Retardo mental O complexo de sintomas do desenvolvimento incompleto ou insuficiente das capacidades mentais e das anormalidades comportamentais associadas (variadamente referidos como retardo mental, subnormalidade ou deficiência ou como amência ou oligofrenia) permanece como o maior distúrbio neuropsiquiátrico único em toda a sociedade civilizada, estimando-se que atinja 2,5 a 3% da população total. Usando qualquer um dos numerosos índices das falhas social e psicológica, dois grupos algo superpostos são identificados: (1) o gravemente comprometido, correspondendo às categorias de idiota (QI < 20) e imbecil em baixo grau (QI = 20 a 45) nas antigas classificações. Este grupo também é chamado de retardado mentalmente patológico e constitui aproximadamente 10% da população subnormal. (2) O menos gravemente comprometido (QI = 45 a 70), correspondente às antigas categorias de imbecil de alto grau ou “mentalmente comprometido”. Este segundo grupo é referido como o mentalmente retardado subcultural, fisiológico ou familial, sendo muito mais numeroso que o primeiro. Além disso, existem os tolos (“debilóides”) e “deficientes-limítrofes”, que em geral não são geralmente classificados como mentalmente retardados. A American Association on Mental Deficiency sugeriu um outro agrupamento para o retardo mental: profunda (QI < 25), grave (QI = 25 a 39), moderado (QI = 40 a 54) e brando (QI = 55 a 69). Tem havido muitas críticas sobre a utilização de escores de QI e de testes similares na definição de grupos de mentalmente retardados, pelas razões acima discutidas. Certamente, estes testes não têm significado no grupo dos gravemente retardados, que não exibem linguagem e também carecem da capacidade de pensar, mas seus status são tão evidentes que não há problema no diagnóstico. Não obstante, para os outros, quando coletados a partir de uma população bastante homogênea, os escores apresentam uma correlação de 0,8 com os outros índices de subnormalidade. Cada um dos dois grupos de mentalmente retardados exibe vários aspectos próprios. Os membros do mentalmente retardados patológicos (aproximadamente 600.000 nos Estados Unidos) requerem assistência constante, sendo que a maior parte é encontrada em instituições especiais, enquanto apenas cerca de 3% (180.000) dos menos gravemente retardados estão hospitalizados. Os homens predominam no grupo patológico; as mulheres, no grupo subcultural. Com freqüência, os primeiros mostram outros sinais de doença neurológica, enquanto isto não acontece nos últimos. Os retardados patológicos também diferem no fato de serem fisicamente subnormais e inférteis. Os pais dos retardados patológicos são, de regra, normais, mas os filhos podem apresentar defeito, enquanto, no grupo subcultural, os pais e os filhos são, com freqüência, subnormais em graus variados (daí o antigo termo “mentalmente retardado familial”). Retardo mental sem doença cerebral evidente (retardo mental sul-cultural ou familial) Aspectos clínicos: Dois tipos clínicos podem ser identificados. No primeiro tipo, a característica essencial é que, quase desde o nascimento, o lactente posiciona-se atrás em todos os aspectos do desenvolvimento. Existe uma tendência para dormir mais, ser menos exigente na nutrição, movimentar-se menos que o normal, e sugar mal e regurgitar. Em geral, os pais comentam sobre como a criança é boa, sobre como ela pouco os atormenta com o choro. À medida que os meses transcorrem, cada aquisição é tardia. O lactente é mais hipotônico e se vira, senta sem sustentação e caminha mais tardiamente que a criança normal. Apesar destes retardos motores óbvios, não há, mais adiante, sinal de paralisia, ataxia, coréia ou atetose. Estes lactentes não sorriem no período usual, e pouco prestam atenção na mãe e em outras pessoas ou objetos em seu ambiente. Eles são desatenciosos quanto aos estímulos visuais e, com freqüência, auditivos, até o ponto em que se levantam dúvidas sobre a cegueira ou surdez. Certas fases do desenvolvimento normal como a observação da mão, podem persistir além de seis meses de idade, que são normalmente substituídas por outras atividades. Persistem as fases oral (colocar tudo na boca) e de babar, que deveriam terminar em torno de um ano de idade. Existem apenas sinais fugazes de interesse por brinquedos, sendo que a não-persistência da atenção torna-se cada vez mais proeminente. As vocalizações são escassas, freqüentemente guturais, penetrantes, ou agudas e débeis. No segundo tipo, os marcos motores iniciais (sustentação da cabeça, rolar, sentar, ficarem pé e caminhar) podem ser atingidos em seus períodos normais, embora a criança seja, mais adiante, desatenciosa e lenta no aprendizado. Parece como se o desenvolvimento motor