3) = 3,
• (f g)(2) = f (g(2)) = f (2) = 1,
• (f g)(3) = f (g(3)) = f (1) = 2.
Em outras palavras f g = (132). Um calculo parecido mostra que gf = (123),
logo f g 6= gf . Isso implica que S3 é um grupo não abeliano.
Atenção: não tem única expressão na notação cı́clica: por exemplo (123) =
(231) = (312) e (12) = (21). Por outro lado, tem uma única expressão de um
cı́clo que começa com um dado elemento: por exemplo (123) é a única expressão
desse ciclo que começa com 1.
Atenção: não toda permutação é um ciclo. Por outro lado, toda permutação
é um produto de
ciclos. Por exemplo em S4 = Sym({1, 2, 3, 4}) o elemento
1 2 3 4
= (12)(34) não é um ciclo.
2 1 4 3
Em geral dado x ∈ X e dada f uma permutação de um conjunto finito
X, o ciclo de f contendo x é (x, f (x), f (f (x)), . . . , f m (x)) onde f k (x) indica
m+1
a aplicação
de f k vezes
(x) = x. Por exemplo dada a permutação
e f
1 2 3 4 5
f=
o ciclo de f contendo 1 é (14) e o ciclo de f contendo
4 3 5 1 2
2 é (235), logo f = (14)(235). Esta é a maneira em que podemos escrever toda
permutação como produto de ciclos (disjuntos).
A “ordem” de um grupo G é a cardinalidade de G, indicada com |G|. Se G
não for finito dizemos que G tem ordem infinita. Uma observação importante
é que dado G = Sn = Sym({1, 2, . . . , n}), a ordem de G é n! = n(n − 1)(n −
2) · · · 3 · 2 · 1. De fato, para construir f ∈ G temos n escolhas para f (1), n − 1
escolhas para f (2) (como f é injetiva, deve ser f (2) 6= f (1)), n − 2 escolhas para
f (3) (como f é injetiva, deve ser f (3) 6= f (1) e f (3) 6= f (2)) e assim diante,
logo temos n(n − 1)(n − 2) · · · 3 · 2 · 1 = n! escolhas para f .
Exercı́cio: Escreva os elementos de S4 nas duas notações. Observe que
|S4 | = 4! = 24.
1.2
Ordem de um elemento e grupos cı́clicos
Dado G um grupo e g ∈ G, a “ordem” de g, indicada por o(g), é o menor inteiro
positivo n tal que g n = 1, onde por definição g n = gg · · · g (n vezes) - essa
escrita faz sentido graças à propriedade associativa. Observe que em notação
aditiva, a ordem de g é o menor inteiro positivo n tal que ng = 0. Se um tal
inteiro n não existir dizemos que g tem “ordem infinita”.
4
Observamos que podemos falar também de potências com exponente negativo: se n é um inteiro negativo definimos g n := (g −1 )−n . Isso faz sentido porque
sabemos o que é g −1 e já definimos potências a exponente positivo (observe que
−n é um número inteiro positivo, pois n < 0). Também, definimos g 0 = 1.
Proposição 1. Seja g ∈ G. A ordem de g em G é igual a n se e somente se
toda vez que m é um inteiro tal que g m = 1 então n divide m.
Demonstração. Seja n a ordem de m. É claro que se m = 0 então g m = 1 e n
divide 0. Supomos m positivo. A divisão com resto de m por n dá um quociente
q e um resto r tais que m = nq + r onde 0 ≤ r < n. Temos
1 = g m = g nq+r = g nq g r = (g n )q g r = 1q g r = g r ,
logo g r = 1. Mas por definição de ordem de um elemento, como o(g) = n e
0 ≤ r < n, devemos ter r = 0. Isso implica que m = nq logo n divide m.
Supomos agora m negativo. Observe que o(g −1 ) = o(g) = n, de fato
−1 k
(g ) = (g k )−1 logo g k = 1 se e somente se (g −1 )k = 1. Então 1 = g m =
(g −1 )−m e pelo caso anterior o(g −1 ) = n divide −m, logo n divide m.
Vamos provar o reciproco. Seja n um inteiro positivo tal que toda vez que
g m = 1, n divide m. Se o(g) = k então g k = 1 logo n divide k, em particular
n ≤ k. Como k é a ordem de g e g n = 1 devemos ter n = k (por minimalidade
de k).
Um grupo G é dito ser “cı́clico” se existe x ∈ G tal que G = {xm : m ∈ Z}.
Vamos escrever G = hxi, e x é dito um “gerador” de G.
• (Z, +) é um grupo ciclico infinito. De fato, todo elemento de Z tem a
forma 0 ou 1 + 1 + . . . + 1 ou (−1) + (−1) + . . . + (−1). Observe que uma
potência de 1 em notação aditiva é simplesmente um multiplo de 1.
• (Z/nZ, +) é um grupo ciclico finito de ordem n. De fato, G = Z/nZ =
{0, 1, 2, . . . , n − 1} onde a operação é a soma modulo n. G é ciclico porque
todo elemento é uma soma de uns: 2 = 1 + 1, 3 = 1 + 1 + 1, etcetera.
• O grupo cı́clico de ordem n na notação multiplicativa será indicado por
Cn . Nesse sentido, existe x ∈ Cn tal que Cn = {1, x, x2 , x3 , . . . , xn−1 }.
Observe que xn = 1 e na verdade n = o(x).
Por exemplo C6 = hxi = {1, x, x2 , x3 , x4 , x5 }. Vamos calcular as ordens dos
elementos de C6 . É claro que o(1) = 1 e o(x) = 6.
• o(x2 ) = 3. De fato (x2 )2 = x4 6= 1 e (x2 )3 = x6 = 1.
• o(x3 ) = 2. De fato (x3 )2 = x6 = 1.
• o(x4 ) = 3. De fato (x4 )2 = x8 = x2 6= 1 e (x4 )3 = x12 = x0 = 1.
5
• o(x5 ) = 6. De fato (x5 )2 = x10 = x4 , (x5 )3 = x15 = x3 , (x5 )4 = x20 = x2 ,
(x5 )5 = x25 = x, (x5 )6 = x30 = x0 = 1.
Logo C6 contem um elemento de ordem 1, um elementos de ordem 2, dois
elementos de ordem 3 e dois elementos de ordem 6.
Um elemento y ∈ Cn tal que o(y) = n se chama “gerador” de Cn . Neste
caso, hyi = Cn . Por exemplo os geradores do grupo C6 = hxi são x e x5 .
Proposição 2. Seja G = Cn = hxi. Seja k um inteiro positivo e seja (n, k) o
maior divisor comum entre n e k.
1. o(xk ) = n/(n, k).
2. hxk i = hx(n,k) i.
Demonstração. Seja m = o(xk ). Logo (xk )m = 1, isto é, xkm = 1. Pela
proposição 1, n divide km, logo n/d divide m, sendo d = (n, k). Por outro lado
(xk )n/d = xkn/d = (xn )k/d = 1k/d = 1 sendo k/d um número inteiro. Isso prova
que m = n/d.
Agora vamos mostrar que hxk i = hx(n,k) i. Pelo algoritmo de Euclide existem
a, b ∈ Z tais que d = (n, k) = na + kb, logo xd = xna+kb = (xn )a (xk )b = (xk )b .
Isso mostra que xd ∈ hxk , logo hxd i ⊆ hxk i. Por outro lado como d divide k,
é claro que xk ∈ hxd i, isto é, hxk i ⊆ hxd i. As duas inclusões mostram que
hxk i = hxd i.
Uma consequência facil é que hxi = hxk i se e somente se (n, k) = 1, onde
n = o(x). Logo, o número de geradores de Cn é igual ao número dos inteiros
k ∈ {1, 2, . . . , n − 1} tais que (n, k) = 1. Esse número é indicado por ϕ(n) e ϕ
é chamada “função de Eulero”. Por exemplo C6 = hxi tem ϕ(6) = 2 geradores,
x e x5 .
1.3
Subgrupos e teorema de Lagrange
Definição 2 (Subgrupo). Um subconjunto H de um grupo G se chama “subgrupo” de G se as seguintes condições valem.
• 1 ∈ H;
• se h ∈ H então h−1 ∈ H;
• se h1 , h2 ∈ H então h1 h2 ∈ H.
Se H é um subgrupo de G escrevemos H ≤ G.
Em outras palavras, um subconjunto H é um subgrupo se é um grupo com a
mesma operação de G e o mesmo elemento neutro 1. Observe que a propriedade
associativa de H segue automaticamente daquela de G.
6
Por exemplo se Cn = hxi então H = hx2 i ≤ Cn . Lembre que temos H = Cn
se e somente se (n, 2) = 1, isto é, n é impar.
Um outro exemplo é S3 = {1, (12), (13), (23), (123), (132)}. Aqui temos os
subgrupos
• h1i = {1};
• h(12)i = {1, (12)};
• h(13)i = {1, (13)};
• h(23)i = {1, (23)};
• h(123)i = {1, (123), (132)}.
Os subgrupos listados são, na verdade, todos os subgrupos próprios de S3
(subgrupos diferentes de S3 ). Observe que S3 não é um grupo abeliano (mostramos já que (12)(13) 6= (13)(12)), em particular S3 não é cı́clico (porque todo
grupo cı́clico é abeliano).
Definição 3 (Classe lateral). Seja H um subgrupo de um grupo G. Uma “classe
lateral à esquerda” de H é um conjunto da forma gH = {gh : h ∈ H} onde
g ∈ G é um elemento dado. Uma “classe lateral à direita” de H é um conjunto
da forma Hg = {hg : h ∈ H} onde g ∈ G é um elemento dado.
Então por exemplo seja H = h(123)i = {1, (123), (132)} ≤ S3 . A classe
lateral à esquerda (12)H de H é o conjunto
{(12)1, (12)(123), (12)(132)} = {(12), (23), (13)}.
A classe lateral à direita H(12) de H é o conjunto
{1(12), (123)(12), (132)(12)} = {(12), (13), (23)}.
Observe que H(12) = (12)H nesse caso.
Seja K = h(12)i = {1, (12)} ≤ S3 . Então (123)H = {(123)1, (123)(12)} =
{(123), (13)} e H(123) = {1(123), (12)(123)} = {(123), (23)}. Observe que
(123)H 6= H(123).
No que segue vamos trabalhar com classes laterais à esquerda.
Definição 4. Se H ≤ G, o “ı́ndice” de H em G é o número de classes laterais
à esquerda de H em G. O ı́ndice de um subgrupo pode ser finito ou infinito, e
é indicado por |G : H|.
Observe que o número de classes laterais à direita de H em G é tambem
igual à |G : H|.
Teorema 1 (Lagrange). Seja G um grupo finito e seja H ≤ G. Então |G :
H| = |G|/|H|, em particular |H| divide |G|.
7
Demonstração. Para mostrar esse teorema precisamos de algumas propriedades
das classes laterais.
S
1. g∈G gH = G. De fato a inclusão ⊆ é obvia e se g ∈ G então g ∈ gH, e
isso mostra a inclusão ⊇.
2. Seja g ∈ G. Então gH = H se e somente se g ∈ H. Para mostrar isso
mostramos as duas implicações. Se gH = H então g = g·1 ∈ gH = H logo
g ∈ H. Agora supomos g ∈ H. Então se h ∈ H, h = g(g −1 h) ∈ gH sendo
g −1 h ∈ H, porque g, h ∈ H. Isso mostra que H ⊆ gH. Para mostrar a
outra inclusão gH ⊆ H basta observar que se h ∈ H então gh ∈ H porque
g, h ∈ H.
3. Sejam x, y ∈ G. Então xH = yH se e somente se y −1 x ∈ H. De fato,
multiplicando à esquerda por y −1 , temos que xH = yH se e somente se
y −1 xH = H e pelo item anterior, isso é equivalente a y −1 x ∈ H.
4. Seja g ∈ G. Então a função H → gH que manda h em gh é bijetiva e
por consequência |gH| = |H|. Para mostrar isso basta construir a inversa:
definimos f −1 (x) := g −1 x. Logo f (f −1 (x)) = f (g −1 x) = gg −1 x = x e
f −1 (f (x)) = f −1 (gx) = g −1 gx = x. Isso mostra que f é bijetiva.
Agora observe que se xH e yH são duas classes laterais então ou xH = yH
ou xH ∩ yH = ∅. De fato, se a interseção xH ∩ yH não é vazia então ela contem
um elemento g. Temos g ∈ xH, logo x−1 g ∈ H e sabemos que isso significa
gH = xH. Analogamente g ∈ yH, logo y −1 g ∈ H e sabemos que isso significa
gH = yH. Logo xH = gH = yH.
Por consequência, se g1 H, g2 H, . . ., gk H são as classes laterais à esquerda
de H em G, onde k = |G : H|, a união G = g1 H ∪ . . . ∪ gk H é disjunta, e como
|gi H| = |H| para todo i, temos
|G| = |g1 H ∪ . . . ∪ gk H| = |g1 H| + . . . + |gk H| = |H| + . . . + |H| = k|H|.
Isso conclui a demonstração do teorema de Lagrange.
Uma outra maneira de dizer que as classes laterais à esquerda de H em G
formam uma partição de G é o fato que a seguinte é uma relação de equivalência
em G (verifique!): x ∼ y se e somente se y −1 x ∈ H.
Por exemplo seja G = C6 = hxi = {1, x, x2 , x3 , x4 , x5 }. Esse grupo tem
ordem 6, o subgrupo hx2 i tem ordem o(x2 ) = 3, o subgrupo hx3 i tem ordem
o(x3 ) = 2 e 2 e 3 dividem 6.
Por exemplo seja G = S3 = {1, (12), (13), (23), (123), (132)}. Esse grupo
tem ordem 6, o subgrupo h(12)i tem ordem 2, o subgrupo h(123)i tem ordem 3
e 2 e 3 dividem |G| = 3! = 6.
Uma primeira consequência importante do teorema de Lagrange é a seguinte.
8
Proposição 3. Seja G um grupo de ordem |G| = p, um número primo. Então
G é cı́clico.
Demonstração. Como |G| = p > 1 existe g ∈ G diferente de 1. Seja H := hgi.
Pelo teorema de Lagrange, como H é um subgrupo de G temos que |H| divide
|G| = p. Como p é um número primo, isso implica que |H| = 1 ou |H| = p. Mas
é claro que |H| =
6 1, pois H contem pelo menos dois elementos: 1 e g (lembre-se
que g 6= 1). Logo |H| = p = |G|. Mas então G é um conjunto finito com p
elementos e H é um subconjunto de G com o mesmo número de elementos. Isso
implica que H = G, logo G = H = hgi é cı́clico.
1.4
Subgrupos normais e grupos quociente
Definição 5. Seja H um subgrupo de G. O insieme quociente das classes
laterais à esquerda de H em G é G/H := {gH : g ∈ G}, o conjunto de todas
as classes laterais de H em G.
Por definição de indice, |G/H| = |G : H|. Observe que pelo teorema de
Lagrange, se G é finito então |G/H| = |G|/|H|.
O que queremos fazer agora é tentar dar uma estrutura de grupo ao quociente
G/H. Para fazer isso precisamos definir uma operação, e a operação mais
natural é a seguinte:
(xH) · (yH) := (xy)H.
(∗)
Mas observe que esse produto depende das escolhas de x e y, então pode acontecer que não seja bem definido. Queremos saber qual hipótese precisamos por
sobre H para ter certeza que o produto acima seja bem definido.
Suponha que o produto (∗) seja bem definido, e seja g ∈ G. Se h ∈ H então
temos gH = ghH, pois (gh)−1 g = h−1 g −1 g = h−1 ∈ H. Podemos calcular o
produto (gH) · (g −1 H) de duas formas diferentes:
(gH) · (g −1 H) = (gg −1 )H = 1H = H,
(ghH) · (g −1 H) = (ghg −1 )H.
Como o produto é bem definido por hipótese, o resultado dos dois cálculos tem
que ser o mesmo, em outras palavras H = (ghg −1 )H. Sabemos que isso significa
ghg −1 ∈ H. Então essa condição é o que precisamos para ter uma estrutura de
grupo em G/H.
Definição 6 (Subgrupo normal, Grupo quociente). Um subgrupo H de um
grupo G é dito “normal” se ghg −1 ∈ H para todo g ∈ G, h ∈ H. Escrevemos
H E G. Nesse caso, o quociente G/H = {gH : g ∈ G} é um grupo (grupo
quociente) com a operação
(xH) · (yH) := (xy)H,
o elemento neutro é 1H = H e o inverso de gH é g −1 H.
9
Observe que se por exemplo G for abeliano então todo subgrupo de G é
normal: se H ≤ G e h ∈ H, g ∈ G então ghg −1 = gg −1 h = 1h = h ∈ H. Logo
H E G.
Exemplo: Seja G = S3 = {1, (12), (13), (23), (123), (132)} e seja H =
h(12)i = {1, (12)} ≤ S3 . Temos (13)−1 = (13) pois (13)(13) = 1, logo
(13)(12)(13)−1 = (13)(12)(13) = (23) 6∈ H.
Isso mostra que H não é normal em G.
Seja agora K = h(123)i ≤ G = S3 . Observe que 1−1 = 1, (12)−1 = (12),
(13)−1 = (13), (23)−1 = (23), (123)−1 = (132) e (132)−1 = (123). Temos
1(123)1−1 = (123) ∈ K, (12)(123)(12)−1 = (132) ∈ K,
(13)(123)(13)−1 = (132) ∈ K, (23)(123)(23)−1 = (132) ∈ K,
(123)(123)(123)−1 = (123) ∈ K, (132)(123)(132)−1 = (123) ∈ K.
Isso mostra que gxg −1 ∈ K para todo g ∈ G, onde x = (123). Para concluir
que K é normal em G precisamos mostrar isso para os outros elementos de K,
que são 1 e x2 . Mas é claro que g1g −1 = gg −1 = 1 ∈ K, então para mostrar
que K E G basta mostrar que gx2 g ∈ K para todo g ∈ G. Mas gx2 g = gxxg =
gxg −1 gxg −1 = (gxg −1 )2 ∈ K porque gxg −1 ∈ K, como mostrado acima. Isso
mostra que K E G.
Lembre-se que um subgrupo H de um grupo G é dito normal se a operação
(xH) · (yH) := (xy)H
dá ao insieme quociente G/H = {gH : g ∈ G} a estrutura de grupo (grupo
quociente). Já vimos que isso é equivalente à condição ghg −1 ∈ H para todo
g ∈ G, h ∈ H. Se H é um subgrupo normal de G escrevemos H E G.
Proposição 4. Seja H um subgrupo de G, g ∈ G e seja Hg = {hg : h ∈ H}
(classe lateral a direita). São equivalentes
1. H é normal;
2. Hg = gH para todo g ∈ G;
3. gHg −1 = H para todo g ∈ G.
Demonstração. (1) implica (2). Suponha H normal, e vamos mostrar que se
g ∈ G então Hg = gH. Mostramos as duas inclusões. (⊆): se hg ∈ Hg então
hg = gg −1 hg ∈ gH pois g −1 hg ∈ H (H é normal). (⊇): se gh ∈ gH então
gh = ghg −1 g ∈ Hg pois ghg −1 ∈ H (H é normal).
(2) implica (3). Se Hg = gH multiplicando à direita por g −1 obtemos
H = gHg −1 .
(3) implica (1). Suponha gHg −1 = H. Se g ∈ G e h ∈ H então ghg −1 ∈
gHg −1 = H logo ghg −1 ∈ H.
10
O resultado acima implca que se H é normal em G então não precisamos de
distinções entre classes laterais de H a esquerda e a direita, podemos simplesmente falar de “classes laterais de H”.
Observe que se G é um grupo abeliano então todo subgrupo H de G
é normal: se g ∈ G e h ∈ H então hg −1 = g −1 h (porque G é abeliano), logo
ghg −1 = gg −1 h = h ∈ H.
Observe que G = Cn = {1, x, x2 , . . . , xn−1 } = hxi é abeliano: se xa , xb são
dois elementos de Cn então
xa xb = xa+b = xb+a = xb xa .
Em particular, todo subgrupo de Cn é normal. Seja H um subgrupo de Cn .
Vamos mostrar que
Proposição 5. Cn /H é um grupo cı́clico.
Demonstração. Mostrar que Cn /H é um grupo cı́clico significa construir um
gerador, isto é, um elemento gH ∈ Cn /H tal que todo elemento de Cn /H é
uma potência de gH. Vamos escolher como gerador o elemento xH. Precisamos
mostrar que qualquer elemento de Cn /H é uma potência de xH. Um elemento
qualquer de Cn /H tem a forma gH para algum g ∈ Cn , que tem a forma g = xk ,
logo gH = xk H. Agora por definição de produto no quociente (aH · bH :=
(ab)H) temos
xk H
= xk−1 xH = xk−1 H · xH = xk−2 xHxH = xk−2 H · xH · xH =
= . . . = xH · xH · · · xH = (xH)k .
Logo gH = xk H = (xH)k , isto é, o meu elemento gH é uma potência de xH, o
que queria se mostrar.
Observe que se x ∈ G e G é finito, então x|G| = 1. De fato, pelo teorema
de Lagrange o(x) = |hxi| divide |G|, isto é, |G| = ab onde a = o(x) e b é um
número inteiro. Logo, x|G| = xab = (xa )b = 1b = 1.
Proposição 6. Se G = Cn = hxi = {1, x, x2 , . . . , xn−1 } e H ≤ G então H =
hxd i para algum divisor d de n, em particular H é cı́clico.
Demonstração. Seja m = |H|. Pelo teorema de Lagrange m divide n. Além
disso, H E G (sendo G abeliano), e já vimos que |G/H| = |G : H| = |G|/|H| =
n/m. xH pertence ao grupo G/H, e pela observação acima, (xH)|G/H| = H,
onde H é o elemento neutro do grupo quociente G/H. Logo H = (xH)|G/H| =
(xH)n/m = xn/m H. Sabemos que isso significa exatamente xn/m ∈ H. Então
todas as potências de xn/m também pertencem a H (que é um subgrupo)
logo hxn/m i ≤ H. Por outro lado |hxn/m i| = o(xn/m ) = o(x)/(o(x), n/m) =
n/(n, n/m) = n/(n/m) = m. Então estamos na situação seguinte: hxn/m i é um
subconjunto de H com m elementos e |H| = m. Isso implica que hxn/m i = H,
em particular H é cı́clico e podemos escolher d = n/m.
11
1.5
O grupo alternado
Agora vamos fazer um exemplo de um subgrupo normal de um grupo não abeliano.
Seja G = Sn o grupo simétrico de grau n. Por exemplo lembre-se que S3 =
{1, (12), (13), (23), (123), (132)}. Temos que |Sn | = n!. Considere o polinômio
Y
(Xi − Xj )
T :=
1≤i<j≤n
em variaveis comutantes: Xa Xb = Xb Xa . Os fatores desse polinômio são Pij :=
Xi − Xj com i < j. Seja P = {Pij : 1 ≤ i < j ≤ n}.
Fixamos σ ∈ G = Sn . Observe que em geral se i < j pode acontecer que
σ(i) < σ(j) ou σ(j) < σ(i) (não pode acontecer que σ(i) = σ(j), por quê?),
então em geral Pσ(i),σ(j) 6∈ P . Podemos definir a função
Pσ(i),σ(j) se σ(i) < σ(j),
ϕσ : P → P,
ϕσ (Pij ) :=
Pσ(j),σ(i) se σ(i) > σ(j)
A função ϕσ : P → P é bijetiva: de fato, a inversa dela é ϕσ−1 . Para ver isso
observe que se i < j e σ(i) < σ(j) temos ϕσ−1 (ϕσ (Pij )) = ϕσ−1 (Pσ(i),σ(j) ) =
Pσ−1 (σ(i)),σ−1 (σ(j)) = Pij . Se i < j e σ(i) > σ(j) temos ϕσ−1 (ϕσ (Pij )) =
ϕσ−1 (Pσ(j),σ(i) ) = Pσ−1 (σ(i)),σ−1 (σ(j)) = Pij . Isso implica que ϕσ−1 ◦ ϕσ é a
identidade P → P . De forma analoga se mostra que ϕσ ◦ ϕσ−1 também é a
identidade P → P .
Q
A permutação σ ∈ Sn permuta os indices no polinômio T = 1≤i<j≤n (Xi −
Xj ) da forma seguinte:
Y
Tσ :=
(Xσ(i) − Xσ(j) ).
1≤i<j≤n
Como Xi − Xj = −(Xj − Xi ), o fato que ϕσ é bijetiva implica que Tσ = ±T .
Definição 7 (Sinal de uma permutação). A permutação σ ∈ Sn é dita par se
Tσ = T , é dita impar se Tσ = −T . O sinal de σ, indicado com sgn(σ), é 1 se
σ é par e é −1 se σ é impar, assim Tσ = sgn(σ)T .
Por exemplo a identidade é sempre par: T1 = T . Vamos calcular o sinal de
(12), (123) ∈ S3 . Temos T = (X1 − X2 )(X1 − X3 )(X2 − X3 ).
• Seja σ = (12). Tσ = (X2 − X1 )(X2 − X3 )(X1 − X3 ) = −T . σ é impar.
• Seja σ = (123). Tσ = (X2 − X3 )(X2 − X1 )(X3 − X1 ) = T . σ é par.
Uma propriedade importante do sinal é a seguinte.
Proposição 7. Sejam σ, τ ∈ Sn . Então sgn(στ ) = sgn(σ)sgn(τ ).
12
Q
Demonstração. Temos Tστ = 1≤i<j≤n (Xστ (i) − X
Qστ (j) ) e reordenando os indices obtemos que esse produto é igual a sgn(τ ) 1≤i<j≤n (Xσ(i) − Xσ(j) ) =
sgn(τ )sgn(σ)T . Por outro lado temos Tστ = sgn(στ )T logo sgn(σ)sgn(τ ) =
sgn(στ ).
Uma consequência é que se σ ∈ Sn então sgn(σ) = sgn(σ −1 ), de fato 1 =
sgn(1) = sgn(σσ −1 ) = sgn(σ)sgn(σ −1 ) e o fato que sgn(σ), sgn(σ −1 ) ∈ {1, −1}
implica que sgn(σ) = sgn(σ −1 ).
Definição 8. O grupo alternado de grau n é An := {σ ∈ Sn : sgn(σ) = 1}, o
conjunto das permutações pares de Sn .
Proposição 8. An é um subgrupo normal de Sn e |Sn : An | = 2.
Demonstração. Já observamos que sgn(1) = 1, logo 1 ∈ An . Se σ ∈ Sn então
sgn(σ −1 ) = sgn(σ) = 1, logo σ −1 ∈ An . Se σ, τ ∈ An então sgn(στ ) =
sgn(σ)sgn(τ ) = 1 · 1 = 1, logo στ ∈ An . Isso mostra que An ≤ Sn .
Agora sejam h ∈ An e g ∈ Sn . Temos sgn(ghg −1 ) = sgn(g)sgn(h)sgn(g −1 ) =
sgn(g)2 sgn(h) = sgn(h) = 1, logo ghg −1 ∈ An . Isso mostra que An é normal
em Sn .
Para mostrar que |Sn : An | = 2 basta mostrar que Sn = An ∪ (12)An . Basta
mostrar que (12) é impar, porque nesse caso se g ∈ Sn − An então sgn(g) = −1
logo sgn((12)g) = sgn((12))sgn(g) = (−1)(−1) = 1 logo (12)g ∈ An então
g ∈ (12)−1 An = (12)An .
Q
Então falta mostrar
que σ = Q
(12) é impar. Temos
Q
Q T = i<j (Xi − Xj ) logo
Tσ = (X2 − X1 ) 1<j (X1 − Xj ) 2<j (X2 − Xj ) 2<i<j (Xi − Xj ) = −T .
Observe que como |Sn : An | = 2 temos 2 = |Sn : An | = |Sn /An | =
|Sn |/|An | = n!/|An | logo |An | = n!/2. Por exemplo |A3 | = 3, |A4 | = 12.
Observe que se (ij) ∈ Sn então (ij) é impar. De fato, se i, j 6= 1, 2 seja
g = (1i2j), se j = 2 seja g = (1i) e se i = 1 seja g = (2j). É facil ver que
g(12)g −1 = (ij), logo sgn((ij)) = sgn(g)sgn((12))sgn(g −1 ) = −sgn(g)2 = −1.
Observe que se σ é um ciclo (a1 a2 . . . ak ) então o(σ) = k e sgn(σ) =
−(−1)k . De fato,
(a1 a2 . . . ak ) = (a1 ak )(a1 ak−1 ) · · · (a1 a2 )
e como sgn é multiplicativa e todo (ij) é impar, sgn(σ) = (−1)k−1 = −(−1)k .
Logo um ciclo de comprimento par é uma permutação impar, um ciclo de comprimento impar é uma permutação par.
Exemplo. A3 = {1, (123), (132)}.
Exemplo. Os elementos de S4 são 1, (12), (13), (14), (23), (24), (34),
(123), (132), (124), (142), (134), (143), (234), (243), (1234), (1243), (1324),
(1342), (1423), (1432), (12)(34), (13)(24), (14)(23). Logo os elementos de A4
13
são 1, (123), (132), (124), (142), (134), (143), (234), (243), (12)(34), (13)(24),
(14)(23).
Seja σ uma permutação em Sn . Podemos escrever σ como produto de cı́clos
disjuntos da forma (a σ(a) σ 2 (a) . . .) onde a ∈ {1, . . . , n} (começando com
a = 1). Por exemplo:
(14)(1423)(6241)(523)(3416) = (13)(2465).
Essa estrutura de produto de cı́clos disjuntos é a mais natural. Por exemplo
S4 = {1, (12), (13), (14), (23), (24), (34),
(123), (132), (124), (142), (134), (143), (234), (243),
(1234), (1243), (1324), (1342), (1423), (1432),
(12)(34), (13)(24), (14)(23)}.
Os elementos (12)(34), (13)(24), (14)(23) não podem ser escritos em forma de
cı́clos singulos.
Então, toda permutação pode ser escrita como produto de cı́clos disjuntos.
Se σ é produto de cı́clos disjuntos de comprimentos c1 , . . . , ct , dizemos que a
estrutura cı́clica de σ é (c1 , . . . , ct ). Por exemplo (12)(345) tem estrutura cı́clica
(2, 3).
Como toda permutação é um produto de cı́clos (disjuntos), e o sinal de um
produto de permutações é o produto dos sinais, para calcular o sinal precisamos
só calcular o sinal dos cı́clos.
Seja σ = (a1 . . . ak ) um cı́clo de comprimento k e seja g ∈ Sn . Observe que
gσg −1 (g(ai )) = g(ai+1 ) ∀i = 1, . . . , k − 1, gσg −1 (g(ak )) = g(a1 ).
Logo
gσg −1 = (g(a1 ) . . . g(ak )).
Se (b1 . . . bk ) é um qualquer outro cı́clo de comprimento k então escolhendo um
g ∈ Sn tal que g(ai ) = bi para i = 1, . . . , k obtemos
g(a1 , . . . , ak )g −1 = (g(a1 ), . . . , g(ak )) = (b1 , . . . , bk ).
Logo todos os cı́clos do mesmo comprimento são conjugados (dois elementos
x, y são “conjugados” quando existe um elemento g tal que gxg −1 = y). Mais
em geral, todos os elementos da mesma estrutura cı́clica são conjugados: se
σ = c1 · · · cr e τ = d1 · · · dr onde ci , di têm o mesmo comprimento li para todo
i = 1, . . . , r (assim, σ e τ têm estrutura cı́clica (l1 , . . . , lr )) então σ e τ são
14
conjugados: se g ∈ Sn é uma permutação que leva o j-esimo elemento do cı́clo
ci no j-esimo elemento do cı́clo di então
gσg −1 = gc1 · · · cr g −1 = gc1 g −1 gc2 g −1 · · · gcr g −1 = d1 d2 · · · dr = τ.
Por exemplo se σ = (12)(374)(89), τ = (35)(294)(68) escolhemos g levando
1 7→ 3, 2 7→ 5, 3 7→ 2, 4 7→ 4, 5 7→ 1, 6 7→ 7, 7 7→ 9, 8 7→ 6, 9 7→ 8, em outras
palavras g = (1325)(6798), e obtemos gσg −1 = τ .
É facil verificar que
(a1 . . . ak ) = (a1 ak )(a1 ak−1 ) · · · (a1 a2 ).
Logo sgn((a1 , . . . , ak )) = sgn(a1 ak ) · · · sgn(a1 a2 ) = sgn(12)k−1 = (−1)k−1 .
Isso nos permite de calcular o sinal de uma qualquer permutação. Por exemplo
sgn((1529)(381)(51382)(12)) = sgn(1529)sgn(381)sgn(51382)sgn(12) =
= (−1) · 1 · 1 · (−1) = 1.
Observe que a ordem de um cı́clo é o comprimento de tal cı́clo. Por exemplo
(1245) tem ordem 4, (512694) tem ordem 6. A estrutura cı́clica nos permite de
calcular facilmente a ordem de uma permutação. De fato, se σ é um produto
de cı́clos disjuntos c1 · · · ck , logo a ordem de σ é o menor múltiplo comum entre
os comprimentos dos cı́clos c1 , . . . , ck .
De fato, é facil observar que dois cı́clos disjuntos comutam: se (a1 , . . . , ak ),
(b1 , . . . , bh ) são cı́clos disjuntos então
(a1 , . . . , ak )(b1 , . . . , bh ) = (b1 , . . . , bh )(a1 , . . . , ak ).
Isso implı́ca que se c1 , . . . , ct são cı́clos disjuntos então (c1 · · · ct )n = cn1 · · · cnt .
Logo a ordem de σ = c1 · · · ct é o menor n tal que cni = 1 para todo i =
1, . . . , t, isto é, o menor múltiplo comum entre os comprimentos de c1 , . . . , ct .
Por exemplo a ordem de (14)(238961) é 6, a ordem de (1, 2, 3, 4)(5, 6, 7, 8, 9, 10)
é 12.
Por exemplo
A4 = {1, (123), (132), (124), (142), (134), (143), (234), (243),
(12)(34), (13)(24), (14)(23)}
e as ordens dos elementos de A4 são 1, 2, 3. Tem 1 elemento de ordem 1, 8 de
ordem 3 e 3 de ordem 2.
Já observamos que o sinal respeita o produto: sgn(στ ) = sgn(σ)sgn(τ ).
Observe que conjugar também respeita o produto: se x, y, g são elementos de
um grupo G então
gxyg −1 = gxg −1 · gyg −1 .
15
Veremos que funções com essa propriedade são ditas “homomorfismos”. Lembrese que um subgrupo H de um grupo G é normal se ghg −1 ∈ H para todo g ∈ G,
h ∈ H, em outras palavras, se H contem os conjugados dos seus elementos.
Logo, é importante entender os conjugados.
Sabemos que
g(1 2 . . . k)g −1 = (g(1) g(2) . . . g(k)).
Logo, por exemplo, se σ = (123)(47)(986) e g = (142)(3987) logo
gσg −1 = (g(1) g(2) g(3))(g(4) g(7))(g(9) g(8) g(6)) = (419)(23)(876).
Observe que duas permutações conjugadas têm a mesma estrutura como produto de cı́clos disjuntos (“estrutura cı́clica”). Isto é, escritas como produtos
de cı́clos disjuntos têm o mesmo número de cı́clos e os ciclos têm os mesmos
comprimentos. Por outro lado, na verdade essa condição é necessaria e suficiente (no grupo simetrico): se duas permutações tiver a mesma estrutura como
produtos de ciclos disjuntos então elas são conjugadas. Por exemplo sejam
σ = (123)(47)(986), τ = (419)(85)(637). Queremos construir g ∈ Sn tal que
gσg −1 = τ . Podemos construir g da seguinte maneira: primeiro, escrevemos σ
e τ um abaixo do outro incluindo os ciclos de comprimento 1, como segue:
σ = (123)(47)(986)(5)
τ = (419)(85)(637)(2)
Agora definimos g levando todo elemento para aquele que fica abaixo dele:
1 7→ 4, 2 7→ 1, 3 7→ 9, 4 7→ 8, 7 7→ 5, 9 7→ 6, 8 7→ 3, 6 7→ 7, 5 7→ 2. Em
outras palavras g = (148396752). De fato, temos gσg −1 = τ , o que pode ser
verificado também calculando
gσg −1 = (148396752)(123)(47)(986)(125769384) = (419)(85)(637) = τ.
Em outras palavras, no grupo simétrico conjugar σ com g (isto é, fazer gσg −1 )
significa aplicar g aos elementos dos ciclos disjuntos que aparecem em σ.
Por exemplo, no grupo S5 os elementos de estrutura
(∗ ∗ ∗)(∗ ∗) são todos
conjugados. Vamos contar tais elementos. Temos 53 escolhas para os elementos
do ciclo de comprimento 3 e com tais elementos conseguimos construir dois
ciclos, e dado o 3-ciclo (ciclo de comprimento 3) temos
só uma escolha para o 2
ciclo (ciclo de comprimento 2). Logo temos 2 · 53 = 20 tais elementos. Observe
que todos os elementos com estrutura (∗ ∗ ∗)(∗ ∗) têm ordem 6.
Em geral, no grupo simetrico Sn tem exatamente (n − 1)! ciclos de comprimento n (n-ciclos). De fato, escolhido o primeiro elemento do ciclo (por exemplo
1) podemos permutar os outros em todas as maneiras possı́veis. Por exemplo
os ciclos de comprimento 4 em S4 são 3! = 6,
(1234), (1243), (1324), (1342), (1423), (1432).
16
1.6
Exercı́cios resolvidos
1. Escreva os elementos de S4 nas duas notações. Observe que |S4 | = 4! = 24.
Os elementos de S4 tem a forma 1 7→ a, 2 7→ b, 3 7→ c, 4 7→ d onde a
sequência abcd é uma das seguintes:
1234, 1243, 1324, 1342, 1423, 1432, 2134, 2143, 2314, 2341, 2413, 2431,
3124, 3142, 3214, 3241, 3412, 3421, 4123, 4132, 4213, 4231, 4312, 4321.
Na notação cı́clica, tais permutações se escrevem da forma seguinte:
1, (34), (23), (234), (243), (24),
(12), (12)(34), (123), (1234), (1243), (124),
(132), (1342), (13), (134), (13)(24), (1324),
(1432), (134), (13)(24), (1324), (1423), (14)(23).
2. Calcular as ordens dos elementos de C15 .
Temos
C15 = {1, x, x2 , . . . , x14 } = hxi.
Sabemos que o(xk ) = o(x)/(k, o(x)), e aplicando essa formula obtemos
o(xk ) = o(x) = 15 quando (k, 15) = 1, isto é, o(xk ) = o(x) = 15 quando
k = 1, 2, 4, 7, 8, 11, 13, 14. Além disso, o(x3 ) = 15/3 = 5, o(x5 ) = 15/5 =
3, o(x6 ) = 15/3 = 5, o(x9 ) = 15/3 = 5, o(x10 ) = 15/5 = 3, o(x12 ) =
15/3 = 5.
3. Mostrar que todo grupo cı́clico é abeliano. Mostrar que (Q, +) é abeliano
mas não é cı́clico.
Todo grupo cı́clico é abeliano pois em um grupo cı́clico hxi todo elemento
tem a forma xn para algum inteiro n e temos xn xm = xn+m = xm+n =
xm xn . O grupo (Q, +) não é cı́clico: se fosse cı́clico existiria x ∈ Q tal que
todo elemento de Q tem a forma nx (potência aditiva é multiplo!) para
algum n ∈ Z. Em particular como x/2 ∈ Q temos x/2 = nx para algum
n ∈ Z, o que implica x = 2nx, logo x(1 − 2n) = 0 e como x 6= 0 (pois é
claro que Q 6= h0i = {0}) isso implica 2n = 1 que é uma contradição.
4. Escreva os elementos da classe lateral xhx2 i onde hxi = C12 .
Os elementos de hx2 i são as potências de x2 , logo
hx2 i = {1, x2 , x4 , x6 , x8 , x10 }, xhxi = {x, x3 , x5 , x7 , x9 , x11 }.
17
5. Seja H um subgrupo de S3 e suponha que H contenha (12) e (123). Mostre
que H = S3 .
Observe que h(12)i ≤ H, h(123)i ≤ H. Pelo teorema de Lagrange, 2 =
o((12)) = |h(12)i| e 3 = o((123)) = |h(123)i| dividem |H|. Temos então
que 2 e 3 dividem |H|, logo 6 divide |H| (em geral se dois inteiros a, b
dividem n então o menor múltiplo comum entre a, b também divide n).
Mas então H é um subconjunto de S3 com 6 elemento e S3 tem 6 elementos,
e deduzimos que H = S3 .
6. Escreva os elementos de S3 /h(123)i.
Primeiro, observe que H = h(123)i = {1, (123), (132)} é normal em S3
porque os conjugados de x = (123) são
1(123)1−1 = (123) ∈ H,
(12)(123)(12)−1 = (12)(123)(12) = (132) ∈ H,
(13)(123)(13)−1 = (13)(123)(13) = (132) ∈ H,
(23)(123)(23)−1 = (23)(123)(23) = (132) ∈ H,
(123)(123)(123)−1 = (123)(123)(132) = (123) ∈ H,
(132)(123)(132)−1 = (132)(123)(123) = (123) ∈ H.
Isso mostra que gxg −1 ∈ S3 para todo g ∈ S3 , logo
gx2 g −1 = gxxg −1 = gxg −1 gxg −1 ∈ S3
para todo g ∈ S3 . Como hxi = {1, x, x2 } temos que hxi E S3 .
