26 Docência Médica e Semiologia Pediátrica Efigênia Vanda de Jesus 1 Palavras-chaves: Resumo Docência O médico, ao compreender, estimular, orientar e interpretar, racionalmente, a informação dada pelo paciente, estará diante de um momento crucial, capaz de decidir o sucesso ou insucesso do ato médico, mantendo ou não registro harmônico, articulado com o ensino, a consulta e o paciente. Anamnese e exame físico são básicos para o desenvolvimento do raciocínio diagnóstico, demonstrando que os médicos estabelecem correlação entre o ensinado na disciplina de Semiologia e os conhecimentos efetivamente utilizados, ao registrarem corretamente elementos da coleta de dados em prontuário do paciente. Segundo autores consagrados da área administrativa em saúde (Donabedian,in Ramirez, 1989), a atuação do pessoal hospitalar se reflete indiscutivelmente na atuação do médico, da mesma forma que as deliberações do médico repercutem invariavelmente nos resultados finais dos programas em curso. Dessa forma, numa opção de qualidade no Ensino Superior, esperamos formar bons profissionais para um mercado altamente competitivo, mas bem conscientizados do seu papel na coletividade, com aguçada consciência social. Semiologia Totalidade Cadernos UniFOA Edição Especial Prefeitura Municipal de Volta Redonda - outubro 2008 Registros Sabetti (1991, p.252) enfatiza que as raízes da medicina holística estão nas próprias palavras relacionadas à medicina e à ciência médica, pois um médico – do latim, physica, ciência natural – é basicamente um estudioso da natureza, ao passo que um doutor – do latim, docere, ensinar – é um professor. A prática da medicina – do latim, medi, cura, equilíbrio, cina, substância ingerida – pode ser vista como a arte de estudantes e professores da natureza que facilitam a arte do equilíbrio, sendo a ingestão de substâncias um de seus fatores. Aprofundando-se ainda mais, descobre-se que a raiz sânscrita da palavra medicina é medha, que significa sabedoria. Então, trata-se de uma prática de sabedoria, em que o equilíbrio (ou totalidade) da energia vital pode ser ensinado e aprendido através do estudo da prática dos processos da natureza e, que embora muitos médicos ortodoxos tenham esquecido que suas raízes estão no divino (xamãs), no todo (Hipócrates), no ensinamento (doutor), no equilíbrio (medicina), na unidade das polaridades (Yin/Yang), nos princípios da 1 Especialista - Ciências da Saúde – UniFOA natureza (médico) e na lei dos semelhantes (homeopatia), o movimento da harmonia continua através da medicina ortodoxa, mesmo que muitos dos que praticam a medicina holística não sejam aceitos pelos poderes constituídos. (SABETTI, 1997, p.255). Denota-se que tanto a saúde como a totalidade é um estado de ser que exige uma consciência ativa, pois quando o corpo físico, a expressão emocional e a atitude mental estão em harmonia, a saúde é expressa através de pensamentos, sentimentos e ações sincronizadas, em que cada um nada mais é do que a forma dos outros. Portanto, nas atividades diárias, a harmonia reflete-se no estado de saúde do ser; a totalidade é cura, bem como promoção da saúde, visto que cada parte do indivíduo é, em certo sentido, o todo, um holograma que irradia o estado total de saúde para todo o organismo. Manter-se saudável, então, é um processo ativo dependente da percepção individual que o sustente como tal. Quando não se está completamente consciente não se pode ser pleno. Assim, ao permitir-se um CÓSSIO, P. et al. Semiologia Médica. Argentina, Talheres e gráficos de Sebastián de Amorrortu e Hijos, 1955, in Rodrigues, Rodrigues. Semiologia Pediátrica. Rio: Guanabara Koogan, 1999, p.1. 1 27 Edição Especial Prefeitura Municipal de Volta Redonda - outubro 2008 aos valores humanos, para o exercício da medicina. Dessa maneira, aprender-se-á a decifrar a linguagem das doenças e compreender a sua repercussão sobre a Pessoa Humana, na sua globalidade psíquica e somática, demonstrado na qualidade dos registros médicos; evidenciando se deram ênfase aos fatos relevantes ao diagnóstico, anamnese e exame físico, inclusive se houve pouco cuidado na grafia e no modo de efetuar correções, desvalorizando o prontuário como veículo de comunicação interdisciplinar e articulador do ensino com a consulta e o paciente. A palavra semiologia vem do grego semeyon: sinal e, logos: discurso. Cóssio (1999)1 diz que é o estudo dos sinais das doenças [...] é a arte e a ciência metodizada do diagnóstico médico, requisito indispensável para a terapêutica e para o prognóstico. É