A REBELIÃO DAS MASSAS, SEGUNDO ORTEGA Y GASSET Eliane Souza da Silva Aluna do Curso de Filosofia da UFJF. Bolsista PIBIC da UFJF. [email protected] Apresentação José Ortega y Gasset nasceu em Madri em 1883, no seio de uma família burguesa e liberal. Seus pais dirigiam o jornal El Imparcial, que influenciou Ortega a se converter, depois, num grande jornalista. Em 1904 doutorou-se em filosofia com a tese sobre os terrores do milênio. Depois foi professor na Escola de Magistério e mais tarde ocupou a cátedra de Metafísica da Universidade de Complutense, onde ficou até 1936. Ortega y Gasset participou ativamente do governo da República, até que, decepcionado, abandona a política para dedicar-se à filosofia. Ortega viajou para vários países: França, Holanda, Alemanha, Argentina, etc., e regressou a Madri em 1945. Foi o filósofo mais lido e escutado em seu tempo. Sua presença na literatura e pensamento espanhol é decisiva. Sua filosofia ataca o racionalismo e defende a inserção e preeminência da razão na vida. Morreu em Madri em 18 de outubro de 1955. A geração de Ortega y Gasset encontra uma Espanha mergulhada em problemas sociais, foi a época da restauração monárquica de Afonso XII e a regência de Maria Cristina. Para o filósofo, tais problemas surgiram do mau uso da razão no exame da vida social e política. Os homens deveriam utilizar a razão e a sensibilidade para examinar os problemas que impediam a Espanha de se firmar como nação. Se a obra de José Ortega y Gasset foi certa em seu tempo, hoje, podemos dizer que o é ainda mais. As teses de Ortega só se tem feito cumprir e em sua caracterização do homemmassa nós podemos ver algo além do homem atual, dominando todas as esferas da vida. Analisando um pouco o nosso mundo, encontramos, hoje, o que poderíamos chamar de o começo de uma nova idade de crises. Deparamos com a realidade de uma série de valores que estão a se perder, há fatos que estão abalando a sociedade. Comprovamos, pelos jornais, que estão ocorrendo coisas estranhas em todo o mundo; há violência, insegurança, pessoas inconformadas, grandes perturbações. A sensação de instabilidade faz-nos pressentir uma série de riscos para o futuro. Um deles é o crescimento demográfico, ficando a terra pequena para os seus habitantes. Esse problema afeta todas as pessoas de todas as partes do mundo. O problema da repartição da riqueza não é, pois, somente um problema físico, mas também um problema intelectual, psicológico e moral e percebemos que, a humanidade terá, provavelmente, um maior avanço técnico, mas não um avanço moral nem espiritual. Em todo o mundo os povos se tornam presa dos poderosos. Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência de filosofia. As massas são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma inteligência de rebanho. Quanto mais vaidades e futilidades se ensine, mais estarão os homens arriscados a não se deixar tocar pela luz da filosofia. Os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente da vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, o fanatismo das ideologias, tudo isso proclama a antifilosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. Ortega indica que o homem pode mudar sua vida a partir da transformação da realidade em que vive, o caminho mais simples é melhorando a educação e o nível cultural das pessoas, que segundo Ortega, são instâncias que aproximam os homens. A partir dos textos sobre política do filósofo Ortega y Gasset verificamos que sua principal preocupação era incentivar o homem a sair da sua condição de minoridade e caminhar para construir sua vida singular. “O homem é, queira ou não, um ser constantemente forçado a buscar uma instância superior. Se consegue por si mesmo encontrá-la, é um homem excelente; se não, é pois um homem-massa e necessita recebê-la de outrem”, frisa Ortega y Gasset. Este trabalho constitui uma síntese acerca da obra de Ortega intitulada: A rebelião das massas (tradução de Marylene Pinto Michael e Maria Estela Heider Carvalho). São Paulo: Martins Fontes, 2002, 300 pg. ---------- Ortega vivencia uma Espanha mergulhada em problemas sociais, tais problemas surgem do advento das massas ao pleno poderio social. Ortega assiste ao triunfo de uma hiperdemocracia, época em que a multidão governa, na qual a massa atua diretamente sem lei, impondo suas aspirações e seus gostos. Massa, segundo Ortega, não é o homem operário, porque sabemos que há pseudo-intelectuais desqualificados como há operários com almas admiravelmente disciplinas, o homem-médio ou também chamado homem-massa é aquele que não é especialmente qualificado, não diferenciado dos outros homens, não exige mais de si mesmo, não atribui a si mesmo um valor e se sente como todo mundo. Para Ortega y Gasset, a humanidade pode ser dividida em duas classes, as que exigem muito de si mesmas e se acumulam de dificuldades e deveres, e as que não exigem nada de si em especial, viver é ser a cada instante o que já são, sem esforço para aperfeiçoamento de si próprias como bois à deriva, e, pertencendo a segunda classe a massa acha que tem o direito de impor e dar força de lei aos seus problemas do dia-a-dia. Ortega afirma que a característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte. A massa fez sucumbir tudo o que é diferente, individual, qualidade e especial. Quem não for e pensar como todo mundo corre o risco de ser eliminado. Essa crise já ocorreu na história e suas características e conseqüências são conhecidas, o nome é rebelião das massas. Esse é o fato também do nosso tempo. Ortega denuncia em seu livro esse homem triunfante, “aristocrata por herança”, porém, intimamente ele nada tem a ver com suas riquezas, porque não são originárias dele. Está condenado a representar o outro, portanto, a não ser como o outro nem ele mesmo. Sua vida perde autenticidade, inexoravelmente, e converte-se em mera representação ou ficção de outra vida. Ortega descreve que o homem-massa acha que a vida é fácil, superabundante, sem limitações trágicas, considera seu haver moral e intelectual como bom e completo, esse contentamento consigo mesmo o induz a se fechar para qualquer instância exterior, a não escutar, a não submeter suas opiniões a julgamento algum e a não contar com a existência dos outros, é propenso a ter como ocupação central de