Universidade Vale do Rio Doce Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Curso de Psicologia CARANDIRU: ANÁLISE DA COERÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL Rafaella Ribeiro Teixeira Orientador: João Carlos Muniz Martinelli Governador Valadares 2008 RAFAELLA RIBEIRO TEIXEIRA CARANDIRU: ANÁLISE DA COERÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL Monografia para obtenção do grau de bacharel em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: João Carlos Muniz Martinelli. Governador Valadares 2008 RAFAELLA RIBEIRO TEIXEIRA CARANDIRU: ANÁLISE DA COERÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce Governador Valadares, ____ de ____________ de _____. Banca Examinadora: __________________________________________ Prof: Dr. João Carlos Muniz Martinelli - Orientador Universidade Vale do Rio Doce __________________________________________ Prof. Dr. Marco Antônio Amaral Chequer Universidade Vale do Rio Doce __________________________________________ Prof. Dra. Tatiana Amaral Nunes Universidade Vale do Rio Doce AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter iluminado meu caminho, aos meus pais, por terem investido nos meus sonhos. Muito obrigado pai, por ter acreditado. Se não fosse por sua força não teria alcançado meu objetivo. A minha mãe por ter ouvido meus desabafos e as minhas irmãs que apesar da distância sempre estiveram no meu coração. As minhas amigas da cotonete (Emiliana, Priscila, Noely, Edna e Fátima). Vivemos muitos bons e importantes momentos juntas. Ao meu namorado que sempre esteve ao meu lado em todos os momentos felizes e difíceis ao longo dessa caminhada, me ajudando com seu carinho, amor e dedicação. Ao meu orientador Prof. João Carlos Muniz Martinelli pela dedicação e paciência. Aos demais familiares, amigos e todos que contribuíram para essa conquista. Amo muito todos vocês. “Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”. NELSON MANDELA SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 08 1.1. CONCEITO 1.2. ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DA COERÇÃO 1.2.1. ALGUMAS EVIDÊNCIAS EXPERIMENTAIS 1.2.2. PRINCÍPIOS DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 1.3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A COERÇÃO 12 13 13 18 21 2. COMPORTAMENTO SOCIAL E PRÁTICAS CULTURAIS 34 3. AGÊNCIAS CONTROLADORAS E FORMAS DE CONTROLE SOCIAL 61 4-ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL: 79 OBJETIVO 94 GERAL: ESPECÍFICOS: 94 94 MÉTODO 95 FONTE: PROCEDIMENTO/PLANO DE ANÁLISE DOS DADOS: 95 95 RESULTADO 98 CONCLUSÃO 123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 132 TEIXEIRA, Rafaella Ribeiro. Carandiru: Análise da coerção no sistema prisional. Trabalho de conclusão do curso de psicologia da Universidade Vale do Rio DoceUnivale, 2008. Orientador: João Carlos Muniz Martinelli. Resumo A análise da coerção baseada na análise do comportamento pode ser um dos meios empregados para o estudo da violência em diversos ambientes. O presente estudo teve como objetivo analisar o uso de práticas coercitivas no sistema prisional dentro da perspectiva da análise do comportamento, baseado da obra literária “Estação Carandiru”. Método: foi realizada uma pesquisa qualitativa de asserções retiradas do livro estação Carandiru, organizando a descrição em unidades de análise conforme, assim distribuídas: grupo (G), categoria (C), subcategoria (S), definição da categoria/subcategoria (D); asserções (A) e análise (AN). Resultados: Foi possível identificar asserções representativas de todas as categorias/subcategorias propostas para análise. Verificou-se que no ambiente prisional analisado não há correspondência entre o que descreve a lei sobre e o que se pratica no cotidiano da instituição; os presos se organizam, estabelecem práticas de convivência e formas de consequencia para os comportamentos emitidos naquele ambiente; práticas de controle coercitivo, rotas de fuga-esquiva e desistência são aparentes e comuns entre os relatos, inclusive entre funcionários; que a estrutura e funcionalidade do sistema prisional torna-se um ambiente propício a emergência de regras entre os presos como estratégia de sobrevivência, sendo que tendem a repetir parte das práticas já observadas no cotidiano dos presos antes de ingressarem no ambiente prisional. Conclusão: a definição de coerção, categorias e subcategorias de análise mostraram-se úteis para a análise proposta. O ambiente prisional, da forma como se apresenta no texto analisado, é descritivo do uso generalizado de práticas coercitivas entre presos e entre presos e funcionários da instituição. Observaram-se dificuldades em buscar meios alternativos à prática punitiva, acarretando poucas oportunidades aos detentos em alterar os comportamentos delituosos. Há reforço às práticas de manutenção de comportamentos coercitivos, possivelmente dando pouca oportunidade de modificação do padrão de respostas que tenha levado ao aprisionamento. Palavras-chave: coerção, análise do comportamento, prisão. 8 1 APRESENTAÇÃO O interesse pelo estudo do sistema prisional surge com a constatação do tratamento desumano conferido aos presos dentro das unidades prisionais, que chama a atenção de órgãos responsáveis pelos direitos humanos e de profissionais envolvidos direta e indiretamente com as questões psicossociais da execução da pena privativa de liberdade. A Casa de Detenção Carandiru foi por muito tempo o maior complexo penitenciário do Brasil, sendo ainda um dos maiores da América Latina. Como ocorre, via de regra, nas unidades prisionais brasileiras, um dos grandes problemas enfrentados na Casa de Detenção era a superlotação. Os números totalizavam 7000 homens que cumpriam pena nas dependências do presídio no início da década de 90. Diante dessa realidade, o pessoal responsável pela administração da casa acabava delegando suas funções de controle dos presos aos próprios detentos (OYAMA, 2000) Os detentos responsáveis pelo controle do presídio possuíam um perfil de liderança e eram pessoas dotadas com habilidades políticas, pois necessitam conseguir administrar habilidosamente os conflitos entre presidiários e ainda ter a capacidade de argumentar com os funcionários da administração. Os detentos que se encaixavam nesse perfil eram conhecidos como “os faxinas”. Eles compunham a espinha dorsal do presídio, além de se constituírem em uma espécie de elite do grupo (OYAMA, 2000). Para exercerem o controle, os faxinas, Utilizava-se de um código de regras bastante rígido e primitivo. Algumas vezes prezando valores da sociedade externa à casa de detenção, como por exemplo, quando se referem às regras que proíbem os presos de assediarem as mulheres uns dos outros, ou ainda faltar com respeito a parentes do sexo feminino como irmãs ou mães. Algumas vezes, chegando ao extremo, que vai contra esses valores, sendo exemplo a decisão de torturar e em casos considerados extremos, de matar estupradores e presos que fazem dívidas de drogas e não pagam (OYAMA, 2000). Os faxinas são os juízes encarregados de decidir sobre as punições daqueles que não obedecem às leis dos presos. Além disso, trabalhavam na limpeza e na 9 organização do local. Eles possuíam o respeito de todos os detentos existentes no presídio e eram escolhidos criteriosamente para comporem esse grupo (OYAMA, 2000). Além da superlotação e das regras rígidas impostas ao grupo, a Casa de Detenção também enfrentava outros problemas graves. É o que demonstra o trabalho do Doutor Drauzio Varella, médico brasileiro especializado em oncologia e imunologia. Ao realizar, um trabalho de prevenção da AIDS no presídio, o médico constatou que para cada 1000 presos, 137 eram infectados pelo vírus HIV. Os que ainda não estavam contaminados possuíam todas as oportunidades de adquiri-lo devido a práticas sexuais estabelecidas naquele local e ao uso de drogas injetáveis. Somados a isso, a falta de remédio e tratamento adequado acabavam por agravar as condições dos doentes que chegavam em sua maioria ao óbito (FRANÇA, 1996). As experiências de Varella com o trabalho de prevenção da AIDS fez com que escrevesse o livro chamado Estação Carandiru (1999) o qual possui, dentre suas principais importâncias, o fato de chamar a atenção para os graves problemas enfrentados pelos sistemas prisionais brasileiros ( AMARAL, 1999) Ao escrever Carandiru, Varella buscou narrar histórias reais dos detentos existentes no presídio sem fazer-lhes qualquer julgamento moral. Porém, denuncia através dos diálogos entre eles, a rotina de condições subumanas as quais os presos eram submetidos, como também as condições de trabalho a qual se encontravam os carcereiros e agentes penitenciários (AMARAL, 1999). Essa rotina subumana agravada pela superlotação é denunciada pela revista VEJA (SOUZA, 1998). De acordo Souza a superlotação e a falta de funcionários fomentavam a violência, pois fazia com que os presos assumissem o controle do presídio e resolvessem suas desavenças com a morte. Muitos que são jurados de morte e conseguem escapar vão parar no amarelo. Esse local é composto por cubículos fétidos e imundos que lembram uma masmorra e são superlotados, e chegava a abrigar até quinze presos que perderam o direito de transitar livremente entre os outros detentos. 10 A situação dos que não perderam o direito de conviver uns com os outros também não é muito cômoda devido à rigidez dos códigos criados pelos presos, pelo tráfico e o uso de drogas, a ociosidade e o suicídio. Violência é sinônimo de coerção. De acordo com Sidman (1995) ela é comum e predominante em todas as formas de interação que os indivíduos estabelecem entre si e com a natureza, fazendo com que o referente modo de controle seja tomado, pela sociedade, como algo natural. Nos cárceres, a coerção é administrada com a retirada de reforçadores positivos ou com a apresentação de reforçadores negativos, e pela punição. Ocorre que a técnica de controle aversivo tendem a gerar a emergência de comportamentos adaptativos a ela, como é o caso da fuga esquiva e da agressividade, além de subprodutos emocionais, como ansiedade, medo, rigidez intelectual dentre outros e que acabam, como diz Sidman, por envenenar as relações sociais e ameaçar a sobrevivência dos indivíduos (SIDMAN, 1995). Existem alternativas para a coerção. A principal delas é o controle por reforçamento positivo, porém ele cai em descrédito por ser mal compreendido (confundido com chantagem, por exemplo) e por estabelecer um controle em longo prazo não afetando de maneira imediata o responder como no caso da coerção. Porém, o reforçamento positivo garante uma aprendizagem eficaz de comportamentos devido à ausência dos efeitos colaterais aversivos originados, decorrentes do uso das técnicas coercitivas (SIDMAN, 1995). Diante do exposto, a presente pesquisa pretende fazer uma análise da coerção no sistema prisional a partir do livro Estação Carandiru (1999). Para tanto, o primeiro capítulo apresenta a análise da coerção feita por Sidman destacando os principais pontos levantados pelo autor concernentes a coerção e seus efeitos. O segundo capítulo descreve o comportamento social e a relevância das práticas culturais para a sobrevivência da espécie enfatizando a sobrevivência como valor social. O terceiro capítulo aborda sobre agências controladoras, enfatizando as leis e o governo, assim como relacionar suas formas predominantes de controle que fomentam a violência por parte dos indivíduos controlados, e como uma forma de contracontrolar tais ações. Por fim, o quarto e último capítulo apresenta considerações 11 breves sobre o atual sistema prisional brasileiro, partindo da história do surgimento das prisões no Brasil, de suas principais mudanças, até chegar à situação atual em que o sistema se encontra. Segue a exposição do método com a análise qualitativa de asserções retiradas do livro Carandiru as quais expressam as formas de fuga esquiva da coerção aprontadas por Andery e Serio (1997) a partir de análises feitas por Sidman sobre a coerção e suas implicações. 12 1. Coerção: conceito, princípios e considerações gerais. 1.1. Conceito Sidman considera que a sociedade utiliza de coerção para conseguir que seus membros se comportem exatamente de acordo com o esperado, e neste sentido, “... a sociedade, como uma regra geral, tenta manter nossas consciências utilizando meios coercitivos...” (SIDMAN,1995, p.63). As pessoas obedecem às leis, chegam cedo ao trabalho, dentre outros comportamentos, não por alguém ter-lhes ensinado pura e simplesmente que isso é o correto a fazer, mas principalmente porque agir de outra maneira lhes custaria conseqüências desagradáveis para suas vidas. Isso significa dizer que as pessoas agem sob a ameaça de serem punidas, passando assim, a fugir ou evitar situações que são aversivas, ao invés de agir por se sentirem recompensadas ou acrescentadas por tais atitudes (SIDMAN, 1995). De acordo com Sidman coerção refere-se a: O uso da punição e da ameaça da punição para conseguir que os outros ajam como nós gostaríamos e à nossa prática de recompensar a pessoas deixandoas escapar de nossas punições e ameaças (...). (SIDMAN, 1995, pág.17). Segundo Sidman (1995), as interações sociais ocorrem quase totalmente através do uso da coerção. Como afirma, “a principal razão é controlar outras pessoas... ” (SIDMAN, 1995: 80). O controle pela punição pode ocorrer por diferentes razões: Punimos pessoas baseados na crença de que as levaremos a agir diferentemente. Usualmente queremos parar ou evitar ações particulares. 13 Punimos alguém cuja conduta consideramos má para a comunidade, má para algum outro indivíduo, ou mesmo má para a própria pessoa. Queremos colocar um fim à conduta indesejável (SIDMAN, 1995, pp.80-81). Administramos todos os tipos de punição de forma a controlar outras pessoas a fim de parar ou impedir quaisquer de suas ações que nos machucam, privam, insultam ou desagradam. Por sua vez, outros usam a punição para nos controlar, a fim de parar ou impedir quaisquer de nossas ações que os machucam, privam, insultam ou desagradam (SIDMAN, 1995, p.81). Para o autor, na linguagem cotidiana ser coagido refere-se a ser compelido sob julgo ou ameaça de realizar algo “contra a vontade”. Entretanto, todo o comportamento é controlado, e assim é necessário observar que contingências estão em operação quando se descreve a coerção: “Se quisermos entender ou influenciar processos complexos como motivação, memória, aprendizagem, percepção, interação social, desenvolvimento da personalidade, cognição e linguagem, um primeiro passo é identificar contingências de reforçamento que são fundamentais para cada um deles. Ao fazer isso, descobriremos vários tipos de contingências de reforçamento e eles fornecerão a base para uma definição formal de coerção. Conseqüências não são os únicos tipos de eventos que influenciam a conduta, mas sua classificação nos permite separar influências coercitivas de influências não coercitivas.” (SIDMAN, 1995, p.55). 1.2. Análise do comportamento da coerção 1.2.1. Algumas evidências experimentais Os avanços nas pesquisas sobre punição são pouco divulgados, dando margem para distorções sobre a questão. Isso parece ser um dos eventos que facilitam a facilitar a aceitação da coerção como único modo de controle possível. Efeitos nocivos da coerção implicam, por exemplo, que os indivíduos tenham dificuldade em enxergar alternativas mais saudáveis de interação. 14 Para Sidman (1995), as pessoas desconhecem os efeitos da punição e sua falta de efetividade na eliminação da conduta indesejável. Muitas vezes, para o autor, elas colocam em “xeque” até mesmo a existência do controle do comportamento. Há pessoas que acreditam ser a punição a única forma de conseguir com que alguém se comporte “corretamente”. Passam a criticar alternativas como aquelas que descrevem o emprego de reforçamento positivo, que pode ser útil para ensinar maneiras de agir de forma mais saudáveis para o individuo e suas relações sociais. Tais condutas tendem a dificultar a utilização dos conhecimentos científicos disponíveis. Os efeitos disso é sentido como um comprometimento do avanço para novas tecnologias de controle de comportamento. Outro resultado aponta dificuldades que incluem o próprio desenvolvimento das pesquisas sobre os efeitos dessas alternativas. (...) se realmente entendêssemos que nossa aceitação geral da coerção como meio de controlar outros produz e perpetua a desconfiança, o medo, a agressão e a infelicidade geral, que caracterizam tantas relações sociais e individuais, então embora pudéssemos não abandonar a punição, nós a usaríamos uns com os outros parcamente. Mais precisamente, seríamos capazes de tornar o mundo muito mais seguro, menos ameaçador, menos gerador de estresse e um lugar mais prazeroso para viver do que ele é hoje para milhões de pessoas. (SIDMAN, 1995, p.30). Diante das circunstâncias atuais, pode-se perceber a importância da pesquisa em análise do comportamento sobre os efeitos da coerção. De acordo com Sidman: O laboratório nos permite alterar o ambiente de um sujeito e então retorná-lo a seu estado original. Tal controle sobre as condições experimentais torna possível descobrir se um efeito particular faz um individuo agir diferentemente (...). A possibilidade de estabelecer relações causais é uma vantagem fundamental de experimentos controlados; estudos que não são de laboratório deixam ambos, ambiente e comportamento, livres para mudar incontrolavelmente (SIDMAN, 1995, pág.71). 15 Assim, uma vantagem do laboratório se encontra no fato de poder se observar através do manejo de variáveis dependentes e independentes, como contingências simples permitem identificar os diversos processos que podem estar ocorrendo quando um sujeito experimental se comporta. Quando este tem seu comportamento punido em situação experimental, pode observar esses processos, como no caso em que ao invés de ser reforçado positivamente, emite comportamentos que cientista deseja suprimir do repertório (SIDMAN, 1995). Sidman (1995, p. 82) aponta que a resposta sobre o funcionamento e eficácia da punição é complexa, e merece diversas considerações. Expõe o próprio cotidiano em sua argumentação: por um lado, “ninguém gosta de ser punido e alguns descobrem desprazer em aplicar punição...”, e aqueles que dizem ser a punição desejável e necessária sustentam suas posições apelando à religião, moralidade, decência comum e mesmo senso comum. De outro lado, dados e análises científicas são necessários para a verificação dos efeitos da punição para propósitos sociais e no controle individual. Afirma: Certamente, a punição capital elimina comportamentos – faz isto bastante diretamente, exterminando aquele que se comporta. O assassinato pela sociedade realmente reduz o assassinato por indivíduos? Colocar pessoas na prisão também pode eliminar comportamentos – é mais difícil, embora certamente não impossível cometer assassinato, roubo, fraude ou estupro atrás das grades. O encarceramento impede pessoas de cometer esses crimes depois que elas saem? Penalidades financeiras podem acabar com o lucro de sonegadores. Confiscos ocasionais os mantêm honestos entre auditorias ou elimina a evasão de impostos por outros que têm mais a ganhar? (SIDMAN, 1995, P.82). Há razões, portanto, para a investigação científica acerca da punição. Sidman (1995) descreve como dados de laboratório podem ser úteis na investigação dos efeitos da punição, oferecendo alternativas de análise que venham a discutir esse modo de controle além de seu efeito imediato. Um primeiro efeito observado pelo autor é a manutenção do responder mesmo após a introdução de conseqüências aversivas, quando se espera apenas uma 16 supressão do responder. Quando se relaciona reforço e punição (a cada responder), sucessivamente, um período inicial de supressão da resposta pela introdução de conseqüência aversiva é observado, após esse efeito inicial há uma recuperação gradual da atividade, retornando a níveis anteriores. Nesse caso se observa o efeito temporário da punição, e assim: (...) Qualquer coisa que afastasse o animal de seu trabalho apenas o deixaria mais faminto. As duas conseqüências de pressionar a barra – alimento e choque – estavam, portanto, em competição direta... quanto mais tempo o animal parou, mais faminto se tornou... pressionar a barra tornou-se mais poderoso que a punição. O animal retornou a sua atividade “ilegal” porque aquela era a sua única maneira de obter alimento (SIDMAN, 1995, p.86). Ao descrever o achado experimental, Sidman analisa o que chama de “mecanismo simples” que produz criminalidade reincidente, embora fatores complicadores alterem esse quadro simples: (...) Jovens são libertados de reformatórios e adultos de prisões com repertórios de comportamentos não mais aceitáveis para a sociedade do que os atos delinqüentes que os levaram ao encarceramento. De que outro modo eles irão obter seus reforçadores?(...) (SIDMAN, 1995, p. 86). Outro procedimento discutido por Sidman (1995) consiste em aumentar a intensidade da punição. Neste caso, observa-se um efeito poderoso: supressão originando períodos mais longos entre atividades; e quando a punição for muito intensa (e.g., choque intenso), a atividade não se recupera, e não podendo encontrar outro meio para se alimentar, o organismo (no caso, o animal experimental) presumivelmente morreria de fome. E diz, (...) Mas, se a punição for suficientemente forte, pode até mesmo por um fim à produção de reforçadores positivos que sustentam a vida. E assim, vemos uma 17 base aparentemente interminável da luta entre aqueles que baniriam punições cruéis e não-usuais e aqueles que insistem que apenas medidas severas podem conter a ilegalidade. (SIDMAN, 1995, p. 87). Para o autor, o comportamento inadequado pode persistir a despeito da punição, pois também é reforçado. Há aquele cujo comportamento indesejado ocorre tão fortemente que acaba por impedir a emissão de respostas em outras direções. Pode-se sentir que a punição é o único recurso, quando se deseja, por exemplo, fazer parar um ato inadequado para criar uma oportunidade de reforçamento de outro comportamento, por meio de punição suave. Nesse sentido, (...) a menos que tenhamos deliberada e habilidosamente usado o efeito supressivo inicial da punição suave para instalar a conduta que queremos, nada garante que a substituição será desejável. (SIDMAN, 1995, p.88). Outra condição experimental que aponta novos aspectos da punição implica em tornar a punição (estímulo aversivo) como pré-condição necessária para a obtenção do reforçador. Neste caso, “(...) o resultado de tal transformação será uma pessoa que busca a punição (...)” (SIDMAN, 1995, p.88). Com o aumento gradual da intensidade da punição, passo a passo, vê-se outro efeito, o animal pode vir a pressionar a barra até ao ponto do estímulo aversivo derrubá-lo (e.g., choque intenso), e ainda assim continuar respondendo, e, assim, “(...) o próprio choque terá se tornado, agora, um reforçador positivo(...)” (ibidem, p.88). As questões originadas por essas investigações apontam, então, dificuldades novas no campo social, quando se passa a analisar o uso da punição e seus efeitos sobre os padrões de comportamento social, e nos efeitos combinados de punição e reforçamento positivo sobre esses comportamentos. 18 As pessoas freqüentemente trabalham por choques? Todos conhecemos indivíduos que parecem desabrochar seu próprio sofrimento, que parecem sempre trazer sobre si mesmos a ira de seus colegas de trabalho, famílias, professores ou “autoridades”. Usando a punição de modo tal a convertê-la em reforçamento positivo, uma comunidade coercitiva subverte sua própria racionalidade por recorrer à punição em primeiro lugar. Um resultado pode ser a conduta patológica. Psiquiatras há muito estão conscientes das tendências autodestrutivas que caracterizam muitos de seus pacientes (e mesmo de pessoas que não são pacientes) (...) (ibidem, p.89). Evidência mais direta pode ser encontrada no comportamento de auto-injúria de algumas pessoas institucionalizadas (...) administrar dor a si mesmas como o único meio de obter atenção (...) (ibidem, p.89). Para o autor, o uso da punição produz efeitos indesejáveis, justificando o seu não uso como prática de controle social. Resume sua posição quando afirma: O objetivo mais razoável do uso da punição é parar comportamento indesejável, impedir pessoas de fazer coisas que são perigosas, assustadoras ou que consideramos inadequadas, desvantajosas, imorais ou anormais. Vimos dois modos de usar a punição que parecem atender a esse objetivo. Um é administrar punições muito fortes (...) o outro é administrar punições suaves para fazer a 1 pessoa parar de se comportar (...) [e daí ] ensinar-lhe o modo correto de agir (ibidem, p.90). E ainda, Mas estas duas maneiras de usar a punição não são recomendações (...) Além de suprimir conduta indesejada, a punição faz muitas outras coisas (...) [e esses 2 conhecimentos ] levam inevitavelmente à conclusão de que a punição é o método mais sem sentido, indesejável e mais fundamentalmente destrutivo de controle de conduta (ibidem, p.90-91). 1.2.2. Princípios de análise do comportamento 1 2 Grifo nosso. Grifo nosso. 