ufrrj – universidade federal rural do rio de janeiro

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O PESSIMISMO EM SCHOPENHAUER E RÉE: A DOR E O SOFRIMENTO
Jade Suelen Silva Vaz
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Departamento de Letras
Arthur Schopenhauer, e Paul Rée são considerados filósofos com escritos
pessimistas, pois acreditam que tanto sofrimento quanto a dor fazem parte da existência
/essência humana, em que o ser humano é:
“o animal malvado por excelência e seus atos estão sempre
marcados pelo egoísmo, pelo conformismo, pela inveja e pela vaidade; o amor é
um sentimento muito raro e o casamento dura só por uma questão de conveniência
e por medo de escândalos; a religião é só um instrumento de controle social e os
sacerdotes não passam de simuladores, alguns conscientemente, outros menos; a
felicidade é uma ilusão destinada a desaparecer muito em breve e a pior coisa que
pode acontecer a quem tem o passatempo de refletir sobre a vida é que tenha tempo
para fazê-lo.”
(FAZIO, 2012, p.91)
A partir de sua psicologia empírica (também chamada de experimental¹), Rée se
diferencia de Schopenhauer, na medida em que “não precisa nem de abstratas
construções metafísicas, nem de postular alguma força cega e irracional como essência
da realidade: para ele é suficiente a observação psicológica” (FAZIO, 2012, p.91), logo, os
comportamentos humanos aliados ao ambiente e à história de vida são fatores
determinantes para suas observações psicológicas.
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¹A Psicologia, dos termos gregos psico (alma ou atividade mental) e logía (estudo), que faz referência,
atualmente, à “Ciência da mente e do comportamento”, é reconhecida como uma disciplina científica em
1878, com a fundação do primeiro laboratório mundial de psicologia experimental, por Wilhelm Wundt,
na universidade Leipzig, na Alemanha.Desde então, esse novo campo científico, que evoluiu das questões
filosóficas, se relaciona entre a filosofia, área que “se preocupa com raciocínios e ideias”, e a fisiologia
que “explica a conformação física do cérebro e do sistema nervoso”, sendo a psicologia a ponte que
examina os processos mentais e o funcionamento da mente. Inicialmente, a psicologia era vista de formas
diferentes a partir de localidades distintas, como nos Estados Unidos e o envolvimento de conceitos como
“consciência e o eu” (Filosofia). Já na Europa, há uma abordagem laboratorial, onde havia o enfoque na
observação de processos mentais.
Mesmo com suas perspectivas diferenciadas, fundem-se quando o desejo ou “o
objeto do querer”, que nunca será suprido totalmente, gera caos, angústias, dúvidas e
dor.
Segundo o psiquiatra vienense Viktor Frankl², “o sofrimento deixa de ser
sofrimento quando ganha sentido” e a importância de sua descoberta para suportar
situações dolorosas é o que permite influenciar na capacidade de agir sobre seus efeitos.
Já para Gautama Buddha³, o sofrimento surge do ato de desejar e de sua libertação. Tais
afirmações têm em comum o significado e o desejo, fatores associados à linguagem,
como forma de interpretar os fatos, e a satisfação, elemento que se contrapõe à ilusão,
assunto tratado na tese de Paul Rée, a respeito da felicidade completa e perfeita que os
homens desejam.
Partindo do ponto de vista do significado, o Psicólogo Dan Gilbert explica que
pessoas infelizes se encontram nessa condição por causa da maneira que definem a
felicidade e Schopenhauer a definiria da seguinte maneira: “Quando o desejo e a
satisfação se seguem em intervalos que não são nem demasiados longos nem
demasiados curtos, o sofrimento, resultado comum de um e de outro, desce ao mínimo:
e essa é a vida mais feliz, visto que existem muitos outros [...]4”.
A temática “vontade” é discutida por Schopenhauer e Rée. O primeiro, a partir
da Filosofia da “metafísica da vontade”, enxerga o sujeito sendo a vontade e ela a
essência do mundo, e o segundo, do ponto de vista da Psicologia comportamental,
observa, por exemplo, através de experiência do comportamento do jumento, que há
uma casualidade do “estado do querer”, onde a interação entre o ser e o ambiente é o
resultado de seu estímulo:
“Por que, então, de todas as coisas, um ato de vontade de um jumento deveria vir a
existir sem uma causa? Além disso, o estado do querer, o qual imediatamente
precede a excitação dos nervos motores, não é diferente, em princípio, de outros
estados – como a antipatia, a preguiça ou o cansaço.