sua vida os jogos, os esportes, o culto ao corpo e a preocupação com a beleza dos trajes, há em suas atitudes falta de romantismo na relação com a mulher, prefere a vida sob a autoridade absoluta a um sistema de discussão. Ortega observa que o homem-médio, só percebe a superabundância dos meios, mas não as angústias. Não percebe que a organização do Estado é instável, e quase não sente obrigações, pensa que nasceu para fazer o que lhe dá vontade. Explica Ortega que não é que não se deva fazer o que se tem vontade, é que como o destino – o que vitalmente se tem que ser ou não se tem que ser – não se discute, apenas se aceita ou não. Se o aceitamos somos autênticos, se não o aceitamos, somos a negação de nós mesmos. O destino não consiste naquilo que temos vontade de fazer, mas é reconhecido e mostra seu perfil claro e rigoroso, na coincidência de se ter que fazer o que não se tem vontade. Ortega esclarece que estamos numa época de “correntes” e de “se deixar levar”. Quase ninguém apresenta resistência aos redemoinhos superficiais que se formam na arte ou nas idéias, na política ou nos usos sociais. Por isso, a retórica impera mais que nunca. Na Espanha de Ortega quase todos os Estados são governados por pessoas adormecidas que combatem pelas sombras e ambicionam o poder, não vêem que só haverão de ter poder os homens felizes, com um modo de vida honesto e sábio. Ortega entende que o homem instruído na arte de governar, que goza de outras honras e tem vida preciosa, o discípulo, o filósofo, melhor protegeria o Estado, porém, as massas passaram a conhecer e empregar hoje, com relativa eficiência, muitas técnicas não só materiais como também jurídicas e sociais, antes só empregados por indivíduos especializados. Os direitos humanos e do cidadão, inicialmente um simples teorema, idéia de poucos, no século XIX, a massa ia se entusiasmando com a idéia desses direitos como um ideal, porém, não os exercitava, nem se valia deles, mas sob legislações democráticas continuava vivendo. O povo já sabia que era soberano, porém, não acreditava nisso. Hoje aquele ideal se converteu numa realidade, inclusive quando massacra e tritura instituições onde aqueles direitos são sancionados. Hoje ocorre a soberania do indivíduo não qualificado, do indivíduo humano genérico, os direitos niveladores da generosa inspiração democrática se converteram, de aspiração e idéias, em apetites e supostos inconscientes. Mas Ortega indaga: Os sentidos daqueles direitos não era o de libertar aquelas almas humanas de sua servidão interior e proclamar dentro delas uma certa consciência de domínio e dignidade? O objetivo não era que o homem-médio se tornasse dono, senhor de si mesmo e de sua vida? Porque os liberais, democratas e progressistas se queixam? Ortega diz que talvez o homem-massa não levou em consideração que a sociedade é sempre aristocrata, por sua essência, a ponto de ser sociedade na medida em que é aristocrata e deixa de sê-lo na medida em que se desaristocratiza. Então, não se estranhe que ele atue por si e diante de si, que reclame todos os prazeres, que imponha sua vontade com decisão, que se negue a servidão, esses são alguns atributos perenes e inerentes, hoje, à consciência da massa. A vida do homem-médio agora é constituída pelo repertório vital que antes caracterizava apenas as minorias culminantes. Ortega diz que a vida pode ter altitudes diferentes, e a vida média se desenvolve hoje numa altura superior àquela em que se encontrava ontem devido ao desejo, gerado e realizado a partir do século XIX que foi a “cultura moderna”. Na análise de Ortega esse termo transmite uma sensação de “altura dos tempos”, vida nova, superior à antiga, o homem do presente sente que sua vida é mais vida que todas as antigas, isto é, que o passado inteiro se tornou pequeno para a humanidade atual, nossa vida sente-se, de repente, de maior tamanho que todas as vidas. O que aconteceu é que pelo fato de sentir-se mais vida, perdeu todo o respeito e atenção para com o passado, o passado já não é mais possível como modelo. Essa grave dissociação entre passado e presente acontece em nosso tempo e isso conturba a vida nestes anos e também no tempo de Ortega. Os homens sentem que ficaram sozinhos de repente, os mortos já não podem ajudar-nos, os modelos, as normas de conduta já não nos servem, resolvemos nossos problemas sem a ajuda ativa do passado. Ortega indica que a mudança dessa mentalidade surge com a superação da estreiteza, ou seja, não achar que nosso tempo “moderno” seja definitivo, para sempre. Não sabemos o que poderá acontecer no mundo amanhã, isso é imprevisibilidade e vida autêntica, podemos citar como exemplo o Império Romana, símbolo de um poder definitivo, com majestosas construções imperiais, era eterna, porém, percebia uma melancolia dos edifícios eternos. Isso nos mostra que a realidade da história é uma pura ânsia de viver. A decadência é um conceito comparativo, Estado superior para o inferior, isso é opinião parcial. Ortega sugere que não há mais que um ponto de vista justo e natural instalar-se nessa vida, contemplá-la de dentro e ver se ela mesma se sente decaída, minguada, avaliar a decadência a partir da vida. Ortega diz que sua época, assim como nossa época atual, julga-se melhor que as outras e ao mesmo tempo não tem a certeza de seu destino, orgulha de suas forças, porém, é temerosa delas. Para o filósofo o mundo cresceu de repente, e com ele e nele a vida, o conteúdo do homem-médio hoje é todo o planeta, a globalidade aumentou o horizonte da vida, podemos estar em mais lugares que antes, consumir em menos tempo vital e mais tempo cósmico, para o homem era uma questão de honra vencer o espaço e o tempo cósmico. O crescimento substantivo do mundo consiste no fato de incluir mais coisas. Cada coisa é algo que se pode desejar, fazer, repelir, gozar, a quantidade de possibilidades oferecidas ao comprador atual é praticamente ilimitada, cresce a vida do homem na dimensão de potencialidade, no campo intelectual surgem mais caminhos de raciocínio, mais ciência, mais problemas, mais pontos de vista, o rol de profissões hoje é grande, atinge-se performances que superam grandemente o passado, convencendo-nos que o organismo humano de nosso tempo tem a capacidade superior das conhecidas antes. Ortega não fala de qualidade