a parte da Medicina que estuda os sintomas das doenças; estudo ou tratado acerca dessa matéria, destinada à procura do exato significado dos sinais e sintomas, facilitando ou orientando os diagnósticos. Ressalta-se, também, a importância da Propedêutica e Semiogênese – que consiste em conhecer e buscar os sintomas, os sinais, compreender sua gênese, aprender a coletar os dados da anamnese e do exame físico – passos indispensáveis na formação do estudante; para o futuro médico, quando a ênfase dispensada a tais dados norteará todo o embasamento teórico da relação médico-paciente; e da elaboração diagnóstica, refletindo-se nas anotações feitas pelo profissional no prontuário do paciente. Assim, a premissa essencial assumida nesse estudo de avaliação do prontuário refere-se à análise qualitativa dos registros disponíveis, em um determinado período, do tipo auditoria. Reforçando essa idéia, Ramirez (1989, p. 3 – 25) definiu que a auditoria médica é a qualidade da atenção médica refletida nas histórias clínicas. Partindo-se do pressuposto de que se algum procedimento não foi registrado é porque não foi realizado, sendo indubitável a importância dos registros médicos na prática clínica e sua influência nos processos de cuidado do paciente. Além do enfoque na área da Ética, orientando o estudante a (...) aprender, desenvolver-se e exercitar-se nos fundamentos Cadernos UniFOA desvio da atenção, corre-se o risco de adoecer, pois, a totalidade e a saúde são manifestações de harmonia e de bem-estar, e, qualquer perturbação da totalidade acabará gerando algum tipo de desarmonia ou doença; do que se depreende que, na verdade, é a distorção da totalidade que provoca a doença, que se incompatibiliza com a harmonia. Hipócrates, quando a atividade médica era tida como algo superior, e exercida de maneira mística e até mesmo divina, por curandeiros, pajés, feiticeiros e sacerdotes, substituiu a superstição que envolvia o processo saúde-doença, pelo espírito científico. Através da observação diagnóstica e do tratamento clínico, deu à medicina os seus ideais éticos, pois, observava os sintomas e a natureza do mal que afligia o paciente, ao invés de atribuir aos deuses a culpa pelas enfermidades. Com ele, rompem-se os laços da medicina com a magia e o misticismo e, surgem os fundamentos da medicina racional, desenvolvendo uma abordagem prática de saúde baseada na história clínica, no relato ordenado dos sintomas e das condições de vida do paciente, a que denominou de anámnesis – aná: recordar, trazer de volta; mnesis: memória – estabelecendo sua importância na descrição dos sinais, sintomas e evolução dos padecimentos do doente. Assim sendo, a anamnese é a etapa fundamental no combate à doença e em sua prevenção, quando se estabelece o contato entre o médico e o doente, durante o qual este apresenta e transmite àquele as suas queixas e, as preocupações que lhe angustiam, em linguagem própria, conforme o seu temperamento. Sem o domínio da comunicação, a capacidade de ouvir, sentir, relatar e apreender a história colhida do paciente, certamente estará comprometida, e, conseqüentemente, a interpretação dos fatos. Portanto, estimular e valorizar as habilidades da realização de uma anamnese e exame físico, bem feitos, requer o ensino médico, predominantemente, junto ao paciente. De tal modo que virtudes como as apregoadas por Hipócrates na caracterização do médico autêntico, tais como: fidelidade à verdade, promoção da justiça social, compaixão, prudência, disponibilidade e generosidade, sejam enfatizadas como elementos de uma vocação de respeito Cadernos UniFOA Edição Especial Prefeitura Municipal de Volta Redonda - outubro 2008 28 da base ética dos fenômenos, fatos e situações de natureza médica, para saber equacionar os dilemas éticos no exercício da profissão. (MARCONDES, 1998, p.135). Na prática clínica observa-se a interação médico-paciente, na qual o médico, através de um processo de investigação semiológica, colhe um conjunto de dados do paciente, que serão organizados e interpretados à luz do conhecimento existente, objetivando o diagnóstico. No entanto, há uma dissociação ente o discurso e a prática dos médicos no que concerne aos seus registros. Eles sabem e declaram, quando questionados, o valor das anotações em prontuário para a qualidade no cuidado aos pacientes e para a produção do conhecimento; mas no momento em que deveriam efetuar o registro do ato médico praticado, tem-se a impressão de que o tempo a ser gasto deveria estar sendo mais bem