19 Sidman (1995) descreve que o comportamento não ocorre no vácuo; eventos antecedem e se seguem a cada uma das ações, e o que ocorre como conseqüência tende a controlar o comportamento, tornando-o mais provável em ocasião futura, determinando, assim, o que alguém poderá vir a fazer mais tarde. O comportamento é sensível às conseqüências que o segue. Segundo Skinner (2003), um comportamento que tem o tipo de conseqüência chamada reforço, terá maior probabilidade de ocorrer novamente. Um reforçador positivo fortalece qualquer comportamento que o produza. Quando um comportamento é seguido por um reforçador negativo, fortalece qualquer comportamento que o reduza ou o faça cessar. O processo suplementa a seleção natural, quando se analisa a seleção filogenética, que descreve processos evolutivos que produzem a herança genética da espécie. Dessa forma suplementar, conseqüências importantes do comportamento que não poderiam desempenhar um papel na evolução porque não há traços biológicos suficientemente estáveis, coloca ao indivíduo a questão de como vai sobreviver em um ambiente em que a forma de se comportar também produz o mundo em que viverá? Seleção pelas conseqüências, em nível operante. Então, por evolução filogenética a espécie passa a ser capaz de “aprender” com o efeito de sua ação, possibilitando a adaptação ao ambiente. Também se aprende a emitir comportamentos que mesmo sob possíveis conseqüências em longo prazo nocivas, sem mantém em alto padrão devido ao efeito da imediaticidade das conseqüências. Outros processos se dão. Três tipos de relações entre conduta e conseqüências são mencionados como controles do comportamento na análise do comportamento: reforçamento positivo, reforçamento negativo e punição. O controle por reforçamento positivo caracteriza-se por ser não coercitivo, enquanto os demais o são. Reforçamento pode ser expresso como uma relação funcional “se... então”, o que descreve uma contingência, ou contingência de reforçamento, supondo que ao emitir uma conduta particular uma conseqüência se seguirá, será contingente a; o mesmo não ocorrerá na mesma ocasião para outra conduta que não foi reforçada. Condutas emitidas e conseqüências produzidas em determinado ambiente fazem com 20 que o próprio ambiente passe a sinalizar conseqüências diante de emissão de comportamentos novos, em ambientes semelhantes ou com propriedades de estímulo associados. Os reforçadores (estímulos conseqüentes) possuem características definidoras: devem seguir uma ação e fazer com que essa ação se repita ou ocorra com mais freqüência. O primeiro elemento (seguir a ação) descreve a sua relevância temporal (a conseqüência deve seguir imediatamente ao responder) e o segundo, sua funcionalidade, aponta a repetição do comportamento como produto da interação prévia (condicionamento). O estímulo reforçador, por sua vez, tem sua função devido a história biológica da espécie (reforçador primário) ou decorrente da história de aprendizagem (reforçador secundário)3. Associa-se geralmente a idéia de que todo estímulo reforçador é reforçador por produzir prazer, sentimentos agradáveis, porém, ainda que esses sentimentos possam ser observados, eles não descrevem satisfatoriamente o principal efeito do reforçamento, o de fortalecimento. Assim, um estímulo que aparentemente poderia não ser considerado reforçador, como a dor, pode mostrar-se reforçador sob certas contingências de reforçamento, e isso pode ser mais freqüente que o esperado. Nem sempre prazer e reforçamento mantêm correspondência. Outro aspecto a considerar é que sentimentos como prazer possa seguir-se ao reforçamento positivo, por exemplo, mas seu principal efeito ainda corresponde ao aumento de probabilidade de emissão de respostas semelhantes no futuro. O efeito de prazer e de fortalecimento. Eles ocorrem em diferentes momentos e são sentidos como coisas diferentes. Quando nós sentimos prazer, nós não estamos necessariamente sentindo uma maior inclinação para agir da mesma fora. (...) Por outro lado, quando nós repetimos o comportamento que foi reforçado, nós não sentimos o efeito de prazer que nós tínhamos sentido no momento em que o reforçamento ocorreu” (SKINNER, 1985a/1987, p.17, citado em MICHELETTO & SÉRIO, 1993). 3 Segundo Sidman (1995, p.54), “Reforçadores específicos não são assim predefinidos; nós os descobrimos...”. 21 Os sentimentos observados com a exposição às contingências são também importantes. O reforçamento positivo descreve que a ação é seguida pela adição, produção ou surgimento de algo novo, enquanto que no reforçamento negativo, vê-se a subtração, remoção ou eliminação de algo, mas ainda a aprendizagem de outros comportamentos que cessam, param ou eliminam as fontes de estímulo aversivo; neste caso vê-se implicados os processos comportamentos denominados de fuga e esquiva.. 1.3. Considerações gerais sobre a coerção A punição está presente em todos os relacionamentos humanos, faz parte do cotidiano das pessoas, que agem punindo e sofrem o efeito da punição. Sidman (1995) descreve que o uso da punição não apenas é um método freqüente utilizado no controle pessoal, mas ocupa lugar de destaque nas práticas de controle social. E neste sentido, A aplicação de formas não coercitivas de controle tem sido insignificante em comparação com o recurso habitual da humanidade à coerção. (SIDMAN, 1995, P.18). A consciência humana se constrói em decorrência dessas contingências. Sobre coerção espera-se que as pessoas aprendam noções de certo e errado (comportamento ético), quando apenas estão aprendendo o que é errado e como fugir das conseqüências ruins de fazer algo considerado errado na cultura atual (comportamento moral). Nessas condições, a noção de certo contrapõe a noção de 22 errado; por meio de punição se aprende, somente, o que não se deve fazer, o que é considerado “errado” (SIDMAN, 1995). Uma das conseqüências a respeito do modo como a coerção mantêm-se presente de forma tão disseminada na sociedade atual, está no fato de tornar o ambiente social e individual cada vez mais restritos, fomentando uma necessidade de maior liberdade entre os indivíduos (SIDMAN, 1995). Sidman cita Skinner quando aborda a questão da liberdade e a ameaça da liberdade imposta pelo controle coercitivo: Se nunca tivéssemos escravizados uns aos outros, o ideal de liberdade da servidão não teria sido necessário (...) se não tentássemos controlar uns aos outros por ameaça da punição, privação, restrição e perda, todos teríamos sido livres sem que jamais o conceito de liberdade tivesse surgido (SIDMAN, 1995, p.42-43). Para o autor, evidências dadas pela análise do comportamento dizem que mesmo que a coerção atinja seu objetivo imediato, ela está sujeita ao fracasso. O principal problema está nos efeitos observados, tanto sobre o comportamento punido como para o repertório de comportamentos das pessoas: (...) Sim, podemos levar pessoas a fazer o que queremos por meio da punição ou da ameaça de puni-las por fazer qualquer outra coisa, mas quando o fazemos, plantamos as sementes do desengajamento pessoal, do isolamento da sociedade, da neurose, da rigidez intelectual, da hostilidade e da rebelião (SIDMAN, 1995, p.18). Visto que a coerção participa das relações sociais de maneira generalizada, Sidman (1995) considera que os indivíduos tenham aprendido a controlar uns aos outros através de interações coercitivas com o ambiente. Chama a atenção para o ambiente hostil e a comunidade hostil. Sob um ambiente hostil, “a própria natureza dá o exemplo”, as ameaças do mundo físico fazem parte da vida das pessoas, e ações 23 preventivas parecem necessárias para quem não quer ser pego de surpresa, entretanto, a natureza não fala do que deve ser feito para evitar essas ameaças. (...) Nossa conduta segue leis gerais que são independentes do caráter pessoal ou impessoal daquele e da intenção ou falta de intenção daquele que coage. Reagimos a sinais de alerta do ambiente inanimado exatamente como fazemos com relação à coerção imposta por nossos companheiros; tendemos a personificar a natureza, ainda que apenas em nossa linguagem (SIDMAN, 1995, p. 35). Justifica-se isso quando se vê um individuo que, utilizando-se de estratégias para lidar com constantes ameaças, age como se algo ruim viesse a acontecer caso não tome os cuidados necessários, sente algo que nem sempre consegue explicar. As chuvas, o calor, a neve, epidemias e as catástrofes naturais podem ser exemplos dessas ameaças no ambiente físico. Em locais onde há esses eventos as pessoas tendem a ficar a espreita diante de certas mudanças ambientais. Informações sobre possíveis eventos que coloquem em risco a si mesmo e aos próximos, deixam as pessoas amedrontadas diante eventos em curso e apreensivas diante de sinais pouco claros, e podem vir a fugir quando venham a sentir não haver mais controle sobre o ambiente, sentem que fizeram o que deveria ter feito. Nota-se com isso, que há formas de coerção que vêm do ambiente físico e maneiras de se comportar são aprendidas na relação com ele, sendo estendidas e generalizadas para o ambiente social, e a premissa continua sendo a mesma, contingências sociais mantém comportamentos sociais. Como as relações estabelecidas com a natureza são as pioneiras na modelagem do comportamento humano, sendo, por conseguinte estendidas às interações com o ambiente social, as pessoas tendem a achar que o controle coercitivo é algo natural e inerente ao ser humano. A naturalidade com que a coerção é encarada pode ser demonstrada nas várias instâncias da sociedade em que é utilizada: educação, legislação, família, e até mesmo, erroneamente, em alguns processos terapêuticos. 24 Assim, a punição também faz parte das práticas engendradas por instituições, como uma das formas de controle social. Observam-se efeitos adversos nesses ambientes institucionais, quando a punição é prática comum. Realmente podemos levar crianças a aprender punindo-as por não aprender. Esta é a prática padrão. Mas muitas crianças a quem ensinamos deste modo crescem menosprezando professores, odiando a escola e evitando o trabalho de aprender... Práticas coercitivas na educação formal e no lar continuam de geração em geração, tornando-se enraizadas no treino de professores e aceitas pela comunidade (SIDMAN, 1995, p.18). Com relação à instituição da justiça, Sidman (1995) descreve que há leis e costumes sociais que descrevem o emprego de punição de uma maneira aceitável, e a comunidade passa a controlar dessa forma as ações, mas há efeitos a observar, Um sistema de justiça que é baseado apenas na punição por transgredir a lei realmente mantêm muitas pessoas no caminho certo e provê satisfação para aqueles que buscam revanche sobre os transgressores. Um código legal coercitivo também gera, para muitos que estão sujeitos ao sistema, subterfúgio e desobediência e, para muitos que administram e fazem cumprir o sistema, brutalidade (SIDMAN, 1995, p.20). E ainda, A maioria das nações, incluindo as superpotências, afirma estar buscando a paz e armando-se somente para a defesa. Uma política nacional de manter um “pulso forte” – a ser usada, naturalmente, só em retaliação contra agressão – pode, realmente, manter alinhados economicamente e militarmente outros países. Tal coerção também gera ciúmes, animosidades e eventual contracontrole: o moderno terrorismo é um exemplo extremo (SIDMAN, 1995, p.20). Sidman (1995) observa ainda que o ambiente interno, ou seja, o organismo humano, em sua interação com o ambiente externo pode dar origem a várias situações que levem ao adoecimento e à morte, algumas dessas situações são imensamente prazerosas, mas deveriam ser evitadas pelos prejuízos que causam. Exemplos disto são a má alimentação e o consumo de drogas. O envelhecimento também pode ser 25 citado como algo ameaçador devido às complicações que surgem com o passar do tempo. Nesse sentido, o comportamento humano se constitui e é modelado coercitivamente tanto pelo ambiente externo quanto pelo ambiente interno. Considera que apesar de a maioria de nossos comportamentos serem controlados por conseqüências coercitivas (SIDMAN, 1995), não são todas as formas de controle existentes que são caracterizadas como coerção; nesse sentido se faz necessário entender que a coerção é somente uma subcategoria de controle e que existem alternativas menos nocivas, a saber, o reforçamento positivo. O autor explica que o comportamento é controlado por conseqüências que, dependendo de quais sejam, o tornam mais ou menos provável de ocorrer. As conseqüências referem-se ao que acontece posteriormente ao comportamento e influenciam sobre sua repetição de forma bastante significativa no futuro. Esse modo de interação entre os organismos e ambiente garantiu a adaptação às constantes mudanças às quais o ambiente veio sofrendo com o passar dos séculos. Apesar das situações cotidianas envolverem contingências muito mais complexas de controle do comportamento do que as ocorridas em laboratórios, às construídas neste ambiente podem ser testadas em sua capacidade de descrever os comportamentos cotidianos, servindo de uma base para o entendimento deles. No exemplo de comportamento ilegal, generalizado para o comportamento criminoso, o comportamento que venha a ser punido talvez possa não cessar, devido ao fato desse indivíduo não ter aprendido novos comportamentos durante o período da punição, os quais lhe permitiriam agir de modo mais aceitável socialmente. Isso significa dizer que, sem novas maneiras de garantir o ganho de seus reforçadores, o sujeito reincide, pois por mais que seja desagradável a punição, esta perde sua efetividade diante da impossibilidade do sujeito continuar sobrevivendo, por exemplo. O efeito temporário da punição, devido a sua competição com reforçadores positivos, auxilia a entender porque punição capital, a saber, as prisões, não eliminam os comportamentos criminosos (SIDMAN, 1995). No caso, se as únicas formas aprendidas de acesso e uso dos bens sociais e essenciais à sobrevivência forem baseadas no uso da coerção, não haverá saída devido à perpetuação das contingências relacionadas na interação com ambiente. Estas passam a manter o comportamento de quem pune e quem é punido, 26 um impedindo e o outro sendo impedido de variar ações em outras direções. A ausência de repertório mantido por contingências alternativas e adquirido de forma a contra-controlar eficientemente o ambiente coercitivo, são antecedentes que parecem contribuir para perpetuar o uso da coerção. Outro efeito da punição a ser considerado, consiste na utilização de punição severa para a eliminação do comportamento. Nesse caso, a punição mostra-se bastante eficaz; no laboratório se observa que o animal pára de se comportar, e se não tiver outros meios de obter comida, ele acaba morrendo de fome. Porém, a administração de punição severa faz com que o individuo não consiga mais enxergar outro modo de obter reforçadores na vida, fazendo com que simplesmente ele desista dela (SIDMAN, 1995). Todavia, alguns comportamentos indesejáveis persistem mesmo com a utilização de reforçadores positivos, justificando a permanência de tais comportamentos ao fato de produzirem reforçadores mais eficientes do que as novas possibilidades de reforçamento apresentadas. Nesse caso, Sidman (1995) descreve o uso da punição suave, que quando administrada de modo que leve, em consideração a aspectos relativos ao tempo e intensidade da aplicação da técnica punitiva, pode aproveitar devidamente da supressão temporária para reforçar positivamente outros comportamentos. Esses cuidados na aplicação das técnicas tornam mais provável a ampliação do repertório, afastando a probabilidade de efeitos adversos que comprometam a efetividade. Há, entretanto, o desafio de sempre buscar meios alternativos para o controle comportamental que não seja a coerção. Sidman (1995) adverte que apesar de ser possível a aplicação de punição suave em algumas circunstâncias, a punição é uma técnica que produz efeitos colaterais, muitas vezes desconhecidos, com conseqüências prejudiciais ao individuo que, por si só justificam a necessidade de descobrir alternativas para seu uso. De acordo com o autor: (...) Alternativas estão disponíveis, mas elas são não-tradicionais, não-familiares, mesmo para a maioria dos psicólogos. Também alguns métodos não - coercitivos não são tão fáceis de aplicar ou tão rápidos em sua ação, como uma precisa intensa punição ou um reforçador negativo. O que os torna necessários, ainda 27 que eles sejam não familiares e algumas vezes difíceis de aplicar, é o vasto catalogo de efeitos colaterais da punição (...) (SIDMAN, 1995, p.93). Um dos primeiros efeitos colaterais a ser observado é o que se produz com o uso de punição condicionada. Diferentemente do que ocorre no ambiente experimental, as interações entre as pessoas ocorrem de maneira complexa em ambientes físicos e sociais circunstanciais, e por esses razões também complexos. Ocorre que, nesses ambientes há sinais que indicam a ocorrência de determinados eventos, e se estes eventos trarão prazer, desconforto ou dor. Com o passar do tempo, esses sinais podem vir a associar-se a propriedades de reforçadores positivos, negativos ou punidores, pois se tornaram condicionadores dos ambientes os quais estão dispostos. A simples possibilidade de entrar em contato com estes ambientes já desencadeia comportamentos característicos do contato com estímulos condicionados antecedentes na história do individuo. A partir disso, entende-se que os ambientes que sinalizam a presença de punidores tornam-se ambientes punidores condicionados. A sociedade atual é quase que totalmente uma sociedade punitiva, em razão disso, reforça em seus componentes comportamentos de fuga esquiva, na maioria das vezes sob controle dos produtos individuais de uma história social de punição condicionada (SIDMAN, 1995). Compreendem-se como fuga os comportamentos que são emitidos em presença dos punidores e reforçadores negativos. Existem dois modos de fuga, ou rotas de fuga: desligar-se ou desistir. Ao desligar-se de algo que o incomoda, o individuo pode assumir três posturas principais: a primeira delas é fingir que os problemas não existem, passando a enfrentá-los somente quando estes se instalam e demandam todo o uso da habilidade e atenção disponíveis para resolvê-lo, provocando um desgaste que não necessariamente ocorreria com a prevenção. A segunda postura refere-se ao fato de delegar a responsabilidade da solução de problemas a terceiros, os quais são vistos como mais capazes de resolvê-los, fugindo assim da culpa de não conseguir solucionálos. Por fim, não fazer nada e fingir que o problema não existe, pois aliviaria o individuo das preocupações com problemas que parecem não possuir uma solução (SIDMAN, 1995). 28 No que diz respeito aos comportamentos de desistência, estes ocorrem quando em contato com os reforçadores negativos condicionados, o individuo desiste de ser participativo em suas instâncias mais relevantes, tais como: educação, família, comunidade, religião, cidadania, dentre outros. A não participação do individuo na sociedade e em seus problemas, torna a sua vida tosca e sem significado, pois ele perde a capacidade de se adaptar às demandas e exigências dela (SIDMAN, 1995). O suicídio pode ser considerado exemplo extremo de desistência: No caso extremo uma pessoa literalmente desiste da vida. Suicídio é a fuga ultima das garras de necessidade e coação, repentinamente esmagadoras, ou de uma vida dominada de reforçamento negativo e punição (...). Suicídio, não importa a sua forma é um problema especial; uma vez que ele jamais pode acontecer mais que uma vez, suas conseqüências não podem preencher a definição de um reforçador (SIDMAN, 1995, p.132). Pode-se, de outra forma, supor alguns aspectos que levam um indivíduo a um comportamento extremo como é o caso do suicídio, bem como sentimentos que possam acompanhar as contingências de reforçamento na história do suicida. Dentre eles, estão presentes os sentimentos de culpa e indignidade que se originam dos excessos de demanda presentes. Por exemplo, na família, por não corresponder a tais expectativas o individuo não consegue ter seus comportamentos reforçados positivamente, fazendo com que seus próprios comportamentos se tornem reforçadores negativos condicionados, tornando o suicídio uma opção possível de fuga. Outro aspecto relevante do comportamento suicida se caracteriza pelo fato de ser ele mesmo uma forma de coerção, quando o suicida consiga, por meio de chantagem, aquilo que deseja de outros, chamando a atenção para si. Como também o suicídio pode se tornar uma forma de punição contra aqueles que coagiram o individuo de maneira insuportável (SIDMAN, 1995). Sidman (1995) refere-se à esquiva como um produto secundário da fuga. Isso se explica porque um indivíduo passa a evitar o contato com reforçadores negativos somente porque já experenciou seus efeitos desagradáveis, e teme, tendendo a responder ao menor sinal de que possa entrar em contato com esses reforçadores 29 novamente. Apesar de a esquiva relacionar-se a comportamentos orientados para algo que possa acontecer de indesejado no futuro, a experiência torna-se referência para evitar o que pode vir a acontecer. De acordo com o autor: (...) Pressionamos a barra não porque choques não virão no futuro, mas porque já experienciamos choques no passado e porque pressionar a barra provoca um menor número de choques agora (...). (SIDMAN, 1995, p.138). Inferem-se com isso suas causas, que são baseadas nos acontecimentos do passado e nas condutas do presente, as quais julga-se poderia ter diminuído a freqüência dos eventos ruins acontecidos em ocasiões passadas. Nesse sentido, Sidman (1995) considera que a esquiva é um comportamento adaptativo à punição, sendo “melhor” do que a fuga, pois ela evita que o individuo entre em contato com uma experiência ruim novamente. Pelo fato de evitar as situações antes que elas ocorram torna-se difícil identificar, muitas vezes, quais contingências estão controlando este comportamento, o que dificulta a explicação da esquiva, ficando sua análise passível de algumas distorções. A primeira delas atribui erroneamente às expectativas de um individuo em relação a uma possível situação desagradável a causa do comportamento de esquiva, pois seriam as mesmas experiências ruins as responsáveis por criar tanto as expectativas quanto tais comportamentos, assim, todos são produtos de contingências advindos de uma mesma interação. No segundo caso, acredita-se que as causas da esquiva estejam nos sentimentos de medo e ansiedade. Ambos seguem a mesma lógica, referente às expectativas no sentido de serem, assim como a esquiva, produtos de interações com contingências coercitivas. É relevante observar tais distorções no intuito de entender realmente as relações presentes no comportamento de esquiva. Sabendo identificá-las, os profissionais teriam condições de intervir de maneira mais adequada nos comportamentos não-adaptativos observados, sob controle de contingências aversivas. Dessa maneira, algumas das formas de ansiedade que acompanham o comportamento de esquiva, e algumas formas não muito claras desse comportamento em alguns indivíduos que assumem 30 características patológicas podem ser evidentes, ainda que não se possa ao certo saber do que essas pessoas estão se esquivando (SIDMAN, 1995). Como exposto anteriormente, as causas da esquiva estão nas interações que os indivíduos estabelecem com contingências coercitivas. Tais interações interferem no modo como os indivíduos aprendem a se comportar no mundo, de tal forma que suas condutas são sempre moldadas por esquivar-se de algo ou de alguém que os ameace. Mas essas práticas estão bem disseminadas nas condutas diárias. Como observa Sidman: Usamos extensivamente contingências de esquiva para estabelecer e manter habilidades acadêmicas, interações familiares, práticas sexuais, relações sociais, costumes grupais, obediências às leis, afiliações políticas, valores morais, associações de negócios e alianças internacionais (...) (SIDMAN, 1995, p.148). É relevante observar que pelo fato da conduta individual se constituir através das contingências de esquiva, os indivíduos podem experimentar algumas conseqüências que podem ser bastante prejudiciais. Primeiramente, a esquiva apontaria para a conseqüência de comportamentos que estão freqüentemente sendo expostos à punição. Nestes casos, os repertórios comportamentais tornam-se restritos, pois só se ousaria experimentar comportamentos que livrem a ameaça da punição, deixando de explorar e aprender com o ambiente, se limitando a fazer o que passa a ser considerado seguro e previsível, diminuindo sobremaneira a variabilidade. Os indivíduos que aprenderam a se comportar por meio de esquiva tendem a se tornarem rígidos e inflexíveis, queixarem-se de ansiedade, pois ter que enfrentar e comportar-se fora de certo padrão implicaria em correr risco de vivenciar novamente os efeitos desagradáveis da punição. Sidman (1995) considera que a consciência é uma espécie de esquiva da punição. De acordo com ele, a consciência forma-se através da coerção, quando os indivíduos, diante da punição ou de sua simples ameaça, passam a discriminar entre os comportamentos considerados certos e errados, formando a chamada consciência ética e moral. 31 As punições e suas ameaças são administradas por outros membros da comunidade. Na medida em que os indivíduos em fase de desenvolvimento vão se comportando, alguns desses comportamentos são punidos e classificados como errados em detrimento de outros considerados certos ou socialmente aceitáveis. Com o tempo, os indivíduos passam a comportar-se se esquivando das conseqüências de um comportamento errado. Costuma-se dizer que alguém internalizou as regras ensinadas durante sua infância onde estas, por sua vez, passam a conduzir suas ações, entretanto, deve-se considerar que o contexto de coerção presente na infância é esquecido, restando as predisposições emocionais para se comportar geradas pela técnica (SIDMAN, 1995). É justamente aí que Sidman (1995) considera estar o fracasso da técnica na formação da consciência humana, a saber, em seu efeito de gerar predisposições emocionais ou sensações desagradáveis provocadas pela coerção. Elas são consideradas efeitos colaterais, como, por exemplo, a rigidez intelectual, dificuldade de ser criativo e adaptar-se a mudanças de contingências no ambiente e, em indivíduos que se esquivam constantemente podem apresentar neuroses e distúrbios de personalidade. Para Sidman (1995) outro tipo de predisposição emocional para se comportar característica da esquiva da coerção é a agressão ou o contra-ataque. O autor afirma que coerção gera agressão. No laboratório: “(...) se aplicarmos um choque em apenas um dos dois sujeitos, este atacará o outro. A agressão não é nem ritualística nem momentânea: Se não separarmos os dois, o ataque terminará em um assassinato”. (SIDMAN, 1995, p.220). Talvez isso possa levar a um entendimento da criminalidade, no sentido de que pessoas agredidas socialmente tendem a atacar não necessariamente quem os esteja agredindo. Uma vez punido, o sujeito experimental, por exemplo, atacará qualquer outro sujeito que estiver ao seu alcance. Sidman (1995) entende que a criminalidade e os comportamentos transgressores da lei oferecem uma noção do quanto a consciência formada por coerção é frágil. Os indivíduos que burlam a lei ao atacarem os outros ou ao agirem em desacordo com o código moral descobrem que isso pode ser mais reforçador do que seguir tais regras, 32 ou seja, eles ganham burlando a lei e ainda aprendem maneiras mais sofisticadas de se esquivar das punições. Isso é o que ocorre com pessoas que cometem grandes crimes e possuem poder aquisitivo alto. Suas esquivas são geradas pela possibilidade de pagar bons advogados que acham brechas na lei capazes de livrá-los da punição. Em contrapartida, ao se dar conta de tal situação, as camadas mais baixas da população aumentam o ódio e atacam a outros cometendo crimes, ao mesmo tempo em que entram na briga por seus reforçadores, fazendo com que tudo vire um verdadeiro caos. Tendo em vista que a privação é outro modo de administrar punição que acaba provocando agressão. (SIDMAN, 1995).Têm-se então múltiplas contingências punitivas interagindo conjuntamente, mesmo que apenas em sua distribuição temporal, quando conseqüências aversivas agem simultaneamente.. Um dos meios encontrados pelas autoridades em segurança pública a fim de conter o caos formado é somente mais repressão e o aumento do controle coercitivo, porém o que ocorre é que: A longo prazo, o controle coercitivo continua a funcionar somente se o controlador tiver uma população cativa. Mas, mesmos se os punidos forem confinados ou restringidos fisicamente e não puderem escapar, a coerção inevitavelmente produz um de seus mais proeminentes efeitos colaterais: Contracontrole (...).