de vida presente, mas de seu crescimento qualitativo e potencial e isso decanta na mente do homem-massa a sensação de prepotência. Enfim, para Ortega vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de realizar, mas não sabe o que realizar, domina todas as coisas, todavia, não é dono de si mesmo, a sensação é de estar à deriva na abundância, se aninha na alma contemporânea essa estranha dualidade de prepotência e insegurança. Sob sua máscara de generoso futurismo, o progressista abandona sua preocupação com o futuro e se coloca no presente. Assim como Ortega observou em sua época, hoje o mundo parece vazio de projetos, metas e ideais. A deserção das minorias dirigentes foi de tal ordem que se encontra sempre na razão inversa de rebelião das massas. Ortega analisa que nossa vida, como conjunto de possibilidades é superior a todas as outras historicamente conhecidas, mas pelo fato de seu formato ser maior, transbordou todos os princípios, normas e ideais legados pela tradição. O passado nos diz o que devemos evitar e não o que devemos fazer, temos que inventar nosso próprio destino. Para Ortega, circunstância e decisão são os dois elementos essenciais que compõem a vida, viver é sentirse fatalmente forçado a exercer a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. As circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que nos decidir, mas o que decide é nosso caráter. Na sociedade que Ortega analisa e também a atual, é o homem-massa que domina, é ele que decide, o poder público está nas mãos de um representante de massas, estas aniquilaram toda a oposição possível, o poder público vive o dia presente, não apresenta um futuro transparente, sem uma evolução que se possa imaginar, vive sem princípios, meios e fins. Escapa de problemas momentaneamente, mesmo a custa de acumular mais conflitos depois. Nas escolas, não foi possível fazer mais do que ensinar às massas as técnicas da vida moderna, mas não se conseguiu educá-las, não as ensinou o sentido da vida, foram dadas a elas os instrumentos para viverem intensamente, mas não a sensibilidade para os grandes deveres históricos, neles se inocularam, atropeladamente, o orgulho e o poder dos meios modernos, mas não o espírito. As gerações tomam a direção do mundo como se o mundo fosse um paraíso sem pegadas antigas, sem problemas tradicionais e complexos, o adubo da semente humana foi à democracia e a técnica. Homem-massa é a pura potência do maior bem e do maior mal. Ortega prevê filosoficamente o desastre do homem-massa a partir dos elementos que compõem a sua psique, que são: livre expansão de seus desejos vitais e radical ingratidão para com tudo que tornou possível a facilidade de sua existência, é a mesma psicologia da criança mimada que não tem noção de seus próprios limites, acha que tudo lhe é permitido e não é obrigada a nada, não considera ninguém como superior a ele. Para Ortega, três princípios tornaram possível um novo cenário para a existência do homem-massa: a democracia liberal, as experiências científicas e o industrialismo. Esses princípios, segundo Ortega, são procedentes dos séculos anteriores, a honra do século XIX foi colocar a grande massa social em condições de vida radicalmente opostas às que sempre o haviam rodeado, o mundo que rodeia o homem novo não faz com que ele se limite a nenhum sentido, não lhe apresenta nenhum veto nem contenção, mas, ao contrário, fustiga seus apetites que, em princípio, podem crescer indefinidamente. Esse mundo moderno, não só tem as perfeições e amplitudes que efetivamente tem, como, sugere a seus habitantes uma segurança inabalável de que amanhã será ainda mais rico, mais perfeito e mais amplo, pensa-se que os automóveis daqui a cinco anos serão mais confortáveis e mais baratos que os atuais. Para Ortega o homem vulgar, ao se encontrar com este mundo técnico e socialmente tão perfeito, pensa que foi criado pela Natureza, mágica da automação, e nunca se lembra dos geniais esforços de indivíduos que a sua criação pressupõe, as massas não são solidárias com as causas do seu bem-estar, não admite que essas facilidades se apóiam em virtudes raras do homem, cujo menor fato ocasionaria o desaparecimento dessa construção. As novas massas encontram uma paisagem cheia de possibilidades e segura, e tudo isso rápido, à sua disposição, sem depender de seu esforço prévio, a própria perfeição com que o século XIX organizou certas esferas da vida é a origem do fato de que as massas beneficiárias não a considerem como organização, mas como natureza. Assim, abandonada à sua própria inclinação, a massa, tende a destruir as causas de sua própria vida. Para o filósofo somos aquilo que nosso mundo nos convida a ser, as características gerais que ele nos apresenta serão as características gerais de nossa vida. O mundo, no passado, se apresentava para o homem-médio, cheio de dificuldades, perigos, limitações de destino, dependência. O novo mundo aparece hoje como um âmbito de possibilidades praticamente ilimitadas, segura, onde não se depende de ninguém, como conseqüência, o homem-massa está habituado a não apelar por si mesmo a nenhuma instância fora dele, está satisfeito do jeito que é e como causa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e qualificar como bom tudo o que tem em si, opiniões, apetites, preferências ou gostos, nada o faz tomar consciência de que é limitadíssimo, incapaz de criar ou conservar a própria organização que dá à sua vida essa amplitude e esse contentamento, não percebe que a vida só tem sabor se está a serviço de algo transcendente e como as circunstâncias não o obrigam a apelar para coisas fora dele, deixa de apelar e se sente senhor de sua vida. A nobreza para Ortega é sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma, a transcender do que já é para o que se propõe como dever e exigência. Vida nobre é diferente de vida vulgar e inerte, que se restringe a si mesma, condenada à imanência perpétua, a não ser que, algum fator externo a obrigue a reagir, o homem-massa é incapaz de qualquer esforço que não seja o estritamente imposto como reação a uma necessidade externa. São homens nobres, os únicos ativos e não reativos, para os quais viver é uma tensão permanente, um treinamento constante. Ortega esclarece que o que segue hoje é conseqüência do mundo