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² Viktor Emil Frankl (1905-1997) – Médico Psiquiatra vienense, fundador da Logoterapia, em que são
abordadas a espiritualidade da existência humana e o sentido existencial do indivíduo. Acredita que há
duas forças psicológicas que permitem suportar situações dolorosas: a capacidade de decisão e a liberdade
de agir, enfatizando que a influência se sobrepõe aos acontecimentos e ao ambiente.
³ Gautama Buddha (600-500 a.C.) Príncipe da região do atual Nepal, vulgo Buda, fundador do Budismo.
Ensina que o sofrimento é causado pelo desejo e pode encontrar alívio na liberação desse desejo.
4
A. Schopenhauer, O mundo como Vontade e Representação, p. 32.
Alguém acreditaria que todos estes estados existem sem uma causa? E, se não se
acredita nisso, por que se consideraria que apenas o estado do querer deveria
ocorrer sem uma causa suficiente? (GARCIA,2012, p.133 APUD RÉE, 1885/2004,
p. 357)
A vontade é dor e também a sua causa, porque não haverá satisfação total do
desejo. Enquanto não se concretiza, a ilusão e a esperança possibilitam a espera da
sensação que o sentimento de felicidade pode proporcionar:
“Na alternância entre os desejos saciados e os surgimentos
incessantes de outros, a Vontade move-se em uma cadeia de aspirações infinitas
que conduzem ao sofrimento, ou senão quando esse desejo for satisfeito logo surge
o tédio, a apatia, dor muito pior que o necessitar”. (Karla Samara S.Sousa, 2012,
p.119)
O sofrimento, erroneamente, é entendido como sinal de patologia e não como
parte da experiência da existência. A busca pela comodidade mental e física é evidente,
no entanto, como entende o psicólogo Rollo May5, a vida é o espectro, e o sofrimento
parte do que existe. Além disso, diz que a rotulação das experiências, que podem trazer
desenvolvimentos, é prejudicial, no sentido de opor-se a processos naturais que trazem
crescimentos de teor psicológico.
Na obra Metafísica do sofrimento do mundo, o autor, Deyve Redyson6, realça
que a “Pseudo verdade” do mundo e a vivência desta enganam com a não realização
completa. Viver é sofrer com a esperança de que os “momentos felizes” sejam
constantes, o que, na realidade, não existe: “Somos infelizes porque não possuímos os
objetos que desejamos: mas isso é suportável. Somos infelizes porque a posse de nossos
desejos não nos torna felizes: e isso é insuportável.” (FAZIO, 2012, p.93 apud RÉE,
1875, p. 116).
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5
Rollo Reece May (1909-1994) Psicólogo existencialista norte-americano. Suas obras, como o livro The
meaning of anxiiety, de 1950, abordam, pela primeira vez, na psicologia, a filosofia centrada na
humanidade, considerado “pai da psicologia existencial”.
6
Deyve Redyson é doutor em Filosofia pela Universidade de Oslo, Noruega. Professor adjunto de
Filosofia da Universidade Federal da Paraíba onde também trabalha no Programa de Pós-Graduação em
Filosofia e em Ciências das Religiões. Estudou na Dinamarca, Suécia, Alemanha e República Tcheca.
Pesquisa Schopenhauer, Feuerbach, Kierkegaard e Cioran.