(SIDMAN, 1995, p.224) Em razão do exposto, Sidman (1995) acredita que a sociedade necessita de um substituto para a consciência. Na verdade, ele propõe alternativas para o controle coercitivo em todas as formas de interação social existentes. Essas alternativas baseiam-se no emprego de controle por reforçamento positivo. O reforçamento positivo é pouco utilizado porque não controla o responder de forma imediata como ocorre com a coerção, tende a reforçar de forma atrasada, e, por conseguinte com menos efetividade, quem o administra. Todavia, a técnica ensina e mantêm comportamento eficaz sem acarretar efeitos colaterais indesejados como no caso dos citados como ocorridos em decorrência do uso da coerção. Para que o 33 comportamento desejado ocorra, se faz necessário somente aplicar corretamente a técnica. No caso da educação, muitos pais e professores cometem equívocos aplicando a técnica de maneira equivocada, frustrando-se e passando a questioná-la. Sidman (1995) explica que, os reforços oferecidos às crianças precisam extrapolar a mera recompensa imediata por algo feito de modo correto, estes precisam ser ganhos que as façam sentirem-se amadas e reconhecidas, gerando um ambiente seguro para se comportarem. Nesse sentido, pode-se usar de extinção, ignorando-as, quando elas se comportam de maneira considerada errada, como também se pode reforçar positivamente com nossa atenção e aprovação quando estiverem fazendo algo considerado correto. Isso evita que sejam somente reforçadas e, o que é pior, negativamente, quando se comportam de maneira incorreta, como acontece usualmente como muitos pais que só dão devida atenção aos seus filhos diante das falhas cometidas por eles (SIDMAN, 1995). No caso das instituições fechadas, a saber, escolas para retardados mentais, hospícios e prisões, os profissionais costumam equivocar-se na aplicação do controle positivo, pois costumam administrá-lo com privação tornando-o um reforçador negativo, acarretando os mesmos subprodutos indesejáveis da técnica punitiva. Como antes considerado, a privação como forma de punição também gera a agressão e não pode ser usada para obter comportamento desejado. 34 2. Comportamento social e práticas culturais Skinner (2003, p.326) define o comportamento social como: “(...) O comportamento de duas ou mais pessoas em relação a uma outra ou em conjunto em relação ao ambiente comum (...)”. No sentido da afirmação, pode-se entender o comportamento social como o comportamento das pessoas quando estão juntas em um grupo, o que de certo modo pressupõe os comportamentos emergidos da interação entre os indivíduos e dentre tais indivíduos compartilhando o mesmo território. Baum (2006) partindo do pressuposto de que interação refere-se à relação, no sentido de que uma relação consiste em interações, confere uma explicação sobre o termo. De acordo com o autor, para que seja considerada uma relação, a interação entre indivíduos precisa ser analisada de acordo com a freqüência com que ocorre. Quanto maior for à freqüência com que interagem ou se reforçam, pode-se dizer que entre eles formou-se uma relação. Nota-se com isso que a quantidade de interações ocorridas entre duas ou mais pessoas é significativamente determinante no processo do estabelecimento da relação, em razão disso faz-se necessário compreender que uma interação nada mais é do que o reforço mútuo entre dois ou mais indivíduos. Por serem reforços característicos da interação de um individuo com outro, estes são chamados reforçadores sociais e determinam um episódio social. Podendo ser este um episódio verbal ou coercivo (BAUM, 2006). Skinner (2003) explica que muitos antropólogos e cientistas sociais procuram explicar o comportamento do grupo através de abstrações denominadas ‘forças sociais’ ou ‘situações sociais’ que se diferenciam de explicações sobre o individuo fora do grupo. Segundo o autor, através da percepção de que o grupo é formado por indivíduos, pode-se analisar o comportamento do grupo pela análise dos mesmos processos e princípios referentes ao comportamento individual. Assim sendo: “(...) O comportamento do individuo explica o fenômeno do grupo (...)”(SKINNER, B, F, 2003, 35 p.326), pois como exposto anteriormente, o grupo forma-se em virtude do comportamento de seus membros. Desse modo, não existe nenhuma explicação plausível para distinguir uma coisa da outra. O princípio que explica o comportamento social é o reforço, porém é um reforço chamado de reforço social. Skinner (2003), e posteriormente Baum (2006), reconhece o reforço social e a importância da interação entre dois indivíduos para que o reforço ocorra, no entanto, Baum (2006) muda somente o termo chamando a interação de mediação entre dois organismos. De acordo com ele, a mediação ocorre através do comportamento verbal. O comportamento verbal é importante porque possui propriedades que controlam o comportamento de forma generalizada. Uma vez condicionadas, toda vez que o estimulo discriminativo verbal é apresentado em outras situações semelhantes à situação em que o condicionamento ocorreu, a resposta acontece sobre o controle do referente estimulo. As propriedades dos estímulos discriminativos verbais compõem os reforços positivos, como: Afeição, aprovação e atenção. E também compõe os reforços negativos tais como: desaprovação, desprezo, insulto e ridículo. É importante destacar que o comportamento verbal define pequenas diferenças, quase que imperceptíveis, entre o comportamento social e o comportamento mecânico. Sobre a afirmativa, Skinner (2003) exemplifica explicando que o ato de dar de mamar não faz parte de um comportamento social, todavia apresentar o leite materno a criança já o é. Outra importante diferença reside no fato de as interações verbais envolvidas nos comportamentos sociais concernirem em uma relação onde o controlado depende do controlador. Por essa razão, o comportamento social é mais extenso e flexível. Ele pode apresentar uma variação de respostas que se adaptam às variações de reforço apresentadas pelo controlador. Skinner discute essa questão quando aborda sobre esquemas de reforçamento, para ele: (...) os esquemas de reforço que se ajustam a freqüência do comportamento reforçado não ocorrem com freqüência na natureza inorgânica. Um agente reforçador que modifique as contingências do comportamento deve ser sensível e complexo (...). (SKINNER, 2003, p.329) 36 O que significa dizer que as interações de um ambiente social exigem um esquema de reforço no qual somente um organismo sensível a essas interações seja capaz de alterá-lo. Skinner (2006) propõe que o comportamento social tenha sido modelado e mantido por condicionamento operante através de um processo chamado de imitação. Por exemplo: Um animal, ao fugir de um predador natural com sucesso, passa a ter seu comportamento imitado por outros animais, que ao conseguirem o mesmo êxito, tem esse comportamento operante reforçado pelas conseqüências, passando a se comportarem do mesmo modo em ocasiões futuras. O autor ainda propõe que os processos de modelagem do comportamento operante viabilizados pela imitação, e logo após, pelo reforçamento, tenham sido necessários para a sobrevivência da espécie e perpetuação da cultura. Os processos de comportamentos em grupos de seres humanos obedecem à mesma lógica, visto que tais comportamentos também são produtos relacionados intimamente com a seleção natural. Portanto, através do processo de imitação, os indivíduos no grupo experimentam contingências de reforçamento mais poderosas do que fora dele, tendo em vista o fato de que é no grupo que o individuo tende a maiores possibilidades de conseguir seus reforços, tornando, portanto, a ação do reforço mais eficaz. Por extensão, os reforçadores poderosos do grupo também tornam provável a aquisição de um amplo e complexo repertorio comportamental, o que não seria possível em um ambiente não-social (SKINNER, 2006). Skinner (2006) menciona a importância do comportamento verbal na aquisição de repertórios comportamentais complexos. Além de referir-se ao fato do comportamento verbal ter sido o fator determinante de diferenças existentes entre grupos de seres humanos e outras espécies de animais, ele explica as origens desse comportamento nos parâmetros dos processos evolutivos concernentes a seleção natural. Segundo o autor, o comportamento verbal originou-se quando a musculatura vocal de antigos ancestrais foi modelada por comportamento operante. Em decorrência disso os homens puderam dar um passo à frente da demonstração passando a dizer ou ensinar o que os outros deveriam fazer. 37 Baum (2006) também faz referências a diferenças existentes entre grupos de seres humanos e outras espécies de animais. Para o autor, outros animais se comportam obedecendo a um padrão rígido, os comportamentos concernentes a grupos de uma cultura, são aprendidos através de conseqüências programadas por seus membros. É nesse sentido que a cultura se diferencia de agrupamentos sociais de outras espécies. Os membros da cultura humana possuem a capacidade de transmitir seus traços culturais, enquanto outros animais respondem ao ambiente de um modo grosseiro que lembra o comportamento reflexo. Isso significa dizer que somente os seres humanos podem transmitir traços de uma cultura verbal para membros de gerações futuras. A sensibilidade às conseqüências, ou seja, a aptidão para aprender com os outros faz com que os indivíduos pertencentes a uma cultura possam alcançar mais facilmente os benefícios e evitar os riscos presentes nesse ambiente. Pois a fórmula já foi inventada pelos antigos ancestrais e transmitida às novas gerações. Segundo Baum (2006 p.263): “(...) A transmissão cultural evita que tenhamos de reinventar a roda (...)”. O que significa dizer que evita que se tenha que ficar sempre criando formas de interação mais adaptativas ao ambiente cultural, sempre como se estivesse estabelecendo um primeiro contato com ele. A transmissibilidade dos traços mais adaptativos evita esse desconforto e potencializa a possibilidade de aprendizagem mais eficaz. Baum (2006) cita a imitação como um dos processos de aprendizagem cultural. Segundo o autor, o processo de imitação garante uma aprendizagem mais eficaz em relação aos comportamentos aprendidos em interação com o ambiente físico. Através da imitação, pode-se pular a etapa de uma aprendizagem em ambiente natural direto para a aprendizagem de uma ação mais eficaz no grupo, sendo assim, mais eficaz para a sua sobrevivência. Contudo são os comportamentos aprendidos como efeito dos reforços sociais que confere o grande diferencial de uma cultura. Em razão disso o autor ressalva que: “(...) Podemos denominar esse conjunto de traços transmitidos por imitação de cultura só por imitação. Embora ela tenha muitos elementos em comum com a cultura humana, o elemento educação, ensino ou treino está faltando (...)”.(BAUM, 2006, p.266). Pois é a educação que define uma cultura de grupo a partir 38 do momento em que é através dela que os indivíduos dispensam os reforços necessários e, em razão desses reforços eles conseguem passar os traços e características do grupo aos membros mais novos. A educação que os pais dispensam aos filhos serve como exemplo para essa afirmativa. Neste ponto da discussão faz-se necessário abrir um parêntese no qual se infere a afirmação de Skinner (2003) sobre a origem do reforço social. Para o autor, o estimulo social é o responsável pelos reforços dispensados por indivíduos em grupo. Os estímulos sociais explicam porque uma pessoa é reforçadora por outra, ou porque existem diferentes padrões para a mesma reposta, como é o caso do sorriso. Os vários padrões de respostas referentes ao sorriso e o fato de algumas pessoas serem reforçadoras pelas outras e algumas pessoas não o sejam, se explica pelas contingências que tornam a ação de alguns estímulos reforçadora para alguns comportamentos de alguns indivíduos, mas não para outros. Desse modo o Skinner afirma que: As expressões que agrupamos ‘juntas’ e chamamos ‘sorriso’ são importantes porque são ocasiões em que certas espécies de comportamento social recebem certo reforço (...). Um estimulo social como qualquer outro estimulo, torna-se importante no controle do comportamento por causa das contingências em que se encaixa os tipos de reforços (...) são determinados pela cultura e por história particular (...) (SKINNER, 2003, p.330). Diante do que foi exposto acima se pode perceber a importância das contingências na determinação do controle que os estímulos exercem sobre o comportamento dos organismos. No caso, estes estímulos só tornam-se reforçadores de algumas respostas, se as contingências forem favoráveis a isso. Por essa razão dizse que existem certos limites na ação desses estímulos, ou seja, dependendo da ocasião alguns estímulos estarão mais susceptíveis ao controle do comportamento do que outros. A susceptibilidade depende do quanto se pode aprender com o que é passado pelos outros, ou seja, depende intimamente da sensibilidade que certos indivíduos possuem em relação aos reforçadores dispensados por outros indivíduos. A eficácia do reforço social foi adquirida através da aprendizagem operante, onde 39 estímulos sutis presentes no ambiente mecânico foram tornando-se reforçadores através de suas conseqüências. Os reforçadores facilitam a aprendizagem da criança e, por sua vez, aumentam a aptidão para responder a certos estímulos sociais. Pode-se então concluir que a aprendizagem através dos reforçadores aumenta cada vez mais a sensibilidade para responder aos estímulos dispostos pelos outros (BAUM, 2006). Skinner (2003) reconhece a importância da cultura no que se refere à ação dos estímulos sociais. Segundo o autor, é a ação da cultura que promove mudanças e variações nos padrões de respostas dos indivíduos pertencentes a ela. De acordo com Baum (2006, p. 267) “Os tipos de traços que viemos discutindo – limites de estímulos, imitação e reforçadores sociais – não só produzem cultura, mas também permitem mudanças culturais (...)”. Portanto, a cultura que emerge da interação destes três aspectos determinantes no comportamento do individuo no grupo, também possibilitam a modificação dos traços culturais. A cultura é, portanto, o que marca a diferença mais significativa entre o ser humano e outras espécies. É importante salientar que Baum (2006) sugere que as sociedades surgem antes da cultura e explica sobre a existência de sociedades em outras espécies de animais. Paralelamente ao que ocorre com as populações de genes que se agrupam formando uma máquina de sobrevivência, os animais também o fazem visando à sobrevivência que se garante de modo mais eficaz quando estão reunidos em grupos. Isso ocorre porque em um grupo todos cooperam para o beneficio de todos, ao invés de cada um separadamente comporta-se em beneficio próprio. Ainda no tocante ao comportamento dos animais em sociedades, esses possuem a característica de serem comportamentos altruístas. Os comportamentos altruístas fazem com que os animais se empenhem a favor do grupo em detrimento de ações que favoreçam somente a si. Por essa razão: “O altruísmo é a marca registrada de uma sociedade. Quando um grupo vive junto em uma associação estável e seus membros se comportam altruisticamente uns com os outros, isso é uma sociedade (...)”.(BAUM, 2006, p.260). Apesar dessas características os animais não possuem cultura, pois não podem, como já foi visto, transmitir os seus traços culturais através da educação. Somente os homens possuem a capacidade de transmiti-los e modificá-los. 40 Segundo Skinner (2003) a cultura torna-se o ambiente social dos homens, pois parte deste ambiente é o produto da conformação dos indivíduos aos padrões éticos, assim como da contribuição desses padrões para a formação dos usos e costumes característicos de cada grupo. Como também consiste no produto do controle que agencias e subagências controladoras exercem nos indivíduos. Diante desses aspectos, a cultura torna o ambiente social, algo extremamente complexo. A educação age para conformar o individuo a subordinação dos padrões, educação esta que é ministrada pelas agências controladoras a serviço que se responsabilizam por passar esses padrões às novas gerações. Antes de se buscar entender os processos concernentes especificamente a cultura no que tocante à sua evolução e suas práticas, se faz necessário compreender melhor a questão do controle, tendo em vista que falar de reforçamento é falar de controle do comportamento. Já foi visto que as pessoas se comportam juntas, porque desse modo, conseguem ser reforçadas mais eficazmente, ou seja, através da imitação podem conseguir ter contato com reforços positivos e, por sua vez, evitar ou fugir de reforçadores negativos. Skinner considera que: Ao comporta-se de uma maneira que altera o comportamento de B por causa das conseqüências que o comportamento de B tem para A (...) quase todos controlamos algumas variáveis relevantes, independente de papéis como os mencionados, que podem ser empregadas em beneficio próprio. A isso se pode chamar de controle pessoal (...). (SKINNER, 2003, p. 343). As conseqüências ou o reforçamento é também o responsável pelo controle que uma pessoa exerce sobre outra. Existem pessoas que se beneficiam da possibilidade desse controle a fim de tirar proveito da situação de poder controlar a outros. O controle pessoal significa justamente o poder de manipular algumas variáveis reforçadoras para o comportamento de alguém visando benefícios e o máximo de proveito. Certas habilidades pessoais facilitam o controle pessoal, principalmente quando se age em benefício de si mesmo, como é o caso da beleza, e o que se denomina como talento e dom. Porém, são significativamente inferiores ao poder de controle exercido pelas 41 instituições. Estas se utilizam de técnicas como, por exemplo, o uso da força através de restrições físicas (SKINNER, 2003). As técnicas de controle que se utilizam da força para controlar alguns indivíduos são, via de regra, bastante violentas, e no geral visam somente atender o interesse de quem controla. Por essa razão, acabam desencadeando fortes indisposições emocionais para contra–atacar; não restringe todas as formas de comportamento e não é eficaz para combater comportamento encoberto. O cárcere é um exemplo de uso da força e da restrição física com a finalidade de controlar o comportamento. Como conclui Skinner: O uso da força física como um tipo de controle tem desvantagens óbvias. Geralmente requer atenção contínua do controlador (...) por todas essas razões, o controle através da restrição física não é uma possibilidade tão promissora quanto pode parecer a primeira vista (SKINNER, 2003, p.345). O controle pessoal do comportamento também ocorre através da manipulação de estímulos condicionados e incondicionados. A manipulação desses estímulos pode colocar determinados comportamentos sobre o controle de uma dada contingência ou pode gerar respostas incompatíveis com ela. O dinheiro é um exemplo de reforçador que pode ser manipulado nos moldes do que foi explicado acima, pois ele é um reforçador condicionado imediato. Ele pode ser usado como gratificação ou suborno, dependendo da contingência que estabelece o controle. Existe ainda o controle através de estimulação aversiva e de punição. Conseguese estabelecer o controle através da estimulação aversiva, pelo reforçamento da resposta que ele mina o estimulo. Já o controle exercido pela punição ocorre pela apresentação de um estimulo aversivo ou pela retirada de um estimulo positivo. Não deve ser confundida com o uso da força, pois é a contingência que determina se trata ou não de punição. Todavia a punição gera os mesmos subprodutos emocionais indesejáveis que ocorrem na restrição física, desse modo ela não é de maneira alguma recomendada (SKINNER, 2003). 42 Ainda há o controle através da privação e da saciação. Pode-se controlar o comportamento de alguém privando-o de algo até que a resposta que se deseja obter seja reforçadora o bastante para ocorrer na apresentação desse algo. Na saciação pode-se conseguir que alguém elimine um comportamento indesejado deixando se comportar com uma freqüência que irá deixá-lo saciado desse reforçador. Um exemplo que se assemelha ao controle por privação consiste no comportamento de usar drogas, como no controle feito por uso de álcool, ficar sem ela (privação) que aumenta a probabilidade de emissão de comportamentos que implicam no uso. A privação além de possuir efeitos parecidos com os efeitos da punição, também gera fortes predisposições emocionais (SKINNER, 2003). Outro importante modo de controle é exercido pelo grupo. O grupo pode assumir o controle a partir das ações de alguns indivíduos que se tornam aversivas para os demais. Criam-se então padrões verbais de controle, esses padrões classificam-se em ‘bom’ e ‘mau’ e as ações dos indivíduos passam a ser reforçadas ou punidas de acordo com esses padrões estabelecidos pelo grupo. Todavia, esses padrões tendem a conflitar devido ao fato de diferentes membros do grupo podem não estar em comum acordo sobre o que é bom ou o que é mau. Isso significa dizer que o que é ruim para alguns pode vir a ser bom para outros. Também há reforçadores que são bons em curto prazo e ruins em um prazo maior, fazendo com que estejam susceptíveis a reclassificações (SKINNER, 2003). Os membros de um grupo podem vir a responder aos padrões de comportamento que causam estimulação aversiva condicionada. A estimulação aversiva gera predisposições emocionais como é o caso da vergonha. O sentimento de vergonha é um estimulo condicionado que mantêm o comportamento em conformidade com os padrões estabelecidos pelo grupo. Infelizmente, o controle realizado por estimulação aversiva e punição é o mais comum em um grupo. Esses modos de controle não geram somente vergonha, mas outras predisposições mais exacerbadas, como é o caso da predisposição para contra–atacar. Manter-se sobre o controle do grupo, em principio, representa uma ação desvantajosa para o individuo, pois implica em deixar de ser controlado por 43 reforçadores individuais. Sobre isso Skinner (2003, p. 357) expõe que: “(...) restringiu-se o comportamento egoísta, e o altruísmo é encorajado. Mas o individuo lucra com esses procedimentos porque é parte do grupo controlador com respeito a cada outro individuo (...)’’. Ou seja, o individuo obtém reforços quando tem a possibilidade de controlar alguém do mesmo modo em que é controlado. Sendo assim estabiliza vantagens e desvantagens no seu comportamento em relação ao grupo, o que acaba por compensar o abandono do comportamento egoísta em detrimento do comportamento de estar a serviço das práticas grupais. Ainda no que concernem às questões sobre o controle, é relevante destacar as considerações de Skinner (2003) sobre a figura do líder. Segundo o autor, o líder possui uma habilidade especial para controlar o grupo. Essa habilidade foi desenvolvida por sua sensibilidade às contingências do ambiente natural, o que significa dizer que o líder é alguém com a capacidade de discriminar os reforços presentes no ambiente (estar sobre o controle desses reforços) e conduzir os liderados com o objetivo de fazer com que também mantenham-se sobre o controle dos mesmos reforços. Portanto, descrevese a interação entre ambos em um sistema de conduzir e seguir. As contingências complexas presentes no ambiente social necessitam de alguém que possua as habilidades de um líder, pois somente ele é capaz de conduzir as contingências que discriminou no ambiente como sendo necessário à resolução de certas atividades, e por sua vez fazer com que os outros o sigam respondendo apropriadamente às contingências. É importante observar que o líder possui apenas certa independência do liderado, e que esta se deve em razão das contingências. Porém, na execução do comportamento, o líder mantém-se dependente de seus liderados. Sobre o papel do grupo na formação do líder Skinner afirma que: (...) a maioria das culturas produz algumas pessoas cujo comportamento é controlado principalmente pelas exigências de uma dada situação. As mesmas culturas produzem pessoas cujo comportamento é controlado principalmente pelo comportamento de outros (...) (SKINNER, 2003, p. 335) Nota-se, com o que foi exposto, as influências da cultura na formação dos lideres e dos liderados. No entanto, a cultura é importante não somente por esse aspecto, mas por muitos outros que são fundamentalmente relevantes para o entendimento de 44 vicissitudes do comportamento dos homens em grupo. Como já foi considerado, a cultura diferencia o ambiente social dos seres humanos do ambiente social de outras espécies de animais, porque se constitui através da capacidade que seus membros possuem de compartilhar seus costumes, como também de transmiti-los verbalmente para as gerações seguintes. Nesse sentido, entende-se a cultura como um conjunto de práticas compartilhadas pelos indivíduos no grupo. Essas práticas sofrem variações de um grupo para outro, ou dentro do mesmo grupo. Baum enfatiza que processo de evolução cultural ocorreu sobre o mesmo viés dos processos de seleção natural, responsável pela evolução das espécies: De modo semelhante, o problema de explicar a diversidade de culturas coincide com o problema de explicar mudanças nas culturas. Em uma teoria da evolução cultural, poder-se-ia imaginar uma cultura ancestral carregada por um grupo que se dividiu em dois. A partir dos costumes ancestrais, novos costumes poderiam surgir através de modificações, até que a cultura dos dois praticamente não apresentasse semelhanças (...) (BAUM, 2006. p.258). A consideração exposta sobre as possíveis causas das modificações sofridas pelas práticas culturais no período dos ancestrais pode ajudar a realçar a idéia conferida às explicações sobre a evolução da cultural através do prisma da seleção natural. Na Evolução cultural, os traços que são transmitidos sofrem variações acarretando em variações nas práticas. Essas práticas são selecionadas em razão de serem mais reforçadoras para o grupo. Um exemplo são as práticas educativas. A educação possibilita a transmissão das práticas mais eficazes à cultura do grupo. É pela educação, por exemplo, que os pais podem dispensar reforçadores que ensinam aos filhos os traços culturais e as formas de comportamento características do grupo ao qual pertencem. Pode-se inferir que o processo educacional tornou possível a transmissão seletiva da variação. Visto que a seleção das práticas ocorre devido ao seu efeito reforçador, para que assim possa ser transmitida (BAUM, 2006) Baum explica que de maneira semelhante ao que ocorre na seleção genética, às culturas possuem ‘replicadores culturais’: (...) Um replicador cultural é uma ação desempenhada e transmitida pelo grupo, que possui determinada função, resulta em determinado efeito ou produz um certo resultado. Em outras palavras, um replicador cultural realiza uma determinada tarefa (...) (BAUM, 2006, p. 268). 