organizado pelo século XIX, ao produzir automaticamente um homem novo, deu-lhe apetites formidáveis, meios poderosos de toda ordem para satisfazê-los, econômicos, corporais (higiene, saúde), civis e técnicos (conhecimentos parciais e eficiência prática). Depois de ter-lhe dado essas potências, o século XIX o abandonou a si próprio, então o homem-médio se fechou em si mesmo, acreditando que se basta a si mesmo, se tornou indócil, porém a indocilidade política não seria grave se não se originasse de uma outra mais profunda e decisiva, a indocilidade intelectual e moral. Ortega diz que pelo fato de o mundo e a vida se mostrarem abertos ao homem medíocre, sua alma se fechou, ele se tornou incapaz de transferir-se para o próximo e proclama a vulgaridade como um direito, ou seja, sua coleção de tópicos, preconceitos, pedaços de idéias, palavras vazias ao acaso foram sendo amontoadas em seu interior, e com audácia, quer impor-las. Antes o homem-massa nunca tinha achado que tinha “idéias” sobre as coisas, tinha crenças, tradições, experiências, provérbios, hábitos mentais, mas não se acreditava possuidor de opiniões sobre como as coisas são ou devem ser, sua atitude resumia a repercutir, positiva ou negativamente, a ação criadora dos outros. Hoje, constata Ortega, o homem-massa perdeu a audição e tem as idéias mais taxativas sobre tudo o que acontece e deve acontecer no universo, falta ao homem-massa a consciência de que para ter idéias é necessário antes se dispor a querer a verdade e a aceitar as regras do jogo que ela imponha. Ortega esclarece que ter uma idéia é crer que possui as razões dela e é crer que existe uma razão, um mundo de verdades inteligíveis. Idear, opinar, é a mesma coisa que apelar para essa instância, submeter-se a ela, aceitar seu código e sua sentença, crer que a forma superior de convivência é o diálogo em que se discutem as razões de nossas idéias. Para o filósofo, o homem-massa rejeita a obrigação de acatar essa instância suprema que se acha fora dele, o novo, agora, é acabar com as discussões e se detesta qualquer forma de convivência que por si mesma implique o acatamento de normas objetivas, desde a conversação, até o Parlamento, passando pela Ciência. No trato social elimina-se a “boa educação”, a literatura, como “ação direta”, se constitui no insulto, se renuncia a cultura e retrocede a uma convivência medíocre, vai diretamente à imposição do que se quer através da violência, não percebe que civilização é antes de tudo vontade de convivência. Para Ortega, a rebelião das massas apresenta uma dupla interpretação, favorável e desfavorável. Pode ser o veículo de uma nova organização de humanidade, ímpar, mas também pode ser uma catástrofe no destino humano. Não há nenhum progresso seguro, nenhuma evolução, sem a ameaça de involução e retrocesso, tudo é possível na história, porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é o perigo. O primitivismo que neste ensaio apresenta seu pior aspecto é por outro lado e em certo sentido, condição de todo grande avanço histórico. Ortega verifica que o século XIX, com a condição defeituosa de sua responsabilidade deixou-se levar pelo lado favorável dos acontecimentos e não atentou para os perigos que a hora mais agradável possui, não se mantiveram alertas e vigilantes, por isso, hoje, apoderou-se na direção social um tipo de homem ao qual não interessam os princípios de civilização, não tem a massa a sensibilidade última para com o destino da ciência, da civilização, naturalmente os interessa os anestésicos, automóveis,..., mas essas coisas são apenas produtos dessa civilização. Na geração de Ortega, assim como hoje, é cada vez mais difícil atraírem discípulos para os laboratórios de ciência pura, isso ocorre porque as pessoas mostram o maior interesse pelo uso de aparelhos e medicamentos criados pela ciência. Enquanto os demais campos da cultura tornam-se problemáticos – a política, a arte, as normas sociais, a própria moral -, há uma que, a cada dia, comprova sua eficiência: a ciência empírica. Cada dia é uma nova invenção, um novo analgésico, vacina, que beneficia esse homem-médio, provisoriamente, porque vive-se com a técnica, mas não da técnica, esta dura quanto durar a inércia do impulso cultural que a criou, o interesse pela técnica não garante a sobrevivência da técnica, porque ela não sobrevive depois que tiver morrido o interesse pelos princípios da cultura. Ortega analisa que há uma desproporção entre os benefícios que o homem-médio recebe da ciência e a gratidão que lhe dedica, isto é, que não lhe dedica. A ciência não tem concorrência, já que a política, direito, arte, moral, religião se acham em crise. Ortega diz que no caso da Filosofia, ela não necessita de proteção, atenção ou simpatia da massa. Está consciente de seu aspecto de perfeita inutilidade, e com isso liberta-se de qualquer sujeição ao homem-médio. Sabe que é problemática por essência e abraça com alegria seu destino livre de pássaro de Deus, sem pedir a ninguém que lhe dê atenção, sem se promover ou se defender. Se alguém se beneficia dela espontâneamente, alegra-se por mera simpatia humana, mas não vive do proveito alheio, não o premedita nem o espera. Ortega verifica que os princípios em que se apóia o mundo civilizado não existem para o homem-médio atual. Os valores fundamentais de cultura não o interessam, não é sensível a eles, não está disposto a colocar-se a seu serviço, isso porque quanto mais a civilização avança, mais se torna complexa e difícil, quanto maior o progresso, mais a civilização está em perigo. Cada vez é menor o número de pessoas cuja mente está à altura desses problemas, o que falta não são os meios para a solução; são cabeças, há algumas cabeças, mas o povo vulgar não quer colocá-las sobre os ombros, isso constitui a tragédia mais elementar da civilização. Para Ortega, conforme os problemas vão se complicando, também vão se aperfeiçoando os meios para resolvê-los, mas é preciso que cada nova geração domine esses meios adiantados. Entre estes há um associado ao avanço da civilização, que é ter muito passado atrás de si, muita experiência, em suma: história. Ortega diz que o saber histórico é uma técnica de primeira ordem para conservar e continuar uma civilização provecta. Não porque dê soluções positivas para o novo aspecto