66 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008 1806-4280/08/37 - 03/66 Arquivos Catarinenses de Medicina ARTIGO DE REVISÃO Graduações de Ptose Mamária Sandro Cilindro de Souza1 Resumo Abstract A ptose mamária é um distúrbio estético caracterizado pela descida da mama por relaxamento de seus meios de sustentação. Como fenômeno de impactos psicossociais relevantes em nosso meio, o tratamento adequado torna-se fundamental para o restabelecimento das pacientes afetadas. Para isso, é importante o uso de graduações válidas e precisas que possibilitem um diagnóstico correto. Seis classificações de ptose mamária foram encontradas por meio de um pesquisa eletrônica nas bases de dados LILACS e MEDLINE, no período de 1951 até 2008. Após análise de cada uma, foi concluído que se faz necessário um estudo bem conduzido, de base populacional, que objetive a validação e a comparação das classificações disponíveis de ptose mamária. The mammary ptosis is an unaesthetic disorder characterized by the sagging of the breast caused by stretching of supporting tissues. As phenomenon of important psychosocial impacts in our environment, the appropriate treatment is essential for the affected patients’ re-establishment. For that, it is important the use of valid and reliable standards that facilitate the correct diagnosis. Six classifications of mammary ptosis were found by an electronic search in LILACS and MEDLINE in the period between 1951 and 2008. After analysis, we concluded that it’s necessary a good population-based study to validate and compare the available classifications of mammary ptosis. Descritores: 1. Ptose; 2. Mama; 3. Mamoplastia; 4. Mastopexia; 5. Cirurgia plástica. Key Words: 1. Mammary ptosis; 2. Mammoplasty; 3. Mastopexy; 4. Plastic surgery. 1- Cirurgião Plástico. Instituto Adventista de Ensino do Nordeste. 66 Graduações em Ptose Mamária Introdução O vocábulo ptose provém do grego ptôsis e significa “queda”. Do ponto de vista biomédico, implica em descida de qualquer órgão, incluindo mama, em conseqüência de relaxamento de seus meios de sustentação. É um distúrbio estético que se origina da ruptura da relação entre continente e conteúdo do seio, resultando em rebaixamento do mamilo além de uma linha horizontal de referência (geralmente sulco submamário). Toco-ginecologistas e cirurgiões plásticos, pressionados pela estética da modernidade, que vem cultuando a beleza física, têm renovado o interesse pelo estudo das ptoses. A busca incessante pela juventude eterna, a exploração do corpo feminino como objeto de prazer e lucro, a permissividade sexual hodierna, a divulgação da nudez pela mídia, a moda de vestuário exíguo e as exigências psíquicas, profissionais e amorosas de aparência interessante, requerem contorno corpóreo sem defeitos como fonte de atração. Nesse contexto, as mamas desempenham um papel importante pelo seu pronunciado poder sedutor em nossa cultura, a ponto da função de lactação tornar-se secundária ao componente estético.1 As graduações ou classificações que servem de base para o tratamento de ptose mamária não estão bem estabelecidas pela literatura, bem como que graus de flacidez de seio merecem intervenção médicocirúrgica. Por isso, o objeto desse estudo foi identificar, descrever e comparar graduações de diagnóstico e mensuração de ptose de mama. Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008 67 Oliveira Júnior et al2 propuseram exame manual como referência para uma diagnóstico prático e rápido e que pode ser feito pela própria mulher. Chekkouri et al3 realizaram suas mamoplastias de aumento medindo o nível de ptose a partir da distância entre a clavícula e a aréola. Bozola4 idealizou classificação para morfologia de mama que usa a ptose como uma de suas variáveis, com intuito de fazer complexa marcação pré-operatória de mamoplastia redutora. Regnault5 avaliou hipotrofia e eutrofia mamárias comparando a posição do mamilo em relação ao sulco submamário e propões tratamento cirúrgico de acordo com a intensidade do distúrbio; essa graduação foi a mais citada na literatura pesquisada.3,6,7,8 Krupp9 usou a graduação de Regnault5 com pequenas modificações e, segundo esse autor, é a mais universalmente aceita. Robutti & Lupo10 usaram a graduação baseada na distância do mamilo em relação à metade do úmero para tratamento de hipertrofias mamárias acompanhadas de ptose. Binet & Binet11 fizeram uma verificação das variações das posições mamária como parte de uma avaliação global da morfologia das regiões genitais femininas, enquanto que Castro1 e Ferreira6 usaram essa graduação para mensuração de ptose antes de procederem às suas mamoplastias. Por ordem crescente de data de publicação, as características das graduações encontradas foram resumidas no Quadro 1, onde