45 Os replicadores culturais nada mais são do que as atividades próprias de um grupo, haja vista que essas atividades derivam de usos e costumes fazendo com que possa se entender a relação existente entre os termos replicadores e atividades. Baum (2006) cita Skinner com a finalidade de explicar que Skinner prefere chamar os replicadores culturais de práticas culturais. Na verdade, as práticas culturais podem ser entendidas como replicadores porque sofrem variações na freqüência com que são utilizadas ao longo dos anos. A medida exata da variação dessas freqüências deve ser obtida considerando o comportamento dos membros do grupo em dado período de tempo. Assim, evitam-se conclusões interpretativas e imprecisas sobre as origens e mudanças que ocorrem em uma cultura, baseada em teorias que se pautam em crenças e valorações. As práticas culturais são algo natural, no sentido de serem selecionadas pelo grupo através de reforçamento e punição. Isso significa dizer que com o comportamento verbal, os grupos puderam construir regras pautadas em padrões morais e éticos, e a partir destes padrões essas regras foram sendo selecionadas e modeladas através do reforço ou punição, em razão disso as regras formam a base do grupo, como também marcam as diferenças existentes entre as culturas. Desse modo, o conhecimento de uma cultura é possibilitado pelo conhecimento de suas relações de reforço e punição. Essas relações descartam a possibilidade de uma cultura só por imitação, como também uma cultura de não-humanos, a partir do momento em que infere-se que mais relevante do que considerar a quantidade de indivíduos que se comportam da mesma maneira, seria considerar as relações de reforço entre os membros de uma mesma cultura (BAUM, 2006), e neste sentido o critério de análise é funcional, uma vez que o foco recai sobre contingências comuns para os membros de um mesmo grupo, fortalecendo ações no grupo ou diminuindo a sua freqüência. Skinner (2003) também confere uma explicação sobre a origem das práticas culturais pelo viés dos padrões éticos e morais, além de explicar as origens de tais padrões. No entanto, o autor refere-se a tais práticas de acordo com usos e costumes comuns em uma cultura. De acordo com Skinner, os usos e costumes são repertórios 46 que se originam sobre o prisma de padrões éticos, por sua vez esses padrões se constituem de reforço ou punição administrados pela comunidade. O reforço desses padrões está relacionado, em principio, com contingências incidentais presentes no ambiente não-social. Essas contingências passam a controlar o comportamento em razão do seu efeito, tornando este efeito mais importante do que a origem dela, pois este efeito controla o que será punido ou reforçado no futuro, ou seja, que ações sobre o ambiente serão mais eficazes, e que por sua vez permaneceram na constituição dos usos e costumes. Desse modo, a educação atuaria selecionando as práticas mais eficazes daquele grupo, aprovando ou desaprovando determinados comportamentos, formando assim o estilo do grupo. De acordo com o autor: Não importando como explicamos em última instância a ação do grupo ao estender a classificação ética de ‘certo’ e ‘errado’ para usos e costumes, há bases sólidas para observar as contingências em virtude das quais o comportamento característico de um grupo particular se mantém. A medida que cada indivíduo vem se conformar com os padrões de conduta, também vêm a apoiar o padrão ao aplicar uma classificação semelhante ao comportamento de outros. Além disso, seu próprio comportamento conformado contribui para o padrão com o qual o comportamento de outros será comparado. Uma vez originado, um uso, costume ou estilo, portanto o sistema social que o observa parece ser razoavelmente automantenedor (SKINNER, 2003, p.455). A afirmativa citada acima conduz, portanto, à compreensão de que, mais importante que observar as origens dos padrões de certo e errado, seria a compreensão de que eles atrelam-se firmemente aos usos e costumes característicos de cada grupo para que assim encontrem sustentação suficiente para se manter. Essa sustentação ocorre quando os membros do grupo aceitam a subordinação a tais padrões. Além disso, o indivíduo contribui para a transmissão quando tem a possibilidade de aplicar tais padrões ao comportamento de outros. Nesse sentido é que os comportamentos típicos se originam e podem se automanter a partir da ação dos próprios membros do grupo (SKINNER, 2003). Skinner (1972) também se refere à cultura, ou mais precisamente aos costumes como sendo um produto das contingências de reforço social. O autor entende os 47 costumes como hábitos comuns a uma dada cultura, hábitos estes que dependem da genética e de contingências tanto naturais como sociais presentes no ambiente de cada grupo. Por essa razão, os costumes considerados bons em uma cultura podem não ser considerados bons em outras, fazendo com que os costumes variem de um grupo para outro. Skinner (2003) diz que esses costumes costumam conflitar, por possuírem essas diferenças e por não controlarem de maneira exclusiva o comportamento do individuo, que desse modo acaba experimentando várias culturas ao longo da vida. Ressalta-se que diferenças são percebidas mesmo dentro de uma mesma cultura. As contingências naturais e sociais que auxiliam na construção dos costumes podem sofrer modificações ao longo do tempo, muito embora permaneçam estáveis durante certo período. As contingências naturais modificam-se em razão das modificações sofridas na natureza pela ação do homem. Por sua vez, as contingências sociais se modificam devido às modificações na forma dos indivíduos relacionarem-se entre si ou com outros grupos, por mudanças ocorridas no controle exercido pelas agencias controladoras, pelo contra-controle ou por novas formas de fuga e esquiva. As modificações sofridas nas contingências naturais e culturais podem ser entendidas como sinônimo de evolução cultural. A evolução das praticas culturais podem fazer com que a cultura possa ou não sobreviver. Nesse sentido, as praticas precisam evoluir na direção da sobrevivência da cultura. Skinner explica que isso pode ocorrer do seguinte modo: (...) As práticas de uma cultura, como as características de uma espécie, são transmitidas por seus membros, que as passam a diante. Em geral, quanto maior for o numero de indivíduos a dar continuidade a uma espécie ou cultura, maior será a chance de sobrevivência da mesma. (SKINNER, 1972, p. 98). Desse modo, a sobrevivência da cultura esta intimamente relacionada ao comportamento de seus membros, assim como, paralelamente, a evolução das espécies depende das características genéticas transmitidas por seus membros. Existe uma relação entre as duas formas de evolução, pois ambas necessitam garantir ações que sejam eficazes na adaptação às mudanças. Por sua vez, as mudanças precisam garantir a sobrevivência da cultura, e para que isso ocorra é primordial que as práticas 48 reforcem seus membros a trabalhar na elaboração e ação de contingências que garantam sua continuidade. Nesse sentido, se a sobrevivência da cultura depende do comportamento de seus membros, por sua vez tais comportamentos dependem da ação do efeito da cultura atual sobre eles. No entanto, mais importante do que conhecer as razões que levam algumas pessoas a trabalharem pela eficiência das práticas de sua cultura, seria mais razoável perceber se as mesmas garantem a sobrevivência, tendo em vista que a os indivíduos trabalham a favor de práticas que se identifiquem com as de sua cultura. (SKINNER, 1972). Skinner (1972) ainda, ao discutir sobre a necessidade de estimular nos membros de uma cultura a execução de práticas que garantam sua sobrevivência, discorre sobre a importância das instituições controladoras no controle dessas ações. Segundo o que diz o autor, as instituições normalmente exercem um controle fundamental sobre os membros de sua cultura, colocando-os sobre efeito de reforçadores em longo prazo através da demonstração da obtenção de benefícios que os controlados podem usufruir ao atender suas exigências. Isso significa dizer que o segredo do controle exercido por essas instituições se explica em fortalecer as contingências que demonstram vantagens em longo prazo. A justificativa para o exercício de tal controle se pauta no fato da possibilidade de recusa, por parte dos controlados, em deixar de responder a reforçadores que possuam efeitos imediatos, ou ainda, ter de responder a reforçadores que talvez só possuam efeitos previstos para as gerações futuras. Contudo, torna-se mais difícil ainda fazer com que os membros da humanidade invistam em práticas que formem uma cultura única, no sentido de desenvolver práticas que sejam eficazes para a solução dos problemas originados por práticas atuais. Skinner (1972) explica que os problemas existentes na humanidade são globais, ou seja, são problemas comuns encontrados em diferentes culturas. Por essa razão, faz-se necessário não apenas demonstrar as conseqüências futuras de tais problemas, como também fortalecer as contingências que reforcem ações mais eficazes por parte dos membros da humanidade, na direção da mobilização de práticas mais eficazes que se expandam por todo o mundo. 49 O autor acrescenta ainda que muitas pessoas temem a generalização das práticas, por acreditarem que isso possa levar a uma estagnação das culturas. O autor acredita que este temor torna-se desnecessário quando se entende que os costumes de uma cultura, assim como as mutações genéticas, sempre estarão sujeitos a modificações. Todavia, ações eficazes para a sobrevivência e evolução da cultura podem conviver com esses costumes, agregando forças para a continuidade da evolução, sem o temor de uma prática anular a outra. Para que isso ocorra, o autor sugere que as contingências que determinam os estágios de evolução da cultura sejam manipuladas, permitindo sua mudança, evitando assim que se estabeleça um padrão fixo de práticas. Em que pese à relevância das ações dos membros da cultura para a perpetuação da mesma, o mais importante valor considerado por Skinner (1972) como visto, é o valor de sobrevivência. Isso significa dizer que as práticas culturais precisam estar empenhadas em garantir a sobrevivência. Durante um longo período, as praticas culturais foram entendidas pelo viés de idéias tradicionais vinculadas a valores também tradicionais. O autor chama a atenção para o que se vê realmente quando se observa uma cultura, e infere que ao invés de valores observa-se o modo como às pessoas se comportam juntas e quais são os seus costumes. De acordo com Skinner, quando analisa o que se denomina valores de uma cultura, Do ponto de vista pré – científico (e o termo não é necessariamente pejorativo), o comportamento de uma pessoa é, até certo ponto, uma realização pessoal. O individuo é livre para discutir, decidir e agir, possivelmente de forma original, podendo ser reconhecido pelos seus sucessos e responsabilizado pelos seus fracassos. Do ponto de vista cientifico (e o termo não é necessariamente honroso), o comportamento de uma pessoa é determinado por uma herança genética reconstituível a partir da história da evolução das espécies, e pelas circunstancias ambientais as quais esteve exposta. (SKINNER, 1972, p. 79). Como expõe a citação acima, durante um período compreendido por Skinner como pré – cientifico, buscou-se entendeu-se o comportamento humano a partir de subsídios valorativos que geraram a idéia de um homem livre, capaz de escolher e, por essa razão, tornar-se responsável por suas escolhas. Todavia, aceitar a suposta 50 ‘liberdade’ do homem seria o mesmo que negar os fatos científicos que evidenciam a importância dos efeitos do ambiente sobre o comportamento humano. Esses efeitos atribuem ao ambiente a responsabilidade pelo comportamento humano, ou seja, os comportamentos surgem a partir da interação entre o organismo (genética) e o ambiente. Nesse sentido é correto afirmar que essa relação determina o comportamento. Falar de determinismo, ao contrário do que muitos pensam, é o que possibilita a modificação do comportamento, pois permite a alteração das contingências que controlam esse comportamento. Por conseguinte, a noção existente de um homem livre e autônomo, por si só, esgota a possibilidade de mudança, no sentido de que homens livres não sofrem a influência de nada que possa alterar suas concepções já cristalizadas em uma personalidade. Skinner (1972) aponta para a influência que os juízos de valor exercem nas idéias que o indivíduo possui sobre sua vida e os fatos que a permeiam. Segundo o autor, as indagações que levam a essas concepções sempre consideram a questão de como o individuo se sente em relação às questões de sua vida. Por essa razão, as pessoas acreditam que a modificação dos valores, ou seja, de como se sentem ou percebem o mundo, é o que gera progresso, como se os valores oferecessem um direcionamento eficaz na questão das escolhas fazendo com que a modificação destes gere também ações melhores e mais produtivas para a cultura. As decisões da ciência também são contaminadas pelos juízos de valor que se originam da sabedoria compartilhada com as demais pessoas e sem nenhum respaldo cientifico. Ocorre que a ciência do comportamento ousou buscar respostas cientificas para explicar o modo como às pessoas sentem ou mesmo o que isso significa em nível de resultado científico. Pode-se analisar cientificamente o que as pessoas entendem por valor através da compreensão de suas razões para desejarem modificar o mundo a fim de torná-lo melhor. Essas razões se explicam pelas conseqüências que trazem benefícios e, por isso, são valorizadas pelo grupo. Skinner expõe, portanto, o ponto de vista da ciência do comportamento sobre essas questões: Do nosso ponto de vista, coisas boas significam reforçadores positivos. Alimentos de bom paladar nos reforçam quando os experimentamos (...). Quando afirmamos que um juízo de valor é uma questão não de fato, mas de 51 como alguém se sente em relação a ele, simplesmente estamos distinguindo entre um objeto e seu efeito reforçador (...). (SKINNER, 1983, p.81). Isso significa dizer que o juízo de valor pode ser entendido em termos de objeto que causa efeito sobre os indivíduos na cultura, ou seja, esses valores são reforçadores por causa de suas conseqüências para esses indivíduos. Possivelmente esses valores tornaram-se reforçadores porque foram selecionados durante a evolução cultural. Durante a evolução cultural, alguns comportamentos foram selecionados como ‘bons’ e outros como ‘maus’. Essas classificações são o que se compreende por juízo de valor, contudo para Skinner (1972) elas são as classificações dos efeitos do reforço. É importante destacar que o autor ressalva que os efeitos reforçadores são mais importantes do que suas classificações, pois esses efeitos são responsáveis pelo comportamento de cada individuo. Skinner (1972) confere uma explicação sobre o que seriam os sentimentos do homem autônomo, visto que estes estão atrelados às razões (causas) pelas quais os homens se comportam na concepção mentalista. De acordo com o autor, os sentimentos são sensações produzidas pelos estímulos reforçadores. Estas sensações podem ser externas ou internas dependendo da ação dos estímulos que as produzem. Ocorre que as sensações internas são mais sutis, sendo muito difícil por vezes discriminá-las. Desse modo, a localização das sensações marca uma diferença significativa entre elas. As sensações externas podem ser sentidas nitidamente, já as internas não são ativadas com a mesma facilidade. No entanto: Uma diferença mais importante ainda reside na forma pela qual aprendemos a sentir as coisas. Uma criança só aprende a distinguir cores, tons, odores, gostos, temperaturas diferentes e, assim sucessivamente, quando estes se enquadram nas contingências de reforçamento (...) Em geral, a comunidade verbal não pode estipular as contingências sutis necessárias ao ensino das distinções tênues entre estímulos que lhes são inacessíveis (SKINNER, 1972, p.82). No sentido do exposto, entende-se que o comportamento verbal possibilitaria, a produção de estímulos condicionados que dispensam a discriminação de sensações 52 corporais externas. Por sua vez, os sentimentos que correspondem às sensações internas são tão sutis e imprecisos que o comportamento verbal não consegue ainda dispor de estímulos discriminativos verbais que dêem conta de estabelecer distinções entre esses estímulos sentidos internamente. Desse modo, a aprendizagem dessas sensações se da pelo viés de metáforas, ou seja, o individuo, aprende a discriminar o que sente comparando essas sensações aos estados de coisas e objetos presentes no ambiente físico. Skinner (1972) afirma que isso ocorre justamente pela falta de precisão existente na linguagem da emoção. Ainda no que concerne à questão dos sentimentos Skinner considera que: (...) O importante não é o sentimento, mas o objeto percebido (...) os homens generalizam os sentimentos produzidos pelas coisas boas, nomeando-os de prazer, e os produzidos pelas coisas ruins nomeando-os de dor; Porém não damos a ninguém prazer ou dor, apenas coisas que sentem como agradáveis ou dolorosas (...) o que se aumenta ao máximo ou se reduz ao mínimo, o que, em última instância é bom ou mau, são as coisas e não os sentimentos, os homens trabalham pra obtê-las ou para evitá-las não pelo que sentem em relação a elas, mas por serem reforçadores positivos ou negativos. (SKINNER, 1972, p. 83). Skinner (1972) chama a atenção para a importância do efeito reforçador dos objetos. Segundo o autor, as pessoas tendem a atribuir importância demasiada ao que sentem, porém o que sentem é o produto da ação dos fatos e objetos dispostos por outras pessoas. Diante dessa conclusão, torna-se claro que as emoções são apenas subprodutos secundários desses objetos, e que tais objetos são o foco principal, tendo em vista que são eles os responsáveis pelos efeitos prazerosos ou não, que por vezes são ‘sentidos’ pelas pessoas. Visto que os fatos e objetos reforçadores são dispostos por outras pessoas, fazse necessário compreender as razões pelas quais as pessoas agem pelo bem de outras. De acordo com Skinner (1972) as pessoas se comportam assim porque outras que possuem o poder necessário controlam-nas através de controle aversivo. O controlador utiliza-se da técnica, por exercer controle imediato sobre quem esta sendo controlado. Já o controle por reforçamento positivo, obtêm resultados em longo prazo, 53 por isso não é muito utilizada. Portanto, as pessoas que agem pelo bem do próximo não o fazem por causa de sentimentos de amor ou obrigação, mas se comportam desse modo devido ao modo como são reforçados socialmente por fazê-lo. Isso significa que: (...) O valor se encontra nas contingências sociais mantidas com a finalidade de controle (...), contudo, provavelmente recorremos a alguma virtude interior para explicarmos porque uma pessoa procede bem em relação a seus semelhantes, mas não o faz porque estes lhe transmitiram uma noção de responsabilidade ou obrigação, ou de lealdade ou de respeito pelos outros, mas porque fornecem contingências sociais eficazes (SKINNER, 1972, p.85). Diante dessa afirmação, entende-se que Skinner (1983) considera que o único valor existente encontra–se nas contingências sociais, pois são as contingências que controlam o comportamento das pessoas e não os sentimentos, que como visto, é apenas subproduto. Em razão disso, a identificação das contingências que controlam o comportamento são fundamentais para distinguirem-se os sentimentos dos objetos e fatos contingentes de seus efeitos. Skinner (2003) considera a questão dos juízos de valor na perspectiva do planejador cultural. Para o autor o modo como o planejador cultural ‘deve’ agir se explica pelas conseqüências reforçadoras. Muitas pessoas acreditam que a palavra ‘deve’ corresponde a avaliações feitas por valores morais que determinam como as pessoas devem ou não agir. A ciência do comportamento explica que o fato de dever fazer algo não se origina desses valores, mais sim das conseqüências das ações sobre a cultura. O mesmo ocorre com o planejador cultural que planeja suas práticas, (embora não saiba exatamente), devido aos efeitos reforçadores provocados por elas, e não por que deve fazê-lo. Apesar dessas constatações, muitos planejadores culturais ainda atrelam a modificação de suas práticas a valores tradicionais, como liberdade, felicidade e segurança. Isso ocorre porque as conseqüências correspondentes às práticas, muitas vezes, não são fáceis de serem observadas. Por sua vez, as explicações pautadas em valores disponibilizam reforçadores mais imediatos no sentido de conferirem ‘alguma’ 54 interpretação sobre uma determinada prática inferindo algumas possibilidades de modificação através da modificação destes valores (SKINNER, 2003). As práticas culturais podem ser avaliadas pelo critério de sobrevivência do grupo, como já abordado acima. Os aspectos da cultura sobrevivem através de processos onde as melhores práticas são selecionadas e por sua vez, são perpetuadas de uma geração para outra. A seleção das práticas pressupõe competição entre elas, o que por sua vez não garante culturas que sobrevivam por muito tempo, tampouco garante a sobrevivência de práticas mais adequadas. Na verdade, a única garantia existente é a modificação. Esse fato assusta as pessoas e conflita com os referidos valores tradicionais, pois, ao contrário do que tais valores afirmam, o critério de sobrevivência não possui meios para afirmar que as pessoas felizes pratiquem ações mais eficazes para o desenvolvimento da cultura. Pelo contrário, muitas vezes as ações mais eficazes são provenientes dos indivíduos infelizes (SKINNER, 2003). Skinner (2003) afirma que outra das dificuldades em aceitar a sobrevivência como critério de avaliação da evolução cultural esteja no fato da evolução pressupor não somente competição, mas competição agressiva entre os grupos. Desse modo a luta pela sobrevivência é encarada de maneira aversiva fazendo com que valores tradicionais sejam aceitos mais facilmente como explicação. Porém, a sobrevivência não é uma questão de escolha e sim um fato. Não nos comportamos a partir de escolhas feitas baseadas em valores e ideais, mas sim porque alguns comportamentos foram selecionados pelas conseqüências, por serem mais bem –sucedidos na garantia da sobrevivência da espécie. Atualmente muitos membros da cultura ocupam-se do planejamento e da modificação das praticas culturais com o objetivo de torná-las boas ou melhores do que são atualmente. Para Skinner (1972, p.111), bom é sinônimo de reforçador. Ao invés de utilizar-se da palavra melhor a fim de julgar as praticas como boas ou não, o importante é considerar as conseqüências de várias práticas em vários tipos de cultura. No entanto, o termo melhor pode auxiliar a compreender que: “(...) É possível propor maneiras melhores do que as que dispomos no momento e sustentá-las com o auxílio de prognósticos e eventuais demonstrações de resultados mais reforçadores (...)”. 55 Nesse sentido, pode-se vislumbrar a possibilidade de testar práticas culturais mais adequadas e eficazes e, por conseguinte, mais reforçadoras para a cultura. Para tanto, a análise do comportamento pode utilizar-se de suas técnicas a fim de definir e sugerir meios de realizar tais mudanças. Em razão disso, a análise do comportamento é extremamente importante para o planejamento de uma cultura. De maneira semelhante às considerações feitas por Skinner (2003), Skinner (1972) afirma que as pessoas recorrem a sentimentos e estados de espírito para explicar o comportamento humano na contemporaneidade. Porém Skinner aborda a questão afirmando que interpretações baseadas em sentimentos não são capazes de sugerir mudanças relevantes devido ao fato de desconhecerem as contingências e sua capacidade de modificação. O autor explica ainda que, as contingências não podem ser analisadas por um observador ao acaso (como ocorre em interpretações mentalistas), ou seja, sem um conhecimento prévio de um experimentador. Somente uma análise experimental do comportamento possui meios para concluir eficazmente o que ocorre com as contingências, substituindo com precisão os chamados processos mentais. É importante destacar que a ciência do comportamento não substitui apenas os termos, mas adiciona seu conhecimento sobre as contingências de reforçamento buscando transcender interpretações com a finalidade de propor ações práticas e eficientemente direcionadas. Portanto, para Skinner (1972), o único valor implicado na mudança das praticas culturais é o valor de sobrevivência. Este valor vai além das modificações simples de alguns costumes, ele visa à mudança de uma série de práticas atuais para outras que possam vir a colaborar para a sobrevivência. Segundo Baum, as mudanças culturais ocorrem através da variação, seleção e transmissão. De acordo com ele: Tendo reconhecido que as culturas mudam por meio de um processo evolutivo que é o resultado de variação, transmissão e seleção deveríamos então ser capazes de agir para melhorar essa evolução, aperfeiçoando todos esses três aspectos. Poderíamos aumentar e orientar a variação, testando deliberadamente novas práticas (...) (BAUM, 2006, p. 283). 56 Nota-se a partir da consideração feita acima por Baum, a possibilidade de melhora da evolução cultural quando oportunizada pela experimentação criteriosa de novas práticas. Os critérios de transmissão, variação e seleção podem ser manipulados a fim de alcançar mudanças mais satisfatórias, todavia para que isso ocorra é relevante realizar uma avaliação das práticas utilizadas atualmente. Baum (2006) explica que se pode, inclusive, selecionar criteriosamente tais práticas. De certo modo, essas práticas são recorrentes em alguns governos e podem ser exemplificadas através das medidas preventivas que o governo adota em razão de, por exemplo, doenças ou criminalidade. Vê-se na atualidade a oferta de ações preventivas em diversos níveis de organização social e grupos sociais, o que representa a necessidade de geração e emprego de metodologias de investigação, avaliação e intervenção a populações cada vez mais variadas; inclusive há uma urgência na produção de conhecimentos sobre intervenções e resultados. Os estudos atuais sobre prevenção têm sido suficientemente variados para agruparem uma diversidade de contribuições, versam desde atividades voltadas para uma unidade específica (p.e., tabagismo; alcoolismo; atividade física entre residentes; práticas parentais, grupos de adolescentes) até unidades mais amplas como o próprio planeta, em suas diferentes dimensões comportamentais e sociais, mas também geográficas, econômicas, climáticas entre outras. Considerando-se que todo planejamento exige avaliação e que a experimentação exige um planejamento Baum (2006, p. 287) explica que: “planejamento cultural explica apenas que devemos fazer mais experimentação e fazêla mais cuidadosamente – isto é, com planejamento e avaliação (...)’’. A necessidade de planejamento decorre do fato de como as mudanças ocorrem. Essas mudanças são ocasionais e variam de pessoa a pessoa, e/ou de grupo a grupo, sendo necessária uma avaliação de dados calculados referentes à freqüência de mudanças ocasionadas por tais práticas, sobre o que mudam, mantém ou alteram considerando conseqüências advindas das ações planejadas. O critério o qual se baseia a análise é o critério de sobrevivência, tendo em vista que essas práticas tendem a modificar-se com o tempo, e o valor para a sobrevivência do grupo ser o bem maior a ser atingido quando se propõe qualquer mudança planejada nas práticas. 