dos conflitos vitais, a vida é sempre diferente do que foi, mas porque se evita que se cometam os erros ingênuos de outros tempos. Porém, se alguém, além de ser velho, e, portanto, cuja vida começa a ser difícil, perde a memória do passado, não aproveita sua experiência, então tudo passa a ser desvantagem. O século XIX perdeu ”cultura histórica”, apesar dos especialistas a fizerem avançar muito como ciência. A este abandono devem-se, em boa parte, seus erros peculiares, que hoje pesam sobre nós, iniciou-se a involução, o retrocesso à barbárie, isto é, a ingenuidade e primitivismo de quem não tem ou esquece o passado. Hoje triunfa o homem-massa e, portanto, só projetos feitos por ele, saturados de seu estilo primitivo, podem conseguir uma aparente vitória, mas não evitarão os lugares-comuns da experiência histórica, porque o futuro triunfa quando colocado nas mãos de pessoas verdadeiramente “contemporâneas” que sintam pulsar sob seus pés o subsolo histórico, que conheçam a altura presente da vida e repudiam todo gesto arcaico e selvagem. Ortega sintetiza a civilização em democracia liberal e técnica. A técnica contemporânea nasce em cópula entre o capitalismo e a ciência experimental. Nem toda técnica é científica, só a técnica moderna da Europa tem uma origem científica, e dessa origem vem seu caráter específico, a possibilidade de um progresso ilimitado. Essa técnica tornou possível a proliferação da casta européia, o técnico passa a ser o engenheiro, o médico, o economista, o professor..., considerados o grupo superior. Ortega diz que o homem de ciência atual é o protótipo do homem-massa, a própria ciência converte-o automaticamente em homem-massa, porque para progredir, a ciência necessitou de que os homens de ciência se especializassem, e não ela própria e sim os homens, com isso o homem de ciência foi se adstringindo, se recluindo num campo de atuação intelectual cada vez mais estreito, o científico por ter que reduzir sua órbita de trabalho, foi perdendo contato com as outras partes da ciência com uma interpretação integral do universo. Para o filósofo, a especialização começa numa época que chama de homem civilizado o homem “enciclopédia”. É um homem que mesmo dessa ciência só conhece bem a pequena parte de que ele é um ativo pesquisador, chega a proclamar como virtude o fato de não se inteirar de nada que esteja fora da estreita paisagem que cultiva especialmente, e chama de diletantismo a curiosidade pelo conjunto do saber. O fato é que com a escassez de seu campo visual, consegue descobrir novos fatos e fazer avançar sua ciência, que ele quase não conhece, e com ela a enciclopédia do pensamento. Para Ortega a ciência moderna, raiz e símbolo da civilização atual, acolhe dentro de si o homem intelectualmente médio e lhe permite operar com êxitos, o pesquisador que descobre um novo fato da Natureza tem uma impressão de domínio e segurança em sua pessoa. O especialista “sabe” muito bem seu mínimo rincão de universo, mas ignora radicalmente todo o resto. O especialista não é um sábio, porque ignora tudo quanto não faz parte de sua especialidade, tampouco é um ignorante, porque é um homem de ciência e conhece muito bem sua porciúncula de universo. Se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a arrogância de quem em seu campo especial é um sábio. Ao especializá-lo, a civilização tornou-o satisfeito dentro de sua limitação; e quererá predominar fora de sua especialidade, e ele se comportará sem qualificação e como homem-massa em quase todas as esferas da vida, com estupidez com que pensam, julgam e atuam hoje na política, na arte, na religião. Essa condição de “não escutar”, de não se submeter a instâncias superiores, chega ao máximo nesse homem parcialmente qualificado, há muitos homens de ciência, poucos homens cultos. Segundo Ortega, o progresso íntimo da ciência necessita de regulamentação de seu próprio crescimento, de um trabalho de reconstituição e isso requer um esforço de unificação cada vez mais difícil, que cada vez envolve regiões mais vastas do saber total, Ortega cita como exemplo Einstein, que precisou saturar-se de Kant e Mach para poder chegar a sua aguda síntese. Ortega diz que a ciência experimental, fruto da especialização, não poderá avançar por si mesma se não se encarregar uma geração melhor de lhe construir algo mais poderoso, já o “homem de ciência”, ignora como devem estar organizados a sociedade e o coração do homem para possam continuar existindo pesquisadores, pensa que a civilização está aí, simplesmente, como a crosta terrestre e a selva primigênia. Ortega diz que a massa não atua por si mesma, veio ao mundo para ser dirigida, influída, representada, organizada, até mesmo para deixar de ser massa, ou pelo menos, aspirar a isso. A massa precisa nortear sua vida pela instância superior, constituída pelas minorias excelentes. Para Ortega o dia que voltar a imperar na Europa uma filosofia autêntica se tornará a compreender que o homem é, queira ele ou não, um ser constitutivamente forçado a procurar uma instância superior. Se consegue encontrá-la por si mesmo, é um homem excelente, se não, é um homem-massa e precisa recebê-la daquele. Para Ortega, a massa pretende atuar por si mesma e isso é rebelar-se contra seu próprio destino. Há um progresso de violência como norma acontecendo, o que leva Ortega a falar da rebelião das massas. Ortega analisa que o perigo que ameaça está civilização é o Estado contemporâneo onde a supremacia dos nobres é substituída pelo predomínio dos burgueses. É significativo precaverse contra a atitude do homem-massa diante do Estado, o homem-massa vê o Estado assegurando sua vida, mas não tem consciência de que é uma criação humana inventada por certas virtudes que ontem existiram nos homens e que se podem evaporar amanhã. O homemmassa pensa que o Estado tem que assumir, imediatamente, qualquer dificuldade, conflito ou problema na vida pública de um país e tentará faze-lo funcionar a qualquer preço, resultado disso é a estatização da vida, o intervencionismo e a anulação da espontaneidade social pelo Estado, ou seja, a espontaneidade social será frequentemente violentada pelo intervencionismo do Estado, nenhuma nova semente frutificará. Para Ortega, o estatismo é a forma superior em que se transforma a violência e a ação