Agora, H tem indice 2 pois |H| = 3 e |G : H| = |G|/|H| = 6/3 = 2, logo
H tem duas classes laterais, elas são H e
(12)H = {(12), (12)(123), (12)(132)} = {(12), (23), (13)}.
Logo o grupo quociênte S3 /H = {H, (12)H} é um grupo cı́clico de ordem
2 gerado por (12)H.
7. Encontre todos os subgrupos normais de S3 .
Já conhecemos três subgrupos normais de S3 : {1}, S3 e h(123)i. Se H ≤ S3
então |H| divide |S3 | = 6, e se |H| = 1 então H = {1}, e se |H| = 6 então
H = S3 . Os subgrupos de S3 diferentes de {1} e de S3 têm que ter
ordem 2 ou 3, em particular eles têm ordem prima, logo são cı́clicos. Isso
18
mostra que todos os subgrupos de S3 diferentes de S3 são cı́clicos, então
os subgrupos de S3 são
{1}, h(123)i, h(12)i, h(13)i, h(23)i, S3 .
É facil ver que os subgrupos de ordem 2 não são normais. Por exemplo
observe que (13)(12)(13)−1 = (13)(12)(13) = (23) 6∈ h(12)i.
Para resumir, os subgrupos normais de S3 são {1}, h(123)i e S3 .
8. Diga se h(1234)i E S4 .
Não é, pois h(1234)i = {1, (1234), (13)(24), (1432)} logo
(12)(1234)(12)−1 = (12)(1234)(12) = (1342) 6∈ h(1234)i.
9. Se H ≤ G e g ∈ G defina gHg −1 := {ghg −1 : g ∈ G}. Prove que
gHg −1 ≤ G.
É claro que 1 ∈ gHg −1 pois 1 = g1g −1 . Se x = ghg −1 ∈ gHg −1 logo
x−1 = gh−1 g −1 ∈ gHg −1 pois h−1 ∈ H. Se h, k ∈ H, x = ghg −1 , y =
gkg −1 ∈ gHg −1 então xy = ghg −1 gkg −1 = ghkg −1 ∈ gHg −1 pois hk ∈ H.
T
10. Se H ≤ G então g∈G gHg −1 é um subgrupo normal de G.
Em geral uma interseção de subgrupos é um subgrupo: se A, B são subgrupos de G e H = A ∩ B então 1 ∈ H pois 1 ∈ A e 1 ∈ B, e se h, k ∈ H
então h, k ∈ A e h, k ∈ B, logo hk ∈ A e hk ∈ B sendo A, B subgrupos,
logo hk ∈ A ∩ B = H. Além disso, h−1 ∈ A e h−1 ∈ B sendo A e B
subgrupos, então h−1 ∈ A ∩ B = H. Isso mostra que H ≤ G. Mais em
geral, o mesmo argomento mostra que uma qualquer interseção de uma
famı́lia de subgrupos é um subgrupo. Aplicando issoTno nosso caso, temos
que todo gHg −1 ≤ G (pelo exercı́cio anterior) logo g∈G gHg −1 ≤ G.
T
Falta mostrar que N = g∈G gHg −1 é normal em G. Seja n ∈ N e seja
x ∈ G. Precisamos mostrar que xnx−1 ∈ N , isto é, xnx−1 ∈ gHg −1 para
todo g ∈ G, em outras palavras n ∈ x−1 gHg −1 x para todo g ∈ G. Mas
x−1 gHg −1 x = x−1 gH(x−1 g)−1 é um conjugado de H, logo ele contem n
por definição de N .
11. Sejam H ≤ G, N E G. Prove que H ∩ N E H.
Já observamos no exercı́cio anterior que uma interseção de subgrupos é
um subgrupo. Falta mostrar que H ∩ N é normal em H. Se x ∈ H ∩ N e
h ∈ H então hxh−1 ∈ H pois h, x ∈ H e hxh−1 ∈ N pois N é normal em
G. Isso implica que hxh−1 ∈ H ∩ N .
19
12. Sejam H ≤ G, N E G e seja HN := {hn : h ∈ H, n ∈ N }. Prove que
HN ≤ G. Prove que se H também é normal então HN E G.
É claro que 1 ∈ HN pois 1 = 1 · 1 e 1 ∈ H, 1 ∈ N . Se x ∈ HN escrevemos
x = hn com h ∈ H, n ∈ N , e temos (hn)−1 = n−1 h−1 = h−1 hnh−1 ∈ HN
pois h−1 ∈ H e hnh−1 ∈ N (N é normal em G). Se h, k ∈ H e n, m ∈ N
então (hn)(km) = hkk −1 nkm ∈ HN pois h, k ∈ H e k −1 nk, m ∈ N .
13. Seja G um grupo abeliano e H ≤ G. Mostre que G/H é abeliano.
Se aH, bH ∈ G/H então (aH)(bH) = abH = baH = (bH)(aH).
14. Seja H E G e seja xH ∈ G/H. Mostre que (xH)|G/H| = H.
Já vimos que se x ∈ G então x|G| = 1. Aplicando esse resultado ao grupo
G/H, que tem ordem |G/H| e elemento neutro H, obtemos exatamente
(xH)|G/H| = H.
15. Mostre que |A5 | = 60.
Sabemos que |S5 : A5 | = 2, logo 2 = |S5 : A5 | = |S5 /A5 | = |S5 |/|A5 | =
5!/|A5 | logo |A5 | = 5!/2 = 120/2 = 60.
16. Conte os elementos de A5 de ordens 1, 2, 3, 5.
Os elementos de A5 diferentes de 1 são ciclos de comprimento 3 ou 5 ou
produto de dois ciclos disjuntos de comprimento 2 (os elementos de tipo
(∗ ∗ ∗)(∗ ∗) e (∗ ∗ ∗ ∗) não pertencem a A5 porque são permutações
impares). Para construir um ciclo de comprimento 3 precisamos de três
elementos de {1, 2, 3, 4, 5} com os quais podemos construir dois ciclos (por
exemplo com os elementos 1, 2, 3 podemos construir os ciclos (123) e (132)),
logo no grupo A5 temos 53 2 = 20 ciclos de comprimento 3. Para construir
um ciclo de comprimento 5 basta contar as possibilidades escrevendo um
tal ciclo na forma (1 ∗ ∗ ∗ ∗). Tem 4! = 24 possibilidades. Para construir
um produto de dois ciclos disjuntos de comprimento 2 precisamos escolher
um elemento fixo (tem 5 possibilidades) e escolher a imagem de um dos 4
elementos não fixados (por exemplo fixando 3 e escolhendo 1 7→ 5 obtemos
o elemento (15)(24)). Logo A5 contem 5 · 3 = 15 elementos de ordem 2.
Observe que 1 + 20 + 24 + 15 = 60 = |A5 |.
17. Seja H := {σ ∈ Sn : σ(1) = 1}. Mostre que H ≤ Sn e que HAn = Sn se
n > 2.
20
Sejam σ, τ ∈ H. Temos 1 ∈ H pois 1(1) = 1, e σ −1 (1) = σ −1 (σ(1)) = 1
logo σ ∈ H. Além disso, στ (1) = σ(τ (1)) = σ(1) = 1 logo στ ∈ H. Isso
mostra que H ≤ Sn . Em particular, HAn ≤ Sn pois H ≤ Sn e An E Sn .
Agora seja g ∈ Sn e mostramos que g ∈ HAn . Observe que como An é
normal, HAn = An H logo basta mostrar que g ∈ An H. Se g ∈ An ou
g ∈ H então é claro que g = 1 · g = g · 1 ∈ An H logo supomos agora
que g 6∈ An e que g 6∈ H. Seja k = g(1) 6= 1 e seja h ∈ {1, . . . , n} com
1 6= h 6= k (isto é possı́vel pois n > 2). Então ((1hk)g)(1) = 1 logo
(1hk)g ∈ H, o que implica g ∈ (1hk)−1 H ⊆ An H.
18. Seja G um grupo e seja
Z = Z(G) := {x ∈ G : gx = xg ∀g ∈ G},
o “centro” de G, o conjunto dos elementos de G que comutam com todos
os elementos de G. Prove que Z é um subgrupo normal de G e mostre
que Z = G se e somente se G é abeliano.
É claro que 1 ∈ Z pois 1 · g = g · 1 = g para todo g ∈ G. Se x, y ∈ Z
e g ∈ G então (xy)g = xyg = xgy = gxy = g(xy) então xy comuta
com todo g ∈ G, isto é, xy ∈ Z. Além disso, se x ∈ Z e g ∈ G então
x−1 g = (g −1 x)−1 = (xg −1 )−1 = gx−1 , logo x−1 comuta com todo g ∈ G,
isto é, x−1 ∈ Z. Isso mostra que Z ≤ G. Z é normal pois se x ∈ Z e
g ∈ G então gxg −1 = gg −1 x = x ∈ Z. É claro que Z = G se e somente
se G é abeliano, pois dizer Z = G é equivalente a dizer que todo elemento
de G comuta com todo elemento de G.
19. Mostre que Z(S3 ) = {1}, Z(A3 ) = A3 , Z(S4 ) = {1}, Z(A4 ) = {1}.
Observe que (12)(13) = (132) e (13)(12) = (123), logo (12) 6∈ Z(S3 ) e
(13) 6∈ Z(S3 ); (123)(23) = (12) e (23)(123) = (13) logo (123) 6∈ Z(S3 )
e (23) 6∈ Z(S3 ); (12)(132) = (13), (132)(12) = (23) logo (132) 6∈ Z(S3 ).
Isso mostra que Z(S3 ) = {1}. A3 = {1, (123), (132)} = h(123)i é ciclico,
logo é abeliano e Z(A3 ) = A3 (cf. o exercı́cio anterior). Observe que a
simetria dos calculos implica que se no grupo simetrico Sn conseguimos
mostrar que (12) 6∈ Z(Sn ) então todos os ciclos de comprimento 2 não
pertencem ao centro de Sn , e assim para as outras estruturas. Então o
fato que (12)(123) 6= (123)(12) implica que os ciclos de comprimentos 2 e 3
não pertencem a Z(S4 ), e (12)(34)(1234) 6= (1234)(12)(34) implica que os
ciclos de comprimento 4 e os produtos de dois ciclos disjuntos de comprimento 2 não pertencem a Z(S4 ), logo Z(S4 ) = {1}. Agora, os elementos
de A4 diferentes de 1 são ciclos de comprimento 3 ou produtos de dois
ciclos disjuntos de comprimento 2, e como (123)(12)(34) 6= (12)(34)(123)
eles não pertencem a Z(A4 ), logo Z(A4 ) = {1}.
20. Mostre que o indice |G : Z(G)| não pode ser igual a 2. [Dica: se |G : Z| = 2
então G/Z = {Z, xZ} para algum x ∈ G logo todo elemento fora de Z
21
tem a forma xz para algum z ∈ Z - tente mostrar que isso implica que G
é abeliano.]
Sejam a, b ∈ G. Mostramos que ab = ba. É claro que se um entre a, b
pertence a Z(G) então ab = ba, agora supomos que a, b 6∈ Z(G), assim
(seguindo a dica) a = xz, b = xz 0 para alguns z, z 0 ∈ Z. Temos ab =
xzxz 0 = xxz 0 z = xz 0 xz = ba.
Isso mostra que G é abeliano, logo G = Z(G), uma contradição (Z(G) é
diferente de G, pois ele tem indice 2).
21. (Herstein problema 3 seção 2.10). Escreva
(123)(45)(16789)(15), (12)(123)(12)
como produtos de ciclos disjuntos.
(123)(45)(16789)(15) = (145678923),
(12)(123)(12) = (132)
22. (Herstein problema 4 seção 2.10). Mostre que
(1, 2, . . . , n)−1 = (n, n − 1, . . . , 1).
Basta observar que (1, 2, . . . , n)(n, n − 1, . . . , 1) = 1.
23. (Herstein problema 5 seção 2.10). Encontre a estrutura cı́clica das oito
potências de σ = (1 . . . 8). Por exemplo (12345678)4 = (15)(26)(37)(48)
tem estrutura cı́clica (2, 2, 2, 2).
Temos σ 2 = (1357)(2468) (estrutura cı́clica (4, 4)), σ 3 = (14725836) (estrutura cı́clica (8)), σ 4 = (15)(26)(37)(48) (estrutura cı́clica (2, 2, 2, 2)),
σ 5 = (16385274) (estrutura cı́clica (8)), σ 6 = (1753)(2864) (estrutura
cı́clica (4, 4)), σ 7 = (18765432) (estrutura cı́clica (8)), σ 8 = 1.
24. (Herstein problema 7 seção 2.10). Calcule aba−1 onde (1) a = (135)(12),
b = (1579) e (2) a = (579), b = (123).
No caso (1), aba−1 = (3179), no caso (2) aba−1 = (123).
25. (Herstein problema 10 seção 2.10). Calcule o sinal das permutações
(123)(12), (12345)(123)(45), (12)(13)(14)(25).
Usando a propriedade sgn(xy) = sgn(x)sgn(y) obtemos
sgn((123)(12)) = sgn((123))sgn((12)) = −1,
22
sgn((12345)(123)(45)) = sgn((12345))sgn((123))sgn((45)) = −1,
sgn((12)(13)(14)(25)) = sgn((12))sgn((13))sgn((14))sgn((25)) = (−1)4 = 1.
26. (Herstein problema 2 seção 2.6). Seja H um subgrupo de G com |G : H| =
2. Prove que H EG. [Dica: tem exatamente duas classes a esquerda H, xH
e exatamente duas classes a direita H, Hy, logo xH = G − H = Hy.]
Seguindo a dica, como xH = Hy temos x = x · 1 ∈ Hy logo Hy = Hx e as
duas classes a direita de H são H e Hx, em particular xH = G−H = Hx,
que implica xHx−1 = H. Sejam h ∈ H e g ∈ G e mostramos que ghg −1 ∈
H. Se g ∈ H isto é obvio, então suponha g 6∈ H. Então g ∈ xH logo
existe k ∈ H com g = xk e temos ghg −1 = (xk)h(xk)−1 = xkhk −1 x−1 ∈
xHx−1 = H.
27. (Herstein problema 9 seção 2.6). Seja G um grupo finito e seja H o único
subgrupo de G de ordem |H|. Prove que H E G. [Dica: dado g ∈ G
considere gHg −1 ≤ G.]
Observe que gHg −1 ≤ G (como visto em um exercı́cio anterior) e |gHg −1 | =
|H| (pois a função H → gHg −1 que leva h para ghg −1 é bijetiva, com inversa x 7→ g −1 xg), e como H é o único subgrupo de G de ordem |H|
devemos ter gHg −1 = H. Como isso vale para todo g ∈ G, H é normal.
28. (Herstein problema 15 seção 2.6). Seja G um grupo finito e sejam N E G,
g ∈ G. Mostre que a ordem de gN no quociente G/N divide a ordem de
g em G.
Seja n a ordem de g em G, então (gN )n = g n N = 1N = N logo a ordem
de gN em G/N divide n.
29. Conjugar σ = (135)(2498) ∈ S9 em τ = (2941)(683) ∈ S9 . Isto é, encontrar g ∈ S9 tal que gσg −1 = τ .
Escrevemos os elementos um abaixo do outro incluindo os ciclos de comprimento 1:
σ = (135)(2498)(6)(7)
τ = (683)(2941)(5)(7)
Logo um g tal que gσg −1 = τ age da forma seguinte: 1 7→ 6, 3 7→ 8,
5 7→ 3, 2 7→ 2, 4 7→ 9, 9 →
7 4, 8 7→ 1, 6 7→ 5, 7 7→ 7. Em outras palavras
g = (16538)(49).
23
30. Qual é a maxima ordem de um elemento de S6 ? E de S7 ? E de S8 ?
[Lembre-se que a ordem de um elemento depende só da sua estrutura
como produto de cı́clos disjuntos, é o menor múltiplo comum entre os
comprimentos.]
As estruturas dos elementos de S6 como produtos de ciclos disjuntos são 1
(ordem 1), (∗∗) (ordem 2), (∗ ∗ ∗) (ordem 3), (∗ ∗ ∗∗) (ordem 4), (∗ ∗ ∗ ∗ ∗)
(ordem 5), (∗ ∗ ∗ ∗ ∗∗) (ordem 6), (∗∗)(∗ ∗ ∗) (ordem 6), (∗∗)(∗ ∗ ∗∗) (ordem
4), (∗∗)(∗∗)(∗∗) (ordem 2), (∗ ∗ ∗)(∗ ∗ ∗) (ordem 3). Logo a maxima ordem
de um elemento de S6 é 6.
Para semplificar a notação escrevemos a estrutura do produto em ciclos
disjuntos de uma permutação σ como (l1 , l2 , . . . , lt ), que significa que na
estrutura de σ tem t ciclos de comprimentos l1 , l2 , . . . , lt . Por exemplo
(14)(236)(59) tem estrutura (2, 2, 3). As estruturas dos elementos de S7
são 1 (ordem 1), (2) (ordem 2), (3) (ordem 3), (4) (ordem 4), (5) (ordem
5), (2, 2) (ordem 2), (2, 3) (ordem 6), (2, 4) (ordem 4), (2, 5) (ordem 10),
(2, 2, 2) (ordem 2), (2, 2, 3) (ordem 6), (3, 3) (ordem 3), (3, 4) (ordem 12).
Logo a máxima ordem de um elemento de S7 é 12.
Fazendo a mesma coisa com S8 encontramos que a máxima ordem nesse
caso é 15, que corresponde à estrutura (3, 5).
31. Contar os elementos de S6 de ordem 5.
Os elementos de S6 de ordem 5 são exatamente os ciclos de comprimento
5, e para construir um tal ciclo precisamos escolher o elemento fixado e
construir um ciclo com os outros cinco. Temos então 6·4! = 144 elementos
de ordem 5.
1.7
Homomorfismos, Teorema de Isomorfismo
Uma função f : A → B entre dois grupos A, B (em notação multiplicativa) é
dita “homomorfismo” se
f (xy) = f (x)f (y)
∀x, y ∈ A.
Já vimos exemplos de uma tal função:
1. A identidade G → G (isto é, a função que leva x em x, para todo x ∈ G)
é um homomorfismo de grupos.
2. Se G é um grupo e g ∈ G então a função γg : G → G definida por
γg (x) := gxg −1 é um homomorfismo de grupos pois γg (xy) = gxyg −1 =
gxg −1 gyg −1 = γg (x)γg (y). Observe que γ1 é a identidade G → G.
3. A função sinal sgn : Sn → {1, −1} é um homomorfismo pois se σ, τ são
duas permutações, sgn(στ ) = sgn(σ)sgn(τ ).
24
4. Se N E G a função π : G → G/N definida por π(g) := gN (projeção
canonica) é um homomorfismo de grupos por definição de produto no
grupo quociente: f (xy) = xyN = xN yN = f (x)f (y).
Seja f : A → B um homomorfismo. Observe que:
• f (1) = 1. De fato, f (1) = f (1 · 1) = f (1)f (1) logo multiplicando a direita
por f (1)−1 obtemos 1 = f (1).
• f (x−1 ) = f (x)−1 . De fato temos f (x−1 )f (x) = f (x−1 x) = f (1) = 1 e
f (x)f (x−1 ) = f (xx−1 ) = f (1) = 1.
O homomorfismo f : A → B é dito ISOMORFISMO se é bijetivo, isto é, se
é injetivo e sobrejetivo. Se existe um isomorfismo f : A → B escrevemos
A∼
= B.
Por exemplo considere os dois grupos (Z/nZ, +) e (Cn , ·) = hxi, e considere
f : Z/nZ → Cn , f (k) := xk ,
onde k := k + nZ. Observe que k é uma classe lateral de nZ ≤ Z (notação
aditiva!) e que por definição de grupo quociente, k + h = k + h + nZ = k +
nZ + h + nZ = k + h.
Para mostrar que f é um isomorfismo, precisamos mostrar as coisas seguintes.
1. f é uma função bem definida. Em outras palavras, se k = h então f (k) =
f (h). Observe que k = h significa que k +nZ = h+nZ, em outras palavras
n divide k − h, assim xk−h = 1 (pois x tem ordem n em Cn ) logo xk = xh ,
isto é, f (k) = f (h).
2. f é um homomorfismo. Temos
f (k + h) = f (k + h) = xk+h = xk xh = f (k)f (h).
Logo f é um homomorfismo.
3. f é sobrejetivo. Isso é claro, pois se g = xk é um qualquer elemento de
Cn então g = f (k).
4. f é injetivo. Suponha f (k) = f (h) e mostramos que k = h. Temos
xk = xh , isto é, xk−h = 1. Isso implica que n (a ordem de x) divide k − h,
em outras palavras k + nZ = h + nZ, isto é, k = h.
Dado um homomorfismo f : A → B, considere os conjuntos seguintes:
ker(f ) := {a ∈ A : f (a) = 1}
Im(f ) = f (A) := {f (a) : a ∈ A}
NÚCLEO de f,
IMAGEM de f.
Observe que ker(f ) ⊆ A (o núcleo de f é um subconjunto de A) e Im(f ) ⊆ B (a
imagem de f é um subconjunto de B). Na verdade, o que acontece é o seguinte.
25
1. ker(f ) E A. 1 ∈ ker(f ) pois f (1) = 1, se x ∈ ker(f ) então f (x−1 ) =
f (x)−1 = 1−1 = 1 logo x−1 ∈ ker(f ) e se x, y ∈ ker(f ) então f (xy) =
f (x)f (y) = 1 · 1 = 1 logo xy ∈ ker(f ). Isso mostra que ker(f ) ≤ A. Para
mostrar que é normal, pegamos x ∈ ker(f ) (assim f (x) = 1) e a ∈ A
e mostramos que axa−1 ∈ ker(f ): como f (x) = 1 temos f (axa−1 ) =
f (a)f (x)f (a−1 ) = f (a) · 1 · f (a)−1 = 1.
2. Im(f ) ≤ B. 1 ∈ Im(f ) pois f (1) = 1, se x ∈ Im(f ) escrevemos x = f (a)
com a ∈ A e temos x−1 = f (a)−1 = f (a−1 ) ∈ Im(f ) pois a−1 ∈ A, e
se x, y ∈ Im(f ) escrevemos x = f (a), y = f (b) com a, b ∈ A e temos
xy = f (a)f (b) = f (ab) ∈ Im(f ) pois ab ∈ A. Isso mostra que Im(f ) ≤ B.
Logo, ker(f ) é um subgrupo normal de A e Im(f ) é um subgrupo de B (que
em geral não é normal).
Proposição 9. Seja f : A → B um homomorfismo. Então f é injetivo se e
somente se ker(f ) = {1}.
Demonstração. Suponha f injetivo e mostramos que ker(f ) = {1}. Seja x ∈
ker(f ), assim f (x) = 1. Como 1 = f (1), temos f (x) = f (1), e como f é injetivo
temos x = 1.
Suponha ker(f ) = {1} e mostramos que f é injetivo. Sejam x, y ∈ A tais
que f (x) = f (y) e mostramos que x = y. Multiplicando a direita por f (y)−1
obtemos 1 = f (x)f (y)−1 = f (x)f (y −1 ) = f (xy −1 ) logo xy −1 ∈ ker(f ). Como
ker(f ) = {1} obtemos xy −1 = 1, isto é, multiplicando a direita por y, x = y.
Uma consequência é que f : A → B é um isomorfismo se e somente se
ker(f ) = {1} e Im(f ) = B. Logo, conhecendo ker(f ) e Im(f ) sabemos se f é
ou não é um isomorfismo.
O resultado seguinte mostra que todo subgrupo normal de um grupo G é o
núcleo de algum homomorfismo de domı́nio G. Em outras palavras, os núcleos
dos homomorfismos são exatamente os subgrupos normais.
Proposição 10. Seja N um subgrupo normal de um grupo G. Então N é o
núcleo de um homomorfismo G → B.
Demonstração. Seja B o grupo quociente G/N e seja π : G → G/N definida
por π(g) := gN (projeção canonica). Já vimos que π é um homomorfismo. O
núcleo de π consiste dos elementos g ∈ G tais que gN = N , isto é, g ∈ N . Logo
ker(f ) = N .
Sabemos que o grupo alternado An é um subgrupo normal do grupo simétrico
Sn . O núcleo do homomorfismo “sinal” sgn : Sn → {1, −1} é exatamente An
(por definição de An ), em outras palavras ker(sgn) = An .
Teorema 2 (Teorema de Isomorfismo). Seja f : A → B um homomorfismo de
grupos. Então A/ ker(f ) ∼
= Im(f ).
26
Demonstração. Seja N := ker(f ) e seja
f : A/N → Im(f ),
f (xN ) := f (x).
Mostramos que f é um isomorfismo de grupos.
• f é uma função bem definida. De fato, se xN = yN então y −1 x ∈ N =
ker(f ), isto é, f (y −1 x) = 1, que pode ser escrito f (y)−1 f (x) = 1 e multiplicando a esquerda por f (y) obtemos f (x) = f (y), em outras palavras
f (xN ) = f (yN ).
• f é um homomorfismo. Se xN, yN ∈ A/N temos
f (xN yN ) = f (xyN ) = f (xy) = f (x)f (y) = f (xN )f (yN ).
• f é sobrejetivo. Se b ∈ Im(f ) então b = f (x) para algum x ∈ A logo
b = f (x) = f (xN ).
• f é injetivo. Se f (xN ) = 1 então f (x) = 1, isto é, x ∈ ker(f ) = N ,
em outras palavras xN = N . Isso mostra que ker(f ) = {N }, em outras
palavras f é injetivo.
Isso conclui a demostração.
Por exemplo considere os grupos A = R − {0} = R∗ e B = R>0 . A é o
grupo dos números reais não nulos com a operação de multiplicação, B é o
grupo dos números reais positivos com a operação de multiplicação. Se trata
de grupos abelianos! Seja f : A → B definida por f (x) := x2 . Se trata de um
homomorfismo pois B é abeliano, de fato
f (xy) = (xy)2 = xyxy = xxyy = x2 y 2 .
O núcleo de f é dado pelos elementos x ∈ A tais que f (x) = 1, isto é, x2 = 1, √
logo
ker(f ) = {1, −1}. Além disso, f é sobrejetiva pois se b ∈ B então b = f ( b),
logo Im(f ) = B. O teorema de isomorfismo implica que A/{−1, 1} ∼
= B, em
outras palavras
R∗ /{−1, 1} ∼
= R>0 .
A interpretação intuitiva é que {1, −1} representa o sinal de um número e “se
não tivesse o sinal todos os números seriam positı́vos” (em algum sentido).
Quocientar com o sinal significa, em algum sentido, abolir o sinal, assim “tudo
fica positı́vo”.
Alguns exemplos de aplicação do teorema de isomorfismo.
1. O sinal sgn : Sn → {1, −1} é um homomorfismo cujo núcleo é An , o grupo
alternado. Como existem permutações pares e impares, sgn é sobrejetivo,
logo, pelo teorema de isomorfismo, Sn /An ∼
= {1, −1} ∼
= C2 . Observe que
2
{1, −1} é isomorfo a C2 = {1, x} (onde x = 1) porque C2 → {1, −1} que
leva xk para (−1)k é um isomorfismo (em geral se hxi e hyi são dois grupos
cı́clicos da mesma ordem então a função hxi → hyi que leva xk para y k é
um isomorfismo).
27
2. Seja K um corpo e seja G o conjunto de todas as matrizes inversı́veis n×n
com coeficientes em K. G é um grupo com a operação de multiplicação
usual entre matrizes. O determinante induz um homomorfismo G →
K ∗ = K − {0}, pois se A, B são duas matrizes n × n então det(AB) =
det(A) det(B). Seja N o núcleo de det : G → K ∗ , N é o grupo das
matrizes A de determinante 1: det(A) = 1. Como N é um núcleo de um
homomorfismo de domı́nio G, temos que N E G. Além disso, Im(det) =
K ∗ (em outras palavras, det é sobrejetivo) pois se α ∈ K ∗ logo


1 0 ... 0 0
 0 1 ... 0 0 




det  ... ... . . . ... ...  = α.


 0 0 ... 1 0 
0 0 ... 0 α
Pelo teorema de isomorfismo G/N ∼
= K ∗.
Alguns exercı́cios resolvidos:
1. Seja G o conjunto das funções R → R. G é um grupo com a operação
seguinte: se f, g ∈ G define
(f + g)(x) := f (x) + g(x)
∀x ∈ R.
Com essa operação, G é um grupo abeliano. O elemento neutro é a função
constante 0 e o inverso de f é −f definido por (−f )(x) := −f (x) para
todo x ∈ R. Seja
N := {g ∈ G : g(1) = 0}.
Mostramos que N é um subgrupo normal de G e que G/N ∼
= R (onde
R é visto como grupo aditivo). Para fazer isso, queremos construir um
homomorfismo sobrejetivo ϕ : G → R com a propriedade que ker(ϕ) = N .
A definição de N sugere o seguinte: definimos ϕ : G → R por ϕ(g) := g(1).
Se trata de um homomorfismo de grupos:
ϕ(g1 + g2 ) = (g1 + g2 )(1) = g1 (1) + g2 (1) = ϕ(g1 ) + ϕ(g2 ).
O núcleo de ϕ é igual a N . Além disso, ϕ é sobrejetivo: se α ∈ R então a
função constante g(x) = α pertence a G, e ϕ(g) = g(1) = α. Pelo teorema
de isomorfismo temos então G/N ∼
= R.
2. Seja C o corpo dos numeros complexos e seja
S 1 := {a + ib ∈ C : a2 + b2 = 1}
o cı́rculo de centro 0 que passa por 1 = 1 + i0. Observe que se f (a + ib) =
a2 + b2 então para x = a + ib, y = c + id temos f (xy) = f (x)f (y), de fato
f (xy) = f ((a + ib)(c + id)) = (ac − bd)2 + (ad + bc)2 ,
28
f (x)f (y) = (a2 + b2 )(c2 + d2 )
são iguais. Isso mostra que f “respeita o produto” então escolhendo bem
o domı́nio e o codomı́nio de f conseguimos um homomorfismo de grupos
multiplicativos. Seja
f : C∗ → R>0 ,
f (a + ib) := a2 + b2 ,
onde C∗ é o grupo multiplicativo dos números complexos não nulos e
R>0 é o grupo multiplicativo dos números reais positivos. Observe
√ que
1
α) =
ker(f
)
=
S
.
Além
disso,
f
é
sobrejetivo
pois
se
α
∈
R
então
f
(
>0
√
( α)2 = α. Pelo teorema de isomorfismo C∗ /S 1 ∼
= R>0 .
A ideia geometrica é que dado g ∈ C∗ e N = S 1 , a classe lateral gN
é o cı́rculo de centro 0 e que passa por g, e entender o grupo quociente
C∗ /S 1 significa escolher de forma inteligente um representante de cada
classe lateral. Tem um único número real positivo r que pertence a gN :
escolhendo tal r como representante, rN = gN e o conjunto dos r forma
exatamente R>0 . Essa é a ideia geometrica do grupo quociente.
Agora queremos fazer uma famı́lia de exemplos importantes. Sejam A, B dois
grupos (notação multiplicativa), e seja A×B (produto cartesiano) o conjunto dos
pares ordenados (a, b) onde a ∈ A e b ∈ B. A × B é um grupo (dito “produto
direto” entre A e B) com a operação (a, b)(c, d) := (ac, bd). O elemento neutro
é (1, 1) e o inverso de (a, b) é (a−1 , b−1 ). Observe que A×{1} = {(a, 1) : a ∈ A}
é um subgrupo de A × B. Vamos mostrar que ele é normal e que
A×B ∼
= B.
A × {1}
Para fazer isso queremos construir um homomorfismo sobrejetivo A × B → B
cujo núcleo seja H = A × {1}. Seja
f : A × B → B,
(a, b) 7→ b.
Se trata de um homomorfismo pois
f ((a, b)(c, d)) = f ((ac, bd)) = bd = f (a, b)f (c, d).
Ele é sobrejetivo pois se b ∈ B logo f ((1, b)) = b. É claro que ker(f ) = H.
A×B ∼
Obtemos então pelo teorema de isomorfismo que A×{1}
= B.
Mais uma aplicação do teorema de isomorfismo
Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e N um subgrupo normal de
G. Seja HN = {hn : h ∈ H, n ∈ N }. Então HN ≤ G, H ∩ N E H e
H/H ∩ N ∼
= HN/N .
29
Primeiro vamos mostrar que HN ≤ G. É claro que 1 ∈ HN pois 1 = 1 · 1
e 1 ∈ H e 1 ∈ N . Sejam h1 n1 , h2 n2 ∈ HN (onde h1 , h2 ∈ H e n1 , n2 ∈ N ).
Mostramos que h1 n1 h2 n2 ∈ HN . Temos
h1 n1 h2 n2 = h1 h2 (h−1
2 n1 h2 )n2 ∈ HN
pois h1 h2 ∈ H e h−1
2 n1 h2 ∈ N (sendo N normal). Agora seja hn ∈ HN e
mostramos que (hn)−1 ∈ HN . Temos
(hn)−1 = n−1 h−1 = h−1 hn−1 h−1 ∈ HN
pois h−1 ∈ H e hn−1 h−1 ∈ N .
Agora mostramos que H/H ∩N ∼
= HN/N usando o teorema de isomorfismo.
Seja H → HN/N a função definida por f (h) := hN . Observe que hN ∈ HN/N
pois h ∈ HN (de fato, h = h · 1 e h ∈ H, 1 ∈ N ), logo f é bem definida.
Mostramos que é um homomorfismo sobrejetivo e que ker(f ) = H ∩ N .
• f é um homomorfismo: por definição de produto no grupo quociente,
f (h1 h2 ) = h1 h2 N = h1 N h2 N = f (h1 )f (h2 ).
• f é sobrejetivo: se hnN é um qualquer elemento de HN/N (onde h ∈ H
e n ∈ N ) então como nN = N (pois n ∈ N ) temos hnN = hN logo
hnN = f (h).
• ker(f ) = H ∩N : O núcleo de f consiste dos h ∈ H tais que f (h) = N , isto
é, hN = N , isto é, h ∈ N . Então ker(f ) = {h ∈ H : h ∈ N } = H ∩ N .
1.8
Sobre produtos diretos e grupos abelianos finitos
Lembre-se que se A e B são dois grupos o produto direto de A e B é o produto
cartesiano A × B (o conjunto dos pares ordenados (a, b) com a ∈ A e b ∈ B)
com a operação seguinte:
(a, b)(c, d) := (ac, bd).
Observe que você definiu da mesma forma a soma entre vetores: se a operação
for a soma, (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d).
Por exemplo dado C2 = {1, x} = hxi temos
C2 × C2 = {(1, 1), (1, x), (x, 1), (x, x)}.
Observe que C2 × C2 tem quatro elementos. Mais em geral, |A × B| = |A| · |B|,
pois para construir um par (a, b) temos |A| escolhas para a e |B| escolhas para
b. Além disso, C2 × C2 é abeliano, e mais em geral, se A e B são abelianos então
A × B é abeliano: de fato, se (a, b), (c, d) ∈ A × B então (a, b)(c, d) = (ac, bd) =
(ca, db) = (c, d)(a, b).
30
Vamos mostrar que a ordem do elemento (a, b) é mmc(o(a), o(b)), o menor
multiplo comum entre o(a) e o(b). De fato, (a, b)n = (an , bn ) por definição de
operação em A × B, logo (a, b)n = (1, 1) se e somente se an = 1 e bn = 1,
isto é, n é dividido por o(a) e o(b) (por uma das propriedades da ordem de um
elemento). Então o((a, b)) (a ordem de (a, b), isto é, o menor inteiro positivo n
tal que (a, b)n = (1, 1)) é o menor inteiro positivo n tal que o(a) e o(b) dividem
n, em outras palavras, o((a, b)) = mmc(o(a), o(b)).
Por exemplo se C2 = {1, x} = hxi então o((1, 1)) = 1, o((1, x)) = mmc(1, 2) =
2, o((x, 1)) = mmc(2, 1) = 2 e o((x, x)) = mmc(2, 2) = 2. Em particular C2 ×C2
é um grupo de ordem |C2 × C2 | = |C2 | · |C2 | = 2 · 2 = 4 que não tem elementos
de ordem 4. Se agora C6 = hyi = {1, y, y 2 , y 3 , y 4 , y 5 } então no grupo C2 × C6
temos por exemplo o((x, y 2 )) = mmc(2, 3) = 6, o(x, y 3 ) = mmc(2, 2) = 2. Os
elementos de C2 × C6 são (1, 1), (1, y), (1, y 2 ), (1, y 3 ), (1, y 4 ), (1, y 5 ), (x, 1),
(x, y), (x, y 2 ), (x, y 3 ), (x, y 4 ), (x, y 5 ). As ordens são 1, 6, 3, 2, 3, 6, 2, 6, 6, 2, 6, 6.
Em particular, C2 × C6 é um grupo de ordem |C2 × C6 | = |C2 | · |C6 | = 2 · 6 = 12
que não tem elementos de ordem 12.
Logo, C2 × C2 e C2 × C6 são exemplos de grupos de ordem n que não contêm
elementos de ordem n. Então eles não são grupos cı́clicos (observe que um grupo
cı́clico de ordem n sempre contem elementos de ordem n, pois se Cn = hxi então
x tem ordem n).
Para repetir: C2 × C2 e C2 × C6 são grupos abelianos não cı́clicos. Observe
que é a primeira vez que encontramos grupos finitos abelianos não cı́clicos. Uma
pergunta natural é a seguinte: Cn × Cm pode ser cı́clico? A resposta é sim:
Proposição 11. Cn × Cm é cı́clico se e somente se n, m são coprimos.
Demonstração. Suponha n, m coprimos, e Cn = hxi, Cm = hyi. Assim o(x) = n
e o(y) = m. A ordem do elemento (x, y) é o((x, y)) = mmc(o(x), o(y)) =
mmc(n, m) = nm pois n, m são coprimos. Então Cn × Cm é um grupo de
ordem nm que contem elementos de ordem nm, logo Cn × Cm é cı́clico, em
outras palavras, Cn × Cm ∼
= Cnm (dois grupos cı́clicos da mesma ordem são
isomorfos).
Agora suponha Cn ×Cm cı́clico e por contradição suponha n, m não coprimos,
em outras palavras, existe um número primo p que divide n e m. Seja r = nm/p.
Se (a, b) ∈ Cn ×Cm então an = 1 e bm = 1 (já vimos que se g ∈ G então g |G| = 1
em geral). Como p divide n e m, temos que n e m dividem r, logo ar = 1 e br = 1,
então (a, b)r = (ar , br ) = (1, 1). Isso implica que o((a, b)) divide r = nm/p, em
particular o((a, b)) < nm. Como isso vale para todo elemento (a, b) de Cn × Cm ,
obtemos que Cn × Cm não tem elementos de ordem nm, logo não é cı́clico.
Podemos construir produtos diretos com mais fatores: se A1 , . . . , Ak são
grupos, podemos construir o produto direto
A1 × A2 × · · · × Ak = {(a1 , . . . , ak ) : a1 ∈ A1 , . . . , ak ∈ Ak }.
31
A operação é
(a1 , . . . , ak )(b1 , . . . , bk ) = (a1 b1 , . . . , ak bk ).
−1
O elemento neutro é (1, 1, . . . , 1) e o inverso de (a1 , . . . , ak ) é (a−1
1 , . . . , ak ).
Assim podemos construir outros grupos abelianos, por exemplo
C2 × C2 × C4 × C5 × C18 .
Agora uma pergunta natural é a seguinte: é verdade que todo grupo abeliano
finito é um produto direto de grupos cı́clicos? A resposta é sim:
Teorema 3 (Teorema fundamental dos grupos abelianos finitos). Todo grupo
abeliano finito é um produto direto de grupos cı́clicos finitos.
Antes de mostrar esse teorema, vamos ver algumas consequências.
Observe que A × B ∼
= B × A. Mais em geral se σ é uma permutação de
{1, . . . , k} então Aσ(1) × · · · × Aσ(k) ∼
= A1 × · · · × Ak .
• Quantos grupos abelianos tem de ordem 12? Como 12 = 22 · 3 e |A1 ×
· · · × Ak | = |A1 | · · · |Ak |, as possibilidades são C12 , C2 × C6 , C4 × C3 e
C2 × C2 × C3 . Mas observe que como vimos acima, C4 × C3 ∼
= C4·3 = C12
e C2 × C3 ∼
= C2·3 = C6 , logo C2 × C2 × C3 ∼
= C2 × C6 . Isso implica que
na verdade todo grupo abeliano de ordem 12 é isomorfo a um entre C12 e
C2 × C2 × C3 .
• Quantos grupos abelianos tem de ordem 70? Como 70 = 2·5·7 e |A1 ×· · ·×
Ak | = |A1 | · · · |Ak |, a única possibilidade é C2 ×C5 ×C7 ∼
= C10 ×C7 ∼
= C70 .
Em outras palavras, todo grupo abeliano de ordem 70 é cı́clico.
• Quantos grupos abelianos tem de ordem 36? Como 36 = 22 · 32 e |A1 ×
· · ·×Ak | = |A1 | · · · |Ak |, as possibilidades são C4 ×C9 ∼
= C36 , C2 ×C2 ×C9 ,
C4 ×C3 ×C3 e C2 ×C2 ×C3 ×C3 . Isso é tudo pois por exemplo C2 ×C18 ∼
=
C2 × C2 × C9 .
Demonstração do teorema fundamental
Vamos precisar do lema geral seguinte.
Lema 1 (Produto direto interno). Sejam A, B subgrupos normais de um grupo
G tais que AB = G e A ∩ B = {1}. Então G ∼
= A × B.
Demonstração. Seja f : A × B → G = AB definida por f ((a, b)) = ab. Vamos
mostrar que se trata de um isomorfismo de grupos. É claro que f é sobrejetiva.