57 Isso significa dizer que para Baum (2006) uma cultura modifica-se visando sua sobrevivência. Para sobreviver, as culturas precisam adaptar-se às mudanças ambientais como também devem ser capazes de observar outras culturas. Pois o mundo possui uma grande diversidade cultural que, por essa razão torna-se naturalmente conflitivo. A mudança decorre da competição entre essas culturas. Nesse sentido, a cultura que se adequa as novas práticas tornando-se mais flexível e sensível às mudanças possui maiores chances de sobreviver. O conflito entre as culturas é gerado por uma interdependência das várias praticas existentes. A interdependência faz com que uma cultura seja reforçadora o bastante para penetrar em outras provocando a modificação. O aumento do potencial reforçador depende do quanto uma determinada pratica torna-se eficiente no enfrentamento de novos desafios. Quando as mesmas são eficientes nessas questões, elas competem com antigas praticas, podendo até mesmo substituir totalmente uma antiga cultura. Porém, a sobrevivência de uma determinada cultura depende principalmente de como seus membros são reforçados a trabalhar por ações que sejam favoráveis a que isso ocorra (BAUM, 2006). Skinner (2003) discute a respeito do fato de se negligenciar o valor de sobrevivência e as contribuições da analise do comportamento para a evolução da cultura. Segundo o autor, os reforçadores imediatos, a saber, os valores como liberdade, dignidade e felicidade, quando são aceitos como explicação sobre o surgimento da cultura, assim como solução viável para os seus problemas acarreta efeitos negativos e desvantajosos para a cultura, efeitos estes que podem ser comparados aos efeitos da punição. Por sua vez, as conclusões sobre o valor de sobrevivência conferem soluções relevantes para os problemas enfrentados pela cultura. A partir do momento em que o individuo reconhece esse valor pode utilizá-lo como um critério, e com a manipulação das contingências, consiga obter um melhor planejamento cultural, empenhando-se em comportamentos de planejar de modo mais eficiente. Sobre o comportamento do planejador cultural, Skinner afirma que: 58 (...) o comportamento de fazer uma sugestão construtiva acerca da prática cultural não acarreta uma escolha de valor. Uma longa história biológica e cultural produziu o individuo que age de modo particular com respeito às condições culturais. (SKINNER, 2003, p.471) O que significa dizer que o comportamento do planejador cultural, assim como os demais comportamentos sociais, é um produto das contingências presentes em seu ambiente. Dessa forma, o planejador como membro de uma cultura tem seus comportamentos modelados e mantidos pelos mesmos princípios que originam aquilo que analisam e que leva ao planejamento, então suas decisões são também produtos de contingências culturais e regras estabelecidas pelo grupo, mas também de sua história biológica e pessoal. Ações de planejamento sofrem do mesmo modo conseqüências no ambiente imediato e em longo prazo, fortalecendo ou diminuindo em freqüência a ação em determinadas direções ou diante de determinadas decisões. Para Baum (2006), é possível modelar o comportamento do planejador cultural colocando-o sobre o efeito de reforçadores em longo prazo. Isso se justifica porque as culturas desenvolvidas sobre o controle de reforçadores em curto prazo, como ocorre atualmente, podem levar seus membros a uma armadilha de reforço. Ocorre que na armadilha de reforço, os reforçadores em curto prazo tornam-se aversivos em longo prazo, pois sempre acarretam alguns prejuízos. Como por exemplo: “(...) em curto prazo, sacolas plásticas se tornaram muito populares entre os norte–americanos porque são convenientes e baratas; a longo prazo acabam em terrenos baldios e poluem o ambiente (...)”. (2006 p.288). No entanto, esses problemas tornam-se apenas previsões ou possibilidades. Nesse sentido não conseguem controlar eficazmente o comportamento de alguém, pois seus efeitos ocorrem muito posteriormente e vão se acumulando à medida que o tempo passa. Mesmo diante dessas constatações, Baum (2006) afirma que existem meios para colocar o comportamento dos membros de uma cultura sobre o controle de contingências em longo prazo. Basta oferecer reforçadores que estimulem o planejador cultural a fazer com que os controlados respondam aos reforçadores de longo prazo. Esses reforçadores surgem através de experimentação de novas práticas. Os 59 experimentadores geram novos reforçadores e os passam para os controladores que por sua vez utilizam-nos a fim de controlar os membros de sua cultura. As novas práticas administradas pelo planejador cultural agem, de acordo com Baum, “(...) Substituindo as antigas e resolvendo os problemas por elas gerados, têm dois efeitos: Asseguram a sobrevivência da cultura e promovem a longo prazo o sucesso reprodutivo dos membros da sociedade (...)” (2006, p.289). Torna-se, então, evidente a importância da experimentação de novas práticas para a garantia da sobrevivência da cultura. Ao citar Skinner, Baum (2006) defende a necessidade constante da experimentação dessas praticas, pois a experimentação permite a reavaliação de práticas mais antigas que tenham efeitos negativos para a cultura com a finalidade de substituí-las por práticas mais eficazes. O mesmo raciocínio volta-se para práticas positivas, que podem vir a ser fortalecidas e mantidas. Tais ações podem evitar a destruição do ambiente no qual se vive, e por essa razão o planejador cultural que trabalhe nessa perspectiva poderá desenvolver ações mais favoráveis a sua cultura. A eficiência de uma determinada prática, ou seja, a percepção de que ela funciona, pode ser notada pelo fato de tornar as pessoas mais felizes. A felicidade é entendida, no sentido dessa discussão, como a ausência de controle aversivo ou coerção, somada às possibilidades de escolha dentre vários reforçadores positivos que possam vir a controlar o comportamento. No entanto, esses reforçadores sempre devem controlar o comportamento em longo prazo, visto que são tais reforçadores os responsáveis pela possibilidade de sobrevivência (BAUM, 2006). Skinner (1972), tal como posteriormente Baum (2006), afirma que a cultura necessita de pessoas que sejam reforçadas a trabalhar pelo bem-estar de seus membros. Isso significa dizer que as pessoas precisam deixar de serem controladas visando apenas reforçadores pessoais. De acordo com Skinner: (...) se o planejador for um individualista, planejará um mundo onde estará o mínimo possível sob o controle aversivo e aceitará os benefícios pessoais como os valores últimos. Se esteve exposto a um ambiente social adequado, planejará o bem dos outros, possivelmente em detrimento dos benefícios pessoais. Se, antes de mais nada, está preocupado com o valor de sobrevivência, planejará uma cultura tendo em vista o seu funcionamento.(SKINNER, 1972, p.115). 60 A visão de Skinner (1972) sobre o comportamento do planejador pressupõe a importância da ação do ambiente na modelagem desse comportamento. Somente individuo pertencente a um ambiente que reforce as ações de planejar pode comportase de maneira favorável á sobrevivência de seus semelhantes. No entanto, para colocar seu comportamento de planejar a favor da sobrevivência da cultura, o planejador deve ser capaz de prever futuras dificuldades que possam vir a surgir durante o seu planejamento, para que assim possa conseguir modificar as práticas. A modificação das práticas deve ter em vista a solução para alguns problemas globais enfrentados atualmente. São eles: superpopulação, poluição e o armamento nuclear. Visa-se com isso a modificação das contingências que mantêm essas práticas para as contingências que as combatem. Pois não se pode perder de vista que: “(...) uma cultura depende do comportamento de seus membros (...)”. (SKINNER, 1972, p.116) 61 3. Agências controladoras e formas de controle social: Skinner (2003) acredita que qualquer pessoa implicada na questão do planejamento cultural deve conhecer os problemas relacionados aos controles exercidos pelas agências controladoras. Algumas delas operam restringindo o poder de controlar de outras agências. Por exemplo, o governo é uma agência que limita outras agências para obter a paz no grupo. A fim de conseguir o controle, ele exercita seu poder através da força; muitas vezes esse poder pode ser utilizado para servir aos interesses do governo fugindo do objetivo principal. No entanto, faz-se relevante observar que o poder do controlador depende do comportamento do controlado. A partir dessa consideração, agências controladoras, como por exemplo, o governo cria condições de transpor valores mentalistas, a saber, felicidade e liberdade. Pois a partir do reconhecimento da existência do controle assim como da relevância de planejar a cultura de acordo com perspectivas de sobrevivência, os governos evitam a alienação no poder que possuem (autocontrole), passando a usá-lo de modo mais eficaz para um bom planejamento cultural. Skinner (2003) discute sobre a relevância de as agências, como por exemplo, o governo, conhecerem os benefícios gerados por um planejamento visando o critério de sobrevivência, para que assim possam abandonar as concepções mentalistas (valores). Segundo o autor, os valores éticos e morais seguidos pelo governo seguem os mesmos padrões éticos e morais produzidos pela cultura. O governo e as demais agências criam contramedidas a membros do grupo que agem em desacordo com tais padrões e, desse modo exercem o poder de controle e planejam suas ações. O valor de sobrevivência inferido pela análise do comportamento permite que as agências reconheçam os efeitos de seus procedimentos controladores no grupo, como também se tais procedimentos garantirão a sobrevivência de seus membros. Portanto, as considerações feitas por Skinner (2003) sobre o controle exercido pelas agências controladoras, como no exemplo do governo, permitem o conhecimento dos efeitos desse controle nas expectativas de sobrevivência do grupo. A sobrevivência, por sua vez gera a possibilidade da criação de um novo padrão de 62 valores morais com tendência a serem mais facilmente aceitos, tornando-se um divisor de águas entre as antigas concepções e os novos valores traduzidos pela possibilidade de um planejamento que garanta a sobrevivência da cultura. Mas como as agências controladoras exercem controle sobre os membros de uma cultura? Skinner (1991) em referência ao modo como antigos filósofos descreviam a relação entre falante e ouvinte, sugere que sobre a perspectiva deles, o falante consegueria transformar em palavras aquilo que capta de sinais no ambiente, o que significa dizer que transformariam os sinais em representações de acordo com suas percepções sobre o mundo; já o ouvinte constrói suas próprias percepções de mundo a partir das percepções de um falante. Para o autor, diferentemente da visão dos filósofos, falantes e ouvintes tiveram seus comportamentos modelados por contingências de reforçamento presentes no ambiente social, onde cada um foi exposto a uma história de reforçamento especifica. De acordo com Baum (2006) o comportamento social é controlado por regras. As regras podem ser entendidas como enunciados verbais que denotam ordens, instruções ou conselhos. Para que haja o controle, tais enunciados precisam ser contingentes em uma relação de reforço entre falante e ouvinte onde, quando descritos, possam tornar-se estímulos discriminativos verbais para o comportamento de ambos. Por serem as regras estímulos verbais discriminativos contingentes, elas podem então ser entendidas como comportamento verbal. Pelo fato das regras configurarem comportamentos verbais elas se diferenciam significativamente dos comportamentos controlados pelas contingências naturais que, por sua vez, dispensam verbalizações de qualquer espécie para ocorrer. Porém, ambos os modos de controle assemelham-se por acontecerem em uma relação de reforço e punição, mantendo-se a dependência do ambiente para garantir seu efeito controlador. É relevante destacar que a maioria dos comportamentos sociais são aprendidos por regras para depois serem aprimorados por contingências naturais. Isso ocorre, porque ao receber instruções de como fazer algo ou agir de um modo particular, e ao realizar o comportamento de acordo com o que foi instruído ou ordenado comportamento do 63 individuo vai sendo construídos estando mais diretamente sobre o controle dessas contingências; ele vai descobrindo um jeito de se comportar, o que pode ser entendido como o desenvolvimento de suas habilidades pessoais (BAUM, 2006). As regras são controladas por uma relação de reforço entre falante e ouvinte. Segundo Baum: (...) Relação de reforço é uma relação entre atividade e conseqüência (...). Em última análise, o estimulo discriminativo para qualquer verbalização que possamos reconhecer como regra é uma relação de reforço (BAUM, 2006, p.167168). A relação de reforço ocorre em uma variação de curto e longo prazo. Na relação de reforço imediato, o reforço ocorre após o comportamento do ouvinte e pode se apresentar sobre forma de aprovação, por exemplo, por ter seguido a regra. Para o falante, o reforço vem através do comportamento do ouvinte em acatar o que ele instruiu ou ordenou. Ambos os comportamentos sendo reforçados, eles se manterão sobre o efeito de reforçadores em longo prazo, pois esses reforçadores são importantes porque eles garantem saúde e bem–estar para o individuo. O controle das regras é então determinado pelos reforços imediatos emitidos em sua relação como o falante, pelo fato de tanto o ouvinte quanto o falante vivenciarem rapidamente os ganhos dessa interação, porém são mantidas e se justificam através dos reforços que virão em um prazo maior, pois, como explica Baum: A regra sempre explica algo de maior relevância. Isto é, a relação que a regra indica atua sempre em um prazo relativamente longo, que em geral só se percebe depois de muito tempo, um tempo talvez até maior do que o tempo de vida da pessoa. As pessoas são aconselhadas a não fumar devido a uma associação entre fumar e envelhecer, que apenas aos poucos foi percebida ao longo de muitas décadas (...) (BAUM, 2006, p. 172). Por essa razão, as regras precisam ser claras e precisas, pois auxiliariam a identificar e a manter os comportamentos contingentes a ela, além de necessitarem ser expostas por muitas relações de curto prazo para serem modeladas (modeladas pelas 64 contingências) e mantidas em relações onde os indivíduos obterão ganhos em um prazo maior, tendo assim seus comportamentos modelados por regras (BAUM, 2006) Uma questão importante sobre o modo como ocorre à modelagem do comportamento por regras se infere por explicações mentalistas que responsabilizam o referente modo de controle a agências internas como a mente, e costumam dizer que o indivíduo internaliza tais regras ao longo de seu desenvolvimento. A análise do comportamento explica que as regras não fazem parte de agências internas, mas são produtos de interações com o ambiente que se explicam do mesmo modo que os demais comportamentos, ou seja, através das relações de reforços. O que ocorre aqui são lacunas entre o tempo em que a ação que passou a ser controlada pela regra ocorreu em um primeiro momento, e as relações posteriores que ela passa a controlar através de generalizações. Nas novas situações, a regra já não precisa mais ser pronunciada por um falante para controlar o comportamento do ouvinte, por isso tem-se a sensação de que foi internalizada, na verdade somente foi generalizada para outros contextos (BAUM, 2006). Faz-se relevante observar que as regras fazem parte e são aprendidas no contexto cultural ou social dos indivíduos, nesse sentido Baum expõe que: (...) os membros de uma mesma cultura aprendem regras uns com os outros. Uma vez que a pessoa tenha formulado a regra e a tenha ensinado a seus descendentes, parentes e vizinhos, se a regra de fato entrou em contato com a relação última, porque os membros de uma mesma cultura aprendem regras uns com os outros. Uma vez que a pessoa tenha formulado a regra e ensinado aos seus descendentes, parentes e vizinhos, se a regra de fato entrou em contato com essa relação última, ela se propaga de pessoa a pessoa e de grupo a grupo. (BAUM, 2006, p. 176). As pessoas aprendem a agir conforme o que lhes ensinam outras pessoas ao longo da vida, seus comportamentos são então fortemente influenciados por outros que julgam, dizem ou ordenam algo na condição de falante das regras. Isso se justifica pelos inúmeros reforços os quais os ouvintes vão adquirindo ao longo do tempo por se comportarem de acordo com tais padrões. Com isso pode-se perceber que as regras possibilitam as interações complexas entre os membros da cultura e que a própria 65 cultura não existiria sem o possível controle de tais interações advindo do comportamento verbal (BAUM, 2006). Skinner (2003, p.166) aborda a questão da relevância das regras para o funcionamento da cultura alegando que com o advento desta propiciado pelo agrupamento de pessoas, esses grupos começaram a desenvolver inúmeras práticas. Com a necessidade de gerenciá-las, os indivíduos começaram a classificar os comportamentos em bons ou ruins certos ou errados e puni-los ou reforçá-los de acordo com tais padrões, denominados morais. Segundo o autor: “(...) Estabeleceram-se regras que ajudam uma pessoa a conformar-se com as práticas de sua comunidade e que ajudam a comunidade a manter tais práticas (...)”. De acordo com o autor, os comportamentos éticos e morais, são comportamentos que se referem à obediência e ao seguimento das regras, esses comportamentos são fortemente reforçados pelo grupo. Skinner (2003) infere uma questão importante sobre os comportamentos contingentes a esses determinados padrões estabelecidos por regras sociais, pois o grupo reforça tais padrões na medida em que considera as atitudes de quem o segue como atitudes morais que devem ser exercidas para o bem de todos. De acordo com o autor, a obediência ao governo é uma atitude que vem sendo modelada ao longo de muitos séculos e que não é suficiente entendê-la em termos de atitudes referentes à moralidade, mas sim à luz das contingências que modelaram essas atitudes ao longo de todo esse tempo. Ao se referir ao principio das práticas realizadas pelos grupos, Skinner define as leis (código escritos) como: (...) advertências padronizadas acerca do comportamento considerado mal e que era conseqüentemente punido, (...) as contingências se tornaram mais poderosas quando foram codificadas em advertências religiosas e governamentais, em orientações e instruções chamadas leis. Obedecendo as leis a pessoa evita a punição. (SKINNER, 2003, p. 107). As leis governamentais são regras configuradas em ordens que passam por um processo de escolha realizado por parlamentares com a finalidade de governar a 66 nação. As leis religiosas são utilizadas para controlar indivíduos a partir da apresentação de contingências punitivas de cunho sobrenatural. Muitas vezes, ambas são favoráveis a quem controla em detrimento de quem é controlado (SKINNER, 1991). As leis, o governo, a religião, a psicoterapia, a economia e a educação são chamadas por Skinner (2003) de agências controladoras. A elas é atribuída a função de controlar o grupo de maneira mais organizada e eficaz, partindo do pressuposto de que um grupo venha a funcionar de maneira desarticulada, as agências controladoras agem sobre o grupo manipulando as variáveis necessárias para exercer a organização. Sobre a questão do controle exercido pelas agências controladoras, Skinner considera ainda que: Órgãos ou instituições organizadas, tais como governos, religiões e sistemas econômicos e, em menor grau, religiões e psicoterapeutas, exercem um controle poderoso e muitas vezes modesto. Tal controle é exercido de maneira que reforça de forma muito eficaz aqueles que o exercem, e infelizmente, isto, via de regra, significa maneiras que são ou imediatamente adversativas para aqueles que sejam controlados ou os exploram a longo prazo (SKINNER, 2003, p. 164). Ao explicar a sobrevivência das agências controladoras, Skinner (2003) preocupou-se em descrever generalizações que pudessem explicar os efeitos do controle sobre o grupo controlado, o que normalmente não ocorre com outras ciências implicadas com essas questões, pois as mesmas não conseguem chegar a um ponto em comum a todos os fenômenos ocorridos, dada a complexidade das interações entre todas as agências. De acordo com o autor, entendendo o controlador e o controlado em termos do efeito do controle sobre o comportamento, pode-se então explicar tais fenômenos sobre a mesma perspectiva dos princípios da análise comportamental, chegando assim a um importante denominador comum sobre a questão, o que possibilitaria as respostas para muitas questões. O governo possui certas habilidades especiais que o fazem deter o poder de manipular as variáveis favoráveis ao controle do grupo, tais habilidades estão relacionadas ao poder de punir. O individuo, para conseguir chegar a deter o poder de controlar o grupo, em um primeiro momento, utiliza-se do controle ético através das leis 67 (administrando reforçadores e punidores) para persuadir o grupo a delegar-lhe o poder de governá-lo. Uma vez eleito, o controlador passa a sustentar o poder adquirido, através do poder de punir, utilizando-se da polícia e dos militares para exercer a punição (SKINNER, 2003). As leis são ordens sistematizadas e padronizadas. Elas têm duas características importantes: especifica um comportamento por parte do individuo que tenha um efeito aversivo para outro, e a punição supostamente prevista para quem não segue suas imposições. Pode-se então perceber que a serviço do governo, a lei enfatiza comportamentos considerados “errados’ como, por exemplo, a ameaça a propriedade ou a outros membros do grupo e prevê punições para estes comportamentos que são aplicadas pelo governo que, como dito anteriormente, detêm o poder de punir. Como explica Skinner : (...) Um governo que possui apenas o poder de punir pode fortalecer o comportamento legal somente pela remoção de uma ameaça de punição a ele contingente. Algumas vezes isso é feito, mas a técnica mais comum é simplesmente punir as formas ilegais do comportamento. (SKINNER, 2003, p. 367). Focault (2002) faz uma análise sobre a questão histórica a respeito do poder de punir adquirido pelas autoridades penais e governamentais. Afirma que a punição infligida aos condenados, na época medieval, era um modo de controle social onde as autoridades reafirmavam seu poder e faziam valer suas imposições. Sendo assim, o corpo do condenado tornava-se apenas um meio de manifestação desse poder o qual servia de exemplo a quem ousasse desafiar a justiça e a soberania da época. É importante entender que os crimes cometidos eram considerados como uma ofensa pessoal ao rei que se julgava desafiado por quem ousou perturbar a ordem do reino, nesse contexto, a punição tinha a função política de resgatar a soberania lesada do rei. O autor explica ainda, que com o advento dos cárceres, as punições passaram a ocorrer de forma mais velada, mas continuaram servindo ao poder de quem puni. 68 As punições governamentais condicionadas denominadas leis podem punir os comportamentos considerados ilegais apresentando reforçadores negativos como, por exemplo, constrangimento, como no caso de ir a delegacia prestar queixa, castigos corporais, trabalhos forçados, dentre outros, ou retirando reforçadores positivos tais como penas de multa e encarceramento. Segundo Skinner (2003 p.368): “Na prática, essas punições são tornadas contingentes a tipos particulares de comportamento visando reduzir a probabilidade de que o comportamento venha a ocorrer novamente” . Acredita-se que a punição dos comportamentos ilegais sirva de exemplo para os demais membros da sociedade no sentido de continuarem seguindo as leis, como já afirmava Foucault (2002), porém somente isso não seria suficiente para manter o comportamento do grupo no sentido de continuar obediente a tais regras. As pessoas normalmente não assistem à prática ilegal no momento em que ocorrem tão pouco as punições aplicadas, o que impediria de certa forma um controle eficiente baseado apenas na observação de modelos, outros processos ainda seriam necessários para a explicação da ação dos membros de uma cultura. Nesse caso, e como exemplo, o código penal desempenharia o papel importante ao garantir o controle verbal necessário para que seu uso se perpetue entre os membros da cultura, uma vez que o código estabelece as regras e as conseqüências por não segui-la. O controle verbal suplementa o controle já exercido pelo modelo. Ao citar Skinner (1953), Neto, Alves, Baptista (2007) constatam que as pessoas aprendem a se comportar de maneira ética e em concordância com padrões legais estabelecidos pelo código, através do que é passado pelo grupo. Por essa razão, esse padrões são controlados diretamente pelo grupo representado pela família, escolas e por amigos. Entretanto, delegar o poder de controle a outros membros do grupo pode levar a consequenciar a não efetividade do controle desses padrões, pois muitas vezes em decorrência de razões diversas, eles não são passados em concordância com as instruções éticas e morais do grupo maior. Outro aspecto a considerar é que quem controla nem sempre está presente no momento em que o comportamento do controlado ocorre, o que poderia impedir o estabelecimento do controle efetivo desejado, sendo, portanto, mais comum o controle exercido pela regras. As regras substituem a presença dos agentes controladores, e são mantidas pelo grupo 69 (interação falante-ouvinte) em benefício de quem controla e do que deve ser controlado, porém, como observado, isso não garante que o controle verbal estabelecido pelos membros do grupo sempre venha a se dirigir à manutenção de códigos ou em benefício da própria cultura ou de um agente controlador em específico. Ao estar sob controle dos membros do grupo a aplicação das regras e sua consequenciação, variáveis individuais ou do próprio grupo podem vir a consequenciar os comportamentos em outras direções, inclusive com regras destinadas a ações de contra-controle. De acordo com Skinner (2003) o controle exercido pelo governo também o afeta, no sentido de seus membros acabarem se destacando, com muitos méritos, na história da humanidade. Porém, o contracontrole é um efeito de maior relevância a ser considerado. Como explica o autor, o governo vai se revestindo de um poder cada vez maior em manipular as variáveis que controlam o grupo e sendo reforçado por deter esse poder. Desse modo, utiliza-se de força de modo cada vez mais exacerbado, para coagir seus governados e pode até mesmo explorá-los economicamente com a finalidade de aumentar suas riquezas, até que os membros do grupo percam totalmente seus recursos. A exploração pode por sua vez gerar um contracontrole por parte do