direta em norma. Ele explica que a sociedade começa a ser escravizada, o Estado pesa como uma supremacia antivital sobre a sociedade, toda a vida se burocratiza. Dentro de pouco tempo a sociedade não basta para o Estado e é preciso chamar os estrangeiros. Os estrangeiros são donos do Estado e o povo inicial, tem que viver como escravos deles. Ortega destaca a importância dos mandos para o exercício normal da autoridade, o qual se fundamente sempre na opinião pública, jamais alguém mandou na terra baseando seu mando essencialmente em outra coisa que não na opinião pública. O Estado é, o Estado da opinião, não se pode mandar contra a opinião pública é uma situação de equilíbrio. Ortega analisa que a maior parte dos homens não tem opinião e é preciso que esta venha de fora sob pressão, sem opinião, a vida do homem seria o caos, careceria de organicidade. Sem alguém que mande reinará o caos na humanidade. Toda mudança de imperantes é ao mesmo tempo uma mudança de opinião que vive a humanidade e por isso há ordem, Roma, por exemplo, no seu auge, era a grande mandona e pôs ordem no mediterrâneo e arredores. No período de pós 2ª guerra mundial a Europa parou de mandar no mundo, ficou sem objetivo para si e para os demais, sem mandamentos que obriguem viver de certo modo. A vida transformou-se em pura disponibilidade, a juventude no tempo de Ortega, de tanto sentirem-se livres, isentas de travas, acabam por sentir-se vazias, como podemos ver hoje. Uma vida em disponibilidade é mais negação de si mesma que a morte, porque viver é ter que fazer alguma coisa determinada – é cumprir um encargo -, e, na medida em que nos esquivamos de pôr nossa vida a serviço de alguma coisa, esvaziamos nossa existência. Para Ortega, mandar é dar tarefas às pessoas, colocá-las na rota de seu destino, impedir sua extravagância, que costuma ser vida vazia, desolação. Segundo Ortega, a vida humana, por sua própria natureza, tem que estar dedicada a algo, caso contrário, caminhará desvinculada, sem tensão e sem “forma”, vazia sem ter o que fazer, sem terem a que se dedicar. Como tem que ser preenchida com alguma coisa, dedica-se a ocupações falsas, que não impõem nada de íntimo, de sincero, hoje é uma coisa, amanhã é outra, oposta a primeira. Analisa Ortega que viver é ir disparado em direção a algo é caminhar em direção a uma meta, a meta não é meu caminho, não é minha vida, é algo fora dela, mais além, se resolve andar egoísticamente, não avança e um labirinto caminha dentro de si mesmo. Ortega diz que o que se manda que faça é, no final, que participe de uma empresa, de um grande destino histórico, não há império sem programa de vida. “quando os reis constroem, tem que fazer as estradas”. Schiller. A ciência, a arte, a técnica e todo o resto vivem da atmosfera tonificante que a consciência de mando cria. Se esta faltar às pessoas se tornam definitivamente cotidianas. Para Ortega, a vida criadora exige um alto nível de higiene, de grande decoro, de constantes estímulos, que excitam a consciência da dignidade. A vida criadora é vida enérgica e esta só é possível numa destas duas situações: ou quando se é o que se manda ou quando se está num mundo onde aquele que manda é reconhecido por nós como tendo pleno direito para o exercício de tal função, ou mando ou obedeço. Mas obedecer não é agüentar – agüentar é se envilecer -, mas ao contrário, é estimar o que manda e seguí-lo, solidarizando-se com ele, colocando-se com fervor sob a tremula de sua bandeira. Quando ninguém pensava nisso fora do velho continente, ocorreu para alguns da Alemanha, França e Inglaterra, por volta de 1945, esta idéia: Será que estamos começando a decair? Esta idéia foi acolhida pelo público e todos falam na decadência européia como de uma realidade concluída. Os povos se deparam com um limite em sua evolução estatal, pois não sabem imaginar um Estado para constituí-lo, a realidade vital e concreta é essencialmente confusa, o que for capaz de se orientar dentro dela com precisão, o que não se perder na vida tem uma mente clara, o homem de mente clara olha de frente para a vida e se conscientiza de que tudo nela é problemático, e sente-se perdido, e esse olhar trágico o fará ordenar o caos de sua vida. Para Ortega nossas idéias científicas são válidas na medida em que nos sentimos perdidos ante um problema e compreendemos que não nos podemos apoiar em idéias recebidas, receitas, aquele que descobre uma nova verdade científica teve que triturar antes quase tudo que tinha aprendido. Ortega diz que a política é muito mais real que a ciência, porque se compõe de situações únicas em que o homem se encontra mergulhado de imediato, querendo ou não. O Estado é um projeto de trabalho e um programa de colaboração, conclamam-se as pessoas a que façam algo juntas. É um simples dinamismo – a vontade de fazer algo em comum -, e devido a isso a idéia estatal não é limitada por nenhum marco físico, é algo que vem de e vai para. O Estado a toda hora está superando o que parecia ser o princípio material de sua unidade, cuja unidade consiste em superar qualquer outra unidade conhecida. Para o filósofo, o Estado qualquer que seja sua forma – primitiva, antiga, medieval ou moderna -, é sempre a conclamação que um grupo de homens faz a outros grupos humanos para executarem uma empresa juntos, - é a organização de um certo tipo de vida comum. Estado e projeto de vida, programa de trabalho ou de conduta humanos, são termos inseparáveis. As diferentes classes de Estado nascem das maneiras segundo as quais o grupo de empresário estabelece a colaboração com os outros, não é a comunidade anterior que torna viável a convivência política, mas a comunidade futura e o efetivo trabalho comum, não o que fomos ontem, mas o que vamos fazer juntos amanhã, isso é o que nos reúne no Estado. A capacidade de fusão é ilimitada, não só de um povo com o outro mais de todas as classes sociais dentro de cada corpo político, conforme a nação cresce a colaboração interna se torna coesa. Para Ortega o passado nacional projeta incentivos no futuro, ao defender a nação defendemos nosso amanhã, não nosso ontem, todo fazer é realizar um futuro. A nação, antes de possuir um passado comum, teve que criar essa comunidade, e antes de criá-la teve que sonhar com ela, desejá-la, projetá-la, e basta ter projeto