tivesse escapado um pouco do processo desorganizado de desenvolvimento. A hiperatividade sem sentido também pode acontecer e, semelhante à persistência dos movimentos rítmicos, o ranger dos dentes (bruxismo), a hipotonia e a microcefalia deverão suscitar a suspeita de retardo mental. Como a seqüência do desenvolvimento da função motora pode ser normal, até mesmo ao ponto em que a criança adquire algumas palavras ao término do primeiro ano, o examinador pode ser levado erroneamente a pensar que a criança mentalmente retardada estava, a princípio, normal e, em seguida, deteriorou. Nestas crianças, pode-se até demonstrar que vários procedimentos de teste fornecem escores menores com a progressão da idade (a partir de três anos de idade em diante), mas isto não se deve a um declínio na capacidade, mas ao fato de que os exames não são comparáveis. Nos primeiros três anos, os exames são comparados com as funções sensorimotoras e, depois, com a percepção, memória e formação de conceitos. E interessante notar que o desenvolvimento da linguagem depende de ambos os grupos de funções, exigindo uma certa maturação dos aparelhos auditivo e motor no inicio e das habilidades cognitivas muito especializadas para o desenvolvimento continuado. Os membros de ambos os grupos dos retardados subculturais exibem inúmeros aspectos notórios que possuem implicações clínicas e sociais. Eles tendem a ficar adoentados; os mais gravemente retardados dentre eles apresentam “psique” deficiente e, em geral, exibem tamanho mais reduzido. O comportamento desviado é comum em 6,6% das crianças não-retardadas, em 28,6% dos retardados, e em 58,3% dos retardados epilépticos. Mais amiúde, o comportamento desviado toma a forma de agressividade, em especial nas crianças com epilepsia do lobo temporal. Outros distúrbios do comportamento são a agitação, atividade repetitiva, reações explosivas de raiva e mau humor, ação estereotipada e procura de experiências sensoriais de modo incomum. Os pais de um grande número de crianças com desvio de comportamento posicionam-se no segmento mais baixo da população socioeconômica; em outras palavras, os pais podem ser incompetentes para manter lares estáveis e encontrar trabalho. Abandono, negligência e abuso infantil (síndrome da criança espancada) são freqüentes neste grupo. A maioria das crianças com desvio de comportamento precisa ser colocada em escolas ou classes especiais, sendo que medidas peculiares devem ser tomadas para reduzir a tendência para ociosidade, pobreza, sociopatia e criminalidade. Um debate sem fim centraliza-se nas causas desse problema se os chamados retardados subculturais ou fisiológicos são produtos de uma gênese defeituosa, a qual evita a competição bem-sucedida, ou da discriminação da sociedade e da ausência de treinamento e educação, juntamente com os efeitos da desnutrição, infecções e outros fatores exógenos. Certamente, os fatores ambientais e as causas genéticas existem, embora a importância relativa de cada um deles seja difícil de se aquilatar. Aspectos histopatológicos: Os cérebros do grupo subcultural dos retardados mentais desafiam a interpretação. Nenhuma lesão visível foi percebida neles, diferente daqueles do grupo patológico, no qual as malformações e inúmeras lesões destrutivas são evidenciadas na maioria dos casos. Contudo, mesmo no grupo gravemente retardado, 5 a 10% dos cérebros não diferem da normalidade através dos critérios macroscópicos e microscópicos. Reconhecidamente, alguns desses espécimes apresentam menos de aproximadamente 10% do peso, mas, hoje, não se pode interpretar o que isto significa. E certo que uma nova metodologia será necessária, caso os cérebros de retardados subculturais e do extremo subnormal da população geral devam ser diferenciados dos cérebros dos indivíduos muito superiores. Diagnóstico: Os lactentes deverão ser considerados em risco de subnormalidade mental, quando há uma história familiar de deficiência mental, baixo peso de nascimento em relação ao tempo de gestação (neonatos pequenos para a idade gestacional), prematuridade acentuada, infecção materna no inicio da gestação (em especial rubéola), e a toxemia gravídica. Nos primeiros meses de vida, certas características comportamentais são valiosas na previsão do retardo mental. Um reduzido escore de Apgar, flacidez, hipoatividade e sinais neurológicos assimétricos constituem os índices mais precoces da subnormalidade no lactente. A lenta adaptabilidade das reações de orientação a novos estímulos auditivos e visuais também consiste em outra advertência precoce do retardo mental. No primeiro ou no segundo anos de vida, a suspeita de retardo mental baseia-se, em grande parte, na impressão clínica, mas ela deverá ser