controlado, que tende a fugir ou revoltar-se com a situação. Baum (2006) discute sobre as implicações existentes nas relações de exploração. De acordo com o autor a exploração consiste em uma relação que dispõe de reforçadores positivos em curto prazo que vão tornando-se aversivos ao longo do tempo transformando-se em uma armadilha de reforço. A exploração caracteriza-se pela trapaça, onde a pessoa só percebe que está sendo enganada ou que caiu em uma armadilha em um contexto maior, quando entra em contato com estímulos que discriminam a verdadeira situação. É interessante notar que Baum (2006) afirma que o próprio governo dispõe de mecanismo que protegem o individuo dessas interações, como, por exemplo, as leis que protegem a criança do trabalho infantil, e as leis que determinam condutas a serem seguidas pelos governantes. Pelo fato de se transformar em uma relação que dispõe de reforçadores negativos em longo prazo, a relação de exploração é altamente coercitiva. Entretanto, as relações coercivas são mais facilmente descobertas pela pessoa coagida. Por sua 70 vez, as relações de exploração pelo uso de reforçadores positivos são dificilmente percebidas pelo individuo tornando-os ‘escravos felizes’. Os ‘escravos felizes’ são pessoas que foram bastante ludibriadas e reforçadas pelo que fazem, e, em razão disso nada fazem para sair do contexto em que se encontram, o que acarreta em mais exploração e uma ameaça real à democracia. De acordo com o exemplo citado por Baum: Escravos felizes podem existir em muitos e diversos tipos de relação. Pais podem explorar seus filhos, recompensando-os com cuidados e afetos desde que trabalhem, peçam esmolas nas ruas ou participem de atos sexuais (...) (BAUM, 2006, p. 221). O exemplo acima demonstra os reforços imediatos existentes nas relações de exploração. Visto que elas dispõem efeitos prejudiciais ao individuo, como os efeitos da punição e que este individuo cai em uma armadilha de reforço, pois é controlado pelos reforçadores imediatos, faz-se necessário o exercício do autocontrole, ou seja, da capacidade de responder aos reforços que surgem apenas em longo prazo, discriminando as ameaças de punição. Indivíduos que descobrem estar sendo explorados tardiamente, podem tornar-se indivíduos ressentidos com potencial para se rebelarem contra o explorador, como ocorre no caso da coerção dirigida ao agente controlador. É importante destacar que Baum (2006) afirma que a relação entre instituição controladora e indivíduos se estabelece do mesmo modo que as relações entre um indivíduo e outro. Para o autor, as únicas relações possíveis para ambos são as relações de equidade, onde as pessoas sentem-se felizes por receberem os reforços de maneira igual quando se comparam a outros grupos sociais. Para Skinner (1972), as pessoas também se sentem felizes quando estão livres de controle aversivo, pois de acordo com autor liberdade são sentimentos atrelados a comportamentos que livram os indivíduos do contato com os estímulos coercitivos. Tais comportamentos são denominados de fuga e esquiva. A origem desses comportamentos está no ambiente físico que desde o principio sempre disponibilizou de 71 ameaças constantes a espécie humana, que por sua vez sempre desenvolveu mecanismos para se livrar de tais ameaças. Entretanto: Os mecanismos de fuga e esquiva exercem um papel bem mais importante na luta pela liberdade, quando as condições aversivas são geradas por outras pessoas (...) de uma forma ou de outra, intencionalmente ou não, o controle aversivo é o padrão de quase todo o ajustamento social – em ética, na religião, no governo, na economia, na psicoterapia e na vida familiar. (SKINNER, 1972, p. 26) A afirmação acima demonstra que quase todas as relações sociais se dão através de comportamentos de fuga e esquiva, uma vez que todas essas relações se desenvolveram por contingências de controle aversivo, incluindo-se ai as instituições que exercem controle social. Skinner (1972) aponta a agressão como sendo uma das formas em que se apresenta o comportamento de fuga. O autor acredita que o comportamento de atacar a outros faça parte da herança genética dos homens e que de certo modo essa herança seja favorável às lutas desses homens pela liberdade do controle aversivo. Pois se observa que os homens agredidos possuem sempre predisposição para agredir, direta ou indiretamente. Pode-se citar o vandalismo como um comportamento de agressão indireta onde a pessoa que é agredida passa a atacar outras pessoas mesmo que estas não tenham sido exatamente seus agressores. O autor descreve ainda que instituições controladoras, como é o caso do governo, apelam para o controle por reforçamento positivo quando percebem a ameaça de agressão ou outros modos de comportamentos que possibilitem a fuga ou a esquiva por parte dos controlados. Esses reforçadores possuem um efeito em longo prazo e não controlam imediatamente o responder, fazendo com que as instituições controladoras utilizem de reforçadores positivos condicionados que se transformam em reforçadores aversivos ao longo do tempo. .Agindo desse modo, elas conseguem manter os membros do grupo sobre o seu controle, gerando uma falsa idéia de liberdade. Matos (1980/1981) discute sobre suas conclusões a respeito dos efeitos do uso do controle aversivo, como técnica de controle social. De acordo com a autora, a 72 referente técnica possui efeitos desagradáveis tanto para quem a utiliza quanto para quem seu uso é destinado, e por essa razão, não existe nenhum fato razoável que justifique o seu uso, tendo em vista que tudo o que decorre dessas interações provêm de estímulos nocivos e ameaçadores a sobrevivência da espécie humana. Diante dessas percepções a autora esclarece que: Não pretendo realmente falar sobre ética, deixo, esperançosamente, para que vocês o façam após esta palestra. Não estou aqui nem para convencer, nem para converter ninguém. O que gostaria mesmo é falar sobre alguns mecanismos e procedimentos de controle aversivo, estudados e usados, respectivamente, dentro e fora do laboratório (...). (MATOS, 1980/1981, p.126). De acordo com o exposto acima, pode-se pressupor que Matos (1980/1981) considera que a relevância em discutir o controle aversivo é algo que antecede a importância de discussões sobre as questões éticas, pois a partir do conhecimento das implicações do controle aversivo para as interações sociais, poder-se-á discutir as questões éticas que estão atreladas a tais efeitos de maneira mais ‘consciente’, propondo, talvez, alternativas mais eficazes para os problemas existentes nas interações atuais. Para Matos (1980/1981), o principal efeito do controle coercitivo é a supressão. A supressão gera comportamentos como os de inibição da resposta ou de respostas incompatíveis com o estimulo aversivo. Os mecanismos que inibem o comportamento a partir da apresentação do estímulo aversivo geram respostas emocionais chamadas de ansiedade. A ansiedade torna-se então um comportamento que prejudica as interações saudáveis do indivíduo com o seu ambiente. Nesse sentido a ansiedade pode ser compreendida como: “(...) algo que se associa a comportamentos inadequados, prejudiciais a interação do individuo com o meio (...)” (MATOS,1980/1981, p.128). Os efeitos da ansiedade podem ainda tornar-se permanentes após certa freqüência a exposição do individuo aos estímulos aversivos. Um segundo comportamento gerado pela exposição ao controle coercitivo referese à geração de respostas incompatíveis ao estimulo aversivo apresentado. Essas respostas podem dominar totalmente o repertório do individuo, eliminando as demais respostas contingentes a outros estímulos, tornando o comportamento algo ritualístico. 73 É importante destacar que ambos os comportamentos apresentados apresentam sérias ameaças aos membros da sociedade, e, por conseguinte, a sobrevivência da espécie, uma vez que se tornam nocivos as relações entre os indivíduos. Além dos comportamentos mencionados, Matos (1980/1981) considera a existência de comportamentos alternativos tais como comportamentos de agressão, por parte dos indivíduos controlados coercitivamente, ao seu ambiente físico e social. Estudos realizados utilizando choques elétricos em animais demonstram que quando esses animais recebem choques juntos e com freqüência, eles passam a atacar seu ambiente assim como outros animais. Situação ainda mais critica é demonstrada por outro estudo o qual conclui que animais que vivem juntos e recebem choques atacam de maneira mais exacerbada do que animais que recebem choques isoladamente, tornando a situação dos animais agredidos e em grupo potencialmente perigosa. Pode-se perceber essas situações de laboratório estendidas as situações cotidianas quando pessoas vulneráveis socialmente (e.g., agredidas) atacam outras pessoas (que podem ou não ser o agressor). Como explica Matos: “(...) estamos passando por uma época em que moradores de subúrbios de Salvador atacam e destroem seus meios de transportes, arriscando-se a andar a pé ou a perder seu emprego por falta (...)” (MATOS, 1980/1981, p.128). O que demonstra que, assim como no caso dos animais estudados, pessoas agredidas venham a se tornar também pessoas agressivas. Partindo-se do pressuposto de que agressão é uma forma de violência, Neto, Alves e Baptista (2007) ao citarem o dicionário Aurélio (2000) e Sidman (1989/ 1995) fazem as seguintes observações: No dicionário Aurélio da língua portuguesa, Violência tem como definições: constrangimento físico ou moral; uso da força; coação (Ferreira, 2000, p.2076). O termo coação encontra-se também no mesmo dicionário como sendo um dos possíveis termos da palavra coerção. (Ferreira, 2000, p.496). A violência poderia ser assim vista como um sinônimo de coerção. (ALVES; BAPTISTA; NETO, 2007, p.30). 74 Tomando como base alguns dos processos comportamentais da punição e da coerção explicados por Sidman (1989/1995) e Catania (1999), Neto, Alves e Baptista (2007) expõem que a punição é bastante utilizada em nossa cultura devido ao seu efeito imediato na eliminação de comportamentos indesejados, da mesma forma a coerção é aceita com naturalidade, o que se justifica no fato de os indivíduos terem aprendido a se relacionar coercitivamente com o ambiente, fugindo ou se esquivando de suas ameaças, fomentando a naturalidade com que a punição é encarada. Essa é uma das razões que explicam o código penal que ao impor punições para comportamentos que ameaçam os membros da sociedade, exercem controle sobre eles. Nesse contexto: “As leis fazem parte de um código penal e descrevem contingências de punição para os comportamentos considerados inadequados ou nocivos para a boa convivência em grupo”. (NETO ALVES & BAPTISTA, 2007, p.31). Porém, a despeito da naturalidade com que são encarados, a punição e os demais modos de coerção provocam contracontrole no individuo controlado por tais contingências, podendo inclusive exercer o contracontrole sobre agências e seus membros; protestos e reivindicações podem ser analisados como formas mais atenuadas de contracontrole nesse sentido, e mortes, agressões físicas e depredações suas formas mais extremas. A privação pode se tornar uma condição importante para a aplicação da coerção permitindo o controle social. Ganha dimensões importantes quando manipulada pela agência governamental. Biglan (1995 apud MARTINELLI & CHEQUER, 2006), assinala essa questão quando analisa o papel do poder: Uma pessoa ou grupo com poder pode controlar o acesso das pessoas a reforçadores condicionados ou incondicionados. Aqueles com poder podem coagir no sentido de que eles podem punir comportamentos que eles não querem, e podem negativamente reforçar comportamentos por retirada da ameaça contingente à obediência. Este controle por contingência também mantém complacência, porque a tendência das pessoas se comportarem consistentemente com regras estabelecidas é uma função das conseqüências de fazer isto. (BIGLAN (1995) apud MARTINELLI E CHEQUER, 2006, p.119). As conseqüências de tentar mudar tais práticas também são observadas. E nesse sentido, Falhas em considerar o papel do poder na manutenção das práticas culturais, podem levar a influencia de custos e benefícios determinando escolhas culturais. Grande número de pessoas está empobrecida e oprimida em muitos sistemas 75 culturais atuais... Entretanto, as pessoas que estão sofrendo sob um sistema particular não são as pessoas com poder para mudá-lo. E aqueles com poder são beneficiados com o poder existente. Além disso, embora os custos e benefícios experimentados pelas massas possam ser desfavoráveis, qualquer movimento para melhorar sua condição é provável de encontrar conseqüências desfavoráveis, incluindo aprisionamento e morte (...) (BIGLAN, 1995 apud MARTINELLI E CHEQUER, 2006, p.119). Então, privação também é um modo de coerção que pode gerar contracontrole. Experimentos de laboratório demonstram que pombos privados de alimentos começam a agredir os seus companheiros de um momento para outro. A agressão é um modo de contracontrole bastante expressivo em nossa sociedade. Em razão disso os autores consideram: O contracontrole é assim um outro elemento a ser considerado numa análise do fenômeno da violência. Em uma sociedade na qual o controle coercitivo prevalece, tende-se, então, a esperar que o contracontrole ocorra. Em alguns lugares mais, em outros menos acentuadamente. De qualquer forma, sua probabilidade é grandemente aumentada nesse contexto coercitivo. (ALVES; BAPTISTA; NETO, 2007, p.31). Com a finalidade de relacionar a violência a estados de privação geradores de contracontrole sofridos por muitos membros do grupo, Neto, Alves e Baptista (2007) recorrem aos autores Namo e Banaco (1999) por meio dos quais observam que existe uma relação entre os índices de criminalidade e as condições econômicas e sociais de alguns países. Um estudo realizado sobre a crescente violência no estado de são Paulo, detectou que a cidade em questão sofre com o aumento exagerado da população e não oferecem condições mínimas de bem-estar social e econômico para essas pessoas, que são privadas desses reforçadores. No mesmo estudo, foram constatadas que em países onde o governo aproveitava-se de meios legais para explorar as populações economicamente, desestabilizando a economia, os índices de violência aumentaram significativamente, pois as ações do governo tiveram como conseqüência o empobrecimento de muitas pessoas que participavam ativamente para o progresso da economia nesses países. Somados a esses fatores, o uso cada vez maior da coerção a fim de manter a ordem da sociedade, pode provocar a violência: 76 (...) O controle coercitivo é analisado como gerador de violência que aconteceria na forma de contra-agressão e por meio de uma espécie de reação em cadeia, na qual os mais fortes agrediriam os mais fracos, e assim sucessivamente (...) (ALVES; BAPTISTA; NETO, 2007, p.37). Lima faz algumas considerações sobre o uso da coerção materializada através das ações dos agentes responsáveis pela segurança pública no Brasil. De acordo com o autor: A segurança Pública seria uma forma desenvolvida pelas sociedades modernas, baseadas no estado de direitos e na democracia, na racionalidade e na administração para ajudar a sociedade a conter o fenômeno da violência, ou seja, do controle aversivo. (...) A segurança pública poderia muito bem ser caracterizada como mais um tipo ou subtipo de agência controladora dentro do governo. A polícia são os agentes responsáveis pela manutenção da paz, através do uso da força (LIMA, 2007, p.2) Na tentativa de explicar às ações violentas e repressoras da polícia justificadas no combate a violência, o autor recorre primeiramente ao modo como tais a prática de tais ações se desenvolveram. Nesse sentido, ele explica que as práticas da policia utilizando da força, em principio, visavam formar uma barreira humana de proteção entre as classes dominantes e as classes dominadas, separando-as de acordo com uma perspectiva dualista entre bons e maus da sociedade. Oliven (1989), ao referir-se sobre o assunto, demonstra que no período da revolução industrial, muitos trabalhadores perderam seus empregos no campo e migraram para as cidades em busca de oportunidade de trabalho. Porém, as indústrias não conseguiam absorver toda essa mão de obra, pois além de excessiva ela era, muitas vezes, desqualificada. Esse processo resultou em muitos trabalhadores marginais que viviam do mercado informal e, eclodiu em violência, o que se justifica como um modo das camadas populares reclamarem um excedente capital o qual foram expropriadas. Além desse fator, a política implantada pelo governo referente à 77 segurança e desenvolvimento que visava o acúmulo de capital, fez com que a classe média se sentisse ameaçada, principalmente pelo aumento da inflação. Diante dessa possibilidade o governo em “parceria” com a mídia, mudou o olhar das classes médias para essas questões econômicas, na direção do fenômeno das classes baixas que viviam da marginalidade e acumulavam-se nas periferias em bolsões de misérias. Essas figuras marginais foram associadas à criminalidade, e, como ‘bodes expiatórios’, foram transformados em maus, separados dos bons (classe média e alta) pela forte repressão policial que se formou contra eles. Lima (2007) expõe que devido aos fatores que motivaram a prática dos agentes de segurança pública no Brasil, suas ações se desenvolveram de forma desarticulada, onde cada policia é responsável por uma classe social e um tipo de crime, tendo em vista o agravante do estigma de violência e criminalidade atribuído às classes mais carentes, que consequencia uma atuação de forma mais violenta e punitiva (como, por exemplo, o encarceramento), ao invés de preventiva, contra a criminalidade existente nesses ambientes, chamados pelo autor de massas populares. Numa espécie de lei “do olho por olho e dente por dente”, o autor ressalta de maneira relevante, de acordo com as conclusões de Andery e Serio (1995), os efeitos perigosos do uso de violência para combater a violência, seriam eles: O uso da violência acarreta mais violência; faz com que tudo tome a feição de violência, produz um sujeito impotente diante da violência, amargo e vivendo uma vida amarga. Lima (2007) destaca: “A violência produz violência como num processo epidêmico e de difícil controle”. E cita Andery e Sério (1995) para inferir a seguinte conclusão: Buscando destruir, se pudermos as fontes de coerção: Sob controle aversivo emitimos respostas de fuga/ esquiva, que, quando possível, assumem a forma de ataque à fonte de coerção. Sob coação, tendemos a atacar aqueles que nos coagem, tendemos a fazê-lo com toda a intensidade de que somos capazes. Pior ainda, qualquer estimulação aversiva, ainda que não se dirija diretamente a nós, pode produzir respostas de agressão. Tendemos a reagir com o ataque, indiscriminadamente, a tudo aquilo que estiver relacionado à estimulação aversiva. (ANDERY; SÉRIO, 1995, p.2 a 3) 78 De acordo com o exposto acima, por Lima, sobre os efeitos do uso da técnica de controle aversivo por parte dos policiais e agentes de segurança pública no combate a criminalidade, pode-se deduzir que tais ações somente podem gerar contra-controle mais agressivo, fazendo com que a violência torne-se um fenômeno cíclico, onde uma ação desencadeie a outra e assim sucessivamente. Neto; Alves e Baptista (2007) alertam para o fato de muitas pessoas, devido à ignorância sobre os efeitos danosos da punição concernente às interações sociais, em especial destaque o contracontrole e a agressão, atribuírem à falta de conscientização dos padrões de comportamento éticos e morais as causas da punição, porém o que chamam consciência seria ela mesma um produto de coerção. Um possível caminho para combater a violência e criminalidade crescente, ou seja, as revoltas e agressões (contracontrole) por parte do grupo controlado, seria a garantia para obtenção de reforçadores primários como saúde, emprego e educação e reforçadores secundários como os bens de consumo. A privação e a exploração são potencialmente geradoras de contra-agressão. Porém o que ocorre é bem diferente, como explica Skinner (2003). O grupo controlador utiliza-se habilidosamente do poder controlador da moral para persuadir o grupo a deixar-se controlar por ele, para depois utilizar-se do mesmo controle ético a serviço do poder de punir e coagir o grupo de uma forma excessiva reforçada pela possibilidade de exploração das riquezas desse mesmo grupo, o qual o poder lhe confere. Enquanto existir essa violência o efeito contracontrolador existirá e, por conseguinte, a violência. 79 4-Algumas considerações sobre o sistema Prisional no Brasil: Goffman (1996) define as prisões como instituições totais. Para ele estas instituições são locais isolados da sociedade, tendo como principal característica o isolamento e a segregação social de seus membros. Os indivíduos pertencentes a elas desempenham atividades de modo programado, sempre com as mesmas pessoas, e sob a supervisão de uma equipe que possui a função de direcionar e controlar tais atividades. O surgimento das prisões como espaços de segregação social e privação de liberdade são analisados por Faustino (2008) em um contexto de transformação macrossocial, a saber, a passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Tendo em vista que tais mudanças acarretaram em novas concepções e paradigmas sociais, esses novos valores influenciaram a passagem da pena de punição e castigos corporais para a pena de recuperação do individuo criminoso. As novas concepções trazidas pelo sistema capitalista visavam o acúmulo de capital, nesse sentido, os castigos infligidos ao corpo como forma de punição acabariam por prejudicar uma mão de obra produtiva e necessária a essa finalidade. Como explica Faustino (2008) ao citar Almeida (2007), a maneira encontrada para disciplinar essa mão de obra foi privá-la de sua liberdade, considerada um dos maiores bens do individuo. Com a privação da liberdade a pena duplica sua função: (...) começa a nascer, então, a nova prisão moderna, cumprindo uma dupla função para a sociedade emergente: por um lado segregar aqueles indivíduos que podiam , seja pela contestação ou pela resistência pacífica, ameaçar a ordem que se instalava e, por outro, aproveitá-los para o trabalho, necessário à acumulação de capital. (FAUSTINO, 2008, p.34) Nota-se diante do exposto que a pena assumiu a função social de segregar os indivíduos que ameaçavam a sociedade do convívio com seus membros, bem como 80 assumiu a função política de preparar a mão de obra tão necessária à sociedade capitalista. O acúmulo de capital era tão importante para o novo sistema, que Faustino (2008) chama à atenção para o surgimento das casas de trabalho que objetivavam a punição das pessoas que se recusavam a trabalhar nos moldes do sistema vigente. Apesar dos avanços na forma de sua aplicação, as penas estavam a serviço da economia capitalista. Ao citar Capeller (1985), Faustino (2008) esclarece que as prisões objetivavam a preparação dos infratores para assumir o trabalho nas fábricas. Portanto, a recuperação significava apenas fazer com que esses indivíduos fossem aptos para assumir seus postos na sociedade capitalista. Ademais, tal mão de obra podia ser explorada durante a permanência na prisão, o que evidencia seu único objetivo de explorar a mão de obra carcerária dentro e fora do ambiente prisional. Faustino (2008) esclarece que mesmo com a introdução das idéias humanistas, as prisões continuaram a atender a essa finalidade. As únicas modificações notadas durante a introdução das referidas idéias foram a concepção de ressocialização, que traz como propostas de prevenção a punição e recuperação dos indivíduos que cometiam atos infracionais. Faustino (2008) refere-se à prisão de Auburn surgida no séc. XIX, para exemplificar o uso da mão de obra carcerária no trabalho dentro das prisões. Nesse sistema, era estabelecida uma rotina de trabalho e silêncio diurno e recolhimento para descanso noturno. A dinâmica estabelecida por essas prisões possuía motivações, também econômicas, oportunizando a exploração de uma mão de obra bastante rentável, por estar organizada coletivamente substituindo a produção de grandes máquinas industriais. Todavia, a pena não possuía somente um caráter econômico. É importante ressalvar que Faustino (2008) refere-se a Foucault (1987) para evidenciar a finalidade política da pena no sistema capitalista. Nas prisões, era exercido um modo de controle coercitivo que além de recuperar os indivíduos para inserção social através do trabalho, pretendia também discipliná-los a fim de torná-los dóceis e subjugados aos padrões morais e obedientes as exigências impostas por tal sistema. Com a disciplina estabelecida e fomentada pelo poder de controle existente nas penas de prisão, os indivíduos tornar-se-iam aptos a aceitar a dominação e a exploração de 81 modo mais passivo, como se corpo e alma fossem disciplinados dentro do ambiente prisional. Nesse sentido Faustino expõe que: Como se observa, Foucault chama à atenção para o duplo objetivo intento na disciplina. Por um lado, a utilidade dos corpos no sentido de produzirem mais e em melhores condições de disciplina/ eficácia, atendendo ao propósito de acumulação capitalista e, por outro, a docilidade no sentido político, para aceitar a ordem estabelecida, sustentando, assim a hierarquia social e o comando por parte da classe dominante (...). (FAUSTINO, 2008, p.36) Ainda no que concerne à disciplina, faz-se necessário esclarecer que é utilizada como modo de controle em todas as instituições capitalistas, não ficando restrita somente às prisões, pois possui mecanismos punitivos que colocam os indivíduos aptos a participarem das relações de produção. A disciplina e a preparação para o trabalho faziam, então, parte de um processo de reforma dos infratores vislumbrando seu retorno à sociedade. No contexto de reforma individual, Faustino (2008, p.37) entende que o objetivo das prisões era o de: “(...) defender e proteger a sociedade contra aqueles que violaram o pacto social e, para isso, era necessário efetuar uma reforma sobre o condenado, tornando-o, assim, apto a retornar a sociedade, obedecendo às normas sociais instituídas”. As mudanças que se seguem com a passagem do período humanista para o criminológico encontram-se apenas no entendimento das motivações individuais para o cometimento do crime. No período humanista, acreditava-se que o individuo cometia suas infrações devido as suas escolhas por ser um ser livre e consciente. Já no período criminológico, devido às fortes influências sofridas pelas escolas positivistas, entendiase que o individuo infrator era possuidor de anomalias psicológicas adquiridas durante a fase do desenvolvimento de sua personalidade, fazendo com que a recuperação do condenado assumisse a conotação de cura (FAUSTINO, 2008). A nova conotação dada à palavra recuperação faz com que as prisões sejam concebidas como espaços onde o individuo seja tratado para retornar ‘curado’ à sociedade. Diante desse novo contexto, surge a necessidade da equipe interdisciplinar de médicos, psicólogos, assistentes sociais para diagnosticar e subsidiar o tratamento dos indivíduos presos a fim de recuperá-los para o convívio social (Faustino, 2008). 