próprio para que a nação exista, ainda que não se realize, ainda que sua execução fracasse como já aconteceu tantas vezes, a nação é uma empresa que se sai bem ou mal, que se inicia depois de um período de experiências, que se desenvolve, se corrige, da qual “se perde o fio” uma ou várias vezes, e é preciso recomeçar ou, pelo menos reatar. Ortega diz que o âmago de uma nação é em primeiro lugar, um projeto de convivência total numa empresa comum, em segundo lugar, a adesão dos homens a esse projeto incitativo. A nação nunca está feita, está sempre se fazendo ou se desfazendo, depende se é uma empresa vívida. Ortega vivência uma Europa que não tem certeza de que é ela que manda, nem o resto do mundo de ser mandado, padecendo de uma grave desmoralização, que manifesta na rebelião das massas. A soberania histórica encontra-se em dispersão, já não há “plenitude dos tempos”, porque isso supõe um futuro claro, predeterminado, quem desconfiar de tudo o que hoje é apregoado, ostentado, ensaiado ou elogiado, estará certo, desde a mania do esporte físico até a violência na política, desde a “arte nova” até os banhos de sol nas ridículas praias da moda, tudo é um capricho leviano, não é uma criação que parte do fundo substancial da vida, não é aspiração nem missão autêntica, tudo é vitalmente falso, estamos diante de um estilo de vida que cultiva a sinceridade e é ao mesmo tempo falsificação. Não há na época de Ortega assim como hoje nenhum político que sinta a inevitabilidade de sua política. Ortega diz que a Europa ficou sem moral, o centro de seu regime vital consiste precisamente na aspiração de viver sem se submeter a qualquer moral. O moralismo chegou a vulgaridade extrema que qualquer um se vangloria de exercitá-lo, reduz se a crer que se tem todos os direitos e nenhuma obrigação, quando se apresenta como reacionário ou antiliberal é pra poder afirmar que a salvação da pátria, do Estado, dá o direito de passar por cima de todas as outras normas e de massacrar o próximo, principalmente se o próximo tem uma personalidade valorosa. Seu aparente entusiasmo pelo operário artesanal, o miserável e a justiça social serve-lhe de disfarce para poder desvencilhar-se de qualquer obrigação como a cortesia, a veracidade, o respeito, admiração pelos indivíduos superiores. Para Ortega, as pessoas se declaram “jovens” porque ouviram que o jovem tem mais direitos que obrigações. Ainda que pareça mentira, chegou-se ao ponto de se fazer da juventude uma chantagem, com ela, aspira-se que o homem vulgar possa sentir-se eximido de qualquer sujeição. O homemmassa carece simplesmente de moral, que é, por essência, um sentimento de submissão a algo, consciência de serviço e obrigação, quem não quer se submeter a nenhuma norma tem que se submeter a norma de negar toda moral, e isso não é moral, mas imoral, uma moral negativa que conserva da outra a forma vazia. Para Ortega o homem-massa ainda está vivendo do que nega e do que os outros construíram ou acumularam. Das insuficiências sofridas pela cultura européia se origina essa forma humana hoje dominante. Ortega diz que hoje o dinheiro tem mais força do que deveria ter, mas ele só tem esse vigor devido ao valor que se atribui a ele e sua influência só é decisiva quando os demais poderes organizadores da sociedade desaparecem, ou seja, quando as outras formas de prestígio se volatizam (poderes históricos verdadeiros – raça, religião, política, idéias), fica sempre o dinheiro que por ser material não pode se volatizar. O importante é evitar a concepção econômica da história fazendo dela uma monótona conseqüência do dinheiro, daí conclui-se a insuficiência da análise marxista da história econômica, pois é bem evidente que em muitas épocas humanas o poder social do dinheiro foi muito reduzido e outras energias alheias a econômica nortearam a convivência humana, talvez se possa duvidar que o dinheiro seja um poder primário e substantivo, talvez seja o dinheiro que dependa do poder social, parece verossímil que o dinheiro seja um fator social secundário, incapaz de inspirar a grande arquitetura da sociedade. Para Ortega, o dinheiro só manda quando não há outro princípio que mande e como em nosso tempo nem a religião nem a moral dominam a vida social e tampouco o coração da multidão e como a cultura intelectual e artística é menos valorizada, resta só o dinheiro. O poder social do dinheiro será tanto maior quanto mais coisa houver para se comprar e não quanto maior for a quantidade do próprio dinheiro. O industrialismo moderno junto aos progressos de técnica geram o acúmulo de objetos comerciais, ampliando o comprar. Hoje o homem invejado é aquele que pode comprar, gastar. Ortega crê que há grandes forças anônimas que atuam em nós e em cada época, ele entende que é possível definir o sexo de todas as épocas, sendo o nosso tempo, tal com o dele, caracterizado pela juventude masculina, pela falta de interesse pela mulher, a vida tem um caráter mais rude. Ortega presencia o senhor do mundo sendo o rapaz, que se entrega a seus gostos e apetites, sem preocupar com o resto, sem prestar homenagem a nada que não seja sua juventude. As moças perderam o hábito de serem galanteadas e esse gesto, que representava a fusão de todas as qualidades da virilidade, hoje lhes pareceria afeminado. Ortega diz que a beleza física varonil passa a ter um valor enorme, tanto que a intenção da figura feminina atual é a de se parecer um pouco com o homem jovem. Sendo a mulher a inventora da “cortesia”, com sua retirada do primeiro plano social chega o império da descortesia, essa míngua do poder feminino sobre a sociedade é a causa de que a convivência seja tão áspera em nossos dias. Para Ortega é muita coincidência que no presente, o comportamento feminino seja o mesmo ponto comum: a assimilação do homem. Hoje a mulher imita o homem no vestir e adota seus jogos violentos. Ortega analisa que não temos consciência de tudo o que é impulso histórico coletivo e empurra a vida histórica inteira em uma ou outra direção, cada qual acredita viver por conta, em virtude de razões que supõe personalíssimas. Mas o fato é que sob essa superfície de nossa consciência, atuam as grandes forças anônimas que nos mobilizam a seu capricho. Porque fazemos algo? Cada um apresentará uma razão diferente, que encerrará alguma