sempre validada por procedimentos psicométricos. Os testes de QI para pré-escolares devem ser interpretados com cautela, pois eles apresentaram menos valor previsivo para o sucesso escolar do que os exames que são empregados após seis anos de idade. Em geral, os escores normais para a idade eliminam o retardo mental como uma etiologia de aquisição deficitária, mas defeitos cognitivos especiais podem ser revelados por baixos escores em determinados subgrupos. Crianças retardadas não só apresentam baixos escores, mas exibem escores mais dispersos do subteste. Da mesma forma, eles conseguem maior sucesso com a realização do que com os itens verbais. E essencial que o médico saiba as condições do exame, pois os escores ruins podem ser causados pelo medo, movimentação inadequada, lapsos na atenção, ou a um defeito auditivo ou visual sutil, em vez de uma falha do desenvolvimento. O EEG, além de expor a atividade convulsiva assintomática, mostra uma alta incidência de outras anormalidades no mentalmente retardado. Presumivelmente, isto se deve a um grau maior de imaturidade do cérebro em uma idade qualquer. Entretanto, um EEG normal traz relativamente pouco auxilio. Ademais, a TC e a RMN têm sido regularmente inúteis na revelação de anormalidades neste grupo de crianças. Sempre devem ser considerados no diagnóstico dos graus mais brandos de retardo os possíveis efeitos da desnutrição grave, negligência e privação, doença sistêmica crônica, comprometimento da audição e da visão, e, possivelmente, da psicose infantil. De grande importância é a diferenciação de um grupo de pacientes que é normal durante um período variável após o nascimento e, em seguida, manifestam uma doença progressiva do sistema nervoso. Esse tipo de distúrbio é representativo de um grupo de doenças metabólicas hereditárias. Também é importante um distúrbio convulsivo (e as medicações anticonvulsivantes), que pode comprometer a função cerebral. Controle: Como há pouca ou nenhuma possibilidade de se tratar a(s) condição(ões) subjacente(s) ao retardo mental e como não há modo de restaurar a função para um sistema nervoso que é, do ponto de vista do desenvolvimento, subnormal, o objetivo clínico é auxiliar no planejamento do treinamento do paciente, educação e ajustes social e ocupacional. Os pais devem ser orientados para a formação de atitudes e expectativas realistas. Os aconselhamentos psiquiátrico e social podem ajudar a família a manter o suporte delicado, porém sólido, do paciente, de modo que ele ou ela possam adquirir, na maior extensão possível, habilidades de auto-ajuda, autocontrole, bons hábitos de trabalho e uma personalidade apropriada. A maioria dos indivíduos com um QI acima de 60 e nenhum outro problema pode ser treinada a viver de modo independente. Escolas especiais conseguem fazer com que tais pacientes desenvolvam plenamente seus potenciais. Os fatores sociais que contribuem para a realização deficitária devem ser pesquisados e eliminados, quando possível. Posteriormente, há necessidade de conselho sobre possíveis aquisições ocupacionais. Quando o QI está abaixo de 20, a hospitalização é quase inevitável, pois poucas famílias podem propiciar assistência de custódia por longo prazo. Instituições abertas são, em geral, melhores do que os lares comunitários, pois oferecem muito mais facilidades (médicas, educacionais, recreacionais). Com freqüência, a institucionalização é necessária, mesmo quando o QI posiciona-se entre 21 e 50. Os pacientes do último grupo, quando de temperamento estável e relativamente bem-ajustados a nível social, podem trabalhar sob supervisão, mas raramente se tornam vocacionalmente independentes. Para aqueles mais gravemente retardados, o treinamento especial, com base na higiene e no auto-cuidado, consiste no máximo que se pode esperar. Deve-se ter grande cautela na decisão sobre a internação. Embora os graus graves de retardo sejam, todos, bastante aparentes em torno do primeiro ou segundo ano devida, aqueles menos graves são de difícil reconhecimento precoce. Conforme foi dito anteriormente, os testes psicológicos isoladamente não são confiáveis. O método de avaliação, sugerido há muitos anos por Fernald, ainda apresenta um halo de credibilidade: (1) exame físico; (2) base familiar; (3) história do desenvolvimento; (4) progresso escolar (grau atingido); (5) exame de escolaridade (performance em testes de leitura, aritmética etc.), (6) conhecimento prático; (7) comportamento social; (8) eficiência industrial; (9) reações morais, e (10) inteligência conforme determinada por testes psicológicos. Todos estes dados, excetuando-se o (5) e o (10), podem ser observados por um médico habilitado durante os exames clínico e neurológico iniciais.