82 Faustino esclarece que: Seguindo a direção da criminologia tradicional, do século XIX até os dias atuais a recuperação do condenado, agora recebendo denominações como ressocialização, reabilitação, reeducação e outras, são sinônimas de uma reforma moral a ser realizada sobre o indivíduo (...) é isto que está na base do sistema progressivo de cumprimento de pena que surge no séc. XIX e que é adotado ainda nos dias atuais no Brasil e em vários outros países (...) (FAUSTINO, 2008, p.38). No Brasil, a prisão como espaço de cumprimento da pena privativa de liberdade se desenvolveu de forma parecida com as do restante da Europa, visto que o Brasil sofreu grande influência desse continente no que tange a execução de suas penas. Isso ocorreu principalmente após a vinda da colônia portuguesa para o país. No entanto, até a adoção do regime progressista vale ressaltar alguns pontos relevantes de modificação (FAUSTINO, 2008). É relevante destacar tais questões por que como explica Araújo (2007, p.1): “o caos das prisões brasileiras não começou a duas ou três décadas atrás. È um processo de deterioração que nasceu – ironicamente – junto com o sistema prisional do país (...)”, ou seja, os problemas existentes no sistema prisional atual são o produto do modo como as prisões se desenvolveram historicamente. Após a chegada da família real Portuguesa ao Brasil, várias pessoas viram-se obrigadas a ceder seus espaços para a acomodação das pessoas que foram trazidas de Portugal junto com eles. Os espaços iam desde algumas residências particulares, espaços públicos como os da câmara de vereadores, a igreja e a cadeia pública. Ocorre que com a ocupação das cadeias, os presos que aguardavam suas punições precisaram ser removidos para outro local. O espaço encontrado para alojar os presos foi à cadeia de Aljub (Araújo, 2007). Faustino (2008) cita Carvalho Filho (2002) para explicar que a prisão de Aljub era um local utilizado para punir religiosos transgressores das normas da igreja. Porém, com a chegada dos portugueses, este local passou a ser utilizado por todos os infratores. 83 Araújo (2007) considera que a transferência de presos para Aljub inicia mudanças significativas no sistema prisional. Em decorrência da chegada dos portugueses, o número de crimes e de infratores aumentou substancialmente, fora os escravos que fugiam e eram capturados. Todos esses infratores eram mandados para Auljub, fazendo com que a cadeia ficasse superlotada e com as piores condições possíveis de alojar qualquer individuo. Após as constatações das péssimas condições de vida em que se encontravam os indivíduos presos em Auljub, inicia-se a preocupação com um modelo que substituísse a referente prisão. É importante destacar que as prisões brasileiras surgiram durante as ordenações Filipinas e se manteve com estrutura e dinâmicas referentes às prisões de Aljub, até o referido modelo prisional começar a sofre influências das idéias iluministas e humanitárias. Faustino (2008) utiliza Nogueira (2006) para explicar que com a influência dessas idéias as ordenações Filipinas foram suspensas devido a um processo de introdução de novas idéias pautadas em preocupações com a situação do preso e da personificação da pena. Faustino (2008) também descreve que nesse mesmo processo, surge em 16 de novembro de 1830, sancionada por Dom Pedro I, o Código Criminal do Império do Brasil e a constituição da pena como privação de liberdade. Ocorrem, porém, criticas ao novo código. Faustino (2008) cita Costa (2006) para explicar que as criticas foram atribuídas ao fato do código não estipular ações diferenciadas a cada infrator (individualização da pena), por priorizar os crimes de cunho religioso e por manter a pena de morte e outros tipos de penas acessórias. Apesar disso, havia de se considerar as mudanças significativas no tratamento dos presos e na estrutura física das prisões. Faustino (2008) destaca a inclusão do trabalho dentro das prisões como um dos pontos mais significativos de mudanças ocorridas através da vigência do novo código. Foram construídas casas de correção onde à execução do trabalho pelos presos baseava-se no sistema auburniano. Araújo (2007) explica que as casas de correção foram construídas para atingir as exigências do novo código, principalmente no que tange a inserção do trabalho dentro das prisões, pois de acordo com a autora, os estabelecimentos prisionais disponíveis até então, não ofereciam estrutura e condições necessárias para o cumprimento da 84 pena com o trabalho. Até que as casas de correção fossem construídas, ficou determinado que as penas cumpridas fossem as penas simples (sem inserção de trabalho). No período de implantação do código criminal de 1830 até a construção das casas de correção, houve inúmeras discussões entre médicos, juízes, senadores, dentre outras autoridades, sobre o modelo de sistema prisional mais adequado para o Brasil. A dúvida que se tinha era sobre o propósito da pena, ou seja, se esta deveria recuperar ou punir o infrator. Foram então analisados os sistemas de Auburn e o pensilvânico. Ambos baseavam-se no trabalho silencioso e na obediência, porém o trabalho no sistema pensilvânico se caracterizava por serem manuais e realizados dentro de celas individuais (ARAÚJO, 2007). Araújo (2007) conta que a opção feita foi o sistema de Auburn, porém o cumprimento da pena por escravos demandou que algumas adequações fossem realizadas. Essas e outras diferenças entre o Brasil e os outros países da Europa fizeram com que o ministro da justiça da época, Euzébio de Queiroz, não estivesse muito certo sobre a escolha do atual sistema de Auburn, chegando a afirmar que o tempo deveria decidir entre este ou o modelo pensilvânico. Realmente, com o tempo foi decidido através de uma análise feita por uma comissão de autoridades responsáveis, direta e indiretamente, pela aplicação das penas e pelos espaços prisionais a elas correspondentes, que o próximo ambiente construído deveria adotar o modelo pensilvânico. Outro ponto importante apontado tanto por Faustino (2008) quanto por Araújo (2007), refere-se ao fato de as casas de correção receberem todos os tipos de infratores, sendo que não havia separação entre tipos de crime e nem separação entre os presos maiores e menores de idade. Para Faustino (2008, p.51) isso demonstra: “(...) características próprias de um país escravista e repressivo. Araújo (2007) aponta que as primeiras considerações sobre mudanças a serem feitas no código criminal de 1830 são apontadas pelo médico Luiz Vianna de Almeida Valle, quando este assume a direção da casa de correção. O médico foi o primeiro a considerar o infrator como portador de enfermidade concernente a distúrbios de personalidade. Atreladas as suas concepções médicas estavam fortes idéias 85 humanistas que faziam com que tratasse o preso atendendo necessidades anteriormente ignoradas. Devido a essas concepções, inaugurou bibliotecas e escolas para ensinar as primeiras letras aos presos sob sua custódia. A partir de 1876, ele propôs em um relatório, mudanças concernentes na administração do ambiente prisional, como também no código criminal. Faustino (2008) cita Carvalho Filho (2002) para afirmar que o surgimento de um novo código penal ocorreu em 1890, o qual se baseava em idéias humanistas e positivistas. No novo código houve a abolição parcial das penas acessórias. Faustino (2008) também recorre às explicações de Salla (1999) para afirmar que, no mesmo período, o Brasil sofre grandes influências dos Estados Unidos, passando a atribuir as causas do crime a fatores biopsicossocias, fazendo com que ciência e razão se associem para subsidiar o tratamento do infrator nas prisões. Fato que também causa mudanças significativas no código de 1890. Faustino (2008) fala que em 1940, durante a era Vargas, o código sofre mais uma vez, transformações significativas. A adoção de um novo código baseado em punições e repressões severas objetivando, principalmente, a retaliação de todos os inimigos do governo, traz conseqüências bastante caóticas para o sistema prisional da época. Nas palavras de Faustino (2003) parafraseando Pinto (2006): (...) a realidade carcerária, nesse momento da história, de acordo com Pinto (2006, p.1003), constitui-se em um aspecto muito importante devido ao radicalismo penal imposto pela política criminal desta época (...) em 1975, a superlotação, as condições precárias de vida nas prisões, entre outros problemas, levou a instauração de uma comissão parlamentar de inquérito, que tinha como objetivo avaliar o estado dos presídios brasileiros (...) (FAUSTINO 2003, p. 53). A partir das apurações feitas por essa comissão, houve a reforma do código penal, tendo em vista preocupações com os direitos do encarcerado. Porém a mais significativa reforma do código de 1940 ocorreu em 1984. Faustino (2008) utiliza-se das palavras de Canto (2000) para destacar que a reforma do código, em 1984, aboliu totalmente as penas acessórias além de voltar-se para a reabilitação dos presos. Nesse período também surge a Lei de execuções penais. A lei de execução penal (LEP) é um 86 texto bastante atual que possui leis que garantem os direitos mais importantes do preso. Ao citar Mirabete (2000) Faustino (2008) afirma que: A LEP é uma obra extremamente moderna de legislação; reconhece um respeito saudável aos direitos dos presos e contém várias provisões ordenando tratamento individualizado, protegendo os direitos substantivos e processuais dos presos e garantindo assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material. Vista como um todo, o foco dessa lei não é a punição, mas, ao invés disso, a ‘ressocialização das pessoas condenadas. (MIRABETE (200) apud FAUSTINO (2008) p. 58). Como exposto acima, o principal foco da LEP é a ressocialização do condenado. A partir daí, são criadas várias ações visando à integração social, dentre elas, a progressão de regime por bom comportamento e individualização da pena. Porém, apesar das reformas ocorridas no código penal, Araújo (2007) não acredita que a situação das prisões possa vir a mudar, pois como observa a autora, as prisões continuam apresentando as mesmas condições caóticas de outrora, a saber, a superlotação, as más condições de higiene e de saúde. Esteves (2002) também considera caótica a situação atual do sistema prisional brasileiro e refere-se a uma incoerência entre o ideal prescrito pela lei e a triste realidade enfrentada pelo preso dentro das unidades prisionais. Para se constatar essa realidade é necessária somente uma visita às várias unidades prisionais onde se podem notar as más condições referentes à falta de espaço físico adequado, além da falta de condições de preservação da integridade física e moral do preso. Apesar de isto estar previsto na lei, o que se observa é que: (...) não raras vezes vemos a utilização de cadeias servindo para o cumprimento de pena, quando isso não é permitido; assim sendo, diante da atual crise do sistema penitenciário, caracterizado se apresenta todo o desvirtuamento da noção de legal e ilegal, não importando os meios a serem utilizados para efetivar o cumprimento da pena pelo condenado, que é obrigado a viver em cubículos, sem respeito a qualquer direito que lhe é garantido por lei, como por exemplo, o de praticar qualquer trabalho que poderia abater sua pena, na forma da LEP. (ESTEVES, 2002, p.1) Pode-se perceber, de acordo com a afirmação acima que as únicas mudanças ocorridas encontram-se na reforma dos textos penais, sendo que, praticamente nada foi 87 alterado em relação à execução dessas penas. É o que demonstram os resultados do censo penitenciário brasileiro, no ano de 1996, publicado pela revista Veja citado por Magnabosco (2008, pág.1), o qual demonstra o tratamento desumano recebido pelos presos, além da ineficácia desse sistema: • O país tem hoje 150.000 presos, 15% a mais do que em 1994, data em que fora realizada a última pesquisa; • A massa carcerária cresce ao ritmo de um preso a cada trinta minutos; • A AIDS prolifera entre os detentos com a rapidez de uma peste. Cerca de 10% a 20% dos presos estão contaminados. Um número tão assustador que o governo evita divulgá-lo para não provocar rebeliões; • 48.4% dos seqüestradores presos estão no Rio de Janeiro - RJ; • Os homens representam 95.5% da massa carcerária, e a maioria cumpre pena por assalto, furto ou tráfico de drogas; • Hoje existem 50.000 - homens e mulheres - estão confinados irregularmente em celas de delegacias e cadeias públicas; • Há outro tipo de prisão irregular no Brasil, mas o censo não tabulou, são aquelas pessoas que já deveriam ser libertadas embora continuem presas; • Uma pesquisa realizada em 1964 demonstra-nos que 90% dos ex-detentos pesquisados procuram trabalho nos 02 primeiros meses, após a conquista da liberdade. Depois de encontrarem fechadas todas as portas, voltaram a praticar novos delitos. Estudos mostram que, em média, 70% daqueles que saem das cadeias, reincidem no crime. Malaquias (1999) também denuncia a falta de compatibilidade existente entre a lei e a prática penal no Brasil. De acordo com o autor, a LEP se norteia através de três pontos principais para direcionar a execução das penas: a punição, a recuperação e a ressocialização. Porém, como observa o autor, na prática as prisões utilizam-se somente do castigo e da punição com os presos, ferindo-lhes e violando-os em seus direitos fundamentais. Outro ponto importante refere-se às condições físicas das 88 prisões, estes são locais fétidos e imundos, assemelhando-se a verdadeiros cativeiros, onde não possuem condições de abrigar nem mesmo outras espécies de animais. Rodrigues, Pimentel e Pesente (2008) destacam pontos importantes levantados por Catania (1999) sobre os efeitos da punição a fim de demonstrar a incoerência existente em um sistema prisional que se utiliza da punição para instalar comportamentos adaptativos. Os efeitos considerados foram: a punição gera respostas emocionais, incompatíveis e contracontrole. A demonstração de tais efeitos sustenta a lógica de que ao invés de indivíduos ressocializados, o ambiente prisional produz neuroses, isolamento social, rigidez intelectuais e sujeitos embrutecidos com forte potencial para contra-agredir. Ocorre que, por mais que se saiba sobre a atual falência do sistema prisional, a postura corretiva e punitiva continua em razão da supressão imediata, apesar de não permanente do comportamento, e a despeito das dificuldades em investir na investigação de alternativas, como por exemplo, o manejo das várias técnicas de reforçamento positivo que são mais trabalhosas e possui efeitos que serão sentidos somente em longo prazo (Rodrigues, Pimentel e Pesente, 2008). Com o propósito de denunciar as condições atuais sofridas pelos presos nos cárceres e propor algumas possíveis soluções, foi feito um relatório pela comissão de direitos humanos e minorias, câmara dos deputados em parceria com a pastoral carcerária-CNBB (2006), sobre a situação do sistema prisional brasileiro. No relatório, há inferências sobre o momento de crise vivenciada pelo atual sistema e que culmina em rebeliões que acabam por extrapolar os muros dessas prisões. Isso ocorre porque quanto mais são agredidos em seus direitos, mais a população carcerária e as populações ligadas a eles, acirram seu ódio e rebelam-se para protestar contra os inúmeros maus–tratos e privações sofridos dentro dos cárceres brasileiros e pelo tratamento violento e desigual que sofrem da polícia (GREENHALGH, 2006). De acordo com Greenhalgh (2006) essas são as possíveis causas da rebelião mobilizada pelo PCC4 no estado de São Paulo no final do maio deste ano. O PCC é um dos exemplos de organização que se forma entre presos e que consegue mobilizar 4 PCC - 89 rebeliões fora do presídio. Na rebelião de maio, O PCC foi o responsável pela onda de violência que aconteceu na cidade, a qual deixou mais ou menos 500 mortos. Seguindo a mesma linha de raciocínio de Greenhalgh (2006), Malaquias (1999) expõe que a violação de direitos fundamentais dos presos fomenta as organizações criminosas dentro dos presídios. Somada a essas observações, o autor acrescenta ainda que, as violações não mobilizam somente organizações criminosas, mas também fomentam a organização política de grupos de presos que reinvidicam seus direitos de forma consciente, exercendo pressões saudáveis para a melhoria das condições de vida do preso. Porém Malaquias (1999) levanta um ponto importante sobre as rebeliões comandadas por organizações criminosas dentro das penitenciárias e cadeias brasileiras. Na opinião do autor, a estratégia militar de colocar presos políticos com presos comuns, fez com que os presos comuns se identificassem com os presos políticos no que se refere às suas idéias de coletividade e reinvidicações em grupo, como também em suas noções de estratégias de guerrilhas urbanas. Os presos identificados com noções de coletividade e reinvidicações saudáveis tendem a se agrupar por um viés do diálogo e da conscientização sobre seus problemas. Por sua vez, presos influenciados pela organização e pelas estratégias de guerrilha, tendem a formar facções criminosas a fim de conseguir o que desejam junto ao estado. Já para Rodrigues, Pimentel e Pesente (2008) as rebeliões são apenas mais um dos comportamentos que surgem em razão dos efeitos colaterais da punição. Sobre a questão do comportamento do grupo dentro no ambiente social das prisões, Rodrigues, Pimentel e Pesente (2008) consideram que os presos criam uma série de comportamentos adaptativos que se tornam reforçadores dentro das prisões, sendo que tais comportamentos são estratégias de fuga-esquiva ou ataque aos maus tratos e privações sofridos no ambiente prisional. Desse modo, as rebeliões podem ser entendidas como forma de contracontrolar agressivamente as agressões sofridas. Magnabosco (1998) também atribui as causas da rebelião às condições degradantes à que são submetidos os presos no ambiente prisional. A autora ressalta que essas más condições geram conflito e revolta por parte dos presos fazendo com que estes se reúnam para reivindicar melhores condições de vida dentro dos cárceres. 90 Nessas reinvidicações, os presos brigam com carcereiros e com outros presos, fazem reféns e exigências para soltá-los, dentre outras ações. Nas considerações de Esteves (2002), o estado de privação e violência sofrida pelos presos antecede a entrada deles nas prisões. Pertencentes às camadas mais baixas da população, esses indivíduos são privados de uma série de necessidades materiais e, por essa razão, passam a viver à margem da sociedade. Sem oportunidade de alimentação ou acesso à educação, muitos desses indivíduos optam pela criminalidade, pois não aprendem valores necessários ao convívio em sociedade. A autora ressalta que nem todas as pessoas pertencentes às classes mais baixas optam pela criminalidade. Entretanto, a maioria dos indivíduos custodiados pelo sistema prisional pertence a essa camada da população. Outro ponto relevante apontado por Esteves (2002) refere-se às motivações pertencentes aos jovens que optam pela criminalidade. Segundo Esteves, os jovens infratores se sentem poderosos com os crimes que cometem e não demonstram intimidação diante da possibilidade de prisão ou cumprimento de pena. Para Velho (1996) isso ocorre por estes jovens não possuírem condições de suprir suas necessidades básicas, assim como os bens publicizados pela mídia na sociedade de consumo (fator que os torna excluídos). Então, esses sentem que possuem um ‘lugar’ na sociedade através do status social que obtêm com o crime. Esse status refere-se à divulgação do crime pela mídia e ao sucesso com as garotas. A partir da percepção dos ganhos com a criminalidade, tendo em vista que tais ganhos tornam a possibilidade de prisão pouco intimidadora para esses jovens, faz-se necessário considerar uma das primeiras observações feitas por Greenhalgh sobre os limites do sistema prisional no exercício de sua função: A premissa inicial na busca de soluções é ter clareza dos limites do papel do sistema prisional. Ações no ambiente interno desse sistema são necessárias, mas insuficientes para dar conta do imenso desafio. É preciso investir mais no enfrentamento das causas e menos nas conseqüências do ato criminal. Sabese que construir uma escola sempre evitará a construção de muitas prisões. Assim, a perspectiva de construir mais e mais cárceres deve ser substituída pela decisão de atuar prioritariamente na prevenção do crime e na aplicação de penas alternativas. (GREENHALGH, 2006, p. 5). 91 Nota-se diante do exposto, que o trabalho de prevenção possui maior eficácia do que os investimentos na recuperação realizada nas prisões, uma vez que a questão da criminalidade é muito mais abrangente do que se imagina, entretanto, ganhos viriam em longo prazo. Sidman (1995) considera, por exemplo, que a falta de acesso aos reforçadores básicos vivenciados pelas camadas mais baixas da população, dentre eles a educação, faz com que esses indivíduos desenvolvam um repertório comportamental empobrecido, sendo incapazes de discriminar entre várias alternativas de conseguir outros reforçadores que desejam. A única forma que lhes ocorre de conseguirem o que desejam é tirando de outras pessoas. Nesse sentido, Greenhalgh (2006) afirma que quem constrói uma escola acaba evitando a construção de muitas prisões. Todavia, em se tratando daqueles que já estão nas prisões, Greenhalgh (2006, p.5) acredita que: “a outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função (...)”. Dessa forma, o objetivo é fazer com que esses indivíduos cumpram suas penas gozando dos direitos garantidos pela lei de execuções penais, tais como assistência médica, jurídica, remissão de pena através do trabalho, dentre outros, com a finalidade de gerar condições para a reintegração social daqueles que se encontrarem na condição de egresso. Talvez esses sejam os reforçadores positivos que, de acordo com, Rodrigues, Pimentel e Pesente (2008) necessitem ser identificados como contingentes aos comportamentos de indivíduos em situação prisional. De acordo com os autores, as prisões fracassam, justamente, por possuírem excesso de reforçadores negativos em detrimento de poucos reforçadores positivos. Para Malaquias (2008) a falta de aplicação da lei de execuções penais no tocante às ações direcionadas para a reintegração social acarreta a reincidência criminal da maioria dos egressos. Estatisticamente falando, os índices de reincidência ficam em torno de 70 a 85 por cento dos casos. Rodrigues, Pimentel e Pesente sugerem que tais ações poderiam ser administradas da seguinte maneira: (...) a escolha de tarefas que abonem dias de prisão e ainda provêem renda para a família dos presos; b) realização inicial dos procedimentos de extinção 92 em vez do uso indiscriminado da punição, tendo as respostas inadequadas ausência de reforçamento no contexto penitenciário; c) reforçar diferencialmente comportamentos adequados com benefícios diretos e contingentes sobre tais respostas; e finalmente d) aumentar por um aumento da densidade de reforços para respostas alternativas – esse procedimento consiste e não utilizar a extinção, mas reforçar com mais freqüência comportamentos alternativos e com menos freqüência os indesejáveis (...). (PESENTE; PIMENTEL; RODRIGUES, 2008, p.7) Sabe-se que tais ações não estão previstas na LEP de forma direta, entretanto elas são as possíveis contribuições que a psicologia experimental pode oferecer para a efetiva ressocialização do preso. Para Rodrigues, Pimentel e Pesente (2008) a psicologia experimental é uma área que possui pouco conhecimento para intervir na realidade penal, também sabe-se que a punição faz parte do processo histórico evolutivo dos indivíduos tornando-a impossível de ser eliminada. Porém, havendo a necessária experimentação da psicologia nas prisões, pode-se conseguir utilizar o controle coercitivo de forma adequada, além de utilizar-se de técnicas de controle mais eficazes na eliminação dos comportamentos socialmente indesejáveis. Greenhalgh (2006) acredita que enquanto se continuar investindo em soluções mais repressoras, como é o caso do endurecimento das penas ou da redução da maioridade penal, ou mesmo das mais variadas formas de castigo cruéis impostas aos presos se continuará testemunhando o caos prisional como o que ocorre no estado de São Paulo, que é considerado o estado com a política prisional mais repressora do Brasil. Por fim, nesse ponto da discussão fica claro que se faz necessário uma modificação das práticas de segurança pública no Brasil. É o que afirma Lima (2007) quando cita Biglan (1995 apud MARTINELLI E CHEQUER, 2006) quando parte do pressuposto de que a criminalidade é uma prática cultural e que só pode ser combatida através da criação de meios para a modificação das mesmas. Para tanto, se faz necessário compreender o contexto de ocorrências, permanência e modificação dessas práticas, sem deixar de considerar os fatores que determinam o comportamento individual. Lima (2007) evidencia ainda que a criminalidade se relacione ao enfraquecimento dos modos de controles predominantes nas interações sociais, a 93 saber, o controle coercitivo e o controle positivo. Ficando claro, mais uma vez, a necessidade de mudança. Nesse sentido é que se faz necessário compreender o comportamento praticado comumente pelos indivíduos o qual fomenta a criminalidade. De acordo com Lima: A análise das práticas culturais seria útil não só no estudo do comportamento criminoso, mas também no estudo do comportamento das vítimas da violência criminal. Até por que os padrões de comportamento dos criminosos estão estreitamente ligados aos padrões de comportamento das vítimas (LIMA, 2007, p.6). Pode-se concluir diante do exposto que tal análise fomenta ações de cunho preventivo que, por sua vez, podem levar a diminuição da necessidade de encarceramento, pois, ações preventivas evitariam muitas situações de criminalidade e reduziriam os danos causados por ela. Assim explica Lima (2007) ao citar a afirmação feita por soares (2006), que por mais que o problema não seja sanado devido ao fato de possuir múltiplos fatores, as medidas preventivas podem oportunizar novas práticas que levam a redução da criminalidade, pois levam em consideração e buscam soluções para muitos dos problemas que desencadeiam ações violentas como é o caso do crime. 94 OBJETIVO Geral: Analisar o uso de práticas coercitivas no ambiente prisional dentro da perspectiva da análise do comportamento, baseado da obra literária “Estação Carandiru”. Específicos: • Levantar asserções representativas das práticas coercitivas no ambiente prisional; • Agrupar as asserções a partir das regras para análise da coerção descritas por Sidman (1995) e abordadas por Andery e Sério (1997); • Analisar as asserções a partir das regras propostas. 