Agora,
f ((a, b)(c, d)) = f ((ac, bd)) = acbd, f ((a, b))f ((c, d)) = abcd.
Então para mostrar que f é um homomorfismo precisamos mostrar que se a, c ∈
A e b, d ∈ B então acbd = abcd (observe que isso é obvio se G é abeliano).
32
Temos abcd = ac(c−1 bcb−1 )bd logo basta mostrar que c−1 bcb−1 = 1. Mas
c ∈ A, b ∈ B e A, B são subgrupos normais, logo c−1 bc ∈ B e bcb−1 ∈ A, logo
c−1 bcb−1 ∈ A ∩ B. Mas por hipótese A ∩ B = {1} logo c−1 bcb−1 = 1.
Falta mostrar que f é injetivo, isto é, que ker(f ) = {(1, 1)}. Seja (a, b) ∈
ker(f ) e mostramos que (a, b) = (1, 1). Temos f ((a, b)) = 1, isto é, ab = 1,
então b = a−1 . Mas B 3 b = a−1 ∈ A, logo b = a−1 ∈ A ∩ B = {1}, isto é,
b = a−1 = 1 e isso implica (a, b) = (1, 1).
Agora vamos mostrar o teorema.
Lema 2. Seja G um grupo abeliano finito e seja p um divisor primo de |G|.
Então G tem elementos de ordem p.
Demonstração. Indução sobre |G|. Se |G| = 1 o enunciado é obvio, agora suponha |G| > 1. Se 1 6= g ∈ G tem ordem mp para algum inteiro m então
o(g m ) = p, então agora supomos que p não divida k = o(g), assim p divide
o indice |G : hgi| = |G/hgi|, e por indução, como |G/hgi| = |G|/k < |G|,
existe xhgi ∈ G/hgi de ordem p no quociente, assim pondo h = o(x) temos
(xhgi)h = hgi então p divide h e o(xh/p ) = p.
Seja G um grupo abeliano finito, e para d um qualquer divisor de |G| seja
G[d] := {g ∈ G : g d = 1}.
Observe que G[d] ≤ G: de fato 1d = 1 logo 1 ∈ G[d] e se x, y ∈ G[d] então
(xy)d = xd y d = 1 · 1 = 1 (a igualdade (xy)d = xd y d vale só porque G é
abeliano).
Suponha que |G| = nm para inteiros n, m coprimos. Usando o lema 1, vamos
mostrar que
G∼
= G[n] × G[m].
É claro que G[n] e G[m] são subgrupos normais de G (em um grupo abeliano
todo subgrupo é normal). Como n, m são coprimos existem inteiros a, b tais que
na + mb = 1.
Mostramos que G[n] ∩ G[m] = {1}. Se x ∈ G[n] ∩ G[m] então xn = 1 = xm ,
logo x = x1 = xna+mb = (xn )a (xm )b = 1a 1b = 1.
Mostramos que G[n]G[m] = G. Se g ∈ G então g = g 1 = g mb+na =
m b n a
(g ) (g ) e o fato que g nm = g |G| = 1 implica que g m ∈ G[n] e g n ∈ G[m],
logo também (g m )b ∈ G[n] e (g n )a ∈ G[m].
Então temos G[n]×G[m] ∼
= G. Além disso, se m > 1 e n > 1 então G[m] 6= G
e G[n] 6= G pois por exemplo se o primo p divide n e não divide m (tal primo
existe pois n e m são coprimos) então G tem um elemento x de ordem p pelo
lema 2, e xm 6= 1 (pois p não divide m) implica que x 6∈ G[m]. Isso mostra que
G 6= G[m] e analogamente G 6= G[n].
Iterando o processo de decomposição de G obtemos que G é um produto
direto de subgrupos de ordem potências de primos (porque um número inteiro
33
que não pode ser escrito como produto de dois inteiros coprimos maiores de 1
é exatamente uma potência de um primo), logo estamos reduzidos a mostrar o
teorema no caso em que |G| = pt , onde p é um primo.
Supomos então que G seja um grupo abeliano finito de ordem pt , com p
primo. Vamos mostrar que G é um produto direto de grupos cı́clicos, por
indução. Se t = 1 então |G| = p logo G é cı́clico (então ele é um produto
direto de grupos cı́clicos). Agora supomos t > 1. Seja g um elemento de ordem
máxima em G, seja
F := {H ≤ G : H ∩ hgi = {1}}
e seja M um elemento maximal de F (isto é, se H ∈ F e M ≤ H então M = H:
um tal M existe pois F é uma famı́lia finita). Se G = M hgi então o lema
1 implica que G ∼
= M × hgi e |M | < |G| logo o resultado segue por indução.
Supomos então que G 6= M hgi e seja x ∈ G − M hgi de ordem mı́nima. Temos
o(x) = pk com k ≤ t (pelo teorema de Lagrange), então temos xp ∈ M hgi (senão
xp seria um elemento de G − M hgi de ordem pk−1 , menor que o(x) = pk ), logo
xp = yg l com y ∈ M e l inteiro positivo. Pelo teorema de Lagrange todo
elemento de G tem ordem uma potência de p logo o(g) = pn e lembre-se que g
n
é um elemento de G de ordem máxima, logo xp = 1 (senão, x teria ordem ph
n
maior que p ). Temos
n
1 = xp = (xp )p
n−1
= (yg l )p
n−1
= yp
n−1
n−1
g lp
,
n−1
logo g lp
∈ M ∩ hgi = {1}, então pn = o(g) divide lpn−1 , isto é, p divide l.
Escreva l = pj, assim (xg −j )p = y ∈ M , e xg −j 6∈ M pois x 6∈ M hgi. Observe
que hxg −j iM ≤ G (pois é um produto de subgrupos normais), então como M
é maximal em F, hxg −j iM ∩ hgi =
6 {1}. Temos então 1 6= g k = (xg −j )u y 0
0
para k, u ∈ Z e y ∈ M . Obtemos xu = g k g ju y 0−1 ∈ M hgi. Suponha p|u.
Como (xg −j )p ∈ M temos (xg −j )u ∈ M logo g k = 1, logo p não divide u e
existem inteiros a, b ∈ Z com pa + ub = 1. Mas xp e xu pertencem a M hgi, logo
x = x1 = xpa+ub = (xp )a (xu )b ∈ M hgi. Contradição.
1.9
Exercı́cios resolvidos
1. Seja f : (R, +) → (R>0 , ·) definida por f (x) := ex . Mostre que f é um
isomorfismo de grupos.
(a) f é homomorfismo: f (x + y) = ex+y = ex ey = f (x)f (y).
(b) f é injetivo: se f (x) = 1 então ex = 1, logo x = 0. Isso mostra que
ker(f ) = {0}, logo f é injetivo.
(c) f é sobrejetivo: se y ∈ R>0 seja x := loge (x). Então f (x) = ex = y.
2. Seja n ∈ Z, n 6= 0 e seja f : Z → Z definida por f (z) := nz. Mostre
que f é um homomorfismo injetivo. Calcule a imagem de f . f pode ser
sobrejetivo?
34
f é homomorfismo pois f (x + y) = n(x + y) = nx + ny = f (x) + f (y). f
é injetivo pois se nz = 0 então z = 0 (pois n 6= 0), logo ker(f ) = {0}. A
imagem de f é {nz : z ∈ Z} = nZ ≤ Z. f é sobrejetivo se e somente se
n = ±1.
3. Sejam X, Y conjuntos e seja f : X → Y uma função bijetiva. Mostre que
Sym(X) ∼
= Sym(Y ).
Sym(X) é o grupo das funcções bijetivas X → X. Vamos definir um
isomorfismo ϕ : Sym(X) → Sym(Y ) levando σ para f ◦ σ ◦ f −1 . É claro
que essa função é bem definida (composição de bijeções é uma bijeção).
Vamos mostrar que se trata de um isomorfismo de grupos.
(a) ϕ é um homomorfismo: ϕ(στ ) = f στ f −1 = f σf −1 f τ f −1 = ϕ(σ)ϕ(τ ).
(b) ϕ é injetivo: se ϕ(σ) = 1 então f σf −1 = 1 e multiplicando a esquerda
por f −1 e a direita por f obtemos σ = f −1 f = 1. Isso mostra que
ker(ϕ) = {1}, logo ϕ é injetivo.
(c) ϕ é sobrejetivo. Seja τ ∈ Sym(Y ), então τ = f (f −1 τ f )f −1 =
ϕ(f −1 τ f ).
4. Considere R como grupo aditivo (abeliano) e Z ≤ R. Mostre que
R/Z ∼
= S 1 = {a + ib ∈ C : a2 + b2 = 1}.
Considere a função f : R → S 1 que leva t para e2πit = cos(2πt)+i sin(2πt).
Se trata de um homomorfismo pois f (t + s) = e2πi(t+s) = e2πit+2πis =
e2πit e2πis = f (t)f (s). O núcleo é dado pelos t ∈ R tais que e2πit = 1,
isto é, t ∈ Z, logo ker(f ) = Z. Como f é sobrejetivo (pois se a2 + b2 = 1
existe um número real t tal que cos(t) = a e sin(t) = b), temos então pelo
teorema de isomorfismo que R/Z ∼
= S1.
5. Seja G = C∗ = C − {0} (grupo multiplicativo dos números complexos não
nulos) e seja N = {a + ib ∈ C∗ : a2 + b2 = 1}. Mostre que G/N ∼
= R>0
(grupo multiplicativo dos números reais positivos).
Primeiro, vamos mostrar que f (a+ib) := a2 +b2 define um homomorfismo
de grupos multiplicativos C∗ → R>0 onde C∗ é o grupo dos números
complexos não nulos e R>0 é o grupo dos números reais positivos. Temos
que
f ((a + ib)(c + id)) = f (ac − bd + i(ad + bc)) = (ac − bd)2 + (ad + bc)2
f (a + ib)f (c + id) = (a2 + b2 )(c2 + d2 )
são iguais. Logo, f é um homomorfismo,
√ e ker(f ) = N . Como f é sobrejetivo (pois se α ∈ R>0 então α = f ( α)) pelo teorema de isomorfismo
G/N ∼
= R>0 .
35
6. Seja G um grupo abeliano finito. Mostre que f : G → G, f (x) := x2 é um
homomorfismo. Mostre que se |G| é impar então f é um isomorfismo.
f é homomorfismo pois f (xy) = (xy)2 = xyxy = xxyy = x2 y 2 = f (x)f (y)
(sendo G abeliano). Suponha |G| impar, e mostramos que f é isomorfismo,
isto é, que f é bijetivo. Pelo princı́pio da casa dos pombos (se A, B são
conjuntos finitos da mesma cardinalidade, uma função A → B é injetiva
se e somente se é sobrejetiva), basta mostrar que f é injetivo, isto é,
ker(f ) = {1}. Seja x ∈ ker(f ) e suponha por contradição x 6= 1. Temos
f (x) = x2 = 1, logo o(x) = 2 (pois x 6= 1). Pelo teorema de Lagrange,
|hxi| = o(x) = 2 divide |G|, absurdo (|G| é impar).
7. Dado um primo p e Fp = Z/pZ, calcular a cardinalidade de S = {x2 :
x ∈ Fp }.
Considere o grupo multiplicativo G := F∗p = Fp − {0}. Como já vimos
no exercı́cio anterior, f : G → G que leva x para x2 é um homomorfismo
pois G é um grupo abeliano finito. Sendo Fp um corpo, a equação x2 = 1
tem duas soluções: 1 e −1, que são diferentes se p 6= 2. Nesse caso temos
então que ker(f ) = {−1, 1} tem ordem 2. Alem disso, a imagem de f é
C = {x2 : x ∈ G} e pelo teorema de isomorfismo C ∼
= G/ ker(f ), então
|C| = |G/ ker(f )| = |G|/| ker(f )| = (p − 1)/2.
Obtemos que |S| = |C ∪ {0}| = |C| + 1 = (p + 1)/2. Se p = 2 então
Fp = {0, 1} = S logo |S| = 2.
8. Mostre que
A×B
{1}×B
∼
= A.
Se trata de mostrar que a função A × B → A que leva (a, b) para a é
um homomorfismo sobrejetivo de núcleo {1} × B e aplicar o teorema de
isomorfismo.
9. Sejam n um inteiro positivo e m um divisor positivo de n. Seja Cn =
hxi = {1, x, x2 , . . . , xn−1 }. Mostre que Cn /hxm i ∼
= Cm .
Considere f : Cn → Cm = hxn/m i definida por f (xk ) := xkn/m . Se trata
de um homomorfismo sobrejetivo de núcleo hxm i, logo o resultado segue
do teorema de isomorfismo.
10. Seja H um subgrupo de Sn contendo permutações impares. Mostre que
|H ∩ An | = 21 |H|.
Já vimos em um outro exercı́cio que se H ≤ G e N E G então HN/N ∼
=
H/H ∩N . Vamos aplicar esse resultado ao caso G = Sn e N = An . Vamos
mostrar que HAn = Sn . Sendo obvio que HAn ⊆ Sn , vamos mostrar a
outra inclusão: Sn ⊆ HAn . Seja então g ∈ Sn . Se g ∈ An então g = 1· g ∈
HAn , agora suponha g 6∈ An , assim sgn(g) = −1. Por hipotese, existe
h ∈ H com sgn(h) = −1, logo sgn(hg) = sgn(h)sgn(g) = (−1)(−1) = 1,
assim hg ∈ An e obtemos g = h−1 (hg) ∈ HAn .
Agora temos C2 ∼
= Sn /An = HAn /An ∼
= H/H ∩ An então 2 = |H/H ∩
An | = |H|/|H ∩ An | logo |H ∩ An | = 12 |H|.
36
11. Conte os grupos abelianos de ordem 72.
Temos 72 = 23 32 e pelo teorema fundamental dos grupos abelianos finitos
temos 3 grupos abelianos de ordem 8 (C8 , C2 × C4 e C2 × C2 × C2 ) e 2
grupos abelianos de ordem 9 (C9 e C3 × C3 ). Logo temos 3 · 2 = 6 grupos
abelianos de ordem 72, eles são C8 ×C9 ∼
= C72 , C8 ×C3 ×C3 , C2 ×C4 ×C9 ,
C2 × C4 × C3 × C3 , C2 × C2 × C2 × C9 , C2 × C2 × C2 × C3 × C3 .
12. Sejam C12 = hai, C16 = hbi. Calcule a ordem de (a10 , b12 ) no produto
direto G = C12 × C16 .
A ordem de (a10 , b12 ) é igual ao mmc entre o(a10 ) e o(b12 ). Temos
o(a10 ) = o(a)/(10, o(a)) = 12/(10, 12) = 12/2 = 6
o(b12 ) = o(b)/(12, o(b)) = 16/(12, 16) = 16/4 = 4.
Logo a ordem de (a10 , b12 ) vale mmc(6, 4) = 12.
13. Conte os elementos de C6 × C12 de ordem 6.
Um elemento de ordem 6 tem a forma (x, y) onde as ordens de x e y podem
ser: 1, 6 ou 2, 3 ou 2, 6 ou 3, 2 ou 3, 6 ou 6, 1 ou 6, 2 ou 6, 3 ou 6, 4 ou 6, 6.
Em total temos 24 tais elementos.
Mais exercı́cios.
1. Seja A um grupo e seja G = A3 = A × A × A. Mostre que G/(A × {1} ×
{1}) ∼
= A × A.
2. Mostre que N = {1, (12)(34), (13)(24), (14)(23)} é um subgrupo normal
de S4 .
3. Sejam A, B dois subgrupos normais de um grupo G, com A ⊆ B. Mostre
que f : G/A → G/B definida por gA 7→ gB é um bem definido homomorfismo sobrejetivo de grupos e ker(f ) = B/A. Usando o teorema de
G/A ∼
isomorfismo mostre que B/A
= G/B.
4. Seja L um subgrupo de G/N . Mostre que existe H ≤ G tal que H ⊇ N e
L∼
= H/N . [Dica: define H := {g ∈ G : gN ∈ L}.]
2
Aneis comutativos unitários
Um anel unitário é um conjunto A que tem duas operações binarias + e · tais
que
• (A, +) é um grupo abeliano com elemento neutro 0 e o inverso de a é −a.
• (A, ·) é um monoide, isto é, · é associativa e existe um elemento neutro
1 6= 0.
37
• Propriedade distributiva (compatibilidade entre soma e produto):
a(b + c) = ab + ac e (a + b)c = ac + bc para todo a, b, c ∈ A.
Um anel A é dito comutativo se · é comutativa, isto é, se ab = ba para todo
a, b ∈ A.
Por exemplo Z, Q, R, C são aneis comutativos com as operações usuais. Um
outro exemplo importante de anel é o seguinte: o anel dos polinômios A[X] com
soma e produto usuais, onde A é um anel comutativo. Um elemento generico
de A[X] é um polinômio a0 + a1 X + a2 X 2 + . . . + ak X k onde a0 , a1 , . . . , ak ∈ A.
Existem aneis não comutativos, por exemplo o conjunto Mn×n (k) das matrizes n × n sobre um dado anel k, com as operações de soma e produto usuais
entre matrizes, onde 0 é a matriz nula e 1 é a matriz identidade. Como em geral
se A, B são duas matrizes temos AB 6= BA, o anel Mn×n (k) não é comutativo
se n > 1.
Nessa parte do curso vamos falar só de aneis comutativos. Então nunca
vamos ter problemas de especificar se estamos multiplicando a esquerda ou a
direita e podemos sempre multiplicar os elementos na ordem que queremos.
Além disso, todos os aneis e os subaneis considerados serão unitários (existe
1 ∈ A e 1 6= 0).
Um anel comutativo A é dito corpo se todo elemento a ∈ A diferente de zero
admite inverso multiplicativo a−1 . Por exemplo Z não é um corpo (pois por
exemplo 2 ∈ Z mas 1/2 6∈ Z) mas Q, R e C são corpos.
Observe que se A é um corpo vale a regra de cancelação: se a, b ∈ A e
ab = 0 então a = 0 ou b = 0, de fato se a 6= 0 multiplicando por a−1 obtemos
b = aba−1 = 0a−1 = 0 logo b = 0. Por outro lado, essa propriedade vale também
em Z apesar do fato que Z não seja um corpo (se n, m ∈ Z e nm = 0 então
n = 0 ou m = 0). Um anel com essa propriedade é dito domı́nio de integridade.
Um domı́nio de integridade é um anel comutativo A tal que se a, b ∈ A e
ab = 0 então a = 0 ou b = 0.
Para entender melhor os domı́nios de integridade vamos introduzir mais
conceitos. Se A é um anel unitário, um subanel unitário de A é um subconjunto
B de A tal que B é um anel unitário (contendo 1) com as mesmas operações +
e · de A. Escrevemos B ≤ A. Por exemplo temos Z ≤ Q ≤ R ≤ C.
Vamos mostrar o resultado seguinte.
Teorema 4. Seja A um anel comutativo. Então A é um domı́nio de integridade
se e somente se A é um subanel de um corpo.
Demonstração. Seja A um subanel de um corpo K e sejam a, b ∈ A tais que
ab = 0. Mostraremos que a = 0 ou b = 0, em outras palavras, mostraremos que
38
se a 6= 0 então b = 0. Se a 6= 0 então existe a−1 ∈ K (pois K é um corpo) logo
multiplicando os dois lados de ab = 0 por a−1 obtemos b = aba−1 = 0a−1 = 0.
Agora vamos mostrar a outra implicação, isto é, que se A é um domı́nio de
integridade então A é um subanel de um corpo. Seja R := {(a, b) : a, b ∈
A, b 6= 0}. Vamos definir uma relação ∼ em R da forma seguinte:
(a, b) ∼ (c, d) ⇔ ad = bc.
Se trata de uma relação de equivalência:
1. Propriedade reflexiva. Se (a, b) ∈ R então (a, b) ∼ (a, b) pois ab = ba (A é
comutativo).
2. Propriedade simétrica. Se (a, b) ∼ (c, d) então (c, d) ∼ (a, b). De fato,
(a, b) ∼ (c, d) significa ad = bc, que implica da = cb (A sendo comutativo)
logo (c, d) ∼ (a, b).
3. Propriedade transitiva. Suponha (a, b) ∼ (c, d) ∼ (e, f ), e vamos mostrar
que (a, b) ∼ (e, f ), isto é, que af = be. Temos ad = bc e cf = de.
Multiplicando os dois lados de ad = bc por e temos ade = bce e usando
cf = de obtemos acf = bce, isto é, caf − cbe = 0 (A é comutativo).
Isolando c temos c(af − be) = 0 (propriedade distributiva) logo se c 6= 0
então af = be, o que queremos (pois A é um domı́nio de integridade).
Agora suponha c = 0. Precisamos mostrar que se ad = 0 e de = 0 então
af = be. Como d 6= 0 e A é um domı́nio de integridade, ad = 0 e de = 0
implicam a = e = 0 logo af = be vale.
As classes de equivalência de ∼ são [(a, b)]∼ := {(x, y) ∈ R : (x, y) ∼ (a, b)}.
O conjunto quociênte é
K := R/ ∼ = {[(a, b)]∼ : (a, b) ∈ R}.
Queremos dar a K estrutura de corpo contendo uma copia do anel A.
A primeira coisa para fazer é usar uma notação menos complicada para a
classe de equivalência [(a, b)]∼ , vamos por
a
:= [(a, b)]∼ .
b
Com essa notação, lembrando que o que acontece em Q é
a
c
ad + bc
+ =
,
b
d
bd
ac
ac
:=
bd
bd
é natural pegar essas igualdades como definição de soma e produto em K, em
outras palavras (mais formais)
[(a, b)]∼ + [(c, d)]∼ := [(ad + bc, bd)]∼ ,
39
[(a, b)]∼ · [(c, d)]∼ := [(ac, bd)]∼ .
Agora precisamos verificar que + e · fazem de K um corpo. No que segue
lembre-se que por definição de classe de equivalência, [(a, b)]∼ = [(c, d)]∼ se e
somente se (a, b) ∼ (c, d), isto é, ab = dc se e somente se ad = bc.
1. + é bem definida. Se ab = xy (isto é, ay = bx) e dc = wz (isto é, cw = dz)
= xw+yz
precisamos mostrar que ab + dc = xy + wz , isto é, ad+bc
bd
yw , isto é,
(ad + bc)yw = bd(xw + yz), que segue das propriedades comutativa do
produto e distributiva e do fato que ay = bx e cw = dz.
2. · é bem definida. Se Se ab = xy (isto é, ay = bx) e dc = wz (isto é, cw = dz)
xz
precisamos mostrar que ab · dc = xy · wz , isto é, ac
bd = yw , em outras palavras
acyw = bdxz, o que segue da propriedade comutativa do produto e do fato
que ay = bx e cw = dz.
3. (K, +) é um grupo abeliano com elemento neutro
(em outras palavras, − ab é por definição −a
b ).
0
1
e o inverso de
a
b
é
−a
b
A operação + é associativa pois
c
e
ad + bc
e
(ad + bc)f + bde
a
+ =
( + )+ =
b
d
f
bd
f
bdf
a
c
e
a cf + de
adf + (cf + de)b
+( + )= +
=
b
d f
b
df
bdf
são iguais pois (ad + bc)f + bde = adf + (cf + de) pelas propriedades
comutativa e distributiva de A.
4. (K, ·) é um monoide comutativo com elemento neutro
associativa pois
1
1.
A operação · é
a c e
a ce
ace
ac e
a c e
·( · )= ·
=
=
· =( · )· .
b d f
b df
bdf
bd f
b d f
É comutativa pois
a
b
·
c
d
=
ac
bd
=
ca
db
=
c
d
· ab , sendo A comutativo.
5. A propriedade distributiva, isto é, o fato que ab · ( dc + fe ) = ab · dc + ab · fe
(podemos verificar só essa pois · é comutativo). De fato, temos ab ·( dc + fe ) =
+de)
+de
acbf +bdae
ae
· cfdf
= a(cfbdf
e ab · dc + ab · fe = ac
são iguais pois
bd + bf =
bdbf
a(cf +de)(bdbf ) = bdf (acbf +bdae) (definição de igualdade entre frações).
a
b
6. Todo elemento diferente de zero tem inverso. De fato, se ab ∈ K e ab 6=
0 = 01 , isto significa que a · 1 6= b · 0, isto é, a 6= 0, logo ab ∈ K. Temos
a b
ab
1
b · a = ba = 1 sendo ab = ba.
Isso mostra que K é um corpo. Agora, observe que A pode ser identificado
com à := { a1 : a ∈ A}, que é um subanel de K, sendo a1 + 1b = a+b
e
1
a b
ab
1 · 1 = 1 .
40
O corpo K construido na prova acima é dito corpo de frações de A e indicado
com K(A). Por exemplo K(Z) = Q. Um outro exemplo é dado pelos polinômios:
P (X)
K(Z[X]) = Q(X), onde Q(X) é o anel (na verdade, corpo) das frações Q(X)
onde P (X), Q(X) são polinômios de Q[X] e Q(X) 6= 0.
2.1
Ideais, quociêntes, teorema de isomorfismo
Seja A um anel comutativo unitário. Em particular A é um grupo abeliano com
+; seja I um subgrupo aditivo de A. Como visto no primeiro modulo, sabemos
fazer o quociênte A/I = {a + I : a ∈ A} e sabemos que se trata de um grupo
aditivo abeliano com elemento neutro I = 0 + I. Observe que como visto no
primeiro modulo, x + I = y + I se e somente se x − y ∈ I (lembre-se que em
notação multiplicativa, xN = yN se e somente se y −1 xN = N , se e somente
se y −1 x ∈ N ). Queremos indagar as propriedades que I precisa ter para poder
dar uma estrutura natural de anel a A/I. Já temos uma operação de soma em
A/I, aquela do grupo quociênte: (a + I) + (b + I) := (a + b) + I. A definição
natural de produto é (a + I)(b + I) := ab + I.
Imagine que A/I seja um anel bem definido com as operações definidas
acima. Lembre-se que sendo A/I um anel com zero igual a 0 + I = I, temos
(a + I)(0 + I) = 0 + I para todo a ∈ A (pois r · 0 = 0 para todo r ∈ R, se R é um
qualquer anel - de fato, pela propriedade distributiva, r·0 = r(1−1) = r−r = 0).
Por outro lado x + I = 0 + I para todo x ∈ I, logo temos (a + I)(x + I) = 0 + I
para todo a ∈ A, x ∈ I, em outras palavras ax + I = I para todo a ∈ A, x ∈ I,
isto é, ax ∈ I para todo a ∈ A, x ∈ I.
Definição 9. Um “ideal” de um anel A é um subgrupo aditivo I de A tal que
ax ∈ I para todo a ∈ A, x ∈ I. Se I é um ideal de A escrevemos I E A.
Por exemplo, é facil mostrar que {0} e A são ideais de A.
Vamos mostrar que se I é um ideal de A então as operações (a+I)+(b+I) =
(a + b) + I, (a + I)(b + I) = ab + I fazem de A/I um anel comutativo unitario
com elemento neutro da soma 0 + I = I e elemento neutro do produto 1 + I.
Vamos mostrar isso.
• O produto é bem definido. Sejam a + I = c + I (isto é, a − c ∈ I),
b + I = d + I (isto é, b − d ∈ I) elementos de A/I. Queremos mostrar
que (a + I)(b + I) = (c + I)(d + I), isto é, que o produto não depende do
representante escolhido. Mas (a+I)(b+I) = ab+I e (c+I)(d+I) = cd+I,
logo temos que mostrar que ab + I = cd + I, isto é, ab − cd ∈ I. Temos
ab − cd = a(b − d) + d(a − c) ∈ I pois I é um ideal (em particular, grupo
com +) e b − d, a − c ∈ I e a, d ∈ A. Observe que aqui usamos as duas
propriedades que definem um ideal.
• O produto é associativo:
(a + I)((b + I)(c + I)) = (a + I)(bc + I) = a(bc) + I = (ab)c + I =
41
= (ab + I)(c + I) = ((a + I)(b + I))(c + I).
• Propriedade distributiva:
(a + I)((b + I) + (c + I)) = (a + I)((b + c) + I) = a(b + c) + I = ab + ac + I =
= (ab + I) + (ac + I) = (a + I)(b + I) + (a + I)(c + I).
Um homomorfismo de aneis A, B é um homomorfismo de grupos aditivos
f : A → B com as duas propriedades seguintes: f (xy) = f (x)f (y) para todo
x, y ∈ A e f (1) = 1. Observe que a primeira dessas duas propriedades em geral
não implica a segunda pois f (1) = f (1 · 1) = f (1)f (1) não implica f (1) = 1
se f (1) não tem inverso em A (lembre que a operação de produto em um anel
não é uma operação de grupo). Um isomorfismo de aneis é um homomorfismo
bijetivo. Se existe um isomorfismo A → B escrevemos A ∼
= B.
O núcleo de f é ker(f ) := {a ∈ A : f (a) = 0} e a imagem de f é
Im(f ) := {f (a) : a ∈ A}. Já sabemos que f é injetivo se e somente se é
injetivo como homomorfismo de grupos aditivos, e isso vale se e somente se
ker(f ) = {0}.
• ker(f ) é um ideal de A. De fato já sabemos que ker(f ) é um subgrupo
aditivo de A, e se a ∈ A e x ∈ ker(f ) logo f (ax) = f (a)f (x) = f (a)0 = 0
então ax ∈ ker(f ).
• Im(f ) é um subanel de B. De fato 1 = f (1) ∈ Im(f ) e se b1 , b2 ∈ Im(f )
existem a1 , a2 ∈ A com f (a1 ) = b1 e f (a2 ) = b2 e b1 b2 = f (a1 )f (a2 ) =
f (a1 a2 ) ∈ Im(f ).
Por exemplo a função π : A → A/I (projeção canonica) definida por
π(a) := a+I é um homomorfismo sobrejetivo de aneis e ker(π) = I. Já vimos no
primeiro modulo que π é um homomorfismo de grupos aditivos e que ker(π) = I,
falta mostrar que π respeita o produto e que leva 1 para 1: π(ab) = ab + I =
(a + I)(b + I) = π(a)π(b) e π(1) = 1 + I.
Teorema 5 (Teorema de isomorfismo). Seja f : A → B um homomorfismo de
aneis. Então A/ ker(f ) ∼
= Im(f ) (isomorfismo de aneis!).
Demonstração. Seja I := ker(f ). Já sabemos que ϕ : A/I → Im(f ) definida
por ϕ(a + I) := f (a) é um isomorfismo de grupos aditivos (pelo teorema de
isomorfismo visto no primeiro modulo). Falta mostrar que é um homomorfismo
de aneis: temos
ϕ((a + I)(b + I)) = ϕ(ab + I) = f (ab) = f (a)f (b) = ϕ(a + I)ϕ(b + I)
e ϕ(1 + I) = f (1) = 1.
42
2.2
Polinômios, divisão com resto
Seja A um anel comutativo unitario. Seja N o conjunto dos numeros naturais
incluindo o zero, N = {0, 1, 2, 3, . . .}. Um polinômio a coeficientes em A é uma
função f : N → A tal que o conjunto {n ∈ N : f (n) 6= 0} é finito.
A forma comum de indicar um polinômio é como soma formal
P (X) = a0 + a1 X + a2 X 2 + . . . + an X n =
n
X
ai X i .
i=0
Tal polinômio corresponde à função f : N → A definida por f (i) = ai para
i = 0, 1, . . . , n e f (i) = 0 para todo i > n (observe que realmente o conjunto {n ∈
N : f (n) 6= 0} é finito). O sentido da definição é o seguinte: dois polinômios
são iguais se e somente se eles tem os mesmos coeficientes correspondentes as
mesmas potências de X: em outras palavras os dois polinômios a0 + a1 X +
a2 X 2 + . . . + an X n e b0 + b1 X + b2 X 2 + . . . + bm X m (com an , bm 6= 0) são iguais
se e somente se n = m e ai = bi para todo i = 1, . . . , n.
Isso pode parecer obvio mas não é. Por exemplo considere o anel A = F2 =
Z/2Z e o polinômio P (X) = X + X 2 ∈ A[X]. A notação P (X) dá vontade de
pensar a P como a uma função, e P (0) = 0 + 02 = 0, P (1) = 1 + 12 = 2 = 0
deixa pensar que P (X) = 0, mas isso é falso. P (X) não é uma função de X, e o
fato que P (a) = 0 para todo a ∈ A não implica que P (X) = 0. Simplesmente,
P (X) = X + X 2 corresponde à função f : N → A definida por f (0) = 0,
f (1) = 1, f (2) = 1, f (n) = 0 para todo n ≥ 3. Por outro lado, o polinômio nulo
0 corresponde à função nula f : N → A (a função que leva tudo para 0).
Seja A[X] o conjunto de todos os polinômios a coeficientes em A. Se trata
de um anel (anel dos polinômios) com as operações seguintes.
Pn
Pn
Pn
• A soma é dada por i=0 ai X i + i=0 bi X i := i=0 (ai + bi )X i . Observe
que escolhi o mesmo n pois posso sempre adicionar coeficientes nulos. O
elemento neutro de + é o polinômio nulo 0.
h
k
h+k
• O produto é dado por (aX
impondo
disPn )(bX i) :=
PabX
Pn a propriedade
P
n
tributiva. Resulta que ( i=0 ai X )( i=0 bi X i ) := k=0 ( i+j=k ai bj )X k .
O elemento neutro de · é o polinômio constante 1.
O grau de um polinômio não nulo f : N → A é o máximo n ∈ N tal
que f (n) 6= P
0 (tal n existe por definição de polinômio), em outras palavras
n
i
se P (X) =
i=0 ai X e an 6= 0 então P (X) tem grau n. Por exemplo se
a0 , a1 , a2 , . . . ∈ A, então se a0 6= 0, a0 é um polinômio de grau zero; se a1 6= 0,
a0 +a1 X é um polinômio de grau um, se a2 6= 0, a0 +a1 X +a2 X 2 é um polinômio
de grau dois, etcetera. Observe que o grau do polinômio nulo não é definido.
Seja C um anel comutativo unitario e sejam A(X) = a0 + a1 X + . . . +
an X n um polinômio de grau n em C[X], B(X) = b0 + b1 X + . . . + bm X m um
43
polinômio de grau m em C[X]. Suponha bm invertı́vel, isto é, existe c ∈ C com
bm c = 1 (isto é, c = b−1
m ). Nesse caso é possı́vel fazer a divisão com resto de
A(X) por B(X), que significa que é possı́vel encontrar dois polinômios Q(X),
R(X) (quociênte e resto) tais que A(X) = Q(X)B(X) + R(X) e grau(R(X)) <
grau(B(X)) ou R(X) = 0. Vamos ver como fazer isso.
Primeiro escreva A(X) = an X n + A0 (X), B(X) = bm X m + B 0 (X). Defina
Q1 (X) := (an /bm )X n−m (primeiro quociênte),
R1 (X) := A(X) − Q1 (X)B(X) (primeiro resto).
Observe que o grau de R1 é menor do grau de A pois R1 (X) = A0 (X) −
(an /bm )X n−m B 0 (X) e grau(A0 (X)) < n e grau(B 0 (X)) < m.
Temos Q1 (X)B(X) + R1 (X) = A(X).
Agora a mesma coisa aplicada a R1 no lugar de A fornece Q2 (segundo
quociênte), R2 (segundo resto) com R1 = Q2 B +R2 logo (Q1 +Q2 )B +R2 = A, e
o grau de R2 é menor do grau de R1 . Continuando dessa forma (com R2 no lugar
de A, depois com R3 no lugar de A, etcetera) obtemos sequências de quociêntes
Q1 , . . . , Qk e de restos R1 , . . . , Rk com grau(Rk ) < grau(B) ou Rk = 0 (como
o grau de Ri decresce, um tal k existe). Defina Q(X) := Q1 (X) + . . . + Qk (X)
(quociênte) e R(X) := Rk (X) (resto). Temos Q(X)B(X) + R(X) = A(X).
Vamos fazer um exemplo em Z[X] (i.e. C = Z). Sejam
A(X) := 2X 5 + X 4 − X 3 + 2X 2 − X + 3,
B(X) := X 2 − X + 1.
O coeficiente de X 2 em B(X) é 1, em particular é invertı́vel, logo podemos
fazer a divisão com resto. Podemos sintetizar o algoritmo na tabela seguinte.
A(X) = 2X 5 + X 4 − X 3 + 2X 2 − X + 3
Q1 (X)B(X) = 2X 5 − 2X 4 + 2X 3
R1 (X) = 3X 4 − 3X 3 + 2X 2 − X + 3
Q2 (X)B(X) = 3X 4 − 3X 3 + 3X 2
R2 (X) = −X 2 − X + 3
Q3 (X)B(X) = −X 2 + X − 1
R(X) = R3 (X) = −2X + 4
B(X) = X 2 − X + 1
Q1 (X) = 2X 3
Q2 (X) = 3X 2
Q3 (X) = −1
Logo R(X) = −2X + 4 e Q(X) = 2X 3 + 3X 2 − 1. Temos Q(X)B(X) + R(X) =
A(X).
2.3
Ideais gerados por elementos.
Seja A um anel comutativo unitário e sejam a1 , . . . , an elementos de A. Definimos
(a1 , . . . , an ) := {a1 x1 + . . . + an xn : x1 , . . . , xn ∈ A}.
Se trata de um ideal de A, dito “ideal de A gerado por a1 , . . . , an ”. De fato,
seja I := (a1 , . . . , an ). Então:
44
1. Se a1 x1 + . . . + an xn ∈ I e a1 y1 + . . . + an yn ∈ I então
(a1 x1 +. . .+an xn )+(a1 y1 +. . .+an yn ) = a1 (x1 +y1 )+. . .+an (xn +yn ) ∈ I.
2. Se a1 x1 + . . . + an xn ∈ I então
−(a1 x1 + . . . + an xn ) = a1 (−x1 ) + . . . + an (−xn ) ∈ I.
3. 0 = a1 0 + . . . + an 0 ∈ I.
4. Se a1 x1 + . . . + an xn ∈ I e a ∈ A então
a(a1 x1 + . . . + an xn ) = a1 (x1 a) + . . . + an (xn a) ∈ I.
Vamos considerar o caso mais simples: n = 1. Pondo a1 = a temos (a) =
{ax : x ∈ A}. Um ideal desse tipo é dito principal.
Definição 10. Um ideal I de A é dito principal se existe a ∈ A tal que I = (a).
Por exemplo (0) = {0x : x ∈ A} = {0} (ideal nulo) e (1) = {1x : x ∈
A} = A. Os ideais (0) e (1) são ditos ideais triviais de A.
Se A = Z e n ∈ Z, o ideal (n) é o conjunto dos multiplos inteiros de n, em
outras palavras (n) = nZ. O anel quociênte Z/(n) = Z/nZ é o anel dos inteiros
modulo n, com as operações de anel quociênte (a + nZ) + (b + nZ) = (a + b) + nZ
e (a+nZ)(b+nZ) = ab+nZ. Os elementos neutros são 0+nZ e 1+nZ. Observe
que a + nZ = b + nZ se e somente se a − b ∈ nZ, isto é, a ≡ b modulo n.
Sejam n, m ∈ Z. Queremos entender o ideal (n, m) = {nx + my : x, y ∈ Z},
o ideal gerado por n e m.
Proposição 12. Se n, m ∈ Z então (n, m) é principal gerado por M DC(n, m):
(n, m) = (M DC(n, m)).
Demonstração. Seja d = M DC(n, m) e seja I = (n, m). Mostraremos que
I = (d) mostrando as duas inclusões.
I ⊆ (d). Seja nx + my ∈ I. Como d divide n e m, existem inteiros a, b tais
que n = da e m = db. Logo nx + my = dax + dby = d(ax + by) ∈ (d).
(d) ⊆ I. Como I é um ideal, basta mostrar que d ∈ I, pois se d ∈ I então
dx ∈ I para todo x ∈ Z, em outras palavras (d) ⊆ I. Agora, pelo algoritmo de
Euclide existem α, β ∈ Z tais que d = αn + βm e por definição de ideal gerado
αn + βm ∈ (n, m).
Agora descrevemos como funciona o algoritmo de Euclide. Dados inteiros
n, m ∈ Z queremos encontrar inteiros x, y tais que nx + my = M DC(n, m).
Para fazer isso construimos uma tabela cujas primeiras duas linhas são
n
1
0
m
0
1
45
n
m
Adicionamos linhas a essa tabela seguindo o processo seguinte.
n
1
0
..
.
a1
a2
a3
m
0
1
..
.
b1
b2
b3
n
m
..
.
c1
c2
c3
As linhas têm que ser lidas da maneira seguinte: ai n + bi m = ci . Se a1 , a2 , b1 ,
b2 , c1 , c2 são dados, a3 , b3 , c3 são determinados da maneira seguinte. Se faz a
divisão com resto entre c1 e c2 obtendo c1 = c2 q + r, com q, r ∈ Z e 0 ≤ r < c2 .
Escolha a3 = a1 − qa2 , b3 = b1 − qb2 e c3 = r. O algoritmo termina quando se
encontra um resto igual a zero, e o resto anterior será igual a M DC(n, m).
Por exemplo, encontramos x, y ∈ Z tais que 2013x+367y = M DC(2013, 367).
2013
1
0
1
−2
33
−167
367
0
1
−5
11
−181
916
2013
367
178
11
2
1
Obtemos então que M DC(2013, 367) = 1 (em outras palavras, 2013 e 367 são
coprimos) e −167 · 2013 + 916 · 367 = 1. Observe que reduzindo modulo 2013 e
modulo 367 obtemos que o inverso de 2013 modulo 367 é −167 e o inverso de
367 modulo 2013 é 916.