verdade, mas não a suficiente. Para Ortega, viver é em resumo, uma operação que se faz de dentro para fora, e por isso as causas ou princípios de suas variações tem que ser procuradas no interior do organismo humano, então, toda a vida sendo rítmica, a história também o é e os ritmos fundamentais são justamente os biológicos, ou seja, há épocas me que predominam o masculino outras o feminino, há tempos de jovens e tempos de velhos. A história é, antes de tudo, história da alma, o interessante é descrever esses predomínios rítmicos na consciência. Ortega reflete que a vida tem a condição inexorável de se cansar, de se tornar imune a certos estímulos e no tempo certo, reabilitar-se para o estímulo oposto. Se há um estímulo na horizontal, outro surge na vertical, por exemplo, nas gerações anteriores, século XVIII (Romantismo), os jovens sentiam sua própria juventude como transgressão do dever, hoje a juventude parece dona indiscutível da situação. O jovem atual vive sua juventude com tamanha determinação e ousadia, despreocupação e segurança, que parece existir só nela. A maturidade tem a seus olhos um valor quase ridículo, os adultos encontram a necessidade de ter que retroceder um pouco no caminho já percorrido como se tivessem se enganado e tornando mais jovens do que são. De acordo com Ortega, o tom adotado pela vida objetiva é o juvenil e isso nos força a adotá-lo. Hoje o homem e a mulher maduros vivem com a vaga impressão de que quase não tem o direito de viver e começam a tomar atitudes servis. No momento, a imitam em seu modo de vestir. Assim também era a vida social em toda a Europa na época de Ortega, só os jovens das classes médias podiam viver à vontade. Para Ortega seria conveniente alertar os seres humanos que ele não é só alma e sim uma união mágica de espírito e corpo e que a vida necessita objetivamente de maturidade, portanto, a juventude também precisa dela. O admirável do moço é o seu exterior; o admirável do homem feito é sua intimidade, isso é o gérmem da dialética das idades. A juventude goza o ócio florescente que lhe foi proporcionado por gerações sem juventude, mas corre o risco de chegar a maturidade sem aptidão. Quanto ao pacifismo, Ortega o considera como a crença de que a guerra é um mal e aspira-se a eliminá-la como meio de relacionamento entre os homens. Mas, até que ponto é absolutamente possível à desaparição das guerras? A guerra não é um instinto, mas uma invenção que deu origem a base de toda a civilização: disciplina. Para Ortega todas as outras formas de disciplina originaram-se da primigênia, que foi a disciplina militar. O pacifismo se converte em nula beatice quando não leva em consideração que a guerra é uma genial e formidável técnica de vida e para a vida. O pacifismo desconheceu tudo isso e encarou sua tarefa como fácil. Como a guerra pode ser substituída? Para Ortega o enorme esforço que é a guerra só poderá ser evitado na medida em que se entender por paz um esforço ainda maior, se guerra é uma coisa que se faz, também a paz é uma coisa que se tem que fazer, que se tem que fabricar. Um país que acredita que o máximo que pode fazer em prol da paz é desarmar cai num grande erro, pois a guerra é um meio que os homens inventaram para resolver certos conflitos, a renúncia à guerra não elimina esses conflitos. Segundo Ortega, enquanto não se inventasse outro meio, a guerra reapareceria inexoravelmente, a vontade de paz não é uma boa intenção, um desejo cômodo, mas sim um sistema de novos meios de relacionamento entre os homens. É imoral pretender-se que uma coisa desejada se realize magicamente, só porque a desejamos, só é moral o desejo que é acompanhado da enérgica vontade de preparar os meios para sua execução. O pacifismo então, para Ortega, consiste em construir a outra forma de convivência humana que é a paz. O pacifismo precisa se conscientizar que está num mundo onde falta ou está debilitado, o requisito principal para a organização da paz, isso quer dizer que a efetiva transformação técnica do mundo é um fato muito recente e que sua mudança está produzindo agora suas conseqüências radicais devido a aproximação técnica e o distanciamento moral. Hoje, assim como na Europa de Ortega, faltam princípios de convivência que estejam vigentes e aos quais se possa recorrer. Ortega examina que uma parte da Europa queria introduzir alguns princípios “novos”, a outra defendia os tradicionais. Esta é a prova de que nenhum deles estava em vigor e que perderam a qualidade de instâncias. Ortega tenta estabelecer as bases de uma “pedagogia política”, para regular os conflitos de interesses e os valores, pois como se vê os problemas são de ordem moral e a ferramenta que cada homem possui para se orientar em sua vida é a razão, a vida se fortalece com a razão. Ortega valoriza a vida de todos de modo igual, sem destruir os valores de cada pessoa, sua intenção era socializar os homens no princípio da amizade. Esta obra trata-se de um convite para sermos Bons, Justos e Melhores no real sentido dos termos. Conclusão Nesta obra Ortega denuncia a chegada do homem-massa ao poder social, destacando quais as causas e as consequências desse fato para os indivíduos e a sociedade. Ortega define o homem-massa como sendo aquele que não recorre a uma instância superior, não considera o valor da tradição e não busca o aperfeiçoamento próprio, tudo isso gera uma estreiteza de pensamento, apesar do avanço da ciência empírica que trouxe o aprimoramento da técnica, o homem-massa carece de princípios, metas e ideais legados pela tradição. Ortega nos alerta para o valor de uma vida que transcende do que já é para o que propõe como dever, e um dos meios propostos para atingir tal condição é a educação. Ortega nos convence da necessidade de uma educação que ensine o sentido da vida, que gere uma sensibilidade para os grandes deveres históricos, uma sensibilidade para com o destino da ciência e da civilização. Faz falta uma formação que aprofunde a visão sobre todos os aspectos da vida e busque soluções humanas para os problemas que as circunstâcias apresentam. Faz falta uma formação humana que dê ferramentas para uma ação consciente e ativa e não uma ação inconsciente e reativa para brotar as qualidades intrínsecas em cada ser humano tornando-o autêntico, seguro e construtor do futuro.