também se associa as Figuras 1, 2, 3, 4, 5 e 6, respectivamente as classificações de Oliveira Júnior et al2 , Bozola4, Regnault5, Robutti & Lupo10 e Binet & Binet.11 Métodos Foi realizada revisão da literatura usando como fonte de informações livros-textos e artigos de revisão sobre ptose e internet, através dos bancos de dados da MEDLINE e LILACS. Resultados Cinco propostas foram publicadas desde 1951 (Quadro 1). As graduações disponíveis são poucas e geralmente sugeridas por cirurgiões plásticos. Embora todos os estudos recuperados citem o termo ptose, a maioria dos trabalhos não incluídos nessa revisão não usa critérios para medi-la. Nenhum dos autores que usa algum tipo de graduação valida suas observações com metodologia científica, em estudos de populações femininas quanto a altura, peso idade ou biótipo.1-15 Discussão Essa a revisão mostra que poucos autores trataram especificamente do assunto, e os que fizeram não abordaram metodicamente. Assim, a falta de dados na literatura disponível dificultou a comparação das diversas graduações. A graduação de Oliveira et al.2 (Fig.1) é a mais prática, rápida e fácil, podendo ser feita pela própria mulher. Permite graduação na presença de hipertrofia, eutrofia ou hipotrofia. No entanto, é imprecisa, pois usa parâmetros variáveis: a posição da prega infra-mamária e a largura dos dedos das mãos. Caso a paciente apresente mão de dimensões excessivamente diminutas, a ptose será colocada no nível menor que o real. O mesmo sucede se a mão for de tamanho adequado, mas houver sulco submamário alto. Sendo a espessura de um ou mais dedos diferentes à esquerda em relação aos 67 Graduações em Ptose Mamária 68 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008 da mão direita, cada mama terá um nível de flacidez distinto. Havendo combinação de uma ou mais destas distorções, a graduação proposta por Oliveira et al.2 se torna ainda mais inadequada. O problema é parcialmente resolvido considerando como padrão uma mão de dimensões médias, mas permanece o distúrbio determinado pela latitude imprevisível da prega inframamária. Dessa forma, o intervalo entre os graus é inconstante porque a largura de cada dedo é diferente. E como os intervalos de um grau a outro são pequenos, clinicamente não há diferença entre os níveis I e II, ou entre III e IV. Significa dizer que os menores valores são detalhadamente separados, enquanto que os extremos são negligenciados. Assim, essa classificação presta-se bem para a avaliação de pequenas ptoses. A classificação de Chekkouri et al.3, elaborada inicialmente em relação à hipotrofia, pode ser aplicada a todos os casos de queda mamária. É fácil de ser averiguada. Mas, como usa apenas dois grupos de classificação, perde a sensibilidade em níveis intermediários, sendo, assim, interessante apenas na detecção de graus maiores. Não é feita segregação entre casos leves e moderados. Essa limitação é um grave problema, pois muitas paciente normais com discreta ptose podem ser erroneamente classificadas e submetidas a mamoplastias desnecessariamente. Apesar do ponto “O” ser definido com precisão (5 cm da linha mediana sobre a clavícula), usa outro parâmetro que não o mamilo, para determinar o nível de descida. A classificação de Bozola4 (Fig. 3) é complexa no que se refere à ptose, levando em conta a forma e o volume da mama. Não se aplica em casos de hipomastia. É de difícil compreensão, usando referenciais elaborados, como os pontos e planos A e M. Define com precisão o que determina a ptose (linha A-M), mas efetivamente não a mede ou a gradua. Toma a borda inferior da mama como referencial, e não o mamilo. Mesmo que fosse considerada a prega infra-mamária como invariável em sua localização, permaneceria o fato de que o mamilo na posição ideal9 não está no ponto A, mas 4 ou 5cm acima dele, fazendo com que essa distância não seja levada em conta, subclassificando a ptose. Assim, essa classificação tende a excluir os graus mínimos da alteração. A classificação de Regnault5 (Fig.4) usa o parâmetro mais válido de ptose, o mamilo. É de simples execução, baseando-se em referências de fácil localização. Porém, ao comparar a descida do CAM (complexo aréolo-mamilar) à latitude, variável, do sulco submamário, 68 pode alterar falsamente o resultado. Estando o sulco alto, haverá superestimação e, baixo, subestimação. A significação clínica de cada nível é comprometida, pois não se determina a amplitude em centímetros de cada grau. Como os dois primeiros níveis devem ter pequena amplitude, enquanto o último uma bem maior, os menores graus são mais detalhados. Assim, adequa-se melhor a mamas hipotróficas com pequena a moderada flacidez, não se aplicando aos casos mais comuns, associados a queda importante e hipertrofia intensa. Essa classificação