utilizado, talvez pela tensão constante entre o tempo disponível e a quantidade de pacientes a serem atendidos, o que, de qualquer forma, não justificaria tal desrespeito ao outro ser sob seus cuidados. Considerando que afetividade seja uma necessidade humana básica, não prescindida por nenhum avanço tecnológico e, que funciona como motivação do indivíduo para a aprendizagem, carecendo de vínculos entre professores e alunos para o seu sucesso – visto ter-se a dedicação e a capacidade dos docentes como os mais importantes instrumentos pedagógicos; pode-se afirmar que o processo de aprendizagem refere-se ao crescimento e desenvolvimento de uma pessoa em sua totalidade, abrangendo minimamente três grandes áreas do ser humano: a do conhecimento, a de habilidades e a de atitudes ou valores. Desse modo, espera-se que os egressos de uma escola de medicina promovam encontros entre médico e paciente de forma apropriada, pois se isso não ocorrer não haverá o que registrar. Faz-se mister a produção do conhecimento através da observação sistemática da realidade; o desenvolvimento de habilidades para reconhecer os dados significativos ao cuidado do paciente pela elaboração diagnóstica e terapêutica; e, o aprimoramento de atitudes ou valores para que nada deixe de ser registrado, reproduzindo-se nos prontuários do paciente a estrutura proposta para o processo diagnóstico e terapêutico em si. Prepondera a Relação MédicoPaciente como parte fundamental do atendimento médico, a influenciar diretamente a qualidade técnica da consulta, pois muitos dos problemas começam na forma como é elaborada a anamnese e nas discussões das propostas de tratamento. Inclusive, a adesão do paciente às condutas médicas e a continuidade do tratamento é dependente do relacionamento que se estabelece entre este profissional e o seu assistido; destacando-se a comunicação para promover esse entendimento com o paciente e a habilidade do médico para efetivá-la, como fundamental na obtenção da história clínica de qualidade e na interação com o paciente, o que favorece a aproximação do médico para a realização do exame físico. É notória uma inadequação dos currículos do ensino médico à realidade, sem a preocupação com a formação do pensamento, visto que objetiva lidar com pessoas, excluindo o estudo da Filosofia, das Ciências Humanas e, assim, deixando de atingir os objetivos da missão universitária, como Ortega y Gasset, filósofo e sociólogo espanhol, a definiu: (...) formar homens e mulheres cultos, capazes de possuir uma noção clara da concepção física do mundo, do caráter e limites da ciência e da evolução histórica da humanidade. Acredita-se que só através da cultura o médico elevar-se-á para além do fenômeno orgânico, permitindo-se perceber o homem doente em toda a sua complexidade biológica, psicológica e, social, buscando entender o que a doença – entidade nosológica estudada e diagnosticada – representa para o paciente, distinguindo-a do estar doente – a vivência da doença por parte do paciente. Têm-se hospitais de ensino, aulas práticas, teórico-práticas, mas falta a essência da Teoria – a conscientização do papel do profissional de educador, que será vital para a sua atuação com qualidade, como agente de mudança e o que promove saúde; o que possibilitaria a ênfase ao estudante de que a compreensão do paciente em todos os seus aspectos auxilia o médico a realizar um melhor diagnóstico e, conseqüentemente, a aumentar sua eficácia terapêutica. Ao atingir o mundo do paciente, não estará lidando apenas com uma enfermidade, mas sim com o indivíduo doente, que é onde a doença existe de fato, personalizada em alguém. Bibliografia ALBERTINI, P. Reich: História das Idéias e Formulações para a Educação. São Paulo: Agora, 1994. BALINT, M. O Médico seu paciente e a Doença. Trad. Roberto Musachio. Rio/São Paulo: Atheneu, 1998. BATISTA, N. A. e SILVA, S. H. S. O Professor de Medicina: conhecimento, experiência e formação. São Paulo: Loyola, 1998. BIASI, F. Di. O homem holístico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. BOHM, D. A Totalidade e a Ordem Implicada.Trad. Mauro de Campos Silva. 10ed. São Paulo: Cultrix, 1998. RAMIREZ, T. La auditoria médica: evaluación de la calidad de la atención médica. Rev. Tec. Hosp., vol. 36, p. 3 – 25, 1989. 29 RODRIGUES, Y. T. e RODRIGUES, P. P. B. Semiologia Pediátrica. Rio: Guanabara Koogan, 1999. SABETTI, Stephano. O princípio da totalidade: uma análise do processo da energia vital. Trad. Zilda Schild. 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