Mais em geral, suponha de ter an + bm = 1. Então bm − 1 ∈ nZ, logo no
anel Z/nZ temos (b + nZ)(m + nZ) = 1 + nZ. Nesse sentido “b é o inverso
de m modulo n”. Analogamente, a é o inverso de n modulo m. Logo, no
anel Z/nZ os elementos invertı́veis são exatamente os elementos m + nZ (com
m ∈ {0, 1, . . . , n − 1}) tais que m e n são coprimos. Logo Z/nZ tem ϕ(n)
elementos invertı́veis (onde ϕ é a função de Euler). Vamos ver uma aplicação
simples (e bem conhecida) desse fato.
Teorema 6 (Teorema de Euler). Sejam n, m inteiros positivos coprimos. Então
mϕ(n) ≡ 1 mod n.
Demonstração. Seja U o conjunto dos elementos invertı́veis do anel Z/nZ. Como
visto, |U | = ϕ(n), e m + nZ ∈ U pois n e m são coprimos. U é um grupo multiplicativo pois todo elemento de U tem inverso em U (por definição), e como
visto no primeiro modulo, isso implica que se g ∈ U então g |U | = 1. Escolhendo
g = m + nZ temos (m + nZ)ϕ(n) = 1, que por definição de produto no quociênte
significa mϕ(n) + nZ = 1 + nZ, isto é, mϕ(n) ≡ 1 mod n.
46
Observe que na proposição acima escolhendo como n um número primo
obtemos o pequeno teorema de Fermat.
Tudo isso implica que se podemos fazer a divisão com resto então podemos
aplicar o algoritmo de Euclide, e mostra a importância de saber fazer a divisão
com resto.
2.4
Domı́nios Euclidianos
Queremos dar um nome aos aneis em que conseguimos fazer a divisão com resto
(e por consequência aplicar o algoritmo de Euclide).
Definição 11 (Domı́nio Euclidiano). Um Domı́nio Euclidiano é um domı́nio
de integridade D que admite uma função ϕ : D − {0} → N = {0, 1, 2, . . .} tal
que
1. Para todo a, b ∈ D, com b 6= 0, existem q, r ∈ D tais que a = bq + r com
ϕ(r) < ϕ(b) ou r = 0.
2. ϕ(a) ≤ ϕ(ab) para todo a, b ∈ D − {0}.
A segunda condição é puramente técnica, ela vai permitir simplificar as provas dos teoremas. É possı́vel mostrar que se existe uma função ϕ que satisfaz (1)
então existe também uma função ϕ1 que satisfaz (1) e (2) (cf. o livro “Elementos
de álgebra” de Arnaldo Garcia e Yves Lequain).
Já temos um exemplo de domı́nio euclidiano: o anel Z. Nesse caso a função
ϕ é dada pelo valor absoluto: ϕ(n) := |n|.
Agora vamos mostrar que um outro exemplo de Domı́nio Euclidiano é o anel
dos polinômios K[X] onde K é um corpo.
Primeiro, observe que K[X] é um domı́nio de integridade: de fato, se P (X) =
an X n + P 0 (X) (com an 6= 0) e Q(X) = bm X m + Q0 (X) (com bm 6= 0) com
grau(P 0 ) < grau(P ) e grau(Q0 ) < grau(Q) (é sempre possı́vel escrever um
polinômio dessa forma, por exemplo se P (X) = 6X 2 − X − 3 então n = 2,
an = 6, P 0 (X) = −X −3) então P (X)Q(X) = an bm X n+m +R(X) com R(X) =
an X n Q0 (X) + P 0 (X)bm X m + P 0 (X)Q0 (X) e observe que grau(R(X)) < n + m.
Logo, o coeficiente de grau máximo de P (X)Q(X) é an bm sendo an bm 6= 0,
pois an , bm 6= 0 e K é um corpo (em particular, um domı́nio de integridade).
De fato, se an bm fosse zero então pelo menos um entre an e bm teria que ser
zero (por definição de domı́nio de integridade). Na verdade o que isso mostra é
que se A é um domı́nio de integridade então A[X] é um domı́nio de integridade
também e grau(P (X)Q(X)) = grau(P (X)) + grau(Q(X)).
O domı́nio K[X] é Euclidiano pois como já visto é possı́vel fazer a divisão
com resto entre dois polinômios A(X), B(X) 6= 0 quando o coeficiente de grau
máximo de B(X) for invertı́vel, mas isso é automatico se 0 6= B(X) ∈ K[X] pois
47
K é um corpo. Isso mostra que a condição (1) da definição de Domı́nio Euclidiano vale no anel K[X]. A condição (2) vale também pois grau(P (X)Q(X)) =
grau(P (X)) + grau(Q(X)) ≥ grau(P (X)).
Proposição 13. Se D é um Domı́nio Euclidiano, todo ideal de D é principal.
Demonstração. Seja I um ideal de D. Precisamos mostrar que I é principal, isto
é, que existe a ∈ I tal que I = (a). Se I = {0} isso é obvio pois I = (0). Agora
suponha I 6= (0), e seja a 6= 0 um elemento de I tal que ϕ(a) = min{ϕ(x) :
x ∈ I, x 6= 0}. Um tal a existe pois {ϕ(x) : x ∈ I, x 6= 0} é um conjunto
de números naturais (isto é, um subconjunto de N). Mostraremos que I = (a)
mostrando as duas inclusões. Como I é um ideal contendo a, se x ∈ A então
ax ∈ I. Logo (a) ⊆ I. Mostraremos I ⊆ (a). Seja x ∈ I um elemento qualquer
de I e mostraremos que x ∈ (a). Fazendo a divisão com resto de x por a obtemos
q, r ∈ D com x = aq + r e ϕ(r) < ϕ(a) ou r = 0. Por outro lado x = aq + r
implica r = x − aq e como x ∈ I e a ∈ I obtemos r = x − aq ∈ I pois I é um
ideal. Mas então r ∈ I e ϕ(r) < ϕ(a), e por definição de a obtemos r = 0, assim
x = aq ∈ (a).
Como no caso dos subgrupos normais, um ideal de um anel comutativo
unitário A é exatamente o núcleo de um homomorfismo de aneis f : A → B
(para algum anel B), ker(f ) = {a ∈ A : f (a) = 0}. De fato, se I E A então
a “projeção canonica” π : A → A/I, a função definida por π(a) := a + I, é um
homomorfismo (sobrejetivo) de aneis e ker(π) = I.
O exemplo mais simples de ideal é dado pelos ideais principais. Se a ∈ A o
ideal principal gerado por a, como já visto, é (a) = {ax : x ∈ A}. Observe
que em geral (a) 6= hai, onde hai indica o subgrupo aditivo gerado por a. De
fato, (a) = {ax : x ∈ A} e hai = {na : n ∈ Z}. Por exemplo se A = R[X]
e a = X, temos X 2 ∈ (X) = {XP (X) : P (X) ∈ R[X]} mas X 2 6∈ hXi =
{. . . , −2X, −X, 0, X, 2X, . . .}.
2.5
Ideais de um anel quociênte
Conhecer os ideais de um anel nos permite de saber se esse anel é um corpo:
Proposição 14. Seja A um anel comutativo unitário. Então A é um corpo se
e somente se os únicos ideais de A são (0) = {0} e (1) = A.
Demonstração. Suponha A corpo e seja I um ideal de A com I 6= (0). Seja
x ∈ I com x 6= 0. Como A é um corpo, x−1 ∈ A, logo xx−1 ∈ I pois I é ideal,
assim 1 ∈ I. Mas se a ∈ A então a = a · 1 ∈ I pois I é ideal e 1 ∈ I. Isso mostra
que A ⊆ I, logo A = I.
Suponha que os únicos ideais de A sejam (0) = {0} e (1) = A. Seja x ∈ A
com x 6= 0 e vamos mostrar que x tem inverso em A. Como x 6= 0, o ideal
principal (x) = {ax : a ∈ A} é um ideal não nulo de A. Como os únicos ideais
de A são (0) e (1), temos (x) = (1), em particular 1 ∈ (x), logo existe a ∈ A tal
que ax = 1, assim a é o inverso de x.
48
Logo A é um corpo se e somente se A tem exatamente dois ideais, (0) e (1).
Teorema 7 (Teorema de correspondência). Seja I um ideal de um anel comutativo unitário A. Existe uma bijeção (canonica) A → B entre o conjunto A
dos ideais de A que contêm I e o conjunto B dos ideais de A/I.
Demonstração. Defina ϕ : A → B por ϕ(J) := J/I e ψ : B → A por ψ(T ) :=
{a ∈ A : a + I ∈ T }. Primeiro, mostraremos que ϕ e ψ são bem definidas, isto
é, que se J ∈ A então ϕ(J) é um ideal de A/I e que se T ∈ B então ψ(T ) é um
ideal de A contendo I.
• Um elemento de J/I tem a forma x + I onde x ∈ J. Se x + I, y + I ∈ J/I
então (x + I) + (y + I) = x + y + I ∈ J/I pois x + y ∈ J sendo J um
ideal de A. Além disso, −(x + I) = −x + I ∈ J/I pois −x ∈ J sendo J
um ideal de A. Se a + I ∈ A/I então (a + I)(x + I) = ax + I ∈ J/I pois
ax ∈ J sendo J um ideal de A. Isso mostra que J/I E A/I.
• Sejam x, y ∈ ψ(T ), assim x + I, y + I ∈ T . Temos x + y + I = (x + I) +
(y + I) ∈ T pois x + I, y + I ∈ T e T é um ideal de A/I; isso mostra que
x + y ∈ ψ(T ). Além disso, −x + I = −(x + I) ∈ T pois x + I ∈ T e T é
um ideal de A/I; isso mostra que −x ∈ ψ(T ). Se x ∈ ψ(T ) e a ∈ A então
ax + I = (a + I)(x + I) ∈ T pois T é um ideal de A/I; isso mostra que
ax ∈ ψ(T ). Isso mostra que ψ(T ) E A. ψ(T ) contem I pois se x ∈ I então
x + I = I = 0 + I ∈ T pois T é um ideal de A/I.
Vamos mostrar que para todo J ∈ A, T ∈ B temos ψ(ϕ(J)) = J e ϕ(ψ(T )) = T .
• Temos ψ(ϕ(J)) = ψ(J/I) = {a ∈ A : a + I ∈ J/I}. a + I ∈ J/I significa
que existe j ∈ J tal que a + I = j + I, isto é, a − j = i ∈ I, assim
a = i + j ∈ J sendo J ⊇ I. Por outro lado é claro que se a ∈ J então
a + I ∈ J/I. Isso mostra que a + I ∈ J/I é equivalente a a ∈ J, logo
ψ(ϕ(J)) = {a ∈ A : a ∈ J} = J.
• Temos ϕ(ψ(T )) = {a ∈ A : a + I ∈ T }/I. Vamos mostrar que ϕ(ψ(T )) =
T mostrando as duas inclusões. Se x + I ∈ ϕ(ψ(T )) então x + I = a + I
com a + I ∈ T logo x + I ∈ T ; isso mostra (⊆). Se t = a + I ∈ T então
a ∈ ψ(T ) logo t = a + I ∈ ϕ(ψ(T )); isso mostra (⊇).
Logo ϕ e ψ são bijeções (uma a inversa da outra).
Por exemplo, isso implica que se I E A, o anel A/I é um corpo se e somente
se I é um ideal maximal de A, isto é, os únicos ideais de A que contêm I são I
e A. De fato, como visto acima A/I é um corpo se e somente se os únicos ideais
de A/I são os ideais triviais, I/I e A/I. Pelo teorema de correspondência, isso
significa que os únicos ideais de A contendo I são I e A.
Para fazer mais exemplos precisamos do seguinte. Dados dois elementos
a, b ∈ A, dizemos que a “divide” b se existe c ∈ A tal que ac = b.
49
Lema 3. Sejam a, b ∈ A. Então (a) ⊇ (b) se e somente se a divide b. Em
particular, (a) = (b) se e somente se a divide b e b divide a.
Demonstração. Se (a) ⊇ (b) então b ∈ (a) logo b = ac para algum c ∈ A (por
definição de ideal principal), isto é, a divide b. Viceversa se a divide b existe
c ∈ A com b = ac e se x ∈ A então bx = acx ∈ (a), isso mostra que (b) ⊆ (a).
Vamos fazer dois exemplos importantes.
1. Vamos contar os ideais de A = Z/6Z. O ideal 6Z de Z é o ideal principal
gerado por 6, que na nossa notação é (6). Pelo teorema de correspondência,
queremos entender os ideais I de Z que contem (6). Como Z é um domı́nio
Euclidiano (com a função ϕ(n) = |n|), todos os ideais de Z são principais
(como mostrado na aula passada), logo I = (a) para algum a ∈ Z. Como
visto no lema acima, I = (a) contem (6) se e somente se a divide 6, então
as possibilidades para a são 1, 2, 3, 6, −1, −2, −3, −6 (os divisores de 6 em
Z). Por outro lado se x ∈ {1, 2, 3, 6} então x divide −x (pois−x = (−1)x)
e −x divide x (pois x = (−x)(−1)), logo pelo lema (x) = (−x). Isso
implica que as possibilidades para I = (a) são (1), (2), (3) e (6). Logo A
tem exatamente 4 ideais.
2. Vamos contar os ideais de A = R[X]/(X 2 − 1). Como R é um corpo,
R[X] é um dominio Euclidiano (com a função grau) logo todos os ideais
de R[X] são principais. Se I é um ideal de R[X] que contem (X 2 − 1)
então I = (P (X)) é tal que P (X) divide X 2 −1 = (X −1)(X +1). Logo as
únicas possibilidades para P (X) são cQ(X) onde Q(X) ∈ {1, X 2 − 1, X −
1, X + 1} e c é um número real não nulo (isto é, um elemento invertı́vel
de R[X]). Observe que Q(X) divide cQ(X) (claro) e cQ(X) divide Q(X)
(pois Q(X) = (cQ(X))(1/c)), logo (Q(X)) = (cQ(X)), isso mostra que as
únicas possibilidades para I = (P (X)) são (1), (X −1), (X +1) e (X 2 −1),
logo A tem exatamente 4 ideais.
Falaremos desse tipo de exemplos mais cuidadosamente quando falaremos
de domı́nios de fatoração única.
2.6
Mais sobre domı́nios Euclidianos
Observe que se A é um domı́nio de integridade então (notas de aula do 28
de abril) se P (X), Q(X) ∈ A[X], o grau do produto P (X)Q(X) é igual a
grau(P (X)) + grau(Q(X)). Isso mostra em particular que A[X] é um domı́nio
de integridade. Por exemplo, Z[X] é um domı́nio de integridade. Vamos mostrar que Z[X] não é um domı́nio Euclidiano. Já sabemos que Z[X] não é
Euclidiano com a função grau, pois por exemplo não pode se fazer a divisão com
resto de X por 2 (com a função grau), mas isso não basta. Para mostrar que
Z[X] não é um domı́nio Euclidiano precisamos mostrar que não existe nenhuma
função ϕ : Z[X] − {0} → N que faz de Z[X] um domı́nio Euclidiano.
50
Na verdade, o que vamos fazer é mostrar que Z[X] contem ideais não
principais. Como em um domı́nio Euclidiano todos os ideais são principais, isso
mostra que Z[X] não é um domı́nio Euclidiano. Seja I := (2, X) = {2A(X) +
XB(X) : A(X), B(X) ∈ Z[X]}. Vamos mostrar que I não é principal. Suponha por contradição que (2, X) = (P (X)) para algum P (X) ∈ Z[X], então como
2 e X pertencem a (P (X)) existem polinômios C(X), D(X) ∈ Z[X] tais que
P (X)C(X) = 2 e P (X)D(X) = X. Como o grau de um produto é a soma dos
graus (sendo Z domı́nio de integridade) e 2 tem grau 0, P (X)C(X) = 2 implica
que P (X) tem grau 0, P (X) = α ∈ Z, assim P (X)D(X) = X implica que D(X)
tem grau 1, D(X) = aX + b. Logo X = P (X)D(X) = α(aX + b) = αaX + αb,
assim αa = 1 por definição de polinômio. Então α é um inteiro invertı́vel,
assim α = ±1, e I = (2, X) = (P (X)) = (α) = (±1) = Z[X], em particular
1 ∈ I = (2, X). Logo existem A(X), B(X) ∈ Z[X] tais que 2A(X)+XB(X) = 1,
e substituindo X = 0 obtemos 2A(0) = 1, absurdo (pois A(0) ∈ Z).
O que fizemos no final do argomento anterior é uma substituição, X = 0.
Mais em geral, se A e B são aneis com A ≤ B (A subanel de B) e b ∈ B podemos
considerar
vb : A[X] → B, vb (a0 + a1 X + . . . + an X n ) := a0 + a1 b + . . . + an bn ,
em outras palavras vb (P (X)) := P (b). Se trata de um homomorfismo de aneis
(homomorfismo de substituição), pois é claro que vb (1) = 1 e vb (P (X) +
Q(X)) = P (b) + Q(b) = vb (P (X)) + vb (Q(X)) e vb (P (X)Q(X)) = P (b)Q(b) =
vb (P (X))vb (Q(X)). A imagem de vb é indicada com A[b]: Im(vb ) = A[b].
Observe que A[b] não é um anel de polinômios: se trata do subanel de B seguinte:
A[b] := {a0 + a1 b + . . . + an bn : n ∈ N, a0 , a1 , . . . , an ∈ A} ≤ B.
Por exemplo considere o caso A = R, B = C, b = i (assim i2 = −1). Nesse
caso vi : R[X] → C é dado por vi (P (X)) := P (i). Observe que vi é sobrejetiva,
de fato se a + ib é um elemento qualquer de C então vi (a + bX) = a + ib. É
interessante estudar o núcleo de vi , I = ker(vi ). Como I é um ideal de R[X],
que é um domı́nio Euclidiano (pois R é corpo), I é principal, isto é, I = (P (X))
para algum P (X) ∈ R[X]. Pela demonstração do fato que todos os ideais
de um domı́nio Euclidiano são principais, P (X) é um polinômio de I de grau
mı́nimo entre os polinômios de I, em outras palavras, P (X) é um polinômio de
grau mı́nimo entre os polinômios A(X) com a propriedade que A(i) = 0. Logo
I = (P (X)) = (X 2 + 1), em outras palavras X 2 + 1 tem essa propriedade de
minimalidade (não estou dizendo que necessariamente P (X) = X 2 + 1, pois
poderia escolher também P (X) = c(X 2 + 1) com c um qualquer número real
não nulo, pois (c(X 2 + 1)) = (X 2 + 1) nesse caso). Seguindo a demonstração,
podemos mostrar que ker(vi ) = (X 2 + 1) da forma seguinte.
• (⊇). Um elemento qualquer de (X 2 + 1) tem a forma A(X)(X 2 + 1)
para A(X) ∈ R[X] e ele pertence a ker(vi ) pois vi (A(X)(X 2 + 1)) =
A(i)(i2 + 1) = 0 sendo i2 = −1.
51
• (⊆). Seja A(X) ∈ ker(vi ). Pela divisão com resto no domı́nio Euclidiano
R[X], existem Q(X), R(X) ∈ R[X] tais que A(X) = Q(X)(X 2 +1)+R(X)
com grau(R(X)) < 2 ou R(X) = 0. Se R(X) 6= 0 então grau(R(X)) < 2
logo R(X) = a+bX com a, b ∈ R, assim R(i) = A(i)−Q(i)(i2 +1) = 0 (pois
A(X) ∈ ker(vi )) implica que 0 = R(i) = a + bi. Se b = 0 então a + bi = 0
implica a = 0 assim R(X) = 0, o que é falso, então b 6= 0 e a + bi = 0
implica i = −a/b ∈ R, contradição. Logo A(X) = Q(X)(X 2 + 1) ∈
(X 2 + 1).
Observe que pelo teorema de isomorfismo obtemos que R[X]/(X 2 + 1) ∼
= C.
O anel dos inteiros gaussianos é o anel Z[i], a imagem do homomorfismo
de substituição vi : Z[X] → C. Se trata do conjunto dos elementos de C que
tem a forma a + ib com a, b ∈ Z. Observe que Z[i] é um subanel de C, que é um
corpo, logo Z[i] é um domı́nio de integridade. Veremos que Z[i] é um domı́nio
Euclidiano com a função ϕ(a + ib) = N (a + ib) = a2 + b2 .
2.7
Exercı́cios resolvidos
1. Seja G um grupo abeliano aditivo e seja R = End(G) o conjunto dos
homomorfismos de grupo G → G (os endomorfismos de G). Mostre que
R é um anel (em geral não comutativo) com as operações +, ◦ definidas
por (f + g)(x) := f (x) + g(x) e (f ◦ g)(x) := f (g(x)) (soma e composição).
A soma é associativa pois ((f + g) + h)(x) = (f + g)(x) + h(x) = (f (x) +
g(x)) + h(x) = f (x) + (g(x) + h(x)) = f (x) + (g + h)(x) = (f + (g + h))(x)
para todo x ∈ G, logo (f + g) + h = f + (g + h). O elemento neutro de + é
a função nula, f (x) = 0 para todo x ∈ G. O oposto de f é −f definido por
(−f )(x) := −f (x). Se trata de endomorfismos de G. A composição ◦ é
associativa pois ((f ◦g)◦h)(x) = (f ◦g)(h(x)) = f (g(h(x))) = f (g◦h(x)) =
(f ◦ (g ◦ h))(x). O elemento neutro de ◦ é a função identidade, f (x) = x
para todo x ∈ G (é um endomorfismo de G). Propriedades distributivas:
• (f ◦(g+h))(x) = f ((g+h)(x)) = f (g(x)+h(x)) = f (g(x))+f (h(x)) =
(f ◦ g)(x) + (f ◦ h)(x), logo f ◦ (g + h) = f ◦ g + f ◦ h. Observe que
usamos o fato que f respeita a operação de G.
• ((f +g)◦h)(x) = (f +g)(h(x)) = f (h(x))+g(h(x)) = (f ◦h+g◦h)(x),
logo (f +g)◦h = f ◦h+g ◦h. Observe que aqui usamos simplesmente
a definição de soma em R.
2. Seja G o grupo aditivo cı́clico Z/nZ = {0, 1, 2, . . . , n − 1}. Mostre que
End(G) (definido no exercı́cio acima) é um anel comutativo.
Sabemos pelo exercı́cio anterior que End(G) é um anel com + e ◦. Se
f ∈ End(G) e m + nZ ∈ G então m é uma soma 1 + 1 + . . . + 1 logo
(identificando m com a classe m + nZ) f (m) = f (1 + 1 + . . . + 1) =
f (1) + f (1) + . . . + f (1) = mf (1), assim f é completamente determinado
pela imagem de 1, f (1) (observe que mf (1) é um produto em Z/nZ visto
52
como anel). Se f, g ∈ End(G) então f ◦ g(m) = f (g(m)) = f (mg(1)) =
mg(1)f (1), e g ◦ f (m) = g(f (m)) = g(mf (1)) = mf (1)g(1), então como
g(1)f (1) = f (1)g(1) (pois Z/nZ, visto como anel, é comutativo) obtemos
f ◦ g = g ◦ f . Isso mostra que End(G) é um anel comutativo.
Observe também que End(Z/nZ) (o anel dos endomorfismo do grupo aditivo Z/nZ) é isomorfo a Z/nZ (o anel quociênte Z/nZ) via o isomorfismo
ϕ : End(Z/nZ) → Z/nZ definido por ϕ(f ) := f (1).
3. Mostre que Z/nZ com as operações (x + nZ) + (y + nZ) := (x + y) + nZ
e (x + nZ) · (y + nZ) := xy + nZ é um anel comutativo. É um domı́nio de
integridade?
Já vimos em sala de aula que Z/nZ é um anel quociênte comutativo.
Observe que se n não é primo então existem a, b inteiros maiores de 1 tais
que ab = n, assim no quociênte (a + nZ)(b + nZ) = n + nZ = 0, logo Z/nZ
não é um domı́nio de integridade. Por outro lado se n = p é primo então
Z/nZ é um domı́nio de integridade, pois um produto (a + pZ)(b + pZ) é
igual a zero se e somente se ab ∈ pZ, isto é, p divide ab. Mas como p é
primo, e divide ab, p divide um entre a e b, logo uma das classes a + pZ
e b + pZ é zero. Isso mostra que Z/nZ é um domı́nio de integridade se
e somente se n é um número primo (e nesse caso se trata de um corpo
pois um domı́nio de integridade finito é sempre um corpo: veja o próximo
exercı́cio).
4. Seja A um domı́nio de integridade de cardinalidade finita. Mostre que A é
um corpo. [Dica: dado a ∈ A diferente de zero considere a função A → A
dada pela multiplicação por a.]
Dado a ∈ A diferente de zero, queremos mostrar que a tem inverso em A,
em outras palavras, que existe b ∈ A tal que ab = 1. Considere a função
f : A → A dada por f (x) := ax. Ela é injetiva pois se f (x) = f (y) então
ax = ay logo a(x − y) = 0 e como a 6= 0 e A é um domı́nio de integridade,
obtemos x − y = 0, isto é, x = y. Isso mostra que f é injetiva. Como
A é um conjunto finito, o princı́pio da casa dos pombos mostra que f é
sobrejetiva, assim existe b ∈ A tal que f (b) = 1, isto é, ab = 1.
5. Sejam A, B aneis e seja A×B o produto direto de A e B, com as operações
(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b)(c, d) = (ac, bd), elementos neutros
(0, 0) e (1, 1). Mostre que A × B é um anel e que não é um domı́nio de
integridade.
A verifica que A × B é um anel é facil. Não é um domı́nio pois (1, 0) 6=
(0, 0), (0, 1) 6= (0, 0) mas (1, 0)(0, 1) = (0, 0).
6. Dado um domı́nio de integridade A, mostre que f : A → K(A), a 7→
um homomorfismo injetivo de aneis.
a
1
é
Temos f (1) = 1/1, f (a + b) = a/1 + b/1 = (a + b)/1 e f (ab) = ab/1 =
(a/1)(b/1), logo f é homomorfismo de aneis. É injetivo pois ker(f ) = {0},
de fato se f (a) = 0 então a/1 = 0, isto é, a · 1 = 1 · 0 logo a = 0.
53
7. Seja f : A → B um homomorfismo de aneis e seja J um ideal de B. Mostre
que f −1 (J) = {a ∈ A : f (a) ∈ J} é um ideal de A. É verdade que se I é
um ideal de A então f (I) é um ideal de B?
Seja I := f −1 (J). É claro que 0 ∈ I pois f (0) = 0 ∈ J. Se x, y ∈ J então
f (x + y) = f (x) + f (y) ∈ J pois f (x), f (y) ∈ J logo x + y ∈ I, e se x ∈ I
e a ∈ A então f (ax) = f (a)f (x) ∈ J pois f (a) ∈ B, f (x) ∈ J e J é um
ideal de B, logo ax ∈ I. Em particular escolhendo a = −1 obtemos que
se x ∈ I, −x ∈ I. Isso mostra que I é um ideal. Se I é um ideal qualquer
de A então em geral f (I) não é um ideal de B, por exemplo considere a
inclusão f : Z → Q, f (z) := z. É claro que Z é ideal de Z mas f (Z) = Z
não é ideal de Q (pois os únicos ideais de Q são (0) e Q, sendo Q um
corpo).
8. Seja f : A[X] → A a função definida por f (P (X)) := P (0). Mostre que f
é um homomorfismo de aneis e que
I = ker(f ) = {XP (X) : P (X) ∈ A[X]}.
Mostre que A[X]/I ∼
= A.
f é homomorfismo de aneis pois f (0) = 0, f (1) = 1 e f (P (X) + Q(X)) =
P (0) + Q(0) = f (P (X)) + f (Q(X)) e f (P (X)Q(X)) = P (0)Q(0) =
f (P (X))f (Q(X)). f é sobrejetivo pois se a ∈ A então visto a como
polinômio (constante) temos f (a) = a. Vamos mostrar que I = ker(f ) =
{XP (X) : P (X) ∈ A[X]}. A inclusão ⊇ é facil pois f (XP (X)) =
0P (0) = 0, vamos mostrar a inclusão ⊆. Seja F (X) ∈ I = ker(f ) (isto
é, F (0) = 0), escrevemos F (X) = a0 + a1 X + a2 X 2 + . . . + an X n , assim
F (0) = 0 significa a0 = 0, logo F (X) = a1 X +a2 X 2 +. . .+an X n = X(a1 +
a2 X + . . . + an X n−1 ). Logo escolhendo P (X) = a1 + a2 X + . . . + an X n−1
obtemos que F (X) pertence a {XP (X) : P (X) ∈ A[X]}. O fato que
A[X]/I ∼
= A segue do teorema de isomorfismo.
9. Sejam A(X) = 6X 4 + X 2 + 1, B(X) = X 2 − 2 em Z[X]. Faça a divisão
com resto de A(X) por B(X).
6X 4 + X 2 + 1
6X 4 − 12X 2
13X 2 + 1
13X 2 − 26
27
X2 − 2
6X 2 + 13
Obtemos que A(X) = B(X)Q(X)+R(X) onde Q(X) = 6X 2 +13 (quociênte)
e R(X) = 27 (resto).
10. Sejam A(X) = −2X 5 − 2X 4 − 6X 3 − X 2 − X − 3, B(X) = −X 2 − X − 3
em Z[X]. Faça a divisão com resto de A(X) por B(X).
54
−2X 5 − 2X 4 − 6X 3 − X 2 − X − 3
−2X 5 − 2X 4 − 6X 3
−X 2 − X − 3
−X 2 − X − 3
0
−X 2 − X − 3
2X 3 + 1
Obtemos que A(X) = B(X)Q(X)+R(X) onde Q(X) = 2X 3 +1 e R(X) =
0. Em outras palavras B(X) divide A(X).
11. Seja A um domı́nio de integridade e sejam P (X), Q(X) ∈ A[X]. Mostre
que o grau(P (X)Q(X)) = grau(P (X)) + grau(Q(X)).
Escrevemos P (X) = an X n + P 0 (X) e Q(X) = bm X m + Q0 (X) com
grau(P ) = n, grau(Q) = m assim an 6= 0, bm 6= 0 e grau(P 0 ) < n,
grau(Q0 ) < m. Fazendo o produto P (X)Q(X) obtemos an bm X n+m +
R(X) com grau(R(X)) < n + m, e como A é um domı́nio de integridade
e an 6= 0, bm 6= 0, obtemos an bm 6= 0 logo grau(P (X)Q(X)) = n + m.
12. Escreva e demonstre o teorema de isomorfismo para espaços vetoriais sobre
R. Se V é um espaço vetorial e W é um subespaço, V /W = {v + W :
v ∈ V } é um espaço vetorial com a multiplicação por escalar dada por
a(v + W ) := av + W (para todo a ∈ R, v ∈ V ). Consegue calcular
dim(V /W )?
Um homomorfismo de espaços vetoriais (sobre um corpo k) é uma função
linear f : V → U entre espaços vetoriais V, U . Seja W = ker(f ). V /W =
{v +W : v ∈ V } é um espaço vetorial com multiplicação por escalar dada
por a(v + W ) := av + W (observe que para definir V /W não precisamos
de nenhuma condição ulterior em W , basta que W seja um subespaço).
Temos que ϕ : V /W → U dada por ϕ(v + W ) := f (v) é um isomorfismo
de espaços vetoriais: de fato, é um isomorfismo de grupos aditivos pelo
teorema de isomorfismo de grupos, e é k-linear pois ϕ(a(v + W )) = ϕ(av +
W ) = f (av) = af (v) = aϕ(v + W ). Logo V /W ∼
= Im(f ). Lembre-se que
dim(V ) = dim(ker(f )) + dim(Im(f )) e ker(f ) = W , logo dim(V /W ) =
dim(Im(f )) = dim(V ) − dim(W ).
13. Usando o algoritmo de Euclide encontre um gerador do ideal (360, 12705)
de Z (ideal gerado).
12705
1
0
1
−3
7
360
0
12705
1
360
−35
105
106
45
−247
15
55
Os quociêntes são 35, 3, 2. O algoritmo terminou pois o próximo resto
seria zero (15 divide 45). Obtemos que
12705 · 7 + 360 · (−247) = 15 = M DC(12705, 360).
14. Usando o algoritmo de Euclide encontre um gerador do ideal (X 5 + 2X 3 +
X 2 + 1, X 2 + X − 2) de Q[X] (ideal gerado). Em outras palavras, encontre
o maior divisor comum dos dois geradores.
X 5 + 2X 3 + X 2 + 1
1
0
1
1
6
A(X)
X2 + X − 2
0
1
−X 3 + X 2 − 5X
− 16 X 3 + 16 X 2 − 65 X + 1
B(X)
X 5 + 2X 3 + X 2 + 1
X2 + X − 2
−6X 2 + 10X + 1
11
8
3X − 6
1935/384
1 3
3
2
onde A(X) = 1 − 61 (− 94 X + 141
64 ) e B(X) = −X + X − 5X − (− 6 X +
1 2
5
9
141
6 X − 6 X + 1)(− 4 X + 64 ).
384
Observe também (mesmo que não seja pedido do exercı́cio) que 1935
A(X)
384
5
3
2
2
é o inverso de X + 2X + X + 1 no anel Q[X]/(X + X − 2) e 1935 B(X)
é o inverso de X 2 + X − 2 no anel Q[X]/(X 5 + 2X 3 + X 2 + 1). O maior
divisor comum entre X 5 + 2X 3 + X 2 + 1 e X 2 + X − 2 é 1 (observe que o
maior divisor comum é definido a menos de multiplicar por um elemento
invertı́vel, isto é, uma constante não nula). Eles são polinômios coprimos.
Isso implica que (X 5 + 2X 3 + X 2 + 1, X 2 + X − 2) = (1) = Q[X].
15. Seja A um anel (comutativo unitário) e seja f : A[X] → A a função
definida por f (P (X)) := P (0), isto é, f (a0 + a1 X + . . . + an X n ) := a0 .
Usando o teorema de isomorfismo, mostre que A[X]/(X) ∼
= A (onde (X)
é o ideal principal gerado por X).
Se trata do exercı́cio 8, pois (X) = {XP (X) : P (X) ∈ A[X]}. A única
coisa diferente é a notação (X).
16. Seja B um anel (comutativo unitário) e seja A um subanel de B. Dado
b ∈ B considere a função vb : A[X] → B definida por vb (P (X)) := P (b):
vb (a0 + a1 X + . . . + an X n ) := a0 + a1 b + . . . + an bn .
Mostre que se trata de um homomorfismo de aneis. Considere agora o
caso A = R e B = C, b = i (assim i2 = −1). Mostre que ker(vi ) é o ideal
principal gerado por X 2 + 1 (Dica: dado P (X) ∈ ker(vi ) faça a divisão
com resto de P (X) por X 2 +1). Usando o teorema de isomorfismo, deduza
que
C∼
= R[X]/(X 2 + 1).
Esse exercı́cio foi resolvido em sala de aula (notas de aula do dia 3 de
maio).
56
17. Qual é o núcleo de vi : Z[X] → C, P (X) 7→ P (i)? Aplique o teorema de
isomorfismo para escrever Z[i] como quociênte de Z[X].
Vamos mostrar que ker(vi ) = (X 2 + 1). Para fazer isso mostraremos
as duas inclusões. Se P (X) ∈ (X 2 + 1) então P (X) = (X 2 + 1)A(X)
com A(X) ∈ Z[X] e vi (P (X)) = vi ((X 2 + 1)A(X)) = (i2 + 1)A(i) = 0
pois i2 = −1. Isso mostra ⊇. Agora mostraremos a inclusão ⊆. Seja
P (X) ∈ ker(vi ), e fazemos a divisão com resto de P (X) por X 2 + 1
(pode ser feita, embora Z[X] não seja um domı́nio Euclidiano, pois o
coeficiente de grau máximo de X 2 + 1 é 1, que é invertı́vel em Z!), obtendo
P (X) = Q(X)(X 2 + 1) + R(X) com R(X) = 0 ou grau(R(X)) < 2. Se
R(X) 6= 0 então grau(R(X)) < 2 logo R(X) = a + bX com a, b ∈ Z,
assim R(i) = P (i) − Q(i)(i2 + 1) = 0 (pois P (X) ∈ ker(vi )) implica que
0 = R(i) = a+bi. Se b = 0 então a+bi = 0 implica a = 0 assim R(X) = 0,
o que é falso, então b 6= 0 e a + bi = 0 implica i = −a/b ∈ Q, contradição.
Logo R(X) = 0 e P (X) = Q(X)(X 2 + 1) ∈ (X 2 + 1).
Isso mostra que ker(vi ) = (X 2 + 1), logo pelo teorema de isomorfismo
Z[i] = Im(vi ) ∼
= Z[X]/(X 2 + 1).
18. Calcule o núcleo de vi+1 : Q[X] → C, vi+1 (P (X)) := P (i + 1).
Seja α := i + 1. Observe que (α − 1)2 = −1, logo α é raiz do polinômio
(X −1)2 +1 = X 2 −2X +2. Por outro lado, α não é raiz de um polinômio de
grau 1 pois se aX + b ∈ Q[X] tem α como raiz, aα + b = 0 implica que α =
−b/a ∈ Q, contradição. Logo X 2 −2X +2 é um polinômio de grau mı́nimo
entre os polinômios que têm i+1 como raiz, logo ker(vi+1 ) = (X 2 −2X +2)
(veja a demonstração do fato que os ideais de um domı́nio Euclidiano
são principais, notas de aula do dia 28 de abril). Pode-se mostrar que
ker(vi+1 ) = (X 2 − 2X + 2) também mostrando as duas inclusões como
feito no exercı́cio anterior.
19. Seja A um domı́nio de integridade e sejam a, b ∈ A. Mostre que (a) = (b)
se e somente se existe um elemento invertı́vel u ∈ A tal que b = au.
Suponha (a) = (b), assim a divide b e b divide a. Escrevemos b = ac e
a = bd, assim a = bd = acd logo a(1 − cd) = 0. Como A é um domı́nio
de integridade, isso implica que tem dois casos: a = 0 ou 1 − cd = 0. No
primeiro caso a = 0 assim (a) = (0) = {0} e (a) = (b) implica que b = 0
logo b = a · 1 (pois a = b = 0) e podemos escolher u = 1. Suponha agora
que a 6= 0, assim estamos no segundo caso, 1 − cd = 0, assim cd = 1, logo
c é invertı́vel. Como b = ac, podemos escolher u = c.
Agora suponha que b = au com u invertı́vel. Para mostrar que (a) = (b)
basta mostrar que a divide b e b divide a. Como b = au, é claro que a
divide b. Por outro lado como u é invertı́vel a = bu−1 logo b divide a.
20. Conte os ideais de Z/12Z.
Pelo teorema de correspondência, os ideais de Z/12Z = Z/(12) correspondem aos ideais de Z que contêm (12), e como os ideais de Z são principais
57
(sendo Z um domı́nio Euclidiano), um ideal que contem (12) tem a forma
(a) onde a é um divisor de 12, isto é, a ∈ {±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12}.
Como 1 e −1 são invertı́veis, pelo exercı́cio anterior (a) = (−a) logo as
possibilidades para (a) são (1), (2), (3), (4), (6), (12), assim Z/12Z tem
6 ideais. O mesmo argomento mostra que o número de ideais de Z/nZ é
igual ao número de divisores positivos de n (isso é razoavel pois no caso
de Z/nZ todos os subgrupos aditivos são ideais, e o número de subgrupos
de um grupo cı́clico Cn é o número de divisores positı́vos de n).
21. Mostre que Z/nZ é um corpo se e somente se n é um número primo.
Veja o exercı́cio 3 acima.
22. Mostre que se n > 1 é um inteiro, (n, X) E Z[X] não é um ideal principal.
Suponha por contradição que (n, X) seja principal, (n, X) = (P (X)) para
algum P (X) ∈ Z[X]. Em particular P (X) divide n e X, logo a única
possibilidade é P (X) = 1 (como no caso já visto de n = 2), em particular
(n, X) = (P (X)) = (1) = Z[X], logo existem A(X), B(X) ∈ Z[X] tais
que nA(X) + XB(X) = 1. Substituindo X = 0 obtemos nA(0) = 1,
contradição pois n é um inteiro maior doque 1 e A(0) é um inteiro (os
únicos inteiros invertı́veis são 1 e −1).
23. Mostre que (X) é um ideal maximal de Q[X] (considere v0 ).
Usando v0 (o homomorfismo de substituição v0 (P (X)) := P (0)), já vimos
que Q[X]/(X) ∼
= Q (nos exercı́cios 8 e 15). Logo Q[X]/(X) é um corpo
(sendo um anel isomorfo a Q, que é um corpo), então (X) é um ideal
maximal de Q[X] (lembre-se que A/I é um corpo se e somente se I é um
ideal maximal).
24. Mostre que (X 2 − 1) não é um ideal maximal de Q[X] (quantos ideais tem
o quociênte?).
Como visto em sala de aula, o quociênte Q[X]/(X 2 − 1) tem quatro ideais
(correspondentes aos divisores 1, X − 1, X + 1, X 2 − 1 de X 2 − 1), logo
não é um corpo (um corpo tem somente dois ideais, os dois ideais triviais
(0) e (1)), logo (X 2 − 1) não é um ideal maximal (lembre-se que A/I é um
corpo se e somente se I é um ideal maximal).
25. Seja a ∈ R. Mostre que R[X]/(X − a) ∼
= R.
Queremos aplicar o teorema de isomorfismo. Para fazer isso, considere
va : R[X] → R, o homomorfismo de substituição va (P (X)) := P (a). Ele
é sobrejetivo pois se r ∈ R então r é um polinômio constante e va (r) = r.