seria ideal se a posição do sulco inframamário fosse a mesma em todas as mulheres. A classificação de Robutti & Lupo10 (Fig. 5), embora antiga, tem as seguintes vantagens: a) utiliza parâmetros extra-torácicos, que não se deformam com a mama; b) pode ser aplicada a todos os casos de ptose; c) baseia-se na posição ideal do mamilo, evitando classificações errôneas; d) os intervalos entre os graus têm tamanho suficiente para diferenciar os diversos níveis clínicos; e) usa referenciais precisos que evitam subjetividade, como ponta do acrômio, epicôndilo medial e linha médio-clavicular; f) não varia com a mudança da altura da paciente. Apresenta como desvantagens: a) é relativamente complexa na obtenção da linha médio-umeral; b) descreve apenas três graus, não permitindo diferenciar graus extremos de ptose. A classificação de Binet & Binet11 (Fig.6) identifica que um certo grau de ptose é normal e, assim, aceitável. Relativamente simples e prática, usa parâmetros de fácil identificação (umbigo e rebordo costal). Apresenta amplitude suficiente para identificar desde as maiores até as menores intensidades. Aplica-se a qualquer tipo de ptose (hipertrófica, hipotrófica ou eutrófica). Entretanto é antiga, usa o sulco inframamário, e não o centro funcional e estético da mama (mamilo), como determinante da queda, podendo causar distorções quando o infra-desnivelamento desses reparos anatômicos não corresponderem entre si. Ou seja, em situações onde o CAM descer mais que o sulco submamário, a ptose será subestimada. É comum, especialmente em multíparas, alargamento do CAM além dos seus 4 cm normais de diâmetro. Há risco de não detecção ou substimativa da flacidez. Esse distúrbio seria retificado pela adoção do mamilo como referencial, e não a borda areolar. A classificação tem o inconveniente de usar referenciais que se distorcem conjuntamente à mama. Além disso, a posição do rebordo costal é variável conforme a altura da paciente, sendo mais alta em mulheres menores e mais baixa em pacientes maiores. Nessas últimas, por exem- Graduações em Ptose Mamária plo, a ptose grau III tende a ser subclassificada. As maiores ptoses (grau IV) usualmente ocorrem em grandes hipertrofias mamárias, com distensão concomitante de parede abdominal e acúmulos importantes de gordura, baixando a posição da cicatriz do umbigo. Isso leva a um erro de classificação, situando a flacidez mamária em grau inferior ao real. É, assim, também uma graduação imprecisa e não pode ser aplicada indistintamente, pois usa parâmetros que se alteram conforme a paciente. Para torná-la exata, seria necessário individualizar cada classificação, de acordo com a altura, grau de obesidade, lipodistrofia e aumento de volume abdominais. Isso, no entanto, a tornaria complexa e de difícil reprodutibilidade. Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 37, no. 3, de 2008 69 4. 5. 6. 7. 8. 9. Conclusão 10. Não está estabelecida a posição normal das mamas na literatura pesquisada. A existência de múltiplas graduações evidencia que nenhuma delas é plenamente satisfatória. Todas se aplicam a situações restritas, de acordo com o caso clínico, e conveniência ou experiência do classificador. Os referenciais variam de autor a autor e, às vezes, mudam dentro de uma mesma proposta.1 Assim, faz-se necessário um estudo bem conduzido, de base populacional e com critérios científicos, que objetive a validação e a comparação das diversas classificações existentes de ptose mamária. A graduação de Robutti & Lupo10, dentre as apresentadas, pareceu ser a mais válida e precisa porque usa referenciais que não se deformam com o desnivelamento da mama e que não variam com a altura da paciente. Com pequenos ajustes, pode ser universalmente aplicada. Também pode ser usada para definir objetivamente ptose, como descida do mamilo abaixo de sua posição ideal, independente da localização do sulco inframamário e do volume do seio. 11. 12. 13. 14. 15. Referências bibliográficas: 1. 2. 3. Castro MLAH. Aspectos atuais do tratamento das hipertrofias mamárias. J Bras Gin. 1997; 83 (5): 241-57, Rio de Janeiro. Oliveira Jr MM, Alessandrini A, Vilela MG. Ptose mamária: uma graduação prática. Rev Bras Cir. 1997; 87 (1): 9-11, Rio de Janeiro. Chekkoury-Idrissi HC, Keller P, Wilki A. Notre experience dans le treitement de l’ehypotrophie-ptose du sein. Ann Chir Plast Esthet. 1991; 36 (2): 116-9, 69 Paris. Bozola AR. Breast reduction with short L scar. Plast Reconstr Surg. 1990; 85 (5): 728-38, Baltimore. Regnault P. Breast ptosis. Definition and treatment. Clin Plast Surg. 1996; 3 (3): 193-203, Philadelphia. Ferreira MC. Cirurgia Plástica estética-avaliação de resultados. Rev Soc Bras Cir Plast. 2000; 15 (1): 55-66, São Paulo. Kurtay M. 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