Evitar a dor é impossível, mas, para os filósofos trabalhos, é possível ser menos
infeliz. Mesmo não sendo provável ensinar a como ser feliz, é viável reduzir o
sofrimento e valorizar pequenos ou grandes momentos de felicidade que estão ligados,
segundo Rée, aos estados de ânimos e ao temperamento:
“Arthur Schopenhauer, “o filósofo do pessimismo”, percebeu que
as injustiças do mundo e as inúmeras tristezas e frustrações que se agigantam sobre
a nossa vida frágil e efêmera, não passam de uma grande piada de mau gosto. Para
Schopenhauer, cujas idéias certamente influenciaram em muitos aspectos [...] Não
é de propósito que ele nos frustra. É como se vivêssemos sob a alternância de um
pêndulo: de um lado, o tédio, que se aproxima do vazio da vontade, ou da vontade
de vazio, que é a própria morte; do outro lado, o desejo, que é a experimentação da
falta, ou seja, é a aflição de se querer algo e não se ter.” (MATINEZ et al, p.71-72,
2003)
O sofrimento desperta a consciência sobre os acontecimentos ao redor. A
inteligência, aspecto associado ao sofrer, é enxergada, parafraseando Ernest
Hemingway7, de maneira em que a felicidade se torna rara para seu detentor. É comum
observar e ter a sensação de impotência em relação à condição humana, em que a dor
surge quando não se tem o poder se mudá-la, de pô-la em ordem:
“Este mundo, campo de carnificina onde entes ansiosos e atormentados vivem
devorando-se nos aos outros, onde todo o animal carnívoro se torna o túmulo vivo
de tantos outros, e passa a vida numa longa séria de martírios, onde a capacidade de
sofrer aumenta na proporção da inteligência, e atinge, portanto no homem o mais
elevado grau”. (SCHOPENHAUER, 1969, p.14)
Na medida em que aumenta, o conhecimento aprimora a sensibilidade, e seu
portador carrega o sofrimento além dos demais: “Por isso, os gênios de uma
sensibilidade aguçada tendem ao sofrimento bem mais que os seres do mundo
inorgânico” (Karla Samara S. Sousa, 2012, p.117). Fiódor Dostoievski8, em Notas do
subterrâneo, problematiza que “o sofrimento é a única fonte da consciência”, onde seu
amadurecimento permite testemunhar as peculiaridades da existência e do mundo como
a injustiça, a morte, o amor e o egoísmo, a fim de solucionar e auxiliar nas suas
complexidades.
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7
8
Ernest Miller Hemingway (1899 – 1961) Escritor norte-americano.
Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821 - 1881) Escritor russo, tido como fundador do realismo.
A satisfação e a necessidade tornam o sujeito refém do desejo. Querer é sofrer,
logo, viver é sentir a dor da existência. Sem a inquietude e a incompletude das
sensações preenchem a vida, do contrário, como se atestaria o tempo? Ser incompleto é,
desde o momento do nascimento, morrer.
Sofre-se com a morte, pois, assim como a vida, ela é uma condição, extremidade
da existência, em que tem por fim como única perspectiva, que é gerada de um
ininterrupto empenho: “O medo da Morte seria mesmo uma tolice, tendo em vista o
valor incerto da vida”. (SALVIANO, 2012, p. 188)
A morte, musa da filosofia, segundo Schopenhauer, pertence à vida, sendo a
filosofia o instrumento para sua preparação. Sua proximidade é incontestável e
incontrolável. A vontade de ser imortal é considerada um erro, pois é um fator natural e
“a natureza, pelo contrário, que não mente nunca, a natureza, sempre franca e aberta”.
(SCHOPENHAUER,1969 , p.37)
Referências Bibliográficas
COLLIN, Catherine et al. O livro da Psicologia. Tradução por Clara M. Hermeto e
Ana Luísa Martins. – São Paulo: Globo, 2012.
SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo. Tradução J.S. Oliveira. São Paulo:
Brasil Editora, 1969.
GARCIA, Marcus Vinícius de. Antecipações filosóficas de uma ciência do
comportamento: Paul Rée e a ilusão do livre-arbítrio. Pós em revista do centro
universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, p.132-136, 1/2012.
SOUSA, Karla Samara S. Principais elementos do pessimismo Schopenhauriano.
Revista Lampejo, Paraíba, p. 114-129, 10/2012.
FAZIO, Domenico M. A ética na escola de Schopenhauer: O caso de Rée. Revista
Ethica, Florianópolis, p. 87-98, 6/2012.
SALVIANO, Jarlee. A metafísica da morte de Schopenhauer. Revista Ethica,
Florianópolis, p. 187-197, 06/2012.
MARTINEZ, Daniela et al. Com a noite na alma: Uma reflexão sobre a noite na
vida dos artistas. Revista Eclética, São Paulo, p. 71-76, 07-12/2003.
RIBEIRO, Karla Pinhel. O sofrimento na filosofia de Schopenhauer. Departamento
de Filosofia, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina.
SANTOS, Élcio José dos. Algumas considerações sobre a questão do suicídio na
filosofia de Arthur Schopenhauer. Revista Voluntas: estudos sobre Schopenhauer,
Paraná, p. 23-32, 2°semestre/2010.
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