Para deduzir que R[X]/(X −a) ∼
= R usando o teorema de isomorfismo falta
mostrar que ker(va ) = (X − a). Vamos mostrar isso mostrando as duas
inclusões. Se P (X) ∈ (X − a) então P (X) = Q(X)(X − a) para algum
Q(X) ∈ R[X] logo va (P (X)) = va (Q(X)(X −a)) = Q(a)(a−a) = 0, assim
P (X) ∈ ker(va ). Isso mostra que (X − a) ⊆ ker(va ). Mostraremos agora
que ker(va ) ⊆ (X − a), seja então P (X) ∈ ker(va ). Queremos mostrar
58
que X − a divide P (X), e para fazer isso fazemos a divisão com resto
de P (X) por X − a (no domı́nio Euclidiano R[X] - lembre-se que se k é
um corpo, k[X] é um domı́nio Euclidiano) esperando que o resto seja 0.
Sejam então Q(X), R(X) in R[X] tais que P (X) = (X −a)Q(X)+R(X) e
grau(R(X)) < 1 ou R(X) = 0. Temos então R(X) = P (X)−(X −a)Q(X)
logo R(a) = P (a) − (a − a)Q(a) = P (a) = 0 pois P (X) ∈ ker(va ). Mas se
R(X) 6= 0 então como grau(R(X)) < 1, R(X) é um polinômio constante
não nulo com a como raiz, o que não é possı́vel. Isso mostra que R(X) = 0
assim P (X) = (X − a)Q(X) pertence ao ideal principal (X − a).
26. Encontre o inverso de 691 + I no anel Z/I, onde I = (1039).
Aplicando o algoritmo de Euclide temos
1039
1
0
1
−1
2
−137
139
−276
691
0
1
−1
2
−3
206
−209
415
1039
691
348
343
5
3
2
1
Os quociêntes são 1, 1, 1, 68, 1, 1. Logo −276 · 1039 + 415 · 691 = 1, assim
o inverso de 691 + I no anel Z/I é 415. De maneira analoga, se J = (691)
o inverso de 1039 + J em Z/J é −276 + J.
27. Encontre o inverso de X 5 − 3 + I no anel Q[X]/I, onde I = (X 2 + 2).
Aplicando o algoritmo de Euclide temos
X5 − 3
1
0
1
−(X/4 + 3/16)
X2 + 2
0
X5 − 3
1
X2 + 2
3
−X + 2X
4X − 3
1 + (X/4 + 3/16)(X 3 − 2X) 41/16
Os quociêntes são X 3 − 2X, X/4 + 3/16. O algoritmo termina aqui pois
41 16
o próximo resto seria zero, de fato 4X − 3 = 16
· 41 (4X − 3) (observe que
u = 41/16 é invertı́vel em Q[X], então ele divide todo polinômio). Logo
−(X/4 + 3/16)(X 5 − 3) + (1 + (X/4 + 3/16)(X 3 − 2X))(X 2 + 2) = 41/16
assim reduzindo modulo X 2 + 2 obtemos que −(X/4 + 3/16)(X 5 − 3) ≡
41/16 modulo X 2 + 2. Multiplicando pelo inverso de 41/16 obtemos que
16
− 41
(X/4 + 3/16)(X 5 − 3) ≡ 1 modulo X 2 + 2 (na verdade seria modulo
16
16
2
2
2
41 (X + 2), mas observe que os ideais ( 41 (X + 2)) e (X + 2) são iguais
16
pois 41 é invertı́vel - veja o exercı́cio 19 acima). Logo o inverso de X 5 −3+I
no anel Q[X]/I é − 16
41 (X/4 + 3/16) + I.
59
2.8
Z[i] é Euclidiano
Proposição 15. O anel Z[i] = {a + ib : a, b ∈ Z} é Euclidiano com a função
ϕ(a + ib) = N (a + ib) = a2 + b2 .
Em particular, todos os ideais de Z[i] são principais.
A função N é dita “norma”.
Demonstração. Observe que 0 ≤ N (α) ∈ Z para todo α ∈ Z[i], e se a + ib 6= 0
então N (a + ib) ≥ 1 pois a, b ∈ Z, em particular N (α) = 0 se e somente se
α = 0. Logo N (αβ) = N (α)N (β) ≥ N (α) se β 6= 0. Como Z[i] é um subanel
de C, que é um corpo, Z[i] é um domı́nio de integridade. Falta mostrar que
podemos fazer a divisão com resto. Sejam α = a + ib, β = c + id em Z[i] com
β 6= 0. Procuramos q, r ∈ Z[i] com α = βq + r e N (r) < N (β) (o caso r = 0 está
incluso nessa condição). Observe que r = α − βt, assim a condição que temos é
N (β) > N (r) = N (α − βt) = N (β(
α
α
− t)) = N (β)N ( − t),
β
β
logo temos que encontrar q tal que N ( α
β − q) < 1. Escrevemos
α
a + ib
(a + ib)(c − id)
ac + bd
bc − ad
=
=
= 2
+i 2
= x + iy
2
β
c + id
(c + id)(c − id)
c +d
c + d2
e observe que x, y ∈ Q. Logo existem e, f ∈ Z tais que |x − e|, |y − f | ≤ 1/2,
assim escolhendo q = e + if temos
α
− q) = N (x + iy − (e + if )) = N ((x − e) + i(y − f )) =
β
= (x − e)2 + (y − f )2 = |x − e|2 + |y − f |2 ≤ (1/2)2 + (1/2)2 = 1/2 < 1.
N(
A demonstração é terminada.
Por exemplo seja
I := {α ∈ Z[i] : N (α) é par},
o conjunto dos elementos de norma par. Se trata de um ideal pois se α = a + ib,
β = c + id têm norma par então
N (α + β) = N (a + c + i(b + d)) = (a + c)2 + (b + d)2 = N (α) + N (β) + 2(ac + bd)
é par, e se γ ∈ Z[i] então N (αγ) = N (α)N (γ) é par pois N (α) é par e N (γ) ∈ Z.
Como Z[i] é Euclidiano, o ideal I é principal, e sabemos que um gerador de I é
dado por um elemento de I de norma mı́nima, como por exemplo 1 + i. Temos
então I = (1 + i). Observe que I é o núcleo do homomorfismo sobrejetivo de
aneis seguinte: Z[i] → Z/2Z, α 7→ N (α) + 2Z. Pelo teorema de isomorfismo
temos então
Z[i]/(1 + i) ∼
= Z/2Z.
Em particular (1 + i) é um ideal maximal de Z[i].
60
2.9
Fatoração
Seja A um domı́nio de integridade e sejam a, b, u ∈ A.
Lembre que se a ∈ A, (a) = {ax : x ∈ A} (ideal principal gerado por a).
1. a divide b se existe c ∈ A com ac = b. Em outras palavras, (a) ⊇ (b).
2. u é dito invertı́vel (ou unidade) se existe c ∈ A com uc = 1. Em outras
palavras, u divide 1, isto é, (u) ⊇ (1). Como (1) = A, temos que u é
invertı́vel se e somente se (u) = A. O conjunto dos elementos invertı́veis
(as unidades) de A é indicado por U (A): observe que se trata de um grupo
multiplicativo.
3. a, b são ditos associados se existe c ∈ A invertı́vel tal que b = ac. Se
a, b são associados escrevemos a ∼ b. Observe que ∼ é uma relação de
equivalência em A, e que a ∼ b se e somente se (a) = (b) (logo as classes
de equivalência de ∼ são os ideais principais!).
4. a ∈ A diferente de zero é dito irredutı́vel se
• a não é invertı́vel e
• cada vez que a = xy com x, y ∈ A, um entre x e y é invertı́vel.
É facil mostrar que se a, b são associados, a é irredutı́vel se e somente se
b é irredutı́vel.
5. x ∈ A é dito primo se x 6= 0 e toda vez que x divide um produto ab, x
divide pelo menos um entre a e b.
Antes de fazer exemplos vamos mostrar o seguinte.
Proposição 16. Seja A um domı́nio Euclidiano com a função ϕ. Então
U (A) = {a ∈ A − {0} : ϕ(a) = ϕ(1)}.
Demonstração. Mostramos ⊆. Seja a ∈ A invertı́vel, assim existe b ∈ A tal que
ab = 1. Logo,
ϕ(1) = ϕ(ab) ≥ ϕ(a) = ϕ(a · 1) ≥ ϕ(1)
implica que ϕ(a) = ϕ(1).
Mostramos ⊇. Seja a ∈ A diferente de zero tal que ϕ(a) = ϕ(1). Fazendo a
divisão com resto de 1 por a obtemos q, r ∈ A com 1 = aq + r e ϕ(r) < ϕ(a) ou
r = 0. Por outro lado se fosse ϕ(r) < ϕ(a) então
ϕ(1) = ϕ(a) > ϕ(r) = ϕ(r · 1) ≥ ϕ(1),
absurdo. Isso implica que r = 0 logo 1 = aq.
Alguns exemplos de calculo de U (A).
61
1. Z é um domı́nio Euclidiano com ϕ(x) = |x|. Como |1| = 1, U (Z) = {a ∈
Z : |a| = 1} = {1, −1}. Se trata de um grupo multiplicativo cı́clico,
{1, −1} = h−1i.
2. Seja k um corpo. k[X] é um domı́nio Euclidiano com ϕ = grau. Como
grau(1) = 0, U (k[X]) = {P (X) ∈ k[X] : grau(P (X)) = 0} = k ∗ .
k ∗ é o conjunto dos elementos não nulos de k. Se trata de um grupo
multiplicativo (em geral não cı́clico) pois k é um corpo.
3. Z[i] é um domı́nio Euclidiano com ϕ = N , N (a + ib) = a2 + b2 (norma).
Como N (1) = 1, U (Z[i]) = {a + ib ∈ Z[i] : a2 + b2 = 1} = {1, −1, i, −i} =
hii. Se trata de um grupo multiplicativo cı́clico de ordem 4.
4. Seja A um domı́nio de integridade. Um polinômio P (X) ∈ A[X] é invertı́vel se e somente se P (X) é um polinômio constante P (X) = a e
a ∈ U (A). De fato, P (X)Q(X) = 1 implica que
0 = grau(1) = grau(P (X)Q(X)) = grau(P (X)) + grau(Q(X))
logo grau(P (X)) = 0 = grau(Q(X)) assim P (X) = a ∈ A, Q(X) = b ∈ A
e ab = 1 implica a ∈ U (A). Por exemplo U (Z[X]) = U (Z) = {1, −1}.
5. Seja k um corpo e seja P (X) ∈ k[X]. Um elemento F (X) + (P (X)) ∈
k[X]/(P (X)) é invertı́vel se e somente se F (X) e P (X) são coprimos! De
fato, se trata de aplicar o algoritmo de Euclide.
Alguns exemplos de calculo dos elementos irredutı́veis.
1. Os elementos irredutı́veis de Z são os elementos da forma ±p onde p é un
número primo. Observe que se trata também de elementos primos de Z
(cf. a definição de elemento primo acima).
2. Os elementos irredutı́veis de C[X] são os polinômios de grau 1, aX +b com
a 6= 0. De fato, C é algebricamente fechado. Isto significa que todo polinômio de C[X] é produto de polinômios de grau 1 (que são irredutı́veis
pois um fator proprio deles teria que ter grau 0, i.e. teria que ser invertı́vel).
3. Os elementos irredutı́veis de R[X] são os polinômios de grau 1, aX +b com
a 6= 0, e os polinômios de grau 2 com discriminante negativo, aX 2 +bX +c
com b2 − 4ac < 0. De fato, todo polinômio de R[X] admite uma fatoração
em C[X] do tipo seguinte
(X − λ1 )(X − λ1 ) · · · (X − λn )(X − λn )(X − µ1 ) · · · (X − µm )
onde λi ∈ C − R e µi ∈ R - onde se λ = a + ib, λ = a − ib, o conjugado de λ
- de fato, lembre-se que se λ é raiz de P (X) ∈ R[X] então λ é também raiz
de P (X). Por outro lado, (X − λ)(X − λ) = X 2 − (λ + λ)X + λλ ∈ R[X]
pois se λ = a + ib então λ + λ = 2a e λλ = a2 + b2 . Por exemplo,
X 3 − X 2 + X − 1 = (X − 1)(X + i)(X − i) = (X − 1)(X 2 + 1). Isso mostra
que todo polinômio irredutı́vel de R[X] tem grau 1 ou 2.
62
4. O que acontece em Q[X] e em Z[X]? Boa pergunta.
Definição 12 (UFD). Um domı́nio D é dito domı́nio de fatoração única
(ou domı́nio fatorial, ou UFD) se todo elemento não nulo e não invertı́vel
de D se escreve de “maneira única” como produto de elementos irredutı́veis de
D, i.e.
1. Todo elemento não nulo e não invertı́vel de D é um produto finito de
fatores irredutı́veis.
2. Se p1 , . . . , ps , q1 , . . . , qt são elementos irredutı́veis e p1 · · · ps = q1 · · · qt
então s = t e existe uma bijeção σ : {1, . . . , s} → {1, . . . , t = s} tal que pi
é associado a qσ(i) para todo i = 1, . . . , s.
Por exemplo 12 = 2 · 2 · 3 = (−2) · (−3) · 2, nesse caso observe que 2 é
associado a −2 e 3 é associado a −3. Os elementos 2, 3, −2, −3 são irredutı́veis
e o número de fatores irredutı́veis é o mesmo, s = t = 3.
Um outro exemplo é X 2 − 1 = (X − 1)(X + 1) = (2(X − 1))( 21 (X + 1)) em
Q[X], de fato observe que X − 1 é associado a 2(X − 1) e X + 1 é associado a
1
1
2 (X + 1) pois 2 e 2 são invertı́veis em Q[X] (um o inverso do outro).
Agora vamos ver que em um domı́nio de fatoração única, um elemento
é primo se e somente se é irredutı́vel.
Proposição 17. Seja D um domı́nio. Então todo elemento primo de D é
irredutı́vel. Se D é UFD, todo elemento irredutı́vel de D é primo.
Demonstração. Seja x um elemento primo de D e mostramos que x é irredutı́vel.
Suponha que x = ab e mostramos que um entre a e b é invertı́vel. Como x divide
x (pois x = x · 1) e x = ab, x divide ab logo x divide a ou x divide b (pois x é
um elemento primo). Suponha que x divida a (o outro caso é analogo), assim
a = xy e x = ab = xyb logo x(1 − yb) = 0. Como x é primo, x 6= 0 assim 1 = yb
pois D é domı́nio. Isso mostra que b é invertı́vel.
Agora seja D um UFD, seja x ∈ D irredutı́vel e mostramos que x é primo.
Suponha então que x divida um produto ab, assim existe y ∈ D tal que xy = ab,
e mostramos que x divide pelo menos um entre a e b. Escreva y, a, b como produto de irredutı́veis: y = y1 · · · yt , a = a1 · · · an , b = b1 · · · bm . Então podemos
escrever xy = ab da seguinte forma (lembrando que x é irredutı́vel):
xy1 · · · yt = a1 · · · an b1 · · · bm .
Como D é UFD, pela unicidade da fatoração x tem que ser associado a um ai
ou a um bi , suponha que x seja associado a ai (o outro caso é analogo). Então
x = ai u com u invertı́vel, logo x divide a (pois ai divide a e u é invertı́vel).
Isso nos permite dar uma caracterização dos domı́nios fatoriais.
Proposição 18. Seja D um domı́nio. Então D é UFD se e somente se todo
elemento não nulo e não invertı́vel de D é um produto finito de elementos irredutı́veis e todo elemento irredutı́vel de D é primo.
63
Demonstração. A implicação ⇒ foi mostrada acima. Mostramos ⇐. Suponha
que todo elemento não nulo e não invertı́vel de D seja um produto finito de
elementos irredutı́veis e que todo elemento irredutı́vel de D seja primo. Para
mostrar que D é UFD temos apenas que mostrar a unicidade da fatoração.
Suponha então que p1 · · · ps = q1 · · · qr com os pi e qi irredutı́veis, e mostramos
o resultado por indução sobre s. Se s = 1 então r = 1 pois p1 é irredutı́vel e
p1 = q1 - isso mostra a base da indução. Agora suponha s > 1. Por hipótese os
pi são primos (sendo eles irredutı́veis). Agora p1 divide q1 · · · qr , assim p1 divide
um qj pois p1 é primo, e podemos supor que j = 1 (a menos de reordenar os
fatores). Logo q1 = u1 p1 com u1 ∈ A, e como q1 é irredutı́vel u1 tem que ser
invertı́vel, assim p1 e q1 são associados. Agora p1 · · · ps = q1 · · · qr = u1 p1 q2 · · · qr
implica que p1 (p2 · · · ps − u1 q2 · · · qr ) = 0 logo p2 · · · ps = u1 q2 · · · qr pois p1 6= 0
e D é um dominio. q20 = u1 q2 é irredutı́vel e p2 · · · ps = q20 q3 · · · qr , e por hipotése
de indução s − 1 = r − 1 (assim s = r) e existe uma bijeção σ 0 : {2, . . . , s} →
{2, . . . , r = s} tal que pi é associado a qσ0 (i) para todo i = 2, . . . , s. Definindo
σ : {1, 2, . . . , s} → {1, . . . , r = s} por σ(1) = 1 e σ(i) = σ 0 (i) para 2 ≤ i ≤ s
obtemos que pi é associado a qσ(i) para todo i = 1, . . . , s.
2.10
Domı́nios principais
Um domı́nio D é dito “domı́nio principal” ou DIP (domı́nio de ideais principais) se todo ideal de D é principal. Por exemplo, já vimos que todo domı́nio
Euclidiano é principal.
Uma propriedade importante dos domı́nios principais é a seguinte.
Lema 4. Seja D um domı́nio principal. Não existe nenhuma cadeia infinita de
ideais I1 ⊂ I2 ⊂ I3 ⊂ . . . onde cada inclusão é própria (isto é, Ii 6= Ii+1 para
todo i ≥ 1). [Um anel com essa propriedade é dito noetheriano.]
Demonstração. Suponha por contradição que exista uma
S cadeia infinita I1 ⊂
I2 ⊂ I3 ⊂ . . . com Ii 6= Ii+1 para todo i ≥ 1. Seja I := i≥1 Ii . É facil mostrar
que I é um ideal de D, de fato se a, b ∈ I e x ∈ A então existem dois indices
i, j tais que a ∈ Ii e b ∈ Ij , e por hipótese temos Ii ⊆ Ij ou Ij ⊆ Ii (os ideais
Ii formam uma cadeia), por exemplo suponha Ii ⊆ Ij (o outro caso é analogo).
Assim a ∈ Ii ⊆ Ij e b ∈ Ij , logo a + b ∈ Ij pois Ij é um ideal. Como Ij ⊆ I,
temos a + b ∈ I. Analogamente, ax ∈ Ij pois Ij é um ideal e Ij ⊆ I implica
ax ∈ I. Isso mostra que I é um ideal. Cuidado: uma união de ideais em geral
não é um ideal (pense em um exemplo).
Como D é DIP, existe ai ∈ D com Ii = (ai ). Como I é um ideal, I é principal
S
(pois D é DIP) logo I = (z) com z ∈ D. Por outro lado z ∈ (z) = I = i (ai ),
logo existe um indice k tal que z ∈ (ak ), assim (z) ⊆ (ak ), e podemos escrever
(a1 ) ⊆ (a2 ) ⊆ (a3 ) ⊆ . . . ⊆ (ak ) ⊆ (ak+1 ) ⊆ . . . ⊆ (z) ⊆ (ak )
assim todas as inclusões depois de (ak ) na verdade são igualdades: (ak ) =
(ak+1 ) = . . ., e isso contradiz o fato que a cadeia é infinita.
64
Teorema 8. Todo domı́nio principal é UFD.
Demonstração. Seja D um domı́nio principal. Para mostrar que D é UFD, como
visto na aula passada, basta mostrar que existe a fatoração em irredutı́veis e
que todo elemento irredutı́vel é primo.
Primeiro, mostramos a existência da fatoração em irredutı́veis. Seja x ∈ D
não nulo e não invertı́vel.
Vamos mostrar que x possui um divisor irredutı́vel. Suponha por contradição
que x não possua divisores irredutı́vel. Então x não é irredutı́vel (se não, ele seria
um divisor irredutı́vel de si mesmo), logo x = a1 b1 com a1 , b2 não invertı́veis,
assim (x) ⊆ (a1 ). Na verdade, essa inclusão é estrita: (x) 6= (a1 ). De fato, se
fosse (x) = (a1 ) então x e a1 seriam associados, assim x = a1 u com u invertı́vel
e a1 b1 = x = a1 u implica a1 (b1 − u) = 0 assim b1 = u (pois a1 6= 0 e D é um
domı́nio), contradição (b1 não é invertı́vel). Agora, se a1 é irredutı́vel então é um
divisor irredutı́vel de x, contradição, logo a1 = a2 b2 com a2 , b2 não invertı́veis,
assim pelo mesmo argumento (a1 ) ⊂ (a2 ) e essa inclusão é estrita. Continuando
dessa forma, encontramos uma cadeia infinita (a1 ) ⊂ (a2 ) ⊂ (a3 ) ⊂ . . . e isso
contradiz o lema.
Vamos mostrar que x é um produto de irredutı́veis. Se x é irredutı́vel então
x é um produto de fatores irredutı́veis. Suponha x não irredutı́vel. Sabemos
que x possui um divisor irredutı́vel p1 , assim x = p1 b1 com b1 não invertı́vel.
Isso implica (x) ⊂ (b1 ) e realmente (x) 6= (b1 ) pois se fosse (x) = (b1 ) então x e
b1 seriam associados, isto é x = ub1 com u invertı́vel, e p1 b1 = x = ub1 implica
(p1 − u)b1 = 0 assim p1 = u pois b1 6= 0 e D é um domı́nio - assim p1 = u
é invertı́vel, contradição. Se b1 é irredutı́vel então x = p1 b1 é um produto de
irredutı́veis, logo suponha b1 não irredutı́vel. Então pelo argumento anterior b1
possui um divisor irredutı́vel p2 e b1 = p2 b2 com b2 não invertı́vel, e x = p1 p2 b2 .
Continuando dessa forma, se esse processo não acabar então encontramos uma
cadeia (x) ⊂ (b1 ) ⊂ (b2 ) ⊂ . . . com inclusões próprias, e isso contradiz o lema.
Logo existe um bk irredutı́vel, assim x = p1 p2 · · · pk bk é produto de irredutı́veis.
Agora vamos mostrar que todo elemento irredutı́vel de D é primo. Seja x
um elemento irredutı́vel de D, e suponha que x divida um produto ab e que
x não divida a. Precisamos mostrar que x divide b. Como D é um DIP, o
ideal (x, a) = {αx + βa : α, β ∈ D} é principal, assim existe d ∈ D tal que
(x, a) = (d), em particular d divide x e d divide a. Escrevemos x = dy e a = dz
com y, z ∈ D. Como x é irredutı́vel, tem dois casos possı́veis: y é invertı́vel
ou d é invertı́vel. Se y é invertı́vel então d = xy −1 assim a = dz = xy −1 z logo
x divide a, contradição. Isso mostra que d é invertı́vel, assim (d) = D = (1),
em particular 1 ∈ (d) = (x, a) logo existem α, β ∈ D tais que 1 = αx + βa, e
multiplicando por b obtemos b = αxb + βab, assim x divide b (pois x divide αxb
e x divide ab).
Obtemos então que EUCLIDIANO ⇒ DIP ⇒ UFD. A tabela seguinte revisa
65
alguns exemplos. Seja k um corpo.
DOM IN IO CORP O DIP U F D EU CLIDIAN O
V
V
V
V
V
V
X
V
V
V
V
X
V
V
V
V
X
X
V
X
V
X
V
V
V
V
X
V
V
X
V
X
X
X
X
√
Em particular Z[ 12 (1 + i 19)] é un DIP não Euclidiano (resultado que não
vamos demonstrar), Z[X] é um UFD não principal
(esse resultado é o teorema
√
de Gauss, o conteudo da próxima aula) e Z[i 5] não é UFD (como mostrado
abaixo). k é Euclidiano com a função ϕ(x) = 0, em particular k é principal (os
únicos ideais de k são (0) e (1), são principais).
k
Z
k[X]
Z[X]
Z[i]√
Z[ 12 (1 +√i 19)]
Z[i 5]
√
Vamos mostrar que Z[i 5] não é UFD. Temos que
√
√
Z[i 5] = {a + i 5b : a, b ∈ Z}
é um subanel de C, em particular é um domı́nio. Observe que
√
√
2 · 3 = 6 = (1 + i 5)(1 − i 5).
Para mostrar que essas duas fatorações são realmente diferentes (no sentido que
não são iguais
√ a menos
√ de permutar e associar os fatores) temos√que mostrar
√
que 2, 3, 1+i 5 e i− 5 são irredutı́veis e 2 não é associado a 1+i 5 e 1−i 5.
Para fazer isso vamos usar a função norma
N (x + iy) := (x + iy)(x − iy) = x2 + y 2
(definida para todo x + iy ∈ C) lembrando que se trata de uma função
√ mul5]). Se
tiplicativa:
N
(αβ)
=
N
(α)N
(β).
Primeiro,
vamos
calcular
U
(Z[i
√
√
(a + bi 5)(c + di 5) = 1 então como N (1) = 1,
√
√
√
√
1 = N ((a + bi 5)(c + di 5)) = N (a + bi 5)N (c + di 5) = (a2 + 5b2 )(c2 + 5d2 ).
Como a, b, c, d são inteiros,
isso implica que b = d = 0 e a2 c2 = 1, assim
√
a, c = ±1, logo U (Z[i 5]) = {1, −1}. Observe que
√ isso mostra que
√ os associados
de 2 são 2 e −2, logo 2 não é associado
a
1
+
i
5
e
nem
a
1
−
i
5.
√
√
Seja
γ um deles.
Agora mostramos que 2, 3, 1+i 5,√1−i 5 são irredutı́veis.
√
Escrevamos γ = αβ com α = a + bi 5 e β = c + di 5 e vamos mostrar que
um entre α e β é invertı́vel. Temos N (γ) = N (α)N (β) = (a2 + 5b2 )(c2 + 5d2 ).
Lembrando que a, b, c, d são inteiros, temos o seguinte.
1. Se γ = 2 então (a2 + 5b2 )(c2 + 5d2 ) = N (2) = 4 logo b = d √
= 0 assim
5 = a e
a2 c2 =
4
logo
a
=
±1
ou
c
=
±1,
então
um
entre
a
+
bi
√
c + di 5 = c é invertı́vel.
66
2. Se γ = 3 então (a2 + 5b2 )(c2 + 5d2 ) = N (3) = 9 assim um entre b e
d é zero, por exemplo suponha b = 0 (o outro caso é analogo) - então
a2 (c2 + 5d2 ) = 9 e se d = 0 então (ac)2 = 9 assim ac = ±3 e um entre a e
2
2 2
c é ±1, se d 6= 0 então d = ±1 (pois 5d
√ ≥ 20 se |d| > 1) e a (c + 5) = 9
implica a = ±1 e c = ±2, logo a + bi 5 = ±1 é invertı́vel.
√
√
3. Se γ = 1 ± i 5 então (a2 + 5b2 )(c2 + 5d2 ) = N (1 ± i 5) = 6 assim um
entre b e d é zero, por exemplo suponha b = 0 (o outro caso é analogo) então a2 (c2 + 5d2 ) = 6 logo d 6= 0 (pois 6 não é um quadrado: 6 6= (ac)2 )
2 2
assim d = ±1 (pois 5d2 ≥ 20
√ se |d| > 1) e a (c + 5) = 6 então a = ±1 e
c = ±1, em particular a ± i 5b = a = ±1 é invertı́vel.
Seja D um domı́nio. Um MDC (maior divisor comum) de a1 , . . . , an ∈ D
é um elemento d ∈ D com as seguintes propriedades.
1. d divide a1 , . . . , an .
2. Se x ∈ D divide a1 , . . . , an então x divide d.
Proposição 19. Seja D um domı́nio principal e sejam a1 , . . . , an ∈ D. Então
existe um MDC de a1 , . . . , an e dois MDC quaisquer de a1 , . . . , an são associados.
Demonstração. Seja d um gerador do ideal (a1 , . . . , an ), em outras palavras
(a1 , . . . , an ) = (d) (um tal d existe pois D é principal). Assim, é claro que
d divide a1 , . . . , an , pois a1 , . . . , an ∈ (d). Se x ∈ D divide a1 , . . . , an então
a1 , . . . , an ∈ (x) logo (d) = (a1 , . . . , an ) ⊆ (x), assim x divide d. Agora sejam
d1 , d2 dois MDC de a1 , . . . , an , em particular pela propriedade (2) da definição
de MDC, d1 divide d2 e d2 divide d1 . Sabemos que isso significa que d1 e d2 são
associados.
Uma√curiosidade: se n ≥ 3 é um produto de números primos distintos, o
anel Z[i n] não é UFD.
2.11
O teorema de Gauss
Teorema 9 (Gauss). Se D é UFD, então D[X] é UFD.
Então por exemplo Z[X] é UFD (é um exemplo de um UFD não principal,
pois como já visto o ideal (2, X) de Z[X] não é principal). Um outro exemplo
importante é o seguinte: se k é um corpo k[X] é UFD (sendo Euclidiano) logo
k[X][Y ] = k[X, Y ] é UFD pelo teorema de Gauss. Mais em geral k[X1 , . . . , Xn ]
(o anel dos polinômios em n variaveis) é UFD (e não é principal se n ≥ 2, por
exemplo o ideal (X1 , X2 ) não é principal). Na demonstração seguinte lembre-se
sempre do caso arquetı́pico D = Z, K = Q.
Para mostrar o teorema de Gauss vamos precisar da noção de MDC (maior
divisor comum). Dados a1 , . . . , an elementos de D, um MDC de a1 , . . . , an em
D é um elemento d ∈ D tal que
67
• d divide a1 , . . . , an ;
• se x ∈ D divide a1 , . . . , an então x divide d.
Se D é UFD, o MDC de a1 , . . . , an existe e é único a menos de associados.
A unicidade a menos de associados é facil (se d1 , d2 são dois MDC de a1 , . . . , an
então por definição de MDC d1 divide d2 e d2 divide d1 , logo d1 e d2 são
associados). Para provar a existência definimos d como o produto das potências
de irredutı́veis distintos pm com a propriedade que pm divide a1 , . . . , an e pm+1
não divide ai para algum i (por exemplo no caso de a1 = 22 33 , a2 = 25 32 5,
a3 = 27 36 52 temos d = 22 32 ). Escrevendo as fatorações de cada ai fica claro que
d divide todo ai . Se x divide todo ai então na fatoração de x em irredutı́veis
o expoente da potência de um irredutı́vel p não pode ser maior da potência
maxima de p que divide d - por definição de d - em outras palavras x divide d.
Como o MDC é único a menos de associados, se d1 , d2 são dois MDC de
a1 , . . . , an escrevemos d1 ∼ d2 . Por exemplo o MDC de 6 e 15 em Z é 3 ou −3,
e escrevemos M DC(6, 15) ∼ 3. O MDC de X(X − 1) e X(X + 1) em Q[X] é
associado a X e escrevemos M DC(X(X − 1), X(X + 1)) ∼ X (observe que cX
é um MDC de X(X − 1) e X(X + 1) para todo c ∈ Q∗ ).
Seja f (X) = a0 + a1 X + . . . + an X n ∈ D[X]. O conteudo de f (X) é
c(f ) = M DC(a0 , . . . , an ), o maior divisor comum dos coeficientes de f (definido
a menos de associados). f (X) é dito primitivo se c(f ) ∼ 1, isto é, c(f ) é
invertı́vel (i.e. não existe nenhum elemento irredutı́vel de D que divide todos
os coeficientes a0 , a1 , . . ., an ).
Algumas observações faceis. Seja K o corpo de frações de D, K = { ab :
a, b ∈ D, b 6= 0} (no caso D = Z temos K = Q). Como no caso de Z e Q,
podemos pensar a D como a um subanel de K identificando D com { a1 : a ∈ D}.
• Se f ∈ D[X] então f = c(f )f1 com f1 ∈ D[X] primitivo (se trata de isolar
c(f )).
• Se f ∈ D[X] e d ∈ D então c(df ) = d · c(f ) (se trata de isolar d).
• Se f ∈ K[X] existem a, b ∈ D com b 6= 0 e f = ab f1 e f1 ∈ D[X]
primitivo (se trata de isolar os denominadores e todos os divisores comuns
dos coeficientes).
Observe também que U (D[X]) = U (D) pois se P (X), Q(X) ∈ D[X] são tais
que P (X)Q(X) = 1 então P (X) e Q(X) tem grau zero, assim P (X) = a ∈ D e
Q(X) = b ∈ D e ab = 1 implica a ∈ U (D). Isso mostra a inclusão U (D[X]) ⊆
U (D), a outra inclusão é obvia. Aplicando esse mesmo argumento a K (que é
um corpo) obtemos U (K[X]) = U (K) = K ∗ .
Lema 5 (Gauss). Seja D um UFD e seja K = K(D) o corpo de frações de D.
1. Se f, g ∈ D[X] então c(f g) = c(f )c(g).
68
2. Se g ∈ D[X] tem grau ≥ 1 então g é irredutı́vel em D[X] se e somente se
g é primitivo em D[X] e irredutı́vel em K[X].
3. Se g, h são primitivos em D[X] então g, h são associados em D[X] se e
somente se g, h são associados em K[X].
Demonstração. Vamos mostrar (1). Sejam d = c(f ) e d0 = c(g), f = df1 , g =
d0 g1 com f1 , g1 ∈ D[X] primitivos. Logo f g = dd0 f1 g1 e c(f g) ∼ c(dd0 f1 g1 ) ∼
dd0 c(f1 g1 ) assim basta mostrar que c(f1 g1 ) ∼ 1. Em outras palavras, podemos
supor f = f1 e g = g1 , isto é, que f e g são primitivos. Vamos mostrar que f g é
primitivo. Escreva f = a0 +a1 X +. . .+an X n e g = b0 +b1 X +. . .+bm X m (assim
ai = 0 se i > n e bi = 0 se i > m). Então f g = c0 + c1 X + . . . + cn+m X n+m onde
ck = a0 bk + a1 bk−1 + . . . + ak−1 b1 + ak b0 . Seja p um elemento irredutı́vel de D.
Precisamos mostrar que existe k tal que p não divide ck (é isso que significa que
f g é primitivo). Como f e g são primitivos existem os primeiros coeficientes as ,
br tais que p não divide as e p não divide br (assim, p divide a0 , a1 , . . ., as−1 ,
b0 , b1 , . . ., br−1 mas não divide as , br ). Observe que
cr+s = a0 br+s + a1 br+s−1 + . . . + as−1 br+1 + as br + as+1 br−1 + . . . + ar+s b0 .
Logo p divide todos os adendos dessa soma exceto as br , logo p não divide cr+s .
Vamos mostrar (2). A implicação ⇐ é facil observando que uma fatoração em
D[X] é em particular uma fatoração em K[X] (pois D ⊆ K). Vamos mostrar
⇒. Suponha g ∈ D[X] irredutı́vel em D[X], e por contradição g = hl com
h, l ∈ K[X] de grau ≥ 1. Escreva h = (a/b)h1 e l = (a0 /b0 )l1 com h1 , l1 ∈ D[X]
primitivos de grau ≥ 1, assim g = (aa0 /(bb0 ))h1 l1 e bb0 g = aa0 h1 l1 , assim (como
c(h1 l1 ) ∼ 1 pelo ponto 1)
bb0 c(g) ∼ c(bb0 g) ∼ c(aa0 h1 l1 ) ∼ aa0 c(h1 l1 ) ∼ aa0
logo existe u ∈ U (D) com aa0 = ubb0 logo (em K) temos aa0 /(bb0 ) = u ∈ D.
Isso implica que (aa0 /(bb0 ))h1 ∈ D[X] logo g = (aa0 /(bb0 ))h1 · l1 é uma fatoração
em D[X] cujos fatores têm grau ≥ 1, contradição.
Vamos mostrar (3). Se g, h ∈ D[X] são primitivos e associados em D[X] é
obvio que eles são associados em K[X] (pois U (D[X]) ⊆ U (K[X])). Isso mostra
⇒. Agora mostramos ⇐. Suponha g, h primitivos em D[X] e associados em
K[X], assim g = h com ∈ U (K[X]) = K ∗ , assim = a/b com a, b ∈ D
e b 6= 0, logo bg = ah e calculando o conteudo, e lembrando que g e h são
primitivos, temos b ∼ c(bg) ∼ c(ah) ∼ a. Então existe u ∈ U (D) com a = ub e
= a/b = u ∈ U (D). Logo g = h = uh e g, h são associados em D[X].
Agora vamos mostrar o teorema de Gauss. Seja f ∈ D[X] um polinômio de
grau ≥ 1. A ideia é construir a fatoração única de f usando os fatos (que já
sabemos) que D é UFD (por hipótese) e K[X] é UFD (sendo ele Euclidiano pois K é corpo).
1. Existência da fatoração. Escreva f = df1 com d = c(f ) e f1 ∈ D[X]
primitivo. No UFD D temos d = p1 · · · pt (fatoração em irredutı́veis) assim
69
cada pi é irredutı́vel em D[X] também. Como f1 ∈ D[X] ⊆ K[X] e K[X]
é UFD (sendo Euclidiano) temos f1 = q1 · · · qr com qi ∈ K[X] irredutı́vel
em K[X] para todo i. Escreva qi = (ai /bi )qi0 com ai , bi ∈ D e bi 6= 0, qi0 ∈
D[X] primitivo. Como qi é irredutı́vel em K[X], qi0 também é irredutı́vel
em K[X] (pois ai /bi ∈ K ∗ = U (K[X])), logo pelo ponto 2 do lema qi0 é
irredutı́vel em D[X]. Temos f1 = q1 · · · qr = (a1 · · · ar /(b1 · · · br ))q10 · · · qr0
logo b1 · · · br f1 = a1 · · · ar q10 · · · qr0 e calculando o conteudo, usando o ponto
1 do lema e lembrando que os qi0 e f1 são primitivos obtemos que b1 · · · br ∼
a1 · · · ar , assim existe u ∈ U (D) com a1 · · · ar = ub1 · · · br , logo f =
up1 · · · pt q10 · · · qr0 é uma fatoração em D[X].
2. Unicidade da fatoração. Suponha de ter um produto de irredutı́veis
em duas maneiras diferentes, p1 · · · pt q1 · · · qr = u1 · · · ut0 v1 · · · vr0 com
p1 , . . . , pt , u1 , . . . , ut0 irredutı́veis de D e q1 , . . . , qr , v1 , . . . , vr0 irredutı́veis
de D[X] de grau ≥ 1. Olhando ao conteudo obtemos p1 · · · pt = u1 · · · ut0
com ∈ U (D). Pela unicidade da fatoração em D temos t = t0 e a menos
de reordenar os indices pi ∼ ui para todo i (associados em D, em particular em D[X]). Logo obtemos q1 · · · qr = v1 · · · vr0 e qi , vi são irredutı́veis
em D[X], em particular em K[X], logo pela unicidade da fatoração em
K[X] temos r = r0 e a menos de reordenar os indices qi ∼ vi (associados
em K[X]), logo pelo ponto 3 do lema, sendo qi , vi irredutı́veis em D[X] em particular primitivos, qi , vi são associados em D[X].
2.12
Exercı́cios resolvidos
1. Seja A um domı́nio. Mostre que se A[X] é Euclidiano então A é um corpo
(considere o ideal (a, X) onde a ∈ A − {0}).
Sabemos pela teoria que se A é um corpo então A[X] é Euclidiano. Vamos
mostrar o vice-versa. Suponha A[X] Euclidiano. Seja a ∈ A diferente de
zero. Precisamos mostrar que a tem inverso multiplicativo. Como A[X]
é Euclidiano, o ideal (a, X) de A[X] é principal, seja P (X) um gerador
dele: (a, X) = (P (X)). Então P (X) divide a e X. Sejam F (X), G(X) em
A[X] tais que P (X)F (X) = a e P (X)G(X) = X. Então 0 = grau(a) =
grau(P (X)F (X)) ≥ grau(P (X)) implica que P (X) tem grau zero, assim
P (X) = b ∈ A, e 1 = grau(X) = grau(P (X)G(X)) ≥ grau(G(X))
implica que G(X) = rX +s com r, s ∈ A, assim X = P (X)G(X) = b(rX +
s) implica br = 1 (pela definição de polinômio) assim P (X) = b é invertı́vel
em A[X] logo (P (X)) = A[X], em particular 1 ∈ (P (X)) = (a, X). Isso
implica que existem J(X), K(X) ∈ A[X] tais que aJ(X) + XK(X) = 1,
e substituindo X = 0 obtemos aJ(0) = 1, e J(0) ∈ A, assim a é invertı́vel
em A.
2. Sejam I, J dois ideais de um anel comutativo unitário A, e defina
I + J := {i + j : i ∈ I, j ∈ J}
70
IJ := {
n
X
ik jk : n ∈ N, i1 , . . . , in ∈ I, j1 , . . . , jn ∈ J}.
k=1
Mostre que I +J e IJ são ideais de A. Os ideais I e J são ditos “coprimos”
se I + J = A. Mostre que se I, J são coprimos então IJ = I ∩ J. Usando
o teorema de isomorfismo mostre que se I, J são coprimos então A/IJ ∼
=
A/I × A/J (teorema chinês dos restos).
I + J é ideal pois se x = i + j, y = i0 + j 0 ∈ I + J com i, i0 ∈ I, j, j 0 ∈ J e
a, b ∈ A então P
ax+by = P
a(i+j)+b(i0 +j 0 ) = (ai+bi0 )+(aj+bj 0 ) ∈ I+J. IJ
0 0
é ideal pois se k iP
j
,
i0h ∈ I e jk , jh0 ∈ J
k k
h pertencem
h ih jP
Pa IJ com ik ,P
e a, b ∈ A então a k ik jk + b h i0h jh0 = k (aik )jk + h (bi0h jh0 ) ∈ IJ.
Se I e J são coprimos então I + J = 1 logo existem i ∈ I, j ∈ J tais
que i + j = 1. Observe que IJ ⊆ I ∩ J vale mesmo se I e J não são
coprimos, de fato I ∩ J é um ideal (interseção de ideais é ideal) e se i ∈ I
e j ∈ J então ij ∈ I ∩ J (por definição de ideal) logo qualquer soma de
elementos de tipo ij pertence a I ∩ J. Agora mostramos que IJ ⊇ I ∩ J
se I e J são coprimos. De fato, i + j = 1 como acima e se x ∈ I ∩ J então
x = x · 1 = x(i + j) = xi + xj ∈ IJ.
Considere o homomorfismo de aneis f : A → A/I × A/J definido por
a 7→ (a + I, a + J). O núcleo de f é I ∩ J, logo para concluir que A/IJ ∼
=
A/I × A/J no caso I, J coprimos usando o teorema de isomorfismo basta
mostrar que f é sobrejetiva. Seja então (x + I, y + J) ∈ A/I × A/J, e
procuramos a ∈ A tal que a + I = x + I e a + J = y + J. Seja a := xj + yi.
Assim
f (a) = (a + I, a + J) = (xj + yi + I, xj + yi + J) = (xj + I, yi + J)
= (xj + xi + I, yi + yj + J) = (x + I, y + J).
3. Em Q[X], calcule o inverso de X 6 − 2 modulo 2X 3 + 1 e viceversa.
Aplicando o algoritmo de Euclide obtemos
X6 − 2
1
0
1
2X 3 + 1
0
X6 − 2
1
2X 3 + 1
3
−(X /2 − 1/4)
−7/4
assim − 47 (X 6 − 2) + 71 (2X 3 − 1)(2X 3 + 1) = 1, logo se I = (X 6 − 2) E Q[X]
e J = (2X 3 + 1) E Q[X], o inverso de X 6 − 2 + J em Q[X]/J é − 74 + J e
o inverso de 2X 3 + 1 + I em Q[X]/I é 17 (2X 3 − 1) + I.
4. Seja vi : Q[X] → C definido por vi (P (X)) := P (i). Mostre que Im(vi ) =
1
a−ib
Q[i] é um corpo. Dica: escreva a+ib
= (a+ib)(a−ib)
.
71
Seja a + ib ∈ Q[i] diferente de zero. Precisamos encontrar o inverso de
a + ib em Q[i]. Seguindo a dica temos
a
−b
a − ib
a − ib
1
= 2
+i 2
∈ Q[i].
=
= 2
2
2
a + ib
(a + ib)(a − ib)
a +b
a +b
a + b2
Observe que isso faz sentido pois a2 + b2 6= 0 (sendo a + ib 6= 0).
5. Seja I = {α ∈ Z[i] : N (α) é par}, o conjunto dos inteiros gaussianos de
norma par (lembre-se que N (a + ib) := a2 + b2 e Z[i] é Euclidiano com
ϕ = N ). Mostre que I E Z[i] e encontre um gerador de I (que é um ideal
principal pois Z[i] é Euclidiano).
I é um ideal de Z[i] pois se α = a + ib, β = c + id têm norma par então
N (α+β) = N (a+c+i(b+d)) = (a+c)2 +(b+d)2 = N (α)+N (β)+2(ac+bd)
é par, e se γ ∈ Z[i] então N (αγ) = N (α)N (γ) é par pois N (α) é par
e N (γ) ∈ Z. Como Z[i] é Euclidiano, o ideal I é principal, e sabemos
que um gerador de I é dado por um elemento de I de norma mı́nima,
como por exemplo 1 + i. Temos então I = (1 + i). Observe que I é
o núcleo do homomorfismo sobrejetivo de aneis seguinte: Z[i] → Z/2Z,
α 7→ N (α) + 2Z. Pelo teorema de isomorfismo temos então
Z[i]/(1 + i) ∼
= Z/2Z.
Em particular (1 + i) é um ideal maximal de Z[i].
6. Mostre que (2) não é um ideal maximal de Z[i] (Dica: 2 = (1 + i)(1 − i)).
Como Z[i] é um domı́nio Euclidiano, os ideais de Z[i] são principais, então
se I = (α) E Z[i] dizer que I é maximal significa que α não tem divisores
próprios (um ideal que contem I é principal e corresponde a um divisor
de α), isto é, que α é irredutı́vel. Mas 2 não é irredutı́vel em Z[i] pois
2 = (1 + i)(1 − i) e 1 + i e 1 − i não são invertı́veis (lembre-se que U (Z[i]) =
{1, −1, i, −i}).
7. Seja f : A → B um homomorfismo de aneis comutativos unitários e suponha que A, B 6= {0}. Mostre que se A é um corpo então f é injetiva.
Como f (1) = 1 6= 0 temos que f não é a função nula então ker(f ) 6= A.
Por outro lado se A é um corpo então os únicos ideais de A são (0) e A, e
como ker(f ) é um ideal de A devemos ter ker(f ) = (0). Logo f é injetiva.
72
8. Seja f : C → C um homomorfismo de aneis tal que f (r) = r para todo
r ∈ R. Mostre que tem somente dois casos: f é a identidade ou f (a+ib) =
a − ib. Dica: calcule f (i)2 + 1.
Temos f (i)2 + 1 = f (i2 ) + f (1) = f (i2 + 1) = f (0) = 0 assim f (i)2 = −1
e como f (i) ∈ C as únicas possibilidades são f (i) = i e f (i) = −i. No
primeiro caso f (a + ib) = f (a) + f (i)f (b) = a + ib, no segundo caso
f (a + ib) = f (a) + f (i)f (b) = a − ib.
9. Seja A 6= {0} um anel comutativo unitário tal que A/I é um domı́nio de
integridade para todo ideal I de A diferente de A. Mostre que A é um
corpo. Dica: dado a ∈ A diferente de zero considere o ideal (a2 ).
Seja a ∈ A diferente de zero. Precisamos mostrar que a tem inverso
multiplicativo em A. Seja I = (a2 ). Se I = A então (a2 ) = I = A = (1)
assim a2 é invertı́vel em A, agora suponha I 6= A. Por hipótese A/I é um
domı́nio de integridade, por outro lado (a + I)(a + I) = a2 + I = I logo
a + I = I, assim a ∈ I = (a2 ), isto é, existe b ∈ A tal que a2 b = a. Temos
então a(ab − 1) = 0. Aplicando a hipótese ao ideal J = (0) 6= A temos
que A/(0) ∼
= A é um domı́nio de integridade, logo um entre a e ab − 1 é
zero. Mas por hipótese a 6= 0, assim ab = 1.
10. Sejam A um anel comutativo unitário, a, u ∈ A com u invertı́vel e suponha
que a4 = 0. Mostre que u + a é invertı́vel. [Dica: considere primeiro o
caso a2 = 0.]
Observe que (u + a)(u − a) = u2 − a2 então se a2 = 0, u + a é invertı́vel e
(u+a)−1 = (u−a)u−2 . Se a2 6= 0 mas a4 = 0 então (u+a)(u−a)(u2 +a2 ) =
(u2 − a2 )(u2 + a2 ) = u4 − a4 = u4 então (u + a)−1 = (u − a)(u2 + a2 )u−4 .
11. Escreva a fatoração dos polinômios seguintes em irredutı́veis em R[X] e
C[X]: X 2 + 1, X 3 − 1, X 6 − 1, X 4 + 1, X 4 + 2.
Vamos escrever as fatorações.
• X 2 + 1 = (X + i)(X − i). Esse polinômio é irredutı́vel em R[X].
√
√
3
3
)(X − −1−i
).
• X 3 − 1 = (X − 1)(X 2 + X + 1) = (X − 1)(X − −1+i
2
2
6
3
3
2
2
• X −1 = (X −1)(X +1) = (X −1)(X +1)(X −X
+1)(X +X +1)
√
é a fatoração em R[X], e em C[X] pondo α = 1+i2 3 temos
X 6 − 1 = (X − 1)(X + 1)(X − α)(X − α)(X + α)(X + α).
• Pondo α = 2−1/2 (1 + i) (uma raiz de X 4 + 1) temos X 4 + 1 =
+ α) logo em R[X] temos X 4 + 1 =
(X − α)(X
− α)(X + α)(X
√
√
2
2
(X − 2X + 1)(X + 2X − 1).
73
• Pondo α = 2−1/4 (1 + i) (uma raiz de X 4 +√2) temos X 4 + √
2 =
(X −α)(X −α)(X +α)(X +α) = (X 2 −23/4 X + 2)(X 2 +23/4 X + 2).
12. Seja A um domı́nio de integridade. Mostre que a ∈ A − {0} é um elemento
primo se e somente se o quociênte A/(a) é um domı́nio de integridade.
Dizer que “se a divide um produto xy então divide x ou y” é equivalente
a dizer que “se (x + (a))(y + (a)) é zero em A/(a) então um entre x + (a)
e y + (a) é zero em A/(a)”, o que é equivalente a dizer que A/(a) é um
domı́nio de integridade.
13. Seja A um domı́nio Euclidiano. Mostre que a 6= 0 é um elemento primo
se e somente se o quociênte A/(a) é um corpo.
Observe que A/(a) é um corpo se e somente se os únicos ideais de A/(a) são
(a)/(a) e A/(a), isto é, pelo teorema de correspondência, os únicos ideais
de A que contêm (a) são (a) e A. Como os ideais de A são principais (pois
A é Euclidiano), isto significa que a não admite divisores próprios, isto é,
a é irredutı́vel. O resultado segue do fato que em um domı́nio Euclidiano
todo elemento irredutı́vel é primo (pois todo domı́nio Euclidiano é UFD).
14. Mostre que o elemento 2 + i de Z[i] é irredutı́vel. [Dica: Calcule N (2 + i).]
Temos N (2 + i) = 22 + 1 = 5. Suponha 2 + i = αβ com α, β ∈ Z[i].
Logo 5 = N (2 + i) = N (αβ) = N (α)N (β) e N (α), N (β) ∈ N implica que
N (α) = 1 ou N (β) = 1, assim um entre α e β é invertı́vel em Z[i]. Isso
mostra que 2 + i é irredutı́vel em Z[i].
15. Seja k = Z/2Z o corpo com 2 elementos. Mostre que X 3 − X + 1 é
irredutı́vel em k[X].
Se P (X) = X 3 − X + 1 é redutı́vel então como grau(P (X)) = 3, P (X)
deve admitir um fator de grau 1, aX + b, assim P (−b/a) = 0. Logo basta
mostrar que P (X) não tem raizes em F2 . Mas isso é claro pois P (0) = 1
e P (1) = 1.
16. Lembrando que R[X] é UFD, mostre que R[X]/(X 2 ) tem um único ideal
maximal.
A fatoração de X 2 em R[X] é X 2 = X · X, assim X 2 tem exatamente
3 divisores (a menos de associados), que são 1, X e X 2 , logo os ideais
de R[X]/(X 2 ) são (X 2 )/(X 2 ), (X)/(X 2 ) e R[X]/(X 2 ). Em particular
(X)/(X 2 ) é o único ideal maximal de R[X]/(X 2 ).
74
17. Mostre que não existem homomorfismos de aneis C → R, R → Q, Q → Z
e Z/nZ → Z.
Seja f : A → B homomorfismo de aneis. Se A = C e B = R então
f (i)2 = f (i2 ) = f (−1) = −1, contradição. Se A = R e B = Q então
√ 2
√
f ( 2)2 = f ( 2 ) = f (2) = f (1+1) = f (1)+f (1) = 1+1 = 2, contradição.
Se A = Q e B = Z então 2f (1/2) = f (1/2) + f (1/2) = f (1/2 + 1/2) =
f (1) = 1, contradição. Se A = Z/nZ e B = Z então pondo x = x + nZ
temos 0 = f (0) = f (n) = f (1+. . .+1) = f (1)+. . .+f (1) = 1+. . .+1 = n,
contradição.
18. Mostre que se um domı́nio de integridade A tem só um número finito de
ideais então A é um corpo (em outras palavras, A tem só 2 ideais). [Dica:
dado a ∈ A diferente de zero considere os ideais (an ).]
Seja a ∈ A diferente de zero. Precisamos mostrar que a tem inverso
multiplicativo. Por hipótese os ideais (an ) com n > 0 são um número
finito, assim existem 0 < n < m tais que (an ) = (am ). Logo, existe um
elemento invertı́vel u ∈ A tal que an u = am , assim an (u − am−n ) = 0.
Como a 6= 0 e A é um domı́nio de integridade, obtemos u − am−n = 0
assim am−n = u, logo a é invertı́vel, a−1 = am−n−1 u−1 .
19. Seja P (X) ∈ Q[X] um polinômio de grau 2 ou 3. Mostre que P (X) é
irredutı́vel em Q[X] se e somente se P (a) 6= 0 para todo a ∈ Q. [Dica:
faça a divisão com resto por X − a.]
Fazendo a divisão com resto por X − a obtemos P (X) = (X − a)Qa (X) +
Ra (X), onde Ra (X) é nulo ou tem grau zero, assim Ra (X) = ra ∈ Q.
Se existe a ∈ Q tal que P (a) = 0 então substituindo X = a obtemos
0 = P (a) = ra assim P (X) = (X − a)Q(X), logo P (X) é redutı́vel. Se
P (X) é redutı́vel então admite um fator de grau 1 (pois a soma dos graus
dos fatores de P (X) é o grau de P (X), que é 2 ou 3), seja aX + b um fator
de grau 1 de P (X). Assim a 6= 0 e P (−b/a) = 0.
20. Escreva P (X) = X 4 + 1 como produto de fatores irredutı́veis em R[X] (e
observe que P (X) é um polinômio redutı́vel sem raizes).
√
√
Como visto no exercı́cio 11, (X 2 − 2X + 1)(X 2 + 2X + 1) é a fatoração
de P (X) em irredutı́veis em R[X]. Observe que P (X) não admite raizes
reais. Isso mostra que um polinômio sem raizes pode ser redutı́vel.
21. Escreva a fatoração de X 6 − 1 e de X 4 − 4 como produto de irredutı́veis
em Q[X].
75
X 6 − 1 = (X 3 − 1)(X 3 + 1) = (X − 1)(X + 1)(X 2 − X + 1)(X 2 + X + 1) e
X 4 −4 = (X 2 −2)(X 2 + 2) são as fatorações em irredutı́veis. Para mostrar
que os fatores são irredutı́veis basta observar que um polinômio de grau 2
é irredutı́vel se e somente se não tem raizes (exercı́cio 19).
22. Lembrando que se k é um corpo k[X] é Euclidiano (em particular UFD)
conte os ideais de R[X]/(X 2 − 2) e de Q[X]/(X 2 − 2).
Como já visto, usando a fatoração única, se trata de contar os divisores
de X 2 − 2, logo a resposta é 4 no primeiro caso, 2 no segundo. Observe
que Q[X]/(X 2 − 2) é um corpo (ele tem dois ideais).
23. Lembrando que R[X] é Euclidiano (em particular UFD), conte os ideais
de R[X]/(X n ), onde n ∈ N.
Se trata de contar os divisores de X n (a menos de associados), que são
n + 1: 1, X, X 2 , . . . , X n .
24. Mostre que 2i + 3 é irredutı́vel em Z[i]. [Dica: considere N (2i + 3).]
Temos N (2i + 3) = 13, um número primo. Veja o exercı́cio 26.
25. Mostre que 3 é irredutı́vel em Z[i] mas 5 não é irredutı́vel em Z[i].
5 = (2+i)(2−i) e 2+i, 2−i não são invertı́veis pois U (Z[i]) = {1, −1, i, −i}.
Logo 5 é redutı́vel. 3 é irredutı́vel pois se 3 = (a + ib)(c + id) com a + ib,
c+id nã invertı́veis então 9 = N (3) = N (a+ib)N (c+id) = (a2 +b2 )(c2 +d2 )
logo a2 + b2 = 3 = c2 + d2 e isso não pode acontecer (a, b, c, d ∈ Z).
26. Mostre que se α ∈ Z[i] e N (α) é um número primo então α é irredutı́vel
em Z[i]. Escreva 5 como produto de irredutı́veis.
Se N (α) = p é um número primo e α = xy com x, y ∈ Z[i] então p =
N (α) = N (xy) = N (x)N (y) assim um entre N (x) e N (y) é 1, isto é, um
entre x e y é invertı́vel.
27. Uma equação diofantina: encontrar todas as soluções inteiras da equação
X 2 + 1 = Y 3 . [Dica: seja (x, y) uma solução inteira, x2 + 1 = y 3 , então em
Z[i] temos y 3 = (x + i)(x − i), mostre que x + i e x − i são coprimos (isto
é, os divisores comuns são invertı́veis) e observe que como Z[i] é UFD,
y 3 = (x + i)(x − i) implica que x + i e x − i são cubos em Z[i].]
Seguindo a dica, seja (x, y) uma solução inteira, x2 + 1 = y 3 , então em
Z[i] temos y 3 = (x + i)(x − i). Primeiro, observe que y é impar, de fato se
y é par então x2 = y 3 − 1 ≡ 3 mod 4, contradição. Mostramos que x + i e
76
x−i são coprimos, em outras palavras, os divisores comuns são invertı́veis.
Precisamos mostrar que não existe nenhum elemento irredutı́vel de Z[i]
que divide x + i e x − i. Por contradição seja α um elemento irredutı́vel
de Z[i] que divide x + i e x − i. Logo α divide (x + i) − (x − i) = 2i =
(1 + i)(1 − i)i, assim α = u(1 ± i) com u invertı́vel (pois Z[i] é UFD
e 1 ± i é irredutı́vel, sendo N (1 ± i) = 2 primo - veja o exercı́cio 26).
Observe que u ∈ U (Z[i]) = {1, −1, i, −i} assim α2 = ±2u2 = ±2 divide
(x+i)(x−i) = x2 +1 = y 3 , assim existe a+ib ∈ Z[i] tal que y 3 = ±2(a+ib),
logo y 3 = ±2a, contradição (y é impar).
Agora, como Z[i] é UFD, y 3 = x2 + 1 = (x − i)(x + i) e x − i, x + i são
coprimos, x − i e x + i são cubos em Z[i], em particular existem a, b ∈ Z
tais que x + i = (a + ib)3 . Obtemos
x + i = (a + ib)3 = a3 + 3a2 b − 3ab2 − ib3
logo a3 − 3ab2 = x e 3a2 b − b3 = 1. Essa segunda igualdade fala que
b(3a2 −b2 ) = 1, o que implica que b ∈ U (Z) = {1, −1}, assim 3a2 −1 = ±1.
Se 3a2 − 1 = 1 então a2 = 2/3, contradição, assim 3a2 − 1 = −1, isto é,
a = 0. Logo x = a3 − 3ab2 = 0 e y = 1.
A única solução é (x, y) = (0, 1).
28. Seja D um domı́nio e seja P (X) ∈ D[X]. Mostre que se a ∈ D é tal
que P (a) = 0 então a divide P (0) e X − a divide P (X). Mostre que se
grau(P (X)) é 2 ou 3 e P (X) é redutı́vel e mônico (o coeficiente de grau
máximo é 1) então existe a ∈ D tal que P (a) = 0.
Escrevendo P (X) = a0 + a1 X + . . . + an X n temos que P (a) = a0 +
a1 a + . . . + an an então se P (a) = 0, a(a1 + a2 a + . . . + an an−1 ) = −a0 ,
o que implica que a divide a0 = P (0). Suponha P (a) = 0. Fazendo a
divisão com resto de P (X) com X − a (podemos pois o coeficiente de grau
máximo de X − a é 1, invertı́vel) obtemos P (X) = Q(X)(X − a) + R(X)
com R(X) nulo ou de grau zero, assim R(X) = r ∈ D e P (a) = 0 implica
0 = (a − a)Q(a) + r logo r = 0, assim X − a divide P (X). Se P (X)
tem grau 2 ou 3 então uma fatoração própria de P (X) deve admitir um
fator de grau 1, e como P (X) é mônico olhando para o coeficiente de grau
máximo obtemos que P (X) tem uma fatoração do tipo (X − a)Q(X) com
Q(X) de grau 1 ou 2 e a ∈ D, assim P (a) = 0.
1
X 3 − 43 X + 1 são
29. Mostre que X 3 − 3, X 3 + 4, X 3 + X 2 + X + 18, 12
2
2
irredutı́veis em Q[X] e que X + Y é irredutı́vel em Q[X, Y ].
Os primeiros três polinômios estão em Z[X] e
lema de Gauss eles são irredutı́veis em Q[X]
irredutı́veis em Z[X]. Como eles são mônicos,
trata de mostrar que P (a) 6= 0 para todo a ∈ Z.
77
são primitivos, logo pelo
se e somente se eles são
pelo exercı́cio anterior se
Pelo exercı́cio anterior, se
P (a) = 0 então a divide P (0), então basta mostrar que P (a) 6= 0 para todo
divisor a de P (0). No caso de P (X) = X 3 − 3 os divisores de P (0) = −3
são −1, 1, −3, 3 e P (−1) = −4, P (1) = −2, P (−3) = −30, P (3) = 24. No
caso de P (X) = X 3 + 4 os divisores de P (0) = 4 são −1, 1, −2, 2, −4, 4,
e P (a) > 0 se a > 0, P (−1) = 3, P (−2) = −4, P (−4) = −60. No caso de
P (X) = X 3 + X 2 + X + 18 os divisores de P (0) = 18 são −1, 1, −2, 2, −3,
3, −6, 6, −9, 9, −18, 18, P (a) > 0 se a > 0 e P (−1) = 17, P (−2) = 12,
P (−3) = −3, P (−6) = −188, P (−9) = −639, P (−18) = −5184. No caso
1
1
X 3 − 34 X + 1 = 12
(X 3 − 9X + 12) um argumento analogo
de P (X) = 12
(usando os divisores de 12) mostra que X 3 − 9X + 12 é irredutı́vel em
Z[X], logo P (X) é irredutı́vel em Q[X] pelo lema de Gauss.
Considere o polinômio P (X, Y ) = X 2 + Y 2 ∈ Q[X, Y ]. Visto como polinômio a coeficientes em Q[X], temos Q(Y ) = P (X, Y ) ∈ K[X][Y ] e
Q(0) = X 2 . Os divisores de Q(0) = X 2 são c, cX, cX 2 com c ∈ Q∗ .
Q(c) = X 2 + c2 6= 0, Q(cX) = X 2 + c2 X 2 6= 0 pois c ∈ Q, e Q(cX 2 ) =
X 2 + c2 X 4 6= 0. Logo pelo exercı́cio anterior, Q(Y ) = P (X, Y ) é irredutı́vel sobre Q[X]. Pelo mesmo argumento, P (X, Y ) é irredutı́vel sobre
Q[Y ]. Como uma fatoração de P (X, Y ) em K[X, Y ] tem que ser própria
sobre K[X] ou K[Y ], obtemos que P (X, Y ) é irredutı́vel em K[X, Y ].
3
Corpos
Um corpo é um anel comutativo unitário K tal que todo elemento x ∈ K
diferente de zero é invertı́vel, isto é, existe y ∈ K tal que xy = 1. Isso implica
que K ∗ = K − {0} é um grupo multiplicativo (o grupo multiplicativo do corpo
K), de fato K ∗ = U (K) (o grupo das unidades de K). Exemplos de corpos são
Q, R, C, e Fp = Z/pZ (onde p é um número primo). Observe que Q, R e C são
corpos infinitos e Fp é um corpo finito.
Uma observação importante é que se K é um corpo e P (X) ∈ K[X] tem
grau n, então K contem no máximo n raizes de P (X), isto é, elementos α ∈ K
tais que P (α) = 0. De fato, P (α) = 0 significa que X − α divide P (X) (pelo
argumento usual de divisão com resto de P (X) por X − α) e se α e β são
duas raizes distintas de P (X) então X − α e X − β são divisores irredutı́veis
não associados de P (X), logo (X − α)(X − β) divide P (X). Mais em geral se
α1 , . . . , αm são as raizes de P (X) em K então (X − α1 ) · · · (X − αm ) divide
P (X) logo m ≤ grau(P (X)) = n.
Lema 6. Seja K um corpo, e seja G um subgrupo multiplicativo de K ∗ . Se G
é finito então G é cı́clico.
Demonstração. Pelo teorema de estrutura dos grupos abelianos finitos, G é
isomorfo a um produto direto Cpa1 1 × · · · × Cpamm onde os pi são números primos.
Observe que Cnm ∼
= Cn ×Cm se e somente se n e m são coprimos (como visto no
primeiro módulo) logo G é cı́clico se e somente se os primos pi são distintos dois
a dois. Em outras palavras se G não é cı́clico então existem indices i, j tais que
78
pi = pj , seja p = pi = pj . Tomando um subgrupo Cp de Cpai e um subgrupo
i
Cp de Cpaj obtemos um subgrupo H ∼
= Cp × Cp de G. Todo elemento g ∈ H
j
verifica g p = 1, logo G contem pelo menos p2 elementos x tais que xp = 1, uma
contradição (pois o polinômio X p −1, que tem grau p, teria p2 > p raizes). Logo
G é cı́clico.
Então por exemplo F∗7 é um grupo cı́clico. Observe que F7 = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6}
logo F∗7 = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. As potências de 2 são 21 = 2, 22 = 4, 23 = 1, logo 2
tem ordem 3: o(2) = 3. Em particular 2 não é um gerador de F∗7 : h2i =
6 F∗7 . As
1
2
3
4
5
potências de 3 são 3 = 3, 3 = 2, 3 = 2 · 3 = 6, 3 = 6 · 3 = 4, 3 = 4 · 3 = 5,
36 = 5 · 3 = 1. Logo F∗7 = h3i, em outras palavras o grupo cı́clico F∗7 é gerado
por 3. Em geral F∗p é um grupo multiplicativo cı́clico de ordem p − 1.
3.1
Os elementos irredutı́veis de Z[i]
Vamos aplicar o lema acima para mostrar um resultado importante, que é o
seguinte.
Teorema 10. Um elemento α ∈ Z[i] é irredutı́vel se e somente se N (α) é um
número primo ou α é associado a p onde p ∈ N é um número primo congruente
a 3 módulo 4.
Demonstração. Já vimos que se N (α) é um número primo então α é irredutı́vel
(se α = xy então N (α) = N (x)N (y)). Agora suponha α irredutı́vel e N (α)
não primo. Vamos mostrar que α é associado a p onde p é um número primo
congruente a 3 módulo 4.
Escreva α = a + ib e N (α) = nm com n, m inteiros maiores de 1. Logo
(a + ib)(a − ib) = N (α) = nm. Como Z[i] é UFD, e acabamos de escrever
duas fatorações de N (α), o número de fatores irredutı́veis de N (α) é 2 (pois
a + ib = α é irredutı́vel então a − ib também - é facil mostrar isso usando a
conjugação complexa a+ib 7→ a−ib), logo n e m são irredutı́veis (pela unicidade
da fatoração) e a + ib é associado a n ou a m, assim por exemplo a + ib = un
com u ∈ U (Z[i]) (o outro caso é analogo) e como U (Z[i]) = {1, −1, i, −i} temos
que um entre a e b é zero. Logo α é associado a um número inteiro positı́vo
p. Como α é irredutı́vel, p tem que ser um número primo. Então se trata de
estudar a redutibilidade do número primo p em Z[i].
Vamos mostrar que um número primo p ∈ N é irredutı́vel em Z[i] se e
somente se p ≡ 3 mod 4. Como todo primo impar é congruente a 1 ou a 3
modulo 4, e 2 = (1 + i)(1 − i) é redutı́vel, se trata de mostrar que um primo
impar p é redutı́vel em Z[i] se e somente se p ≡ 1 mod 4.
Seja p um número primo impar. Considere ϕ : Z → Z/pZ = Fp o homomorfismo canonico.
Ele induz
P
P um homomorfismo de aneis f : Z[X] → Fp [X]
definido por f ( i ai X i ) = i ϕ(ai )X i (homomorfismo de redução). Indicamos
79
f (P (X)) com P (X). Em outras palavras P (X) é obtido reduzindo os coeficientes de P (X) módulo p. Observe que f é igual também ao homomorfismo de
projeção sobre o quociênte Z[X] → Z[X]/(p).
Considere os dois homomorfismos seguintes.
γ : Z[X] → Z[i]/(p), γ(P (X)) := P (i) + (p),
δ : Z[X] → Fp [X]/(X 2 + 1), δ(P (X)) := P (X) + (X 2 + 1).
Observe que γ é a composição do homomorfismo de substituição Z[X] → Z[i],
P (X) 7→ P (i) com o homomorfismo de projeção Z[i] → Z[i]/(p), x 7→ x +
(p), e δ é a composição do homomorfismo de redução Z[X] → Fp [X] com o
homomorfismo de projeção Fp [X] → Fp [X]/(X 2 + 1).
Observe que γ e δ são sobrejetivos. Vamos mostrar que ker(γ) = ker(δ).
• ker(γ) ⊆ ker(δ). Seja P (X) ∈ ker(γ), isto é γ(P (X)) = 0, assim P (i) +
(p) = (p), em outras palavras P (i) ∈ (p). Logo existe a + ib ∈ Z[i]
tal que P (i) = (a + ib)p. Seja A(X) := P (X) − (a + bX)p. Temos
A(i) = P (i)−(a+ib)p = 0, logo X 2 +1 divide A(X) (pelo argumento usual
de divisão com resto de A(X) por X 2 + 1), assim A(X) = Q(X)(X 2 + 1),
isto é P (X) = (a + bX)p + Q(X)(X 2 + 1). Temos então δ(P (X)) =
δ((a + bX)p + Q(X)(X 2 + 1)) = 0. Logo P (X) ∈ ker(δ).
• ker(δ) ⊆ ker(γ). Seja P (X) ∈ ker(δ), isto é δ(P (X)) = 0, assim P (X) +
(X 2 + 1) = (X 2 + 1), em outras palavras P (X) ∈ (X 2 + 1), isto é existe
Q(X) ∈ Z[X] tal que P (X) = (X 2 + 1)Q(X) e isto significa que existe
L(X) ∈ Z[X] tal que P (X) − (X 2 + 1)Q(X) = pL(X). Logo γ(P (X)) =
γ((X 2 + 1)Q(X) + pL(X)) = 0. Logo P (X) ∈ ker(γ).
Pelo teorema de isomorfismo
Z[i]/(p) ∼
= Z[X]/ ker(γ) = Z[X]/ ker(δ) ∼
= Fp [X]/(X 2 + 1).
Logo a irredutibilidade de p em Z[i] é equivalente à irredutibilidade de X 2 + 1
em Fp [X] (pois Z[i]/(p) ∼
= Fp [X]/(X 2 + 1), logo o primeiro é um corpo se e
somente se o segundo é um corpo). Então temos que estudar a irredutiblidade
de X 2 + 1 em Fp [X]. Vamos mostrar que X 2 + 1 é redutı́vel em Fp [X] se e
somente se p ≡ 1 mod 4.
Suponha que X 2 + 1 seja redutı́vel em Fp [X]. Como X 2 + 1 tem grau 2, isso
significa que X 2 + 1 tem uma raiz a em Fp , assim a2 + 1 = 0, logo a2 = −1.
Observe que como p é impar, −1 6= 1, logo a2 = −1 6= 1. Em particular a 6= 1.
Também a2 = −1 6= 1, e a3 = a2 a = −a 6= 1 (se fosse −a = 1 então a = −1
logo a2 = 1, absurdo), por outro lado a4 = (a2 )2 = (−1)2 = 1. Isso mostra que
a tem ordem 4 no grupo multiplicativo F∗p . Pelo teorema de Lagrange 4 divide
p − 1, isto é, p ≡ 1 mod 4.
80
Suponha que p ≡ 1 mod 4, isto é, 4 divide p − 1. Como F∗p é cı́clico, existe
g ∈ F∗p de ordem 4 (se F∗p = hxi e p − 1 = 4m basta escolher g = xm ). Em
particular g 2 6= 1 e g 4 = 1, logo g 2 é raiz de X 2 − 1 (pois (g 2 )2 = g 4 = 1) e
g 6= 1. As raizes de X 2 − 1 em Fp (que é um corpo) são 1 e −1, logo g 2 = −1,
assim g 2 + 1 = 0 e g é raiz de X 2 + 1. Logo X 2 + 1 é redutı́vel.
3.2
Um resultado de teoria dos números (algebrica)
Teorema 11. Um número primo impar p é soma de dois quadrados a2 + b2
(com a, b ∈ Z) se e somente se p ≡ 1 mod 4.
Demonstração. Se p = a2 + b2 então um entre a e b e par e o outro é impar
(se fossem ambos pares ou ambos impares então a2 + b2 seria par), por exemplo
suponha a par e b impar (o outro caso é analogo). Então a2 ≡ 0 mod 4 e b ≡ 1
ou 3 módulo 4, assim b2 ≡ 1 mod 4 então a2 + b2 ≡ 1 mod 4.
Suponha agora que p ≡ 1 mod 4. Então p é redutı́vel em Z[i], assim existem
a + ib, c + id ∈ Z[i] tais que p = (a + ib)(c + id) logo tomando as normas
p2 = N (p) = N ((a + ib)(c + id)) = N (a + ib)N (c + id) = (a2 + b2 )(c2 + d2 ).
Como Z é UFD e p é irredutı́vel em Z, e a2 + b2 , c2 + d2 são positı́vos, devemos
ter a2 + b2 = p = c2 + d2 .
Por exemplo 5 = 12 + 22 , 13 = 22 + 32 , 17 = 12 + 42 , 29 = 22 + 52 . Por
exemplo 11, 19, 23 não são somas de dois quadrados.
3.3
Um corpo finito
O argumento principal da demonstração da caracterização dos irredutı́veis de
Z[i] é o seguinte:
Fp [X]/(X 2 + 1) ∼
=
Z[X]
∼
= Z[i]/(p).
(p, X 2 + 1)
Se trata de observar que no calculo do quociênte de Z[X] módulo (p, X 2 + 1)
(o ideal gerado por p e X 2 + 1) podemos reduzir primeiro módulo p e depois
módulo (X 2 + 1) o vice-versa (lembrando que Z[i] ∼
= Z[X]/(X 2 + 1)).
Agora queremos entender um pouco melhor o quociênte Fp [X]/(X 2 + 1), por
exemplo estudamos o caso p = 3. Sabemos que X 2 + 1 é irredutı́vel em F3 [X]
(pois 3 ≡ 3 mod 4, ou mais simplesmente, porque X 2 + 1 é um polinômio de
grau 2 sem raizes em F3 : 02 + 1 = 1 6= 0, 11 + 1 = 2 6= 0, 22 + 1 = 2 6= 0). Logo
K := F3 [X]/(X 2 + 1)
é um corpo. Queremos entender melhor os elementos de K e as operações de
soma e produto em K.
Um elemento generico de K é uma classe P (X)+(X 2 +1). Fazendo a divisão
com resto de P (X) por X 2 + 1 obtemos P (X) = (X 2 + 1)Q(X) + R(X) com
81
R(X) de grau < 2 ou R(X) = 0, assim R(X) = aX + b com a, b ∈ F3 . Observe
que P (X)+(X 2 +1) = (X 2 +1)Q(X)+R(X)+(X 2 +1) = R(X)+(X 2 +1), logo
na verdade os elementos de K têm a forma aX + b + (X 2 + 1) (o que acabamos
de mostrar é que existem representantes de grau < 2). Em particular podemos
contar os elementos de K: temos 3 possibilidades para a e 3 possibilidades para
b (pois a, b ∈ F3 ) logo |K| = 32 = 9. K é um corpo com 9 elementos. Em
particular existem corpos com 9 elementos (K é um exemplo).
Agora queremos entender as operações em K. Seja α := X + (X 2 + 1) ∈ K.
Usar α simplifica muito a notação pois aX + b + (X 2 + 1) = aα + b. Logo
K = {0, 1, 2, α, α + 1, α + 2, 2α, 2α + 1, 2α + 2}.
A soma de dois elementos de K se faz da forma usual lembrando que 3 = 0,
assim por exemplo (2α + 1) + (2α + 2) = 4α + 3 = α. Entender a multiplicação
é mais interessante. Observe que α é raiz do polinômio Y 2 + 1 ∈ K[Y ], de fato
α2 +1 = (X +(X 2 +1))2 +(1+(X 2 +1)) = X 2 +1+(X 2 +1) = (X 2 +1) = 0 ∈ K.
Em outras palavras α2 = −1. Isso nos permite de multiplicar elementos de K,
por exemplo
(2α+1)(α+2)(α+1) = (2α2 +5α+2)(α+1) = (2α)(α+1) = 2α2 +2α = 2α+1.
Agora podemos responder a uma outra pergunta interessante. Sabemos que K
é um corpo com 9 elementos, em particular
K ∗ = K − {0} = {1, 2, α, α + 1, α + 2, 2α, 2α + 1, 2α + 2}
é um grupo multiplicativo finito. Sabemos que isso implica que K ∗ é cı́clico (é
um subgrupo de K ∗ ). Vamos agora encontrar um gerador de K ∗ . Para fazer
isso calculamos as potências dos elementos de K ∗ . Como |K ∗ | = 8, um gerador
de K ∗ é exatamente um elemento de K ∗ de ordem 8. As potências de 2 são
21 = 2 e 22 = 1, logo o(2) = 2 (2 tem ordem 2) e 2 não é um gerador de
K ∗ : h2i 6= K ∗ . As potências de α são α1 = α, α2 = −1, α3 = −α, α4 = 1,
logo o(α) = 4 (α tem ordem 4) e α não é um gerador de K ∗ : hαi 6= K ∗ .
As potências de α + 1 são (α + 1)1 = α + 1, (α + 1)2 = α2 + 2α + 1 = 2α,
(α+1)3 = 2α(α+1) = 2α2 +2α = 2α+1, (α+1)4 = (α+1)(2α+1) = 2α2 +1 = 2.
Isso implica que o(α + 1) > 4. Por outro lado o(α + 1) divide |K ∗ | = 8 (pelo
teorema de Lagrange) logo o(α + 1) = 8. Isso mostra que α + 1 é um gerador
de K ∗ : hα + 1i = K ∗ .
Observe que como todo elemento de K tem a forma a·α+b·1 com a, b ∈ F3 , K
é um espaço vetorial de dimensão 2 sobre F3 : dimF3 (K) = 2. Uma F3 -base de K
é {1, α}. Nas próximas aulas veremos que mais em geral se P (X) é um polinômio
irredutı́vel de grau n de F [X] (com F corpo) então K := F [X]/(P (X)) é um
corpo, dimF (K) = n e definido α = X + (P (X)), α é raiz de P (Y ) e uma base
de K sobre F é {1, α, α2 , . . . , αn−1 }.
82
3.4
Polinômios irredutı́veis em Z[X] e em Q[X]
Somos interessados em estudar corpos. Já vimos que se K é um corpo então
um quociênte K[X]/(P (X)) é um corpo se e somente se P (X) é irredutı́vel em
K[X]. Queremos estudar alguns criterios de irredutibilidade no caso K = Q.
Teorema 12 (Criterio de Eisenstein). Seja f (X) = an X n + . . . + a1 X + a0 um
polinômio de Z[X] de grau n ≥ 1. Se existe um número primo p tal que p não
divide an , p divide a0 , a1 , . . . , an−1 e p2 não divide a0 então f (X) é irredutı́vel
em Q[X].
Demonstração. Observe que podemos supor f (X) primitivo. De fato, f =
c(f )f1 com f1 primitivo (c(f ) é o conteudo de f , o maior divisor comum dos
coeficientes de f ) e p não divide c(f ) (pois p não divide an ), logo as hipóteses
sobre p e f valem também para p e f1 . Além disso c(f ) é invertı́vel em Q (pois
c(f ) 6= 0) logo a irredutibilidade de f é equivalente à irredutibilidade de f1 .
Suponha então f (X) primitivo. Pelo lema de Gauss a irredutibilidade de f
em Q[X] é equivalente à irredutiblidade de f em Z[X]. Como f é primitivo,
uma fatoração própria de f consiste de fatores de grau ≥ 1. Suponha que f
tenha uma tal fatoração, assim f (X) = g(X)h(X) é igual a
(αs X s + αs−1 X s−1 + . . . + α1 X + α0 ) · (βt X t + βt−1 X t−1 + . . . + β1 X + β0 ).
Temos αs 6= 0, βt 6= 0, 1 ≤ t ≤ n − 1 e 1 ≤ s ≤ n − 1. g(X) tem grau s e h(X)
tem grau t. Além disso a0 = α0 β0 e an = αs βt . Como p divide a0 e p2 não
divide a0 , p divide um entre α0 e β0 e não divide o outro, por exemplo suponha
que p divida α0 e que p não divida β0 (o outro caso é analogo). Como p não
divide an = αs βt , p não divide αs e p não divide βt . Seja 1 ≤ u ≤ s ≤ n − 1 o
menor inteiro tal que p não divide αu (um tal u existe pois p divide α0 mas não
divide αs ). Temos
au = α0 βu + α1 βu−1 + . . . + αu−1 β1 + αu β0 .
Como p divide αi para todo i = 0, 1, . . . , u − 1, existe um inteiro m tal que
au = pm + αu β0 . Por outro lado p não divide αu β0 (pois p não divide αu e p
não divide β0 ), logo como au −pm = αu β0 , p não divide au . Como 1 ≤ u ≤ n−1,
isso contradiz a hipótese (p divide a0 , a1 , . . . , an−1 ).
Então por exemplo os polinômios seguintes são irredutı́veis em Z[X] e Q[X].
A irredutibilidade em Q[X] segue do criterio de Eisenstein, a irredutibilidade em
Z[X] segue do lema de Gauss observando que os polinômios dados são primitivos.
• X 4 + 45X + 15 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 3 ou p = 5).
• X n − 2 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 2).
• X n − 2X + 2 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 2).
83
Vamos ver um caso em que o criterio de Eisenstein não pode ser aplicado.
Seja
f (X) = X 4 − X 2 − 3 ∈ Z[X].
Vamos mostrar que f (X) é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X]. Pelo lema de Gauss,
como f (X) é primitivo, a irredutibilidade em Z[X] é equivalente à irredutibilidade em Q[X]. Vamos mostrar a irredutibilidade em Z[X]. Observe que se
f (X) é redutı́vel então admite com certeza um fator de grau 1 ou 2.
Não existência de fatores de grau 1. Suponha de ter um fator de grau 1 de
f (X). Observe que f (X) é um polinômio monico, isto é, o coeficiente de grau
máximo de f (X) é 1. Como os produtos dos coeficientes de grau máximo dos
fatores é igual ao coeficiente de grau máximo de f (X), que é 1, os coeficientes
de grau máximo dos fatores são invertı́veis, logo são ±1, assim um fator de grau
1 tem a forma ±(X − a), com a ∈ Z, assim f (a) = 0. Temos então 0 = f (a) =
a4 − a2 − 3 assim 3 = a4 − a2 = a(a3 − a) logo a divide 3. As possibilidades
são a ∈ {1, −1, 3, −3}. Por outro lado f (1) = −3 6= 0, f (−1) = −3 6= 0,
f (3) = 69 6= 0, f (−3) = 69 6= 0. Logo f não tem fatores de grau 1.
Não existência de fatores de grau 2. Como f é monico, uma fatoração em
fatores de grau 2 tem a forma
X 4 − X 2 − 3 = f (X) = (X 2 + aX + b)(X 2 + cX + d)
onde a, b, c, d ∈ Z. De fato, estamos trabalhando em Z[X], f é monico logo os
coeficientes de grau máximo dos fatores são ±1 e (−g(X))(−h(X)) = g(X)h(X).
Fazendo o produto temos que f (X) = X 4 − X 2 − 3 é igual a
(X 2 + aX + b)(X 2 + cX + d) = X 4 + (a + c)X 3 + (d + ac + b)X 2 + (ad + bc)X + bd
logo por definição de polinômio temos a + c = 0, d + ac + b = −1, ad + bc = 0,
bd = −3. Assim c = −a e a terceria equação dá a(d − b) = 0. Logo a = 0 ou
d − b = 0. No segundo caso d = b e −3 = bd = b2 é uma contradição (pois
b ∈ Z). Logo a = 0, c = −a = 0 e d + b = −1, bd = −3. Como b divide −3
temos b ∈ {1, −1, 3, −3} assim d = −1 − b vale −2, 0, −4, 2 nos quatro casos.
Em todo caso bd 6= −3, contradição. Logo f não tem fatores de grau 2.
3.5
Extensões de corpos
Na aula passada estudamos K = F [X]/I, onde F = F3 e I = (X 2 + 1). Já
mostramos que K é um corpo, e dito α = X + I, temos que K = {aα + b :
a, b ∈ F3 }, em particular |K| = 9. Na linguagem que vamos introduzir agora,
K∼
= F [α] é uma extensão de F de grau 2 e o polinômio minimal de α sobre F
é X 2 + 1.
No que segue lembre-se que em um corpo temos sempre 1 6= 0.
84
Uma extensão de corpos é, por definição, dada por um corpo contendo
um outro corpo como subanel: F ≤ E. A notação que vamos usar é E/F (que
não significa quociênte). Consideramos extensão de corpos também um homomorfismo de aneis ϕ : F → E, onde F e E são corpos: um tal homomorfismo
tem que ser injetivo (pois o seu núcleo é um ideal do corpo F diferente de F ,
sendo ϕ(1) = 1 6= 0) e identificamos F com a imagem ϕ(F ).
Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E. Considere o homomorfismo
de substituição
vα : F [X] → E, P (X) 7→ P (α).
Se trata de um homomorfismo de aneis. A imagem de vα é indicada por F [α],
se trata de {P (α) : P (X) ∈ F [X]}. Indicamos por F (α) o corpo de frações de
F [α], isto é, F (α) = {P (α)/Q(α) : P (X), Q(X) ∈ F [X], Q(α) 6= 0}. Observe
que F (α) é um subcorpo de E. Temos F ≤ F [α] ≤ F (α) ≤ E (onde ≤ significa
“subanel”). Em geral F [α] 6= F (α), em outras palavras F [α] não é um corpo.
Queremos entender quando F [α] é um corpo.
Definição 13. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E. Seja vα :
F [X] → E o homomorfismo de substituição, vα (P (X)) := P (α). α é dito
• algébrico sobre F se ker(vα ) 6= {0};
• transcendente sobre F se ker(vα ) = {0}.
Em outras palavras, α é algebrico se e somente se existe 0 6= A(X) ∈ ker(vα ),
isto é, se e somente se α é raiz de um polinômio não nulo de F [X]. Nesse caso
ker(vα ) é um ideal principal de F [X] (pois todos os ideais de F [X] são principais,
sendo F [X] um domı́nio Euclidiano), e não nulo, logo é gerado por um polinômio
não nulo.
Definição 14. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E um elemento
algebrico sobre F . O polinômio minimal de α sobre F (as vezes indicado
com Irr(α, F )) é o único gerador mônico do ideal ker(vα ) de F [X].
Comentario. Lembre-se que um polinômio é dito mônico se o coeficiente de
grau máximo é 1. Como os geradores de ker(vα ) são dois a dois associados (isto
é, diferem pela multiplicação por uma constante não nula), existe um único
gerador mônico de ker(vα ), dito polinômio minimal de α sobre F .
Proposição 20. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E algébrico
sobre F . Então o polinômio minimal de α sobre F é o único polinômio mônico
irredutı́vel contido em ker(vα ).
Demonstração. Seja P (X) o polinômio minimal de α sobre F . Primeiro observe
que P (X) não é o polinômio nulo (pois α é algébrico, i.e. ker(vα ) 6= {0}) e P (X)
não é invertı́vel (pois ker(vα ) 6= F [X] sendo vα (1) = 1 6= 0). Suponha agora
P (X) = A(X)B(X) com A(X), B(X) ∈ F [X]. Então 0 = P (α) = A(α)B(α)
logo um entre A(α) e B(α) é zero (pois são elementos de E, que é um corpo),
85
por exemplo suponha A(α) = 0 (o outro caso é analogo). Assim A(X) ∈
ker(vα ) = (P (X)) logo P (X) divide A(X), Mas como A(X) divide P (X), segue
que P (X) e A(X) são associados: P (X) = cA(X) com c ∈ F uma constante
não nula. Assim cA(X) = P (X) = A(X)B(X) implica que B(X) = c logo
B(X) é invertı́vel.
Agora seja M (X) ∈ F [X] um polinômio mônico irredutı́vel tal que M (α) =
0. Temos M (X) ∈ ker(vα ) = (P (X)) logo P (X) divide M (X), e como M (X)
é irredutı́vel e P (X) não é invertı́vel, P (X) e M (X) são associados. Como eles
são ambos mônicos, P (X) = M (X).
Pelo teorema de isomorfismo F [α] ∼
= F [X]/(P (X)) é um corpo (sendo P (X)
irredutı́vel!). Isso mostra que se α é algebrico então F [α] é um corpo. Por outro
lado, observe que se α é transcendente então ker(vα ) = {0} logo F [α] ∼
= F [X]
não é um corpo! Em outras palavras, α é algebrico sobre F se e somente se
F [α] é um corpo (e nesse caso F [α] = F (α)), e α é transcendente sobre F se e
somente se F [α] não é um corpo. Exemplos de elementos de R transcendentes
sobre Q são e e π. Em particular Q[π] ∼
= Q[X].
Definição 15 (Grau de uma extensão). Seja E/F uma extensão de corpos.
Então E é um espaço vetorial sobre F com as operações de soma e produto por
escalar dadas pelas operações de soma e produto em E. A dimensão dimF (E)
é chamada grau da extensão e é indicada com [E : F ].
Seja α ∈ E algébrico sobre F . Então F [α] = F (α) é um corpo. Queremos
entender o grau [F (α) : F ].
Proposição 21. [F (α) : F ] é igual ao grau do polinômio minimal de α sobre
F.
Demonstração. Seja P (X) o polinômio minimal de α sobre F e seja n o grau de
P (X). Vamos mostrar que B = {1, α, . . . , αn−1 } é uma base de F [α] = F (α)
sobre F (isto é, um conjunto gerador linearmente independente). Isso implica o
resultado (pois a dimensão de um espaço vetorial é o número de elementos de
uma qualquer base dele).
Primeiro mostraremos que B é um conjunto gerador de F [α]. Um elemento
generico de F [α] é A(α) onde A(X) é um polinômio de F [X]. Fazendo a divisão
com resto de A(X) por P (X) temos A(X) = P (X)Q(X) + R(X) com R(X)
de grau < n ou R(X) = 0, assim R(X) = a0 + a1 X + . . . + an−1 X n−1 com
a0 , a1 , . . . , an−1 ∈ F . Substituindo X = α temos A(α) = P (α)Q(α) + R(α) =
R(α) = a0 + a1 α + . . . + an−1 αn−1 .
Mostraremos agora que B é um conjunto linearmente independente. Suponha que b0 + b1 α + . . . + bn−1 αn−1 = 0 com b0 , b1 , . . . , bn−1 ∈ F . Queremos mostrar que b0 = 0, . . ., bn−1 = 0. Seja B(X) = b0 + b1 X + . . . + bn−1 X n−1 ∈ F [X].
Então B(α) = 0, logo B(X) ∈ ker(vα ) = (P (X)) assim P (X) divide B(X). Mas
se B(X) não é nulo, o grau de B(X) é menor que n (por definição de B(X))
então P (X), que tem grau n, não pode dividir B(X). Logo B(X) = 0, em
outras palavras b0 = 0, b1 = 0, . . ., bn−1 = 0.
86
Agora vamos fazer exemplos.
1. Sejam F = R, E = C, α = i. Como não existem polinômios de grau 1
em R[X] com i como raiz, o polinômio minimal de i sobre R é X 2 + 1 e
R[i] = {a + ib : a, b ∈ R} = C é uma extensão de R de grau 2 (pois
X 2 + 1 tem grau 2). Além disso C = R[i] ∼
= R[X]/(X 2 + 1).
2. Sejam F = Q, E = C, α = i. Como não existem polinômios de grau 1
em Q[X] com i como raiz, o polinômio minimal de i sobre Q é X 2 + 1 e
Q[i] = {a + ib : a, b ∈ Q} é uma extensão de Q de grau 2 (pois X 2 + 1
tem grau 2). Além disso Q[i] ∼
= Q[X]/(X 2 + 1).
√
3. Sejam F = Q, E = R, α = 4 2. Temos α4 = 2, logo α é raiz de X 4 −
2, assim α é algébrico sobre Q (sendo raiz de um polinômio não nulo
de Q[X]). O polinômio X 4 − 2 é irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein
aplicado a p = 2, logo X 4 − 2 é o polinômio minimal de α sobre Q. Temos
Q[α] = Q(α) e a extensão Q(α)/Q tem grau 4: [Q(α) : Q] = 4. Temos
Q[α] ∼
= Q[X]/(X 4 − 2).
√
4. Sejam F = Q, E = C, α = i 6 3. Temos α6 = −3, logo α é raiz de
X 6 + 3, em particular é algébrico sobre Q. O polinômio X 6 + 3 ∈ Q[X]
é irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein logo é o polinômio minimal de α
sobre Q. Temos [Q(α) : Q] = 6 e Q(α) = Q[α] ∼
= Q[X]/(X 6 + 3).
p √
√
5. Sejam F = Q, E = C, α = i 2 3 − 3. Temos α2 = −(2 3 − 3) logo
(α2 − 3)2 = 12, assim α é raiz de P (X) = X 4 − 6X 2 − 3, que é um
polinômio irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein. Logo α é algebrico sobre
Q e P (X) é o polinômio minimal de α sobre Q, o grau [Q(α) : Q] é igual
a 4 e Q(α) = Q[α] ∼
= Q[X]/(X 4 − 6X 2 − 3).
Por exemplo Q[i] = {a+ib : a, b ∈ Q} é um corpo, em particular ele contem
os inversos dos seus elementos não nulos. Seja a + ib ∈ Q[i] não nulo. Sabemos
que então o inverso dele pode ser expresso como c + id com c, d ∈ Q. Temos
1
a − ib
a − ib
a
−b
=
= 2
= 2
+i 2
.
a + ib
(a + ib)(a − ib)
a + b2
a + b2
a + b2
a
−b
Logo c = a2 +b
2 e d = a2 +b2 . Uma forma mais útil de ver isso é a seguinte. Para
calcular o inverso de i + 1 aplicamos o algoritmo de Euclide a X 2 + 1 e X + 1
encontrando 21 (X 2 + 1) − 21 (X − 1)(X + 1) = 1, e substituindo X = i temos
− 21 (i − 1)(i + 1) = 1, assim o inverso de i + 1 é − 12 (i − 1).
Mais em geral, se E/F é uma extensão de corpos e α ∈ E é algebrico
sobre F com polinômio minimal P (X) ∈ F [X], dado L(α) ∈ F [α] com L(X) ∈
F [X] de grau menor de n, L(X) e P (X) são coprimos (pois P (X) é irredutı́vel
de grau maior do grau de L(X)) e aplicando o algoritmo de Euclide obtemos
A(X), B(X) ∈ F [X] tais que A(X)P (X) + B(X)L(X) = 1. Como P (α) = 0,
substituindo X = α obtemos B(α)L(α) = 1 logo B(α) é o inverso de L(α) em
F [α].
87
3.6
Formula do grau
Lembre-se que se E/F é uma extensão de corpos, dado α ∈ E, F (α) =
{P (α)/Q(α) : P (X), Q(X) ∈ F [X], Q(α) 6= 0}. Se trata de um corpo. A
extensão F (α)/F é dita extensão simples de F . O resultado seguinte nós da um
critério para saber se um elemento α é algébrico em termo do grau da extensão
F (α)/F .
Proposição 22. Seja E/F extensão de corpos, e seja α ∈ E. Então α é
algébrico sobre F se e somente se o grau [F (α) : F ] é finito.
Demonstração. Se α é algébrico sobre F então F (α) = F [α] e o grau [F (α) : F ]
é igual ao grau do polinômio minimal de α sobre F , em particular é finito.
Agora suponha [F (α) : F ] finito, igual a n. Então os elementos 1, α, α2 , . . . , αn
são linearmente dependentes sobre F (pois são n + 1 elementos em um espaço
vetorial de dimensão n), assim existem a0 , a1 , . . . , an ∈ F não todos nulos tais
que a0 +a1 α+a2 α2 +. . .+an αn = 0. Seja P (X) := a0 +a1 X+. . .+an X n ∈ F [X].
Se trata de um polinômio não nulo e P (α) = 0, assim 0 6= P (X) ∈ ker(vα ), logo
ker(vα ) 6= {0}, em outras palavras α é algebrico.
A situação é F ≤ F (α) ≤ E, logo temos três extensões: F (α)/F , E/F e
E/F (α). Queremos entender a relação entre os graus.
Teorema 13 (Formula do grau). Sejam F ≤ K ≤ E três corpos. Então o
grau [E : F ] é finito se e somente se [E : K] e [K : F ] são finitos e nesse caso
[E : F ] = [E : K] · [K : F ].
Demonstração. Suponha [E : F ] = dimF (E) finito, igual a n. Observe que K é
um subespaço vetorial de E (sobre F ) logo [K : F ] = dimF (K) ≤ dimF (E) =
[E : F ] = n, assim [K : F ] é finito. Além disso, uma base de E sobre K é
um conjunto gerador de E sobre F , logo tem no máximo n elementos. Assim
[E : K] ≤ n também, em particular [E : K] é finito.
Suponha [E : K] e [K : F ] finitos, e vamos mostrar que [E : F ] = [E :
K] · [K : F ] (em particular essa formula implica que [E : F ] é finito). Seja
{v1 , . . . , vn } uma base de K sobre F , e seja {w1 , . . . , wm } uma base de E sobre
K, onde n = [K : F ] e m = [E : K]. Vamos mostrar que B = {vi wj : 1 ≤ i ≤
n, 1 ≤ j ≤ m} é uma base de E sobre F (isso implica que [E : F ] = nm que é
o nosso resultado).
P
Vamos mostrar que B é linearmente independente. Suponha i,j aij vi wj =
0 com aij ∈ F para todo i e j, e vamos
mostrar que aij = 0 para todo i e
P P
j.
Podemos
re-escrever
a
soma
como
(
j
i aij vi )wj = 0, o que implica que
P
a
v
=
0
para
todo
j
(de
fato,
w
,
.
.
.
,
w
ij
i
1
m são linearmente independentes
i
P
sobre K e i aij vi ∈ K para todo j), logo aij = 0 para todo i e todo j (de fato,
v1 , . . . , vn são linearmente independentes sobre F e aij ∈ F ).
Vamos mostrar que B P
é um conjunto gerador. Seja w ∈ E, assim existem bj ∈ K tais que w = j bj wj (pois {w1 , . . . , wP
m } é um conjunto gerador
de E sobre K) e existem aij ∈ F tais que bj =
paraPtodo j (pois
i aij vi P
{v
,
.
.
.
,
v
}
é
um
conjunto
gerador
de
K
sobre
F
).
Logo
w
=
1
n
j(
i aij vi )wj =
P
i,j aij vi wj .
88
Observe que se E/F é extensão de corpos, [E : F ] = 1 se e somente se
E = F . De fato, se E = F então E tem dimensão 1 sobre F = E, com base
{1}. Se [E : F ] = 1 então existe uma base {e} com um elemento, assim como
1 ∈ E temos que existe f ∈ F com 1 = ef logo e = f −1 ∈ F . Em particular
todo elemento de E tem a forma ey com y ∈ F , assim pertence a F (pois e e y
pertencem a F ). Logo E = F .
Corolário 1. Seja E/F uma extensão de corpos e suponha que [E : F ] = p seja
um número primo. Então E/F é uma extensão simples, isto é, existe α ∈ E tal
que E = F (α).
Demonstração. Como [E : F ] = p > 1, temos E 6= F , logo existe α ∈ E − F .
Assim [F (α) : F ] > 1 (se fosse [F (α) : F ] = 1 então F (α) = F , em particular
α ∈ F , absurdo) e pela formula do grau
p = [E : F ] = [E : F (α)] · [F (α) : F ].
Como p é primo devemos ter [E : F (α)] = 1 assim E = F (α).
Proposição 23. Seja E/F uma extensão de corpos e seja A o conjunto dos
elementos de E algébricos sobre F . Então A é um corpo: F ≤ A ≤ E.
Demonstração. Sejam α, β ∈ A com α 6= 0. Precisamos mostrar que α + β, −α,
α−1 , αβ (que são elementos de E) pertencem a A. Considere K := F (α)(β) =
F (α, β). Vamos mostrar que [K : F ] é finito. Pela formula do grau isso acontece
se e somente se [F (α, β) : F (α)] e [F (α) : F ] são finitos e nesse caso [K : F ] =
[F (α)(β) : F (α)] · [F (α) : F ]. Como [F (α) : F ] é finito (pois α é algébrico sobre
F ) basta mostrar que [F (α)(β) : F (α)] é finito, em outras palavras, que β é
algébrico sobre F (α). Mas sabemos que β é algébrico sobre F , seja P (X) ∈ F [X]
o polinômio minimal de β sobre F . Assim P (X) é um polinômio não nulo de
F [X] ⊆ F (α)[X] tal que P (β) = 0, logo β é algébrico sobre F (α).
Então [F (α, β) : F ] é finito. Seja γ um entre α + β, −α, α−1 , αβ. Observe
que γ ∈ F (α, β), assim F (γ) ≤ F (α, β) (subcorpo, mas também subespaço
vetorial). Logo [F (γ) : F ] = dimF (F (γ)) ≤ dimF (F (α, β)) = [F (α, β) : F ] é
finito, assim γ é algébrico sobre F .
√ √
√ √
Por exemplo seja E = Q( 2, 3) = Q( 2)( 3). Vamos calcular [E : Q].
Observe que pela formula do grau
√ √
√
√
[E : Q] = [Q( 2)( 3) : Q( 2)] · [Q( 2) : Q].
√
√
2 (o √
polinômio√minimal de 2 sobre Q é X 2 − 2),
Sabemos que [Q( 2) : Q] = √
logo temos que calcular [Q( 2)( √
3) : Q( 2)],√em outras palavras √
queremos
calcular o polinômio minimal de 3√ sobre Q( 2). Sabemos que 3 é raiz
2
2
do polinômio mônico
√ X − 3 ∈ Q( 2)[X]. Queremos mostrar que X − 3
é irredutı́vel em Q( 2)[X] (e não somente em Q[X]). Como se trata de um
polinômio de grau 2 a redutibilidade é equivalente à existência de raizes em
89
√
√
√
√
Q(√ 2), logo basta mostrar que 3 6∈ Q( 2) (pois as raizes de X 2 − 3 são 3 e
− 3). Mas sabemos que
√
√
√
Q( 2) = Q[ 2] = {a + b 2 : a, b ∈ Q},
√
√
assim precisamos mostrar que não existem a, b ∈ Q tais que 3 = a +√b 2.
Suponha
√ por contradição que existam tais elementos a, b, então
√ elevando
√ 3=
a+b 2 ao quadrado nos dois lados obtemos 3 = a2 +2b2 +2ab 2. Como 2 6∈ Q
devemos ter ab = 0, assim a = 0 ou b = 0. No primeiro caso 3p= 2b2√
, no segundo
3/2,
3 6∈ Q.
caso 3 = a2 . Nos dois casos
obtemos
uma
contradição
pois
√ √
√
Isso implica que [Q( 2)( 3) :√Q( √2)]√= √
2 logo√[E : Q] = 2 · 2 = 4. Uma
base de E sobre Q é dada por {1, 2, 3, 2 3 = 6}.
3.7
Exercı́cios resolvidos
1. Seja A um domı́nio de integridade. Mostre que todo subgrupo finito de
U (A) é cı́clico.
Seja K o corpo de frações de A. Então A é um subanel de K (identificado
com { a1 : a ∈ A}), logo U (A) é um subgrupo multiplicativo de K ∗ . Logo
se G é um subgrupo multiplicativo finito de U (A) então é também um
subgrupo multiplicativo de K ∗ , logo G é cı́clico, pois K é um corpo.
2. Encontre um gerador do grupo cı́clico F∗p para todo primo p < 20.
O grupo cı́clico G = F∗p tem ordem p − 1, logo se trata de encontrar um
elemento de ordem multiplicativa p − 1. Isso é feito da forma seguinte:
calculam-se as potência de todo elemento de G até à potência (p − 1)/2esima lembrando que a ordem de um elemento de G divide |G| = p − 1
(pelo teorema de Lagrange). Se as potências são diferentes de 1 até a
(p − 1)/2-esima então o elemento considerado tem ordem p − 1.
p = 2. Um gerador de F∗p = {1} é 1. p = 3. Um gerador de F∗p = {1, 2}
é 2. p = 5. Um gerador de F∗p = {1, 2, 3, 4} é 2, de fato 22 = 4, 23 = 3 e
24 = 1 (logo o(2) = 4 = 5 − 1). p = 7. Um gerador de F∗p é 3, de fato o(3)
divide 7 − 1 = 6 e 32 = 2, 33 = 6 assim o(3) > 3 logo o(3) = 6. p = 11.
Um gerador de F∗p é 2, de fato o(2) divide 11 − 1 = 10 e 22 = 4, 23 = 8,
24 = 5, 25 = 10, assim o(2) > 5 logo o(2) = 10. p = 13. Um gerador de
F∗p é 6, de fato o(6) divide 13 − 1 = 12 e 62 = 10, 63 = 8, 64 = 9, 65 = 2,
66 = 12, assim o(6) > 6 logo o(6) = 12. p = 17. Um gerador de F∗p é 3, de
fato o(3) divide 17 − 1 = 16 e 32 = 9, 33 = 10, 34 = 13, 35 = 5, 36 = 15,
37 = 11, 38 = 16, assim o(3) > 8 logo o(3) = 16. p = 19. Um gerador de
F∗p é 2, de fato o(2) divide 19 − 1 = 18 e 22 = 4, 23 = 8, 24 = 16, 25 = 13,
26 = 7, 27 = 14, 28 = 9, 29 = 18, assim o(2) > 9 logo o(2) = 18.
3. Escreva 13 e 52 como produto de irredutı́veis em Z[i].
Temos 13 = 22 + 32 = (2 + 3i)(2 − 3i) e 2 + 3i, 2 − 3i são irredutı́veis
(eles têm norma 13, que é um número primo). Temos 52 = 22 13 =
((1 + i)(1 − i))2 (2 + 3i)(2 − 3i) = (1 + i)2 (1 − i)2 (2 + 3i)(2 − 3i). Como
90
já observado 2 + 3i e 2 − 3i são irredutı́veis. 1 + i e 1 − i são irredutı́veis
também pois eles têm norma 2 (que é um número primo).
4. Escreva 5−i como produto de irredutı́veis em Z[i]. [Dica: escreva primeiro
a fatoração de N (5 − i) em Z[i].]
Temos N (5 − i) = (5 − i)(5 + i), por outro lado N (5 − i) = 52 + 12 =
26 = 2 · 13 = (1 + i)(1 − i)(2 + 3i)(2 − 3i), assim os fatores irredutı́veis
de 5 − i estão entre 1 + i, 1 − i, 2 + 3i, 2 − 3i. Por exemplo tentamos
multiplicar 1 + i e 2 + 3i: (1 + i)(2 + 3i) = 2 − 3 + 3i + 2i = −1 + 5i.
Observe que (−i)(−1 + 5i) = 5 + i. Aplicando a conjugação complexa
obtemos 5 − i = −i(−1 + 5i) = i(1 + i)(2 + 3i) = i(1 − i)(2 − 3i). Logo a
fatoração de 5 − i em irredutı́veis é 5 − i = i(1 − i)(2 − 3i) = (1 + i)(2 − 3i).
√
5. Diga se 5 é redutı́vel em Z[ 2]. [Dica: usando o argumento na prova da
aula do 31/05, se trata de estudar a redutibilidade de X 2 − 2 em F5 [X].]
O√
argumento na prova da aula do dia 31/05 mostra que F5 [X]/(X 2 − 2) ∼
=
Z[√2]/(5), logo se X 2 − 2 é irredutı́vel em F5 [X] então 5 é irredutı́vel em
Z[ 2]. X 2 − 2 é irredutı́vel em F5 [X] pois ele tem grau 2 e não tem raizes
em F5 : 02 − 2 = 3,√
12 − 2 = 4, 22 − 2 = 2, 32 − 2 = 2, 42 − 2 = 3. Logo 5
é irredutı́vel em Z[ 2].
6. Mostre que K = F3 [X]/(X 2 + 1) é um corpo, calcule |K| e encontre um
gerador de K ∗ .
Seja α := X + I onde I = (X 2 + 1). Assim α2 + 1 = X 2 + 1 + I = I logo
α2 + 1 = 0 em K. Como mostrado em sala de aula (02/06) temos
K = {0, 1, 2, α, α + 1, α + 2, 2α, 2α + 1, 2α + 2}
logo |K| = 9 e as potência de α são α1 = α, α2 = 2, α3 = 2α, α4 = 1,
assim o(α) = 4. As potências de α + 1 são (α + 1)1 = α + 1, (α +
1)2 = α2 + 2α + 1 = 2α, (α + 1)3 = 2α(α + 1) = 2α2 + 2α = 2α + 1,
(α + 1)4 = (2α + 1)(α + 1) = 2α2 + 1 = 2. Logo o(α + 1) divide 9 − 1 = 8
e é maior que 4, assim o(α + 1) = 8, isto é, α + 1 é um gerador de K ∗ :
K ∗ = hα + 1i.
7. Mostre que existem infinitos números primos congruentes a 1 módulo 4.
[Dica: suponha por contradição que tenha só um número finito deles,
p1 , . . . , pk , e seja m := 2p1 . . . pk . Seja p um número primo que divide
m2 + 1. Mostre que m + pZ ∈ Fp tem ordem 4 em F∗p e deduza que p ≡ 1
mod 4 usando o teorema de Lagrange.]
Seguindo a dica, em Fp temos m 6= 0 (pois p não divide m) m1 = m 6= 1
(m2 = −1 6= 1 sendo p 6= 2), m2 = −1 6= 1 (sendo p 6= 2), m3 = −m 6= 1
(pois se fosse −m = 1 então m2 = 1, absurdo) e m4 = −m2 = 1, logo m
tem ordem 4 em F∗p . Pelo teorema de Lagrange 4 divide |F∗p | = p − 1 logo
p ≡ 1 mod 4, assim p divide m (por definição de m), absurdo (p divide
m2 + 1, logo não pode dividir m).
91
8. Seja K := F5 [X]/(X 2 + 2). Mostre que K é um corpo finito, calcule |K|
e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
X 2 + 2 é irredutı́vel em F5 [X] pois tem grau 2 e não tem raizes em F5 :
02 + 2 = 2, 12 + 2 = 3, 22 + 2 = 1, 32 + 2 = 1, 42 + 2 = 3. Logo K é um
corpo. Dito α = X + I onde I = (X 2 + 2), α2 = −2 = 3 e os elementos de
K são a + bα onde a, b ∈ F5 , assim |K| = 52 = 25. Um gerador de G = K ∗
tem ordem 25 − 1 = 24. Um elemento g de um grupo cı́clico de ordem
24 = 23 · 3 tem ordem 24 se e somente se g 12 6= 1 e g 8 = 1 (pois 24/2 = 12,
24/3 = 8 e 2, 3 são todos os divisores primos de 24), logo para saber se
g ∈ G gera G basta calcular g 12 e g 8 . Observe que (α + 4)12 = (4 + 3α)6 =
(3 + 4α)3 = 4 6= 1 e (α + 4)8 = (4 + 3α)4 = (3 + 4α)2 = 2 + 4α 6= 1. Logo
α + 4 é um gerador de G: G = hα + 4i.
9. Seja K := F2 [X]/(X 2 + X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
X 2 + X + 1 é irredutı́vel em F2 [X] pois tem grau 2 e não tem raizes em
F2 : 02 + 0 + 1 = 1, 12 + 1 + 1 = 1. Logo K é um corpo. Dito α = X + I
onde I = (X 2 + X + 1), α2 + α + 1 = 0 - isto é, α2 = α + 1 - e os elementos
de K são a + bα onde a, b ∈ F2 , assim |K| = 22 = 4. K = {0, 1, α, α + 1}.
Logo G = K ∗ = {1, α, α + 1} e α é um gerador de G: α2 = α + 1, α3 = 1.
10. Seja K := F2 [X]/(X 3 + X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
X 3 + X + 1 é irredutı́vel em F2 [X] pois tem grau 2 e não tem raizes em
F2 : 03 + 0 + 1 = 1, 13 + 1 + 1 = 1. Logo K é um corpo. Dito α = X + I
onde I = (X 3 + X + 1), α3 + α + 1 = 0 - isto é, α3 = α + 1 - e os elementos
de K são a + bα + cα2 onde a, b, c ∈ F2 , assim |K| = 23 = 8.
K = {0, 1, α, α + 1, α2 , α2 + 1, α2 + α, α2 + α + 1}.
Logo G = K ∗ é um grupo cı́clico de ordem 7 e α é um gerador de G (em
um grupo cı́clico de ordem 7 todo elemento não trivial é um gerador, pois
7 é primo!).
11. Seja K := F3 [X]/(X 3 + 2X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
X 3 +2X +1 é irredutı́vel em F3 [X] pois tem grau 3 e não tem raizes em F3 :
03 +2·0+1 = 1, 13 +2·1+1 = 1, 23 +2·2+1 = 1. Logo K é um corpo. Dito
α = X + I onde I = (X 3 + 2X + 1), α3 + 2α + 1 = 0, isto é, α3 = α + 2 - e
os elementos de K são a + bα + cα2 onde a, b, c ∈ F3 , assim |K| = 33 = 27.
Logo G = K ∗ é um grupo cı́clico de ordem 26 = 2 · 13 e um gerador de G
tem ordem 26. Um elemento g ∈ G tem ordem 26 se e somente se g 2 6= 1
e g 13 6= 1. Temos α2 6= 1 (pois se fosse α2 = 1 o polinômio minimal de α
teria grau ≤ 2) e α3 = α + 2 logo α12 = (α + 2)4 = (α2 + 4α + 4)2 = α2 + 2
assim α13 = α(α2 + 2) = 2 6= 1. Então α é um gerador de G: G = hαi.
92
12. Mostre que 2X 10 + 25X 3 + 10X 2 − 30 é irredutı́vel em Q[X] e em Z[X].
Lema de Gauss e critério de Eisenstein aplicado a p = 5.
13. Mostre que se p é um número primo e n é um inteiro ≥ 1, o polinômio
X n − p é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X].
Lema de Gauss e critério de Eisenstein aplicado a p.
14. Mostre que 3X 5 + 18X 2 + 24X + 6 é irredutı́vel em Q[X]. É irredutı́vel
em Z[X]?
Se trata de 3(X 5 + 6X 2 + 8X + 2) e 3 é invertı́vel, X 5 + 6X 2 + 8X +
2 é primitı́vo e irredutı́vel em Q[X] pelo lema de Gauss e o critério de
Eisenstein aplicado a p = 2. Não é irredutı́vel em Z[X] pois admite a
fatoração 3(X 5 + 6X 2 + 8X + 2).
15. Mostre que X 3 + X + 4 é irredutı́vel em Q[X] e em Z[X].
Não podemos aplicar o critério de Eisenstein. Por outro lado P (X) =
X 3 +X +4 tem grau 3 e é mônico, logo para mostrar que P (X) é irredutı́vel
em Z[X] basta mostrar que os divisores de 4 não são raizes de P (X) (e se
for o caso o lema de Gauss implica a irredutibilidade em Q[X] também).
Temos P (1) = 6, P (2) = 14, P (4) = 72, P (−1) = 2, P (−2) = −6,
P (−4) = −64.
16. Mostre que 7X 3 +12X 2 +3X +45 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X]. [Dica:
considere a redução módulo 2.]
Seja P (X) = 7X 3 + 12X 2 + 3X + 45. Se P (X) fosse redutı́vel, reduzindo
módulo 2 obteriamos uma fatoração de P (X) módulo 2 (observe que o
grau é preservado pois 2 não divide 7). Logo basta mostrar que P (X) é
irredutı́vel módulo 2. O polinômio reduzido é P (X) = X 3 + X + 1. Como
se trata de um polinômio de grau 3, a irredutibilidade segue do fato que
P (X) não tem raizes em F2 , e isso é claro pois 03 +0+1 = 1, 13 +1+1 = 1.
17. Mostre que X 4 + 1 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X].
Basta mostrar a irredutibilidade em Z[X], pois P (X) = X 4 +1 é primitivo
(lema de Gauss). Como P (X) é mônico, os fatores de grau 1 correspondem
a raizes em Z que são divisores de P (0) = 1, e como P (1) = 2 e P (−1) = 2,
P (X) não tem fatores de grau 1. Uma fatoração de P (X) = X 4 + 1 em
fatores de grau 2 deve ter a forma
(X 2 +aX+b)(X 2 +cX+d) = X 4 +(a+c)X 3 +(d+ac+b)X 2 +(ad+bc)X+bd
onde a, b, c, d ∈ Z, assim a + c = 0, d + ac + b = 0, ad + bc = 0 e bd = 1.
Temos c = −a logo a(d − b) = 0. Se a = 0 então c = 0 e d + b = 0, bd = 1,
assim −b2 = 1 absurdo. Se d − b = 0 então d = b, b2 = 1 logo b = d = ±1.
Se b = d = 1 então 2 − a2 = 0 absurdo, se b = d = −1 então −2 − a2 = 0
absurdo.
93
18. Mostre que se P (X) ∈ Z[X] e a ∈ Z então P (X) é irredutı́vel se e somente
se P (X + a) é irredutı́vel.
Segue facilmente do fato que se P (X + a) = A(X)B(X) então P (X) =
A(X − a)B(X − a), e se P (X) = A(X)B(X) então P (X + a) = A(X +
a)B(X + a) (e o grau de L(X) e de L(X + a) e de L(X − a) é o mesmo,
para todo L(X) ∈ Z[X]).
19. Mostre que P (X) = X 4 + 1 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X] considerando
P (X + 1) (cf. o exercı́cio anterior).
P (X + 1) = (X + 1)4 + 1 = X 4 + 4X 3 + 6X 2 + 4X + 2 é irredutı́vel
pelo critério de Eisenstein aplicado a p = 2, logo P (X) é irredutı́vel pelo
exercı́cio anterior.
√
20. Seja α = i 2 ∈ C. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule o grau
[Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α e de α + 1 em Q[α]. [Dica: o
polinômio minimal é X 2 + 2. Para encontrar o inverso de α + 1 em Q[α]
aplique o algoritmo de Euclide a X 2 + 2 e X + 1 e substitua X = α.]
α2 = −2 logo α é raiz de X 2 + 2 que é irredutı́vel em Q[X] pelo critério
de Eisenstein aplicado a p = 2. Assim [Q(α) : Q] = 2. Temos α · α = −2
logo α · (−α/2) = 1, assim α−1 = −α/2. Aplicar o algoritmo de Euclide
a X 2 + 2 e X + 1 neste caso é simples pois X 2 + 2 = (X + 1)(X − 1) + 3
assim 31 (X 2 + 2) − 13 (X + 1)(X − 1) = 1 logo substituindo X = α obtemos
que o inverso de α + 1 em Q[α] é − 31 (α − 1).
√
21. Seja α = 22 (1 + i) ∈ C. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule o grau
[Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α + 1 em Q[α].
α2 = i logo α4 = −1, assim α é raiz de X 4 + 1 que é irredutı́vel pelo
exercı́cio 17 ou 19. Logo [Q(α) : Q] = 4. O algoritmo de Euclide aplicado
a X 4 + 1 e X + 1 neste caso é simples pois X 4 + 1 = X 4 − 1 + 2 = (X −
1)(X +1)(X 2 +1)+2 logo 21 (X 4 +1)− 12 (X −1)(X +1)(X 2 +1) = 1, assim
substituindo X = α obtemos que o inverso de α + 1 é − 12 (α − 1)(α2 + 1).
q
p
√
22. Seja α = 2 − 2 − 2 ∈ R. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule
o grau [Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α2 em Q[α].
p
√
√
α2 = 2 − 2 − 2 logo (α2 − 2)2 = 2 − 2 logo ((α2 − 2)2 − 2)2 = 2,
assim α é raiz de
((X 2 − 2)2 − 2)2 − 2 = X 8 − 8X 6 + 20X 4 − 16X 2 + 2
que é irredutı́vel pelo critério de Eisenstein aplicado a p = 2, logo [Q(α) :
Q] = 8 e α8 − 8α6 + 20α4 − 16α2 + 2 = 0 implica que α2 (α6 − 8α4 + 20α2 −
16) = −2, assim o inverso de α2 em Q[α] é − 21 (α6 − 8α4 + 20α2 − 16).
√
23. Seja α = 2 − i ∈ C. Mostre
que α é algebrico sobre Q, calcule o grau
√
[Q(α) : Q] e mostre que 2 ∈ Q(α).
94
√
α2 = 1−2i 2 logo (α2 −1)2 = −8 assim α é raiz de P (X) = X 4 −2X 2 +9.
Pelo lema de Gauss como P (X) é primitivo para mostrar a irredutibilidade
em Q[X] basta mostrar a irredutibilidade em Z[X]. P (X) não tem fatores
de grau 1 pois P (1) = P (−1) = 8, P (3) = P (−3) = 72, P (9) = P (−9) =
94 − 162 + 9 6= 0. Se P (X) tem fatores de grau 2 então é igual a
(X 2 +aX+b)(X 2 +cX+d) = X 4 +(a+c)X 3 +(d+ac+b)X 2 +(ad+bc)X+bd
onde a, b, c, d ∈ Z, assim a + c = 0, d + ac + b = −2, ad + bc = 0 e bd = 9.
Temos c = −a logo a(d − b) = 0. Se a = 0 então c = 0 e d + b = −2,
bd = 9, assim b(−b − 2) = 9 absurdo (basta conferir os casos possı́veis,
b = ±1, ±3, ±9). Se a 6= 0 então d − b = 0 logo d = b, b2 = 9 assim
b = d = ±3. Se b = d = 3 então 6 − a2 = −2 absurdo, se b = d = −3
então −6 − a2 = −2 absurdo. Isso mostra que P (X) é irredutı́vel em Q[X]
logo é o polinômio
minimal de α sobre Q e [Q(α)√: Q] = 4.√Agora vamos
√
2
∈
K
= Q(α).
Temos α2 = 1 −
mostrar
que
√ √
√
√ 2i 2 logo
√ i 2 ∈ K.
√ Logo
K3i √
2( 2 − i)√= 2i + 2 assim K 3 (2i + 2) + 2( 2 − i) = 3 2 logo
K 3 (3 2)/3 = 2 sendo 3 ∈ Q ⊆ K.
24. Seja F um corpo e α ∈ F . Encontre o polinômio minimal de α sobre F .
O polinômio minimal de α sobre F é X − α. É irredutı́vel (tem grau 1).
25. Seja F = F3 , α = X + (X 2 + 1) ∈ F [X]/(X 2 + 1), E = F [α]. Encontre
o polinômio minimal de α + 1 sobre F . Encontre o polinômio minimal
de todo elemento de F [α] sobre F . [Dica: a única coisa que você precisa
saber para fazer as contas é que α é raiz de X 2 + 1.]
Seja β = 2α + 1. Temos (2β − 2)2 = α2 = −1 logo β é raiz de X 2 − 2X + 2,
que é irredutı́vel em F3 [X] pois tem grau 2 e não tem raizes em F3 . Logo
o polinômio minimal de β é X 2 − 2X + 2. Os outros elementos se tratam
de maneira analoga.
26. Seja P (X) ∈ Q[X] um polinômio de grau ≥ 1 e seja α ∈ C. Mostre que α
é algébrico sobre Q se e somente se P (α) é algébrico sobre Q.
Se α é algébrico sobre Q então P (α) é algébrico também pois é uma
combinação linear de potências de α e os elementos algébricos formam um
corpo que contem Q. Se P (α) é algébrico então é raiz de um polinômio não
nulo Q(X) logo Q(P (α)) = 0 e α é raiz de Q(P (X)), assim α é algébrico
também.
27. Seja p um número primo e seja E/Fp uma extensão de grau n. Mostre
que |E| = pn .
E é um espaço vetorial de dimensão n sobre Fp , assim todo elemento
de E pode ser expresso com coordenadas com respeito a uma base de E
sobre Fp . Como temos n coordenadas e p escolhas para cada coordenada,
|E| = pn .
95
√
28. Mostre que [Q(i, 2) : Q] = 4.
√
√
√
√
Pela formula do grau [Q(i, 2) : Q] = [Q( 2)(i) :√Q( 2)] · [Q( 2) : Q].
O segundo grau é 2 pois o polinômio minimal de 2 sobre Q é X 2 − 2.
O primeiro grau é no máximo
2 pois i é raiz de X 2 + 1 (logo o polinômio
√
2
minimal de i√sobre Q( 2) divide
√ X + 1 !). Se o primeiro grau fosse 1
então i ∈ Q( 2), impossı́vel (Q( 2) está contido em R mas i 6∈ R). Logo
o segundo grau é 2 também e o resultado segue.
√
√
29. Mostre que Q ≤ Q(i 3) ≤ Q(i + 3). Calcule os graus das extensões
involvidas. [Dica: para mostrar que Q(α) ⊆ Q(β) basta mostrar que
α ∈ Q(β).]
√
√
√ 2
√
i 3 pertence a Q(i + 3) pois (i + √
3) = −1 + 3 + 2i 3. Logo temos
as inclusões escritas.
O grau de Q(i 3) sobre Q
√ é 2 pois o√polinômio
√
minimal de i 3 sobre Q é X 2 + 3. Sejam α = i 3, β = i + 3. Como
β 2 = 2 + 2α, β é raiz de X 2 − 2α − 2 ∈ Q(α)[X] logo o grau de β sobre
Q(α) é no máximo 2 (cada vez que um elemento é raiz de um polinômio
de grau m tal polinômio é divisı́vel pelo polinômio minimal logo o grau
do polinômio minimal é no máximo m). Se esse grau fosse 1 então β teria
grau 2 sobre Q. Mas o grau de β sobre Q é 4 pois (β − 2)2 = −12 logo β
é raiz de X 4 − 4X 2 + 16 que é irredutı́vel em Q[X] (isso pode se mostrar
examinando os fatores de grau 1 e 2).
√ √
30. Mostre que [Q( 2, 3 2) : Q] = 6. [Cf. o exercı́cio 35 abaixo.]
√ √
√
3
Seja d = [Q( 2, √
2) : Q]. Pela formula do grau d é divisı́vel por [Q( 2) :
Q] = 2 e√por√[Q( 3 2) √
: Q] = 3 logo
√ d é um múltiplo de 6. Por outro lado
d = [Q( 2)( 3 2) : Q(√ 2)] · [Q( 2) : Q] e o primeiro grau dessa fatoração
é no máximo 3 pois 3 2 é raiz de X 3 − 2. Logo d ≤ 6 e 6 divide d, assim
d = 6.
√
√
√ √
encontre o polinômio mini31. Mostre que Q(
√ 2,√ 3) = Q( 2 + 3). [Dica:
mal de α = 2 + 3 sobre Q calculando α2 = . . ..]
√ √
Como
em sala de aula, Q( 2, 3) tem
√ mostrado
√
√ grau
√ 4 sobre Q. Como
Q(√2 +
3)
é
um
Q-subespaço
vetorial
de
Q(
2,
√
√
√
√ 3),√para mostrar que
Q( √
2, 3)√= Q( 2 + 3) basta√
mostrar que [Q( 2 + 3) : Q] = 4. Seja
α = 2 + 3. Temos α2 = 5 + 2 6 logo (α2 − 5)2 = 24, assim α é raiz de
X 4 −10X 2 +1. Se trata√de um
√ polinômio irredutı́vel sobre Q (examinando
as fatorações) logo [Q( 2 + 3) : Q] = 4.
Uma outra
é mostrar
A inclusão
√ maneira
√
√ √ as duas inclusões. √
√ ⊇ é clara
pois α =√ 2 + √
3 ∈ Q(√ 2, 3). Temos α2√= 5 +√2 6 logo
√ 6√∈ Q(α)
√e
Q(α)√3 6α = √
2 3+3 2, assim Q(α) 3 (2 3+3 2)−2( 2+ 3) = 2,
logo 3 = α − 2 ∈ Q(α) também e ⊆ segue.
√
√
32. Mostre que Q( 2, i) = Q( 2(1 + i)).
√
√
Seja α = 2(1 + i). A inclusão ⊇ é clara pois
α ∈ Q( 2, i). Para mostrar
√
⊆ observe√que α2 = 4i logo i ∈ Q(α) logo 2 = α/(1 + i) ∈ Q(α) também,
assim Q( 2, i) ⊆ Q(α).
96
p √
√
33. Seja α = i 2 3 − 3 ∈ C. Mostre que Q ≤ Q( 3) ≤ Q(α) e calcule os
graus das extensões involvidas.
Mostrei
Q. Por outro lado
√ em sala de aula (07/06) que α tem grau 4 sobre √
[Q( 3)√: Q] = 2 logo pela formula do√grau [Q(α) : Q(
√ 3)] = 2. O fato
que Q( 3) ≤ Q(α) segue de α2 = −(2 3 − 3) (assim 3 = (3 − α2 )/2).
34. Seja E/F extensão de corpos e α, β ∈ E com β algébrico sobre F . Mostre
que β é algébrico sobre F (α) e que o polinômio minimal de β sobre F (α)
divide o polinômio minimal de β sobre F . Deduza que [F (α, β) : F (α)] ≤
[F (β) : F ].
Seja P (X) o polinômio minimal de β sobre F . Logo P (X) ∈ F (α)[X]
então β é algébrico sobre F (α). Seja Q(X) o polinômio minimal de β
sobre F (α). Q(X) divide P (X) pois Q(X) divide todos os polinômios
de F (α)[X] que têm β como raiz (por definição de polinômio minimal).
Então o grau de Q(X) é menor ou igual ao grau de P (X), em outras
palavras [F (α)(β) : F (α)] ≤ [F (β) : F ].
35. Seja E/F uma extensão de corpos, α, β ∈ E algébricos sobre F e suponha
n = [F (α) : F ], m = [F (β) : F ] coprimos. Mostre que [F (α, β) : F ] = nm.
[Dica: use o exercı́cio anterior.]
Temos [F (α)(β) : F ] = [F (α)(β) : F (α)][F (α) : F ] = [F (α)(β) : F (α)]n.
Pelo exercı́cio anterior [F (α)(β) : F (α)] ≤ [F (β) : F ] = m logo [F (α)(β) :
F ] ≤ nm. Por outro lado n divide [F (α)(β) : F ] (pela igualdade acima)
e m divide [F (α)(β) : F ] pois [F (α)(β) : F ] = [F (α)(β) : F (β)]m. Como
m e n são coprimos, e dividem [F (α)(β) : F ], mn divide [F (α)(β) : F ]
também e como [F (α)(β) : F ] ≤ mn obtemos [F (α)(β) : F ] = mn.
36. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E. Mostre que se [F (α) : F ]
é impar então F (α) = F (α2 ).
α é raiz de X 2 − α2 logo [F (α) : F (α2 )] ≤ 2. Por outro lado [F (α) :
F (α2 )] divide [F (α) : F ] (pela formula do grau) que é impar assim [F (α) :
F (α2 )] = 1, isto é F (α) = F (α2 ).
37. Um corpo F é dito algebricamente fechado se todo polinômio de F [X]
admite uma raiz em F . Mostre que F é algebricamente fechado se e
somente se não existem extensões E/F de grau finito maior que 1.
Suponha F algebricamente fechado. Se existe E/F de grau finito maior
que 1 então seja α ∈ E − F (existe pois E 6= F ). O polinômio minimal de
α sobre F é um polinômio de F [X] sem raizes em F . Absurdo.
Suponha que não existam extensões de grau finito maior que 1. Seja
P (X) ∈ F [X]. Seja Q(X) um fator irredutı́vel de P (X). Vamos mostrar
que Q(X) tem grau 1 (assim Q(X) = aX + b e −b/a é uma raiz de P (X)).
Considere E = F [X]/(Q(X)). Se trata de uma extensão finita de F (de
grau igual ao grau de Q(X)) e por hipotése devemos ter [E : F ] = 1. Logo
Q(X) tem grau 1.
97
3.8
Corpo de decomposição
Seja E/F uma extensão de corpos. Se α1 , . . . , αn ∈ E podemos definir indutivamente
F (α1 , . . . , αn ) = F (α1 , . . . , αn−1 )(αn ).
Se trata do subcorpo de E gerado por F e por α1 , . . . , αn , isto é, a interseção
dos subcorpos de E que contêm
√ √F , α1 , . . . , αn . Já encontramos exemplos de
tais corpos, por exemplo Q( 2, 3). Observe que se os αi são algébricos sobre
F então [F (α1 , . . . , αn ) : F ] ≤ d1 · · · dn , onde di = [F (αi ) : F ].
Definição 16 (Corpo de decomposição). Seja F um corpo e seja P (X) ∈ F [X]
de grau ≥ 1. Um corpo M contendo F é dito corpo de decomposição de P (X)
sobre F se
1. M = F (u1 , . . . , ur ) onde P (ui ) = 0 para todo i = 1, . . . , r.
2. P (X) é fatorável em M [X] em fatores de grau 1.
Em outras palavras um corpo de decomposição de P (X) sobre F é um
corpo M contendo F e minimal com respeito a propriedade seguinte: se Q(X)
é irredutı́vel em M [X] e divide P (X) (em M [X]) então Q(X) tem grau 1.
Por exemplo seja P (X) = X 2 +1 ∈ Q[X]. As raizes complexas de P (X) em
C são i e −i, logo um corpo de decomposição de P (X) sobre Q é Q(i, −i) = Q(i).
Por exemplo seja P (X) = X 3 − 2 ∈ √
Q[X]. As raizes complexas de P (X)
√
3
1
2
são α, ρα e ρ α onde α = 2 e ρ = − 2 + i 23 (em outras palavras α é a raiz real
de P (X) e ρ é um elemento de C∗ de ordem 3). Logo um corpo de decomposição
de P (X) sobre Q é Q(α, ρα, ρ2 α), que é igual a Q(α, ρ) (a inclusão ⊆ é facil,
para mostrar a inclusão ⊇ observe que ρ = (ρα)α−1 ). Observe que então o grau
[Q(α, ρ) : Q] é 6 pois α tem grau 3, ρ tem grau 2 e 3 e 2 são coprimos (veja o
exercı́cio 35 da última lista).
Vamos mostrar a existência e a unicidade dos corpos de decomposição.
Teorema 14. Seja P (X) ∈ F [X] de grau n ≥ 1. Existe um corpo de decomposição M de P (X) sobre F . Se K é um outro corpo de decomposição de P (X)
sobre F então M e K são isomorfos.
Demonstração. Existência. Indução sobre n. Se n = 1 então P (X) = aX +
b ∈ F [X] logo um corpo de decomposição de P (X) sobre F é F (−b/a) = F .
Suponha n ≥ 2. Escreva P (X) = A(X)B(X) com A(X) irredutı́vel em F [X].
Seja E := F [X]/(A(X)) e seja u = X + I ∈ E onde I = (A(X)).
P Temos então
E = F (u). Além disso A(u) = 0, de fato escrevendo A(Y ) = i ai Y i temos
A(u) = A(X + I) =
X
ai (X + I)i =
i
X
i
98
ai X i + I = A(X) + I = I
sendo A(X) ∈ I, em outras palavras A(u) = 0 em E. Isso implica que P (X) =
(X − u)H(X) para algum H(X) ∈ E[X] (pois E contem u). Como P (X) =
A(X)B(X) = (X − u)H(X)B(X), por hipótese de indução existe um corpo de
decomposição de H(X)B(X) sobre E = F (u) (pois H(X)B(X) tem grau n−1),
logo M é corpo de decomposição de P (X) sobre F (ele contem E = F (u) e as
outras raizes).
Unicidade. Para mostrar a unicidade mostraremos o fato seguinte. Sejam
ϕ : F1 → F2 um
P isomorfismo
P de corpos, ϕ : F1 [X] → F2 [X] o isomorfismo
definido por ϕ( i ai X i ) := i ϕ(ai )X i . Seja P1 (X) ∈ F1 [X] e seja P2 (X) =
ϕ(P1 (X)) ∈ F2 [X]. Para i = 1, 2 seja Mi um corpo de decomposição para Pi (X)
sobre Fi . Mostraremos que M1 ∼
= M2 . Isso implica o resultado escolhendo
F1 = F2 = F e ϕ a função identidade.
Mostraremos esse fato por indução sobre m = [M1 : F1 ]. Se m = 1 então
F1 = M1 logo F1 é corpo de decomposição de P1 (X) sobre F1 , assim F2 é corpo
de decomposição de P2 (X) sobre F2 (pois F1 ∼
= F2 e P2 (X) = ϕ(P1 (X))) logo
F2 = M2 e o isomorfismo M1 ∼
= M2 é exatamente ϕ. Suponha agora que m ≥ 2.
Em particular P1 (X) admite um fator irredutı́vel de grau ≥ 2 (se não, M1 =
F1 contradição) assim P1 (X) = H1 (X)L1 (X) com H1 (X) irredutı́vel de grau
≥ 2. Aplicando ϕ obtemos P2 (X) = H2 (X)L2 (X) com H2 (X) = ϕ(H1 (X))
irredutı́vel de grau igual a grau(H1 (X)) ≥ 2. Para i = 1, 2 seja αi uma raiz
de Hi (X) em Mi . Logo (Hi (X)) é exatamente o núcleo de vαi : Fi [X] → Mi ,
assim como F1 ∼
= F2 e H2 (X) = ϕ(H1 (X)) obtemos
F1 (α1 ) ∼
= F1 [X]/(H1 (X)) ∼
= F2 [X]/(H2 (X)) ∼
= F2 (α2 ).
A situação é a seguinte.
F1
⊆
∼
=
F2
/ F1 (α1 )
⊆
/ M1
⊆
/ M2
∼
=
⊆
/ F2 (α2 )
Queremos completar o diagrama com um isomorfismo M1 ∼
= M2 .
Observe que para i = 1, 2 temos que Mi é corpo de decomposição de P (X)
sobre Fi logo também sobre Fi (αi ). Além disso, pela formula do grau
m = [M1 : F1 ] = [M1 : F1 (α1 )] · [F1 (α1 ) : F1 ] ≥ 2[M1 : F1 (α1 )]
sendo [F1 (α1 ) : F1 ] igual ao grau de H1 (X). Assim [M1 : F1 (α1 )] ≤ m/2 < m
logo por hipótese de indução M1 ∼
= M2 .
3.9
Estrutura dos corpos finitos
Vamos usar a noção de corpo de decomposição para estudar a estrutura dos
corpos finitos. Primeiro algumas observações.
99
Seja F um corpo finito. Existe um único homomorfismo de aneis f : Z → F ,
de fato f (1) = 1, f (−1) = −1 e todo elemento de Z é uma soma de 1 ou uma
soma de −1. Seja I o núcleo de f , I = ker(f )EZ. Assim existe um único inteiro
não negativo m ≥ 0 tal que I = (m) = mZ. Esse inteiro é único (de fato, os
geradores de (m) são m e −m) e é chamado caracterı́stica de F . Observe que
m > 0 pois se m = 0 então f é injetiva, absurdo (Z é infinito). Além disso, m
é um número primo p. De fato se m = ab com a, b inteiros maiores que 1 então
0 = f (m) = f (ab) = f (a)f (b) que é uma igualdade no corpo F assim um entre
f (a) e f (b) é zero, isto é, um entre a e b pertence a ker(f ) = I = (m), assim m
divide um entre a e b, absurdo.
Temos então que o núcleo de f : Z → F é (p) = pZ para algum número
primo p. Pelo teorema de isomorfismo Fp = Z/pZ ∼
= Im(f ) ≤ F . Isso implica
que F contem um subcorpo isomorfo a Fp , isto é, F é uma extensão de Fp .
Seja n := [F : Fp ] = dimFp (F ). Como F é um conjunto de cardinalidade
finita, a dimensão n de F sobre Fp é finita. Se {v1 , . . . , vn } é uma base de F
sobre Fp então todo elemento de F pode ser escrito de maneira única como
a1 v1 + . . . + an vn com a1 , . . . , an ∈ Fp . Tem p escolhas para todo ai , assim
|F | = pn . Isso mostra em particular que a cardinalidade de um corpo finito é
sempre uma potência de um primo. Em particular, por exemplo, não existem
corpos de cardinalidade 12 (pois 12 não é uma potência de um primo).
A pergunta natural agora é a seguinte: dado um primo p e um inteiro positivo n, quantos corpos de cardinalidade pn existem (a menos de isomorfismo)?
Usando a noção de corpo de decomposição mostraremos que existe (a menos
de isomorfismo) um único corpo de cardinalidade dada. Antes disso, mais uma
noção.
Seja F um corpo finito de caracterı́stica p. Considere a função ϕ : F → F
definida por ϕ(a) := ap . Se trata de um isomorfismo de corpos (chamado
isomorfismo de Frobenius). De fato ϕ(1) = 1p = 1, ϕ(ab) = (ab)p = ap bp =
ϕ(a)ϕ(b). Na próxima conta os inteiros são identificados com as imagens deles
em F via o homomorfismo Z → F . Temos
p X
p i p−i
ϕ(a + b) = (a + b)p =
ab .
i
i=0
p!
é divisı́vel por p, de fato p
Observe que se 0 < i < p então o inteiro pi = i!(p−i)!
é primo logo é coprimo com i!(p − i)!. Assim todos os coeficientes considerados
em F são nulos exceto os que correspondem a i = 0 e i = p, isto é, bp e ap . Isso
mostra que (a + b)p = ap + bp em F . Assim ϕ é homomorfismo. É injetivo pois
ker(f ) = {0} (ap = 0 implica a = 0) e é sobrejetivo pelo princı́pio da casa dos
pombos (F é finito). Logo ϕ é um isomorfismo.
Seja E/F uma extensão de corpos e seja P (X) ∈ F [X]. Uma raiz α ∈ E
de P (X) é dita raiz multipla de P (X) se (X − α)2 divide P (X) em E[X]. A
100
Pn
Pn
derivada formal de P (X) = i=0 ai X i é definida por P 0 (X) = i=1 iai X i−1 .
Os números iai são elementos de F , em particular o fator a esquerda do produto
iai indica 1 + 1 + . . . + 1 (i vezes). Os expoentes i de X i , por outro lado, são
números inteiros (não são elementos de F ). Observe que para a derivada formal
vale a formula de derivação de um produto, (A(X)B(X))0 = A(X)B 0 (X) +
A0 (X)B(X).
Proposição 24. Seja E/F extensão de corpos. Seja P (X) ∈ F [X] e seja
α ∈ E. Então α é uma raiz multipla de P (X) se e somente se P (α) = 0 e
P 0 (α) = 0.
Demonstração. (⇒) Suponha P (X) = (X − α)2 Q(X). Então P 0 (X) = 2(X −
α)Q(X) + (X − α)2 Q0 (X), logo P 0 (α) = 0. (⇐) Suponha P (α) = 0 e P 0 (α) = 0.
P (α) = 0 implica que P (X) = (X − α)Q(X) para algum Q(X) ∈ E[X], logo
P 0 (X) = Q(X) + (X − α)Q0 (X). Agora P 0 (α) = 0 implica Q(α) = 0 logo
Q(X) = (X − α)H(X) assim P (X) = (X − α)Q(X) = (X − α)2 H(X).
Corolário 2. Seja d um inteiro positivo e p um número primo. O polinômio
d
X p − X ∈ Fp [X] não tem raizes multiplas em nenhuma extensão de Fp .
d
Demonstração. A derivada formal de X p − X é pd X p
tem nenhuma raiz.
d
−1
− 1 = −1 que não
Como visto na aula passada, se F é um corpo finito de caracterı́stica p
então Fp é um subcorpo de F , em outras palavras F é uma extensão de Fp .
Em particular todo subcorpo de F é também uma extensão de Fp , em outras
palavras se K ≤ F então Fp ≤ K ≤ F .
Teorema 15. Seja F um corpo finito, |F | = pn .
n
1. F é um corpo de decomposição de X p − X sobre Fp .
2. Seja A o conjunto dos subcorpos de F e seja B o conjunto dos divisores
de n. A função ψ : A → B que leva K para [K : Fp ] é uma bijeção. A
d
inversa dela é θ(d) := {a ∈ F : ap = a}.
Demonstração. Seja F ∗ o grupo multiplicativo dos elementos não nulos de F .
n
Se a ∈ F ∗ então ap −1 = 1 (pois |F ∗ | = pn − 1). Multiplicando por a obtemos
n
ap = a. Essa igualdade vale também quando a = 0, assim F = {a ∈ F :
n
n
ap = a}. Isso implica que X − a divide X p − X para todo a ∈QF logo, como
n
n
|F | = pn é igual ao grau de X p − X, obtemos que X p − X = a∈F (X − a).
n
Assim F é corpo de decomposição de X p − X sobre Fp .
d
Mostraremos que se d divide n então Kd = θ(d) = {a ∈ F : ap = a} é um
subcorpo de F e que |Kd | = pd . O fato que Kd ≤ F segue do fato que elevar à p
é um homomorfismo (isomorfismo de Frobenius, visto na aula passada), assim se
d
d
d
d
d
d
a, b ∈ Kd então (ab)p = ap bp = ab logo ab ∈ Kd , (a + b)p = ap + bp = a + b
d
d
logo a + b ∈ Kd , e se a 6= 0, (a−1 )p = (ap )−1 = a−1 logo a−1 ∈ Kd . Agora
d
mostraremos que |Kd | = pd . Como o polinômio X p −X tem raizes distintas (em
101
outras palavras, não tem raizes multiplas em nenhuma extensão, pelo corolário
n
acima), e F é um corpo de decomposição de X p −X, para mostrar que |Kd | = pd
d
n
basta mostrar que X p − X divide X p − X. Se m é um inteiro positivo, o
polinômio Y − 1 divide Y m − 1 (pois 1 é uma raiz de Y m − 1) logo substituindo
Y = pd e m = n/d obtemos que pd − 1 divide pn − 1. Substituindo então
d
n
d
Y = X p −1 − 1, m = (pn − 1)/(pd − 1) obtemos que X p −1 − 1 divide X p −1 − 1
n
d
e multiplicando por X obtemos que X p − X divide X p − X.
Agora vamos mostrar que ψ e θ são uma a inversa da outra. Temos θ(ψ(K)) =
d
θ(d) = Kd onde d = [K : Fp ]. K é um corpo de cardinalidade pd , logo ap = a
para todo a ∈ K (como mostrado acima em geral para F ) assim K ⊆ Kd .
Como K e Kd têm a mesma cardinalidade pd obtemos que K = Kd , assim
θ(ψ(K)) = K. Temos ψ(θ(d)) = ψ(Kd ) = [Kd : Fp ] = d pois |Kd | = pd .
Agora podemos mostrar o teorema de existência e unicidade dos corpos
finitos.
Teorema 16. Sejam p um número primo, n um inteiro positivo. Existe um
corpo F de cardinalidade pn e todos os corpos de cardinalidade pn são isomorfos.
n
Demonstração. Seja F um corpo de decomposição de X p − X sobre Fp (existe
pelo teorema de existência do corpo de decomposição) e seja K = {a ∈ F :
n
ap = a}. Como mostrado na prova acima usando o isomorfismo de Frobenius,
n
K é um subcorpo de F . Além disso K é gerado por raizes de X p − X (ele
n
consiste de raizes!) e X p − X é fatorável em K[X] em fatores de grau 1 (pois
isso vale em F [X] e todas as raizes pertencem a K). Como F é um corpo
n
n
de decomposição de X p − X obtemos K = F . Como as raizes de X p − X
são distintas, |F | = |K| = pn . Se E é um corpo de cardinalidade pn então
n
pelo teorema 2 E é um corpo de decomposição de X p − X sobre Fp logo pelo
teorema de unicidade do corpo de decomposição E ∼
= F.
O último resultado do curso é o seguinte. Seja F um corpo finito de cardinalidade pn (ou seja, de caracterı́stica p e de dimensão n sobre Fp ). Já conhecemos
um isomorfismo F → F , o isomorfismo de Frobenius φ definido por φ(a) = ap .
Considere o conjunto G de todos os isomorfismos F → F . Se trata de um grupo
com respeito à composição.
Teorema 17. G é cı́clico de ordem n gerado por φ: G = hφi ∼
= Cn .
Demonstração. Primeiro, observe que φ tem ordem n. De fato se a ∈ F então
n
φn (a) = ap = a, assim φn = 1, ou seja φn é a identidade F → F . Se d < n
d
é tal que φd = 1 então φd (a) = a para todo a ∈ F , ou seja ap = a para todo
d
a ∈ F . Mas o polinômio X p − X tem grau pd , logo |F | ≤ pd , absurdo (pois
n
d < n e |F | = p ).
Se θ ∈ GP
temos um isomorfismo
θ : F [X] → F [X], o único que extende
P
i
θ, ou seja θ( i ai X i ) =
θ(a
)X
.
Observe que se P (X) ∈ Fp [X] então
i
i
θ(P (X)) = P (X), de fato se a ∈ Fp então a é uma soma de uns e θ(1) = 1
assim θ(a) = a. Por outro lado, considerando o isomorfismo φ (o isomorfismo
102
de Frobenius) temos que para esse particular isomorfismo vale o vice-versa: se
φ(P (X)) = P (X) então P (X) ∈ Fp . De fato φ(P (X)) = P (X) significa que
φ(a) = a - isto é, ap = a - para todo coeficiente a de P (X). Mas os elementos a
de F tais que ap = a são exatamente os elementos do único subcorpo de F de
cardinalidade p (pelo teorema 2), que é Fp . Logo P (X) ∈ Fp [X].
Seja θ ∈ G qualquer. Queremos mostrar que θ é uma potência de φ. Seja α
um gerador do grupo multiplicativo cı́clico F ∗ , assim F ∗ = hαi. Considere
P (X) = (X − α)(X − φ(α)) · · · (X − φn−1 (α)).
Aplicando φ e lembrando que φn (α) = α (pois φ tem ordem n) obtemos
φ(P (X)) = (X − φ(α))(X − φ2 (α)) · · · (X − α) = P (X). Assim P (X) ∈ Fp [X],
logo θ(P (X)) = P (X) (pela observação acima), por outro lado
θ(P (X)) = θ((X − α)(X − φ(α)) · · · (X − φn−1 (α)))
= (X − θ(α))(X − θ(φ(α))) · · · (X − θ(φn−1 (α)))
Como esse polinômio é igual a P (X), obtemos que θ(α) é uma raiz de P (X),
assim θ(α) = φi (α) para algum i ∈ {0, 1, . . . , n − 1}. Assim θ(αk ) = θ(α)k =
φi (α)k = φi (αk ) para todo inteiro k logo θ = φi (pois α é um gerador de F ∗ ).
O grupo G se chama grupo de Galois da extensão F/Fp .
3.10
Exercı́cios resolvidos
Lembre-se que um corpo de decomposição de P (X) ∈ Q[X] é dado por
Q(u1 , . . . , ur ) onde u1 , . . . , ur são todas as raizes complexas de P (X).
1. Calcule o grau de um corpo de decomposição de
√
(a) X 2 −√2 sobre
√ Q. As√raizes são ± 2 logo um corpo de decomposição
é Q( 2, − 2) = Q( 2) que tem grau 2 sobre Q.
(b) X 3 − 1 sobre Q. Temos X 3 − 1 = (X − 1)(X 2 + X + 1). As raizes
complexas
de X 3 − 1 são as
raizes cúbicas da unidade, isto é, 1, ρ =
√
√
3
3
1
1
− 2 + i 2 e ρ = − 2 − i 2 . Assim um corpo de decomposição é
Q(1, ρ, ρ2 ) = Q(ρ). Como o polinômio minimal de ρ sobre Q é X 2 +
X + 1, o grau de Q(ρ) sobre Q é 2.
(c) X 3 + 1 sobre
complexas de
√
α = 21 − i 23 .
que tem grau
Q. Temos X 3 + 1 = (X + 1)(X 2 − X + 1). As raizes
√
X 3 + 1 são as raizes cubica de −1, isto é, α = 21 + i 23 ,
√
Logo um corpo de decomposição é Q(1, α, α) = Q(i 3)
2 sobre Q.
√
√
4
(d) X −2 sobre Q. As raizes complexas
de√X 4 −2 são√± 4 2 e ±i 4 2, assim
√
4
um corpo de√decomposição é Q(
2, i 4 2) =
Q( 4 2, i).
√
√
√ Pela formula
4
4
4
= [Q( 2)(i) : Q( 2)] · [Q( 4 2) : Q] = 4d
do grau [Q( √2, i) : Q] √
onde d = [Q( 4 2)(i) : Q( 4 2)] (pois X 4 − 2 é irredutı́vel em Q[X] pelo
103
√
critério de Eisenstein). Como i é raiz de X 2 + 1 e i 6∈ Q( 4 2) obtemos
d = 2 logo o grau de um corpo de decomposição de X 4 − 2 sobre Q é
4 · 2 = 8.
√
(e) X 4 + 1 sobre Q. As raizes complexas de X 4 + 1 são 22 (±1 ± i) logo
√
um corpo de decomposição é Q( 2, i) que tem grau 4 sobre Q como
visto no exercı́cio 28 da lista anterior.
2
2
(f) (X 2 −√2)(X 2√
− 3) sobre Q. As raizes complexas de (X
√ −
√2)(X − 3)
são ± 2 e ± 3 logo um corpo de decomposição é Q( 2, 3) que tem
grau 4 sobre Q como visto na aula do 9 de junho.
2. Seja F um corpo finito e veja ele como extensão de Fp . Mostre que existe
α ∈ F tal que F = Fp (α). [Dica: F ∗ é cı́clico.]
Seja α um gerador do grupo multiplicativo cı́clico F ∗ , assim todo elemento
não nulo de F é uma potência de α. As potências de α pertencem a
Fp (α) ⊆ F , logo Fp (α) = F .
3. Seja F um corpo finito. Mostre que existe um ideal I de Z[X] tal que
Z[X]/I ∼
= F . [Dica: Se trata de construir um homomorfismo sobrejetivo
Z[X] → F e aplicar o teorema de isomorfismo. Use o exercı́cio anterior.]
Pelo exercı́cio anterior F = Fp (α) para algum α ∈ F . Seja P (X) o polinômio minimal de α sobre Fp . Sabemos que F = Fp (α) ∼
= Fp [X]/(P (X)).
A redução módulo p dá um homomorfismo sobrejetivo f : Z[X] → Fp [X].
A composição dos homomorfismos sobrejetivos f e Fp [X] → Fp [X]/(P (X))
(projeção canonica) e do isomorfismo Fp [X]/(P (X)) ∼
= F dá então um
homomorfismo sobrejetivo g : Z[X] → F . Pelo teorema de isomorfismo
Z[X]/I ∼
= F onde I = ker(g).
4. Um corpo F é dito algebricamente fechado se todo polinômio P (X) ∈
F [X] admite uma raiz em F . Mostre que os corpos finitos não são algebricamente fechados.
Escreva F = {a1 , . . . , an }. O polinômio (X − a1 )(X − a2 ) · · · (X − an ) + 1
não tem raizes em F .
5. Mostre que o isomorfismo de Frobenius Fp → Fp é a identidade.
Se trata do pequeno teorema de Fermat. Se a ∈ F∗p então |F∗p | = p − 1
assim ap−1 = 1 logo ap = a, que vale também quando a = 0. Logo ap = a
para todo a ∈ Fp .
6. Mostre que F3 é um corpo de decomposição de X 3 − X sobre F3 .
De fato, temos X 3 − X = X(X − 1)(X + 1), as raizes são 0, 1 e −1 e F3
é obviamente igual a F3 (0, 1, −1).
7. Seja F = F2 [X]/(X 2 + X + 1). Mostre que F é um corpo de decomposição
de Y 2 + Y + 1 sobre F2 .
Seja α = X + I onde I = (X 2 + X + 1). Sabemos que α é raiz de
Y 2 + Y + 1. Fazendo a divisão com resto de Y 2 + Y + 1 por Y − α
104
obtemos Y 2 + Y + 1 = (Y − α)(Y − (α + 1)) logo F = {0, 1, α, α + 1}
(que é obviamente igual a F2 (α, α + 1)) é um corpo de decomposição de
Y 2 + Y + 1 sobre F2 .
8. Seja F = F2 [X]/(X 2 + X + 1) = {0, 1, α, α + 1} onde α = X + I, onde
IQ= (X 2 + X + 1). F é um corpo com 4 = 22 elementos, e sabemos que
4
a∈F (X − a) = X − X. Faça essa conta explicitamente.
Lembrando que α2 = α + 1 temos X(X − 1)(X − α)(X − (α + 1)) = (X 2 −
X)(X 2 −(α+1+α)X +α(α+1)) é igual a (X 2 −X)(X 2 −X +1) = X 4 −X.
9. Seja F = F2 [X]/I onde I = (X 3 + X + 1) e seja α = X + I. Mostre que
|F | = 8. Mostre que α é um gerador de F ∗ (lembrando que |F ∗ | = 7 é um
número primo). Mostre que (X − α)(X − α2 )(X − α4 ) = X 3 + X + 1.
F é um corpo pois X 3 +X +1 é irredutı́vel (tem grau 3 e não tem raizes em
F2 ), a cardinalidade é 23 = 8 pois F tem caracterı́stica 2 dimensão 3 sobre
F2 . O grupo cı́clico F ∗ tem ordem 7 que é primo logo todo elemento de
F ∗ diferente de 1 é um gerador de F ∗ , em particular α. Temos α3 = α + 1
logo α4 = α3 α = (α + 1)α = α2 + α. Então
(X − α)(X − α2 )(X − α4 ) = (X 2 − (α + α2 )X + α + 1)(X − (α + α2 ))
= X 3 − (α + α2 + α + α2 )X 2 + ((α + α2 )2 + α + 1)X − (α + 1)(α + α2 )
= X 3 + X + 1.
10. Escreva a fatoração em irredutı́veis de
(a) X 7 − X em F7 [X].
Q
Pela teoria X 7 − X = a∈F7 (X − a) logo
X 7 − X = X(X − 1)(X − 2)(X − 3)(X − 4)(X − 5)(X − 6).
(b) X 4 −X em F2 [X]. Temos X 4 −X = X(X 3 −1) = X(X−1)(X 2 +X+1)
e os fatores são irredutı́veis em F2 [X].
(c) X 9 − X em F3 [X]. [Dica: se F é um corpo com 9 elementos e β ∈ F
então o grau [F3 (β) : F3 ] divide [F : F3 ] = 2, assim o polinômio
minimal de β sobre F3 tem grau 1 ou 2, logo os fatores irredutı́veis
de X 9 − X são os polinômios mônicos irredutı́veis de grau 1 ou 2 em
F3 [X].]
Seguindo a dica (observe que pela teoria todo elemento de F é raiz de
X 9 − X !), se trata de fazer a lista dos polinômios mônicos irredutı́veis
de grau 1 e 2 em F3 [X]. Os polinômios mônicos irredutı́veis de grau
1 são X, X − 1 e X − 2. Os polinômios mônicos irredutı́veis de grau
2 são X 2 + 1, X 2 + X + 2, X 2 + 2X + 2. Logo
X 9 − X = X(X − 1)(X − 2)(X 2 + 1)(X 2 + X + 2)(X 2 + 2X + 2).
105
11. Conte os subcorpos de F2 [X]/(X 3 + X + 1).
Se trata de um corpo de cardinalidade 23 , logo ele tem 2 subcorpos (pois
3 tem dois divisores: 1 e 3).
12. Seja F um corpo de cardinalidade 64. Conte os subcorpos de F .
Como 64 = 26 , o número de subcorpos de F é igual ao número de divisores
de 6, ou seja 4 (os divisores de 6 são 1, 2, 3, 6).
13. Sejam p um número primo e n um inteiro positivo. Mostre que existe
P (X) ∈ Fp [X] irredutı́vel de grau n. [Dica: sabemos que existe um corpo
F de cardinalidade pn . Seja α um gerador do grupo cı́clico F ∗ . Observe
que F = Fp (α) e considere o núcleo de vα : Fp [X] → F , vα (P (X)) =
P (α).]
Seguindo a dica temos I = ker(vα ) = (P (X)) para algum polinômio P (X)
(que é o polinômio minimal de α sobre Fp ) e pela teoria Fp [X]/I ∼
= Fp (α) =
F tem pn elementos, logo ele tem dimensão n sobre Fp . Assim P (X) é
irredutı́vel e tem grau n. Em outras palavras, como [Fp (α) : Fp ] = n, o
polinômio minimal de α sobre Fp tem grau n.
14. Sejam F corpo finito e P (X) = X 5 + 4X 3 + X 2 + 2X + 4 ∈ F [X]. Mostre
que 1 é raiz multipla de P (X) se e somente se F tem caracterı́stica 3.
A derivada formal de P (X) é 5X 4 + 12X 2 + 2X + 2. 1 é raiz múltipla de
P (X) se e somente se é raiz de P (X) e de P 0 (X), assim 0 = P (1) = 12 e
0 = P 0 (1) = 21, assim 3 = 2 · 12 − 21 = 0. Logo F tem caracterı́stica 3.
Vice-versa se 3 = 0 então P (1) = 12 = 0 e P 0 (1) = 21 = 0.
15. BONUS. Seja F um corpo, e seja P (X) ∈ F [X]. Defina fP : F → F ,
fP (a) := P (a). fP é dito “função polinomial associada a P ”. Seja C o
conjunto de todas as funções F → F . Considere a função
ϕ : F [X] → C,
P 7→ fP .
Mostre que:
(a) ϕ é injetiva se e somente se F é infinito. [Dica: mostre que se F é
n
finito de cardinalidade pn então ϕ(X p − X) = 0.]
(b) ϕ é sobrejetiva se e somente se F é finito. [Dica: mostre que C é um
anel com as operações (f + g)(x) = f (x) + g(x) e (f g)(x) = f (x)g(x),
que ϕ é homomorfismo de aneis e que se F é finito de cardinalidade
n
pn então ker(ϕ) = (X p − X).]
(a) (⇒). Se ϕ é injetiva então F é infinito. De fato se F é finito de cardin
n
nalidade pn então ϕ(X p − X) é igual à função nula, pois ap = a para todo
n
n
a ∈ F . Assim ϕ(X p − X) = ϕ(0), por outro lado X p − X 6= 0. Logo ϕ não é
injetiva.
106
(a) (⇐). Se F é infinito então ϕ é injetiva. De fato se ϕ(P (X)) = ϕ(Q(X))
então P (a) = Q(a) para todo a ∈ F , assim o polinômio H(X) = P (X) − Q(X)
é tal que H(a) = 0 para todo a ∈ F . Se F é infinito então H(X) tem infinitas
raizes, logo H(X) = 0 (o número máximo de raizes de um polinômio não nulo
é o grau do polinômio).
(b) (⇒). Se ϕ é sobrejetiva então F é finito. De fato se F é infinito então a
função f : F → F definida por f (0) = 1 e f (x) = 0 para todo x ∈ F − {0} não
é uma função polinomial (é não nula e admite infinitas raizes). Logo ϕ não é
sobrejetiva (não existe nenhum polinômio P (X) tal que ϕ(P (X)) = f ).
(b) (⇐). Se F é finito então ϕ é sobrejetiva. Suponha F finito. É fácil
mostrar que C é um anel (seguindo a dica) e que ϕ é um homomorfismo. Se
P (X) ∈ ker(ϕ) então em particular PQ(a) = 0 para todo a ∈ F , logo X − a
n
divide P (X) para todo a ∈ F , assim a∈F (X − a) = X p − X divide P (X).
n
Isso mostra que ker(ϕ) = (X p − X). Pelo teorema de isomorfismo a imagem
pn
de ϕ é isomorfa a F [X]/(X − X), que é um espaço vetorial de dimensão pn
n
sobre F (uma base é dada pelos elementos X k + I onde I = (X p − X) e
n
|F |
k = 0, . . . , p − 1), logo |Im(ϕ)| = |F | . Por outro lado |C| = |F ||F | , logo
Im(ϕ) = C, ou seja ϕ é sobrejetiva.
107
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