95 Método FONTE: A obra utilizada neste estudo para investigação do sistema prisional e uso da coerção será “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella. O livro foi originalmente publicado no ano de 1999, sendo utilizada a 16ª edição publicada no ano 2001. PROCEDIMENTO/PLANO DE ANÁLISE DOS DADOS: Procedeu-se à leitura do livro, em um primeiro momento, buscando conhecer o material escrito na íntegra e uma familiarização com o tema. Foi feita uma segunda leitura, buscando identificar passagens do texto que retratam o cotidiano e relações ocorridas no ambiente da prisão, tendo asserções descritas pelo autor como a fonte de dados para agrupamento em categorias e subcategorias pré-definidas, baseadas na análise da coerção proposta por Sidman (1995) e descritas por Andery e Sério (1997). As categorias utilizadas na análise foram: difusão da violência, os efeitos da violência e motivações para o crime. Entende-se como difusão da violência o uso indiscriminado da coerção nas relações sociais (ambiente social) e nas relações entre os indivíduos e a natureza (ambiente físico). Entendem-se como os efeitos da violência os produtos comportamentais gerados pela exposição às contingências aversivas, que são expressas no presente estudo em forma de regras, sendo elas: “ a violência é muito freqüente e faz parte do nosso cotidiano; como conseqüência nos acostumamos com ela”; “o uso da violência acarreta mais violência”; “o uso de violência faz com que tudo tome a feição de violência”; “uso da violência produz um ser humano impotente diante dela”; sob controle aversivo, comportamentos supersticiosos tornam-se muito prováveis”; e, “quando nenhuma forma de fuga-esquiva for possível, só nos restará fugir de nós mesmos”. Entende-se motivações para o crime, ações praticadas como conseqüência de exploração e privação social, .Cada uma das categorias foi ainda dividida em subcategorias, conforme apresentadas no quadro abaixo (quadro 1). Cada 96 uma das categorias e subcategorias descreve regras extraídas de estudos sobre punição, ou, como no caso das motivações para o crime, que foi acrescentado como categoria de análise para verificar motivos expostos para a realização do delito que tenha levado ao aprisionamento, conforme descrição dos detentos descreve regras de comportamento extraídas de estudos sobre a privação e a exploração. Ao levantamento das asserções representativas da regras – grupos, categorias e subcategorias, passaram-se à descrição da definição de cada uma delas e posterior leitura e comparação com o material selecionado no livro Estação Carandiru (VARELLA, 1999) (quadro 1). A título de organização da análise descreveu-se as unidades de análise conforme aquelas apresentadas por Andery e Sério (1997), assim distribuídas para análise: grupo (G), categoria (C), subcategoria (S), definição da subcategoria (D); asserções identificadas (A) e análise (An). Foi ainda incluído o grupo “Motivações para o crime”. Quadro 1. Categorias e sub-categorias para análise da coerção GRUPO (G) CATEGORIAS (C) 1.Difusão da violência 1.1.“a violência é muito freqüente e faz parte do nosso cotidiano; como conseqüência nos acostumamos com ela” 2.Os efeitos da violência 2.1.“o uso da violência acarreta mais violência” 2.2.“O uso da violência faz com que tudo tome a feição de violência” SUB-CATEGORIAS (SC) DEFINIÇÃO (D) O controle aversivo é predominante nas relações entre os seres humanos e entre esses seres e a natureza fazendo com que acreditem não haver outras formas possíveis de interação, como conseqüência existe, atualmente uma banalização da violência. Isso ocorre porque o efeito da estimulação aversiva é temporário, pois compete com outras conseqüências. Para que se mantenha é preciso que o estímulo aversivo seja apresentado sempre com mais intensidade; Além disso, ele gera um contracontrole geralmente aversivo. O uso freqüente de estimulação aversiva faz com que o ambiente se transforme em algo aversivo, devido ao fato de tornar aversivos os estímulos neutros e reforçadores positivos que estão presentes naquele ambiente. 97 2.3.1. “Ignorando tudo o que acontece” 2.3.“o uso da violência produz um ser humano impotente diante da violência” 2.3.2. “Desistindo do que está a nossa volta” 2.3.3. “Buscando destruir, se pudermos as fontes de coerção” 2.4.1. “Sob controle aversivo, não podemos deixar de estar vigilantes” 2.4. “O uso da violência torna-nos sujeitos amargos, vivendo uma vida amarga” 3.Motivações para o crime 2.4.2. “Sob controle aversivo, não exploramos o mundo” 2.4.3. “Sob controle aversivo, só conseguimos dar conta de uma rotina pré-estabelecida” O indivíduo se insenta de participação política, profissional e social, ou seja, não participa da vida da comunidade, tendendo a fugir ou esquiva-se dela. O individuo tende a fugir de tudo ou todos que o controlam aversivamente, O individuo age atacando a fonte de coerção com a intenção de fugir ou esquivar-se dela O individuo assume uma posição onde seus únicos comportamentos são aqueles que o possibilitam de fugir ou evitar a coerção, impedindo-o de aprender comportamentos que não tenham relação com o medo. Sobre o efeito da estimulação aversiva os indivíduos temem explorar o mundo e ficam com um repertório comportamental bastante limitado. Os indivíduos tornam seus comportamentos estereotipados e compulsivos, pois temem variar o comportamento que os livra do perigo. 2.5. “Sob controle aversivo, comportamentos supersticiosos tornam-se muito prováveis” O individuo sujeito a controle aversivo não emite comportamentos alternativos as situações ocorridas, como conseqüência, as contingências incidentais se fortalecem gerando comportamentos supersticiosos. 2.6. “Quando nenhuma forma de fuga-esquiva for possível só nos restará fugir de nós mesmos” O individuo apela para o suicídio como a única alternativa de fuga e esquiva que ainda lhe é possível. Pessoas privadas de reforçadores básicos tendem a tentar consegui-los tirando de outras pessoas. Além disso, a falta de acesso a diversos reforçadores gera a revolta e a agressão.(Sidman, 1995) 98 Resultado Para todas as categorias listadas foi possível identificar asserções correspondentes. Chama a atenção pelas possibilidades de análise quando se tem uma descrição tão ampla em termos de ambientes e práticas descritas. Verificou-se ainda um texto que aborda o assunto de forma tão diversa, quando aos diferentes modos possíveis de comportamento emitidos e da análise e entendimento dos comportamentos individuais e coletivos, regras e contingências existentes. Abaixo segue as asserções identificadas por Andery e Sério (1997) que apresentam duas categorias na análise da coerção. A primeira é descrita como difusão da violência e a segunda os efeitos da violência. Como retratado abaixo, a primeira categoria foi subdividida em uma única subcategoria, e a segunda foi subdividida em 7 subcategorias. Seguem abaixo a descrição das asserções, conforme o grupo (G), categoria (C), subcategoria (S), definição da subcategoria (D); asserções identificadas (A) e análise (An). GRUPO 1: Difusão da violência Categoria 1.1 – C1.1“a violência é muito freqüente e faz parte do nosso cotidiano; como conseqüência nos acostumamos com ela”. Definição 1.1 – D1.1 O controle aversivo é predominante nas relações entre os seres humanos e entre esses seres e a natureza fazendo com que acreditem não haver outras formas possíveis de interação, como conseqüência existe atualmente uma banalização da violência. Asserções – A1.1 - “Como um grupo tão pequeno de homens sem armas consegue controlar um presídio daquele tamanho é um dos mistérios da cadeia (...) Reduzido à essência, o trabalho dos carcereiros consiste em dividir a malandragem maquiavelicamente” (...). Pág. 112. - “Se não for enérgico vira bagunça doutor. Aqui é tudo malandro, a maioria sem ocupação a não ser ficar de olho numa vantagem. Se der moleza numa noite, na seguinte o senhor não tranca mais ninguém”. Pág. 49. 99 - “Uma vez, seis detentos, seqüestraram um grupo de carcereiros na lavanderia, junto ao pavilhão seis, para exigir transferência de presídio, procedimento que se tornou rotina após o massacre do nove”. Pág.107. - “O que segura uma cadeia doutor, é pau e bonde, o resto é bobagem. Acerta o cara e transfere lá para a penitenciária de presidente veceslau, quase na divisa com o mato grosso, pra ver se ele não volta mansinho”. Pág. 114. - “Dadas às condições do presídio, é impossível acabar com as agressões, por que o convívio com os ladrões, alguns funcionários se embrutecem de tal modo que não enxergam alternativa para impor ordem”. Pág.115. - O lema era pau e cela, mas existia respeito, de nossa parte e dos funcionários. Andava sozinho pela cadeia inteira, na moral, todo mundo de mão para trás quando ele passava, não dava mole pra nós e nem pra justiça, com ele tinha que cumprir a lei dos dois lados. Pág.114. - “Está bom, eu não mato o Ricardão filho da puta, mas ele vai ter que pagar com a mesma moeda que fez na minha mulher. Vou subir nas costas dele!” Pág.162. - Na época das palestras no cinema, conheci um assaltante e receptor de nome santão, que uma certa vez se desentendeu com um amigo de infância e o matou por que ele o chamou de zoreia. De fato, Santão havia nascido sem uma orelha, mas detestava o apelido e tinha razão para isso. Pág.173. - Seu nome era Kenedi Baptista dos Santos, porém todos o conheciam como Zé da casa Verde. As gírias, o cantado da fala paulista, o jeito de parar com o corpo jogado para trás, a disposição permanente para gozar os companheiros, tudo nele recendia malandragem (...) Zé era casado com duas mulheres, Valda e Maria Luiza. Pág. 173. - A Valda tem pele branca como a neve. É de uma família de bem, em Santana, que nunca aceitou o nosso romance por causa da minha cor. Ele falou dela no baile, da pele alva que contrastava com o preto da sua e dos filhos misturados que nasceriam lindos cada um numa cor. Falou e foi esperá-la num fusca, que havia acabado de equipar com dinheiro roubado. A espera não foi longa. Ela apareceu na janela do carro (...) Pararam o fusca na porta do sobrado dos pais, em Santana, ela hesitante em fazê-lo entrar, ele tentando convencê-la da honestidade de seus propósitos. Estavam nessa conversa quando surgiu o rival na esquina, ainda com o uniforme de futebol disposto a cobrara a ofensa. Zé não vacilou, desceu do carro e deu três tiros na direção do rapaz. O zagueiro esquerdo saiu correndo, na pressa perdeu até um pé de chuteira. Zé, persuasivo virou-se para a amada: Amanhã, às oito, reúne teus pais e tuas irmãs que eu venho te pedir em casamento. Esquece esse cara, se ele gostasse de você, enfrentava o perigo. Pág. 227 a 228. - Surpreendidos furtando, os “ratos de xadrez”, como são chamados, apanham de pau e faca. Chegam à enfermaria dizendo invariavelmente que caíram da escada, ensangüentados, cabeça rachada, o corpo marcado de vergões e facadas superficiais, especialmente na região glútea, castigo imposto quando se decide desmoralizar o contraventor. Dessa forma, os ladrões tornam explicito que seu código penal é implacável quando as vitimas são eles próprios. 100 Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, só que quando agente pega é problema. Pág. 43. Análise – AN1.1 Como observado acima, o cotidiano das prisões caracteriza-se pelo uso exacerbado da violência e de sua banalização. As relações agressivas iniciam-se com as condições precárias de trabalho dos funcionários que recebem salários baixos e trabalham desarmados, não conseguem controlar totalmente o presídio sendo obrigados a delegar suas funções aos presos. De acordo com Goffman (1996), uma das características das instituições totais está no controle exercido por uma equipe dirigente que programa e controlam todas as atividades e regras a serem seguidas por seus internos. No entanto, nas prisões, como se pode constatar, as equipes dirigentes pouco conseguem fazer nesse sentido. Apenas organizam os detentos nos pavilhões de acordo com seus crimes a fim de facilitar o controle exercido pelas lideranças criminosas responsáveis pela ordem e pelo cumprimento das regras de conduta criadas pelos próprios presos. Guimaräes (1998) discute que a superlotação e a falta de carcereiros exercendo somente a função de controlar os presos fazem com que haja um vácuo de poder que acarreta em toda a sorte de violência que possa ser cometida por presos mais perigosos contra presos vulneráveis. Em algumas unidades prisionais, os carcereiros chegam a estar em uma proporção de três para mais de 100 detentos. Os outros se encontram em atividades administrativas ou em escoltas de presos que vão ao fórum. Ademais, existe uma grande quantidade desses profissionais que estão em licença ou tirando férias. A falta de profissionais faz com que os poucos carcereiros responsáveis pelo controle dos presos quase não entrem em contato com eles e façam vista grossa aos abusos e violências ocorridos nas celas e corredores os quais são responsáveis, fazendo com que o vácuo existente no poder de controlar os presos seja preenchido pelos próprios presos (GUIMARÃES, 1998). No Carandiru, o controle exercido pelos presos dispõe de regras de comportamento bastante rígidas e coercitivas. Elas prevêem punições extremamente 101 violentas que variam de surras e torturas até a morte fazendo com que o código penal utilizado pelos presos se aproxime do primitivismo. Dos funcionários aos detentos, todos acreditam que a única forma de combater a violência é impondo mais respeito e ordem com surras e castigos severos, ou seja, com mais violência. Constata-se isso com os trechos retirados do livro, onde constam as afirmações feitas por carcereiros e por um preso antigo que apoiava a rigidez e a repressão intensa no tratamento que um ex-diretor do presídio dispensava aos detentos durante sua época. De acordo com eles: “O lema é pau e bonde”. A afirmação acima demonstra claramente que eles não enxergam alternativas de controle possível, para eles somente a violência e a crueldade dos castigos impostos funcionam. Em concordância com a afirmação de Sidman (1995) nota-se que nos cárceres, a única forma de controle existente consiste na retirada de reforçadores positivos ou na apresentação de reforçadores negativos. Sidman (1995) considera que a coerção seja a principal forma de controle existente em todas as interações sociais. Para o autor, isso ocorre de tal modo a ponto de fazer com que as pessoas não acreditem em outra forma possível de interação. De acordo com Sidman (1995) as pessoas aprendem a interagir indiscriminadamente por meio de coerção devido às ameaças presentes no ambiente natural, a saber, as catástrofes naturais, mudanças climáticas e outros perigos existentes. Fato que faz com que considerem como algo natural o controle coercitivo e não examinem outros modos de exercer controle uns sobre os outros. Skinner (1972) afirma que durante o período de evolução os indivíduos tiveram que escapar (fugir) de constantes ameaças naturais de modo que tais comportamentos foram condicionados por tais ameaças compreendidas como reforço negativo. Em razão do condicionamento obtido através das conseqüências desse reforço, tais comportamentos passaram a ser comuns em situações semelhantes às situações vivenciadas durante o período de evolução, estendendo-se às relações sociais. Quando as relações sociais se estabelecem em um contexto de privação de reforçadores básicos e exploração como no caso das populações mais carentes a violência tende a se banalizar de modo ainda mais significativo, pois além do contracontrole gerado pelo ódio ou revolta, essas pessoas não desenvolveram 102 repertórios comportamentais (habilidades alternativas) capazes de discriminar entre outros meios de agir diante dos conflitos. (Sidman, 1995). E o que expressam os trechos sobre o ladrão que matou o amigo de infância porque este gozou da sua orelha defeituosa; do Marido traído que queria violentar o Ricardão de sua esposa e do ladrão que matou seu rival na disputa pelo coração de uma moça que havia se apaixonado. GRUPO 2: Os efeitos da violência C. 2.1 O uso da violência acarreta mais violência D.2.1 Isso ocorre porque o efeito da estimulação aversiva é temporário, pois compete com outras conseqüências. Para que se mantenha, é preciso que o estímulo aversivo seja apresentado sempre com mais intensidade; além disso, ele gera um contracontrole geralmente aversivo. A.2.1 - “A cadeia perversa a mente do sentenciado num tanto tal, que o cara está levando os golpes e muitos que não têm nada a ver com a fita pegam carona na desgraça alheia e soltam a faca também, só de maldade”. Pág.20. - “Em briga de cadeia, doutor, a coisa passa de certo ponto, desanda, e ai só para depois que morrer uma meia dúzia de uns três ou quatro”. Pág.282. - No pavilhão oito, num xadrez coletivo de vinte e sete homens, no fundo, havia um banheiro com um cano quase encostado à parede, através do qual escorria um fio de água. Apesar da ginástica a que eram obrigados, ai daquele que não tomasse o banho diário, mesmo no frio de junho. Os mais velhos cuidavam de impor essa obrigação aos novatos. Pág. 39. - Sem o proprietário estar lá você, não entra. Por mais intimidade que teja ou não teja. É mancada grave! Já vi nego morrer por um pão. O cara tinha muita amizade com o outro, fumou maconha, ficou com larica e entrou no xadrez enquanto o amigo estava no fórum. Tinha dois pãezinhos; comeu um. O outro voltou e disse que tinha guardado o pão para não ter que comer a janta fria. Pronto: De madrugada, matou ele dormindo. Pág. 42. - “Antigamente era pior. O calado da noite era quebrado por gritos que ecoavam na cadeia inteira. Em seguida, o pessoal começava a bater caneca na grade. Já era: Podia o funça vir buscar que alguém tinha sido estuprado”. Pág. 50. 103 - Certa vez, um estelionatário de bigodinho bateu na esposa durante a visita e os gritos foram ouvidos nas celas vizinhas. A sorte do agressor foi um funcionário, minutos depois, escutar três rapazes no pátio organizando um grupo para matar o arruaceiro assim que terminasse a visita, e providenciar sua imediata transferência para o amarelo, setor dos jurados de morte. A estratégia funcionou apenas em parte: Nas primeiras horas da manhã seguinte, em pleno seguro, o valentão tomou duas facadas (...). Pág.63. - Cada um com sua faca, três presos do amarelo tinham agarrado o carcereiro: É o seguinte, chefão: Reagiu morreu! (...) Em volta dos três formou-se uma aglomeração de calça jeans. Impossível ver detalhes. Quando tudo acalmou, o funcionário refém, branco como cera, fácies doloroso, saiu carregado pelos colegas, com o pé direito fraturado de vingança. O mulato e o musculoso cheios de esquimose foram embolados num carrinho de mão usado para transportar tachos de comida. O descabelado, camisa em frangalhos, sangue escorrendo na fronte, olho direito fechado por um inchaço vermelho, incapaz de dar dois passos em linha reta, vinha ao lado do carrinho. Vendo-o, trôpego, na direção da enfermaria, um funcionário recém-chegado na divinéia gritou: Ainda consegue andar ladrão? Os colegas têm coração mole! Pág. 82. - Uma vez oito passou o dia trancado, por causa de um boato de que estava sendo cavado um túnel. Na tranca-represália, ninguém serve comida e o mau-humor cresce no decorrer do dia. No final da tarde, quando seu Jesus, do alto de seus 120 quilos, cruzou o pátio de um pavilhão, ouviu de uma janela; - Vai morrer se Jesus! - E você não, malandro? Pág.114. - De minha parte posso assegurar que a influência do meio está longe de ser desprezível. Apesar de médico, diversas vezes tive vontade de bater em alguém na cadeia, não por terem me faltado ao respeito, fato jamais ocorrido, mas pela revolta diante da perversidade de um preso com o outro. Pág.116. -Nessas situações, apesar da tensão estabelece-se um acordo de cavalheiros: Os funcionários rendidos não reagem e os presos não abusam da violência, Para evitar conseqüências posteriores. Naquele episódio, entretanto, tudo foi diferente, os amotinados agrediram um dos reféns e roubaram dinheiro dos outros. Havia dois faxineiros entre os amotinados (...) Nesse momento, com a perspicácia que os anos de vida trazem para certas pessoas, seu Luiz, homem encorpado de óculos, postou-se junto a aporta do camburão e dirigiu-se aos colegas cegos de ódio: É o seguinte pessoal: o que esses caras aprontaram é inadmissível. Vamos quebrar eles, mas vocês esperam até eu dar à primeira. Eu sou o diretor de disciplina, ninguém bata antes de mim. Pág.165. - A cadeia caiu no nosso poder. Digo nosso porque, naquela circunstância, nós está tudo envolvido. Aí protestamos contra a nossa melhoria, que o ambiente já não vinha do melhor, muitos manos querendo transferência, cara com a colônia assinada, pena vencida, as visitas um pinguinho só, e já era. Pág. 284. 104 AN.2.1: As interações sociais nos presídios são bastante conflituosas. Segundo Esteves (2002), a situação do sistema prisional brasileiro é considerada caótica. Para se constatar essa realidade é necessário somente uma visita às várias unidades prisionais onde se podem notar as más condições referentes à falta de espaço físico adequado, além da falta de condições de preservação da integridade física e moral do preso. Além disso, apesar da LEP (Lei de Execuções Penais) prever além de punição, medidas de recuperação e reintegração social, vê-se que somente a punição é utilizada e de forma exacerbada. Ocorre que a punição tem efeitos danosos às interações sociais. Um dos mais significativos é o contracontrole. Pode-se exemplificar essa afirmação com os trechos destacados acima que demonstram como ocorrem as brigas na cadeia. De acordo com os trechos: “A cadeia perversa a mente do sentenciado num tanto tal, que o cara está levando os golpes e muitos que não têm nada a ver com a fita pegam carona na desgraça alheia e soltam a faca também, só de maldade. Pág.20”. “Em briga de cadeia, doutor, a coisa passa de certo ponto, desanda, e ai só para depois que morrer uma meia dúzia de uns três ou quatro. Pág.282”. Esses trechos realçam a afirmação de Matos (1982/1981) sobre o aumento considerável do contracontrole agressivo quando o controle por coerção ocorre com grupos de indivíduos. Matos aponta um experimento onde foram colocados dois animais em ambiente experimental. Um deles, ao receber um choque atacou o seu companheiro sem que este necessariamente tivesse sido o acionador do choque. A autora afirma diante dessas constatações que o controle aversivo tende a aumentar consideravelmente a freqüência das respostas de agressão. Os experimentos exemplificados pela autora também confirmam os trechos destacados acima quando se verifica que os presos que nada tem a ver com a briga começam a agredir quem esta apanhando. Os trechos citados sobre o estupro denunciam o contracontrole provocado pela privação sexual. O trecho sobre o ladrão que agrediu a esposa e depois apanhou de outros companheiros supõe que o contracontrole pode vir de quem não foi 105 necessariamente agredido. Os trechos que comentam as considerações de Varella sobre as influências que o ambiente prisional exerceu sobre ele e das agressões que dois ladrões sofreriam após uma tentativa de fuga onde os mesmos roubaram e agrediram um de seus reféns, também parecem que são formas de contracontrole. Outro efeito observado na coerção que pode ser ilustrado com os trechos citados acima é o efeito temporário do estimulo aversivo. Sidman (1995) demonstrou, através de exemplos de experimentos realizados com ratos submetidos a choques em ambiente experimental, que os efeitos pretendidos com a coerção, ou seja, a eliminação do comportamento indesejado apesar de ocorrer imediatamente após a apresentação do estimulo aversivo, necessita que este seja apresentado constantemente para que o efeito supressor se mantenha. Caso contrário, o individuo passa a se comportar como antes e com intensidade maior devido ao estado de privação em que se encontrava durante o período de choque. Os trechos sobre as ameaças de punição que os mais velhos impunham aos mais novos caso não tomassem banho, ilustra a afirmação acima: “(...) No pavilhão oito, num xadrez coletivo de vinte e sete homens, no fundo, havia um banheiro com um cano quase encostado à parede, através do qual escorria um fio de água. Apesar da ginástica a que eram obrigados, ai daquele que não tomasse o banho diário, mesmo no frio de junho. Os mais velhos cuidavam de impor essa obrigação aos novatos. Pág. 39”. Neto; Alves e Baptista (2007) comentam sobre as forma de controle coercitivo exercido pelas instituições controladoras no que se refere ao controle da violência. Tais instituições investem em um código moral punidor das condutas desviantes e se esquecem que muitos indivíduos agredidos em seus diretos e desprovidos de seus reforçadores mais básicos tendem a contratacar agressivamente e de forma violenta. É o que demonstra o trecho exposto a seguir: A cadeia caiu no nosso poder. Digo nosso porque, naquela circunstância, nós está tudo envolvido. Aí protestamos contra a nossa melhoria, que o ambiente já não vinha do melhor, muitos manos querendo transferência, cara com a colônia assinada, pena vencida, as visitas um pinguinho só, e já era. Pág. 284. 106 C.2.2. ”O uso da violência faz com que tudo tome a feição de violência”. D.2.2 O uso freqüente de estimulação aversiva faz com que o ambiente se transforme em algo aversivo, devido ao fato de tornar aversivos os estímulos neutros e reforçadores positivos que estão presentes naquele ambiente. A 2.2 - Comigo foram contratados mais de duzentos funcionários. Dez anos depois sobraram cinco ou seis. Com esse salário baixo, alguns se contaminam com o crime viram pilantras. Só que a gente nunca sabe quem são. Tem que desconfiar de todos, lamentavelmente. Pág. 56. - “A coisa mais difícil numa cadeia é identificar os que estão envolvidos com os ladrões”. Pág. 56. - “A cadeia é um lugar povoado de maldade”. Pág.13. - “Em nenhum dos dois pode pisar no ovo, só que no oito é você mesmo que coloca o ovo. No nove, são os outros, e ainda espalham sabonete no chão pra escorregar”. Pág. 35. - Vê como é? As instalações são precárias, falta material, remédio, pessoal, tudo, e quando alguém tem boa vontade, esbarra no problema disciplinar. Quer um conselho?Não perde tempo com isso aqui. Pág. 80. - (...) A realidade é desconcertante numa prisão, o que parece certo muitas vezes está errado, e aparentes absurdos encontram lógica em função das circunstâncias (...). Pág. 106. - “Quem anda com porco, come farelo”. Pág. 110. AN 2.2 Nota-se diante do exposto acima que o ambiente prisional altamente coercitivo gera a desconfiança e o medo em todos que fazem parte dele. Estímulos neutros presentes em um ambiente onde se segue constantemente estímulos adversativos (punidores), tornam-se também estímulos adversativos através de condicionamento (Skinner, 1990). Pode-se, então, deduzir que o medo e a desconfiança nos ambientes prisionais tenham sido gerados através desse processo, onde os indivíduos passam a sentirem-se sempre ameaçados e inseguros, interpretando tudo como sinal de que algo ruim possa vir a acontecer. 107 Todos os trechos acima parecem expressar essas constatações. Porém, um deles destaca-se quando se afirma que: (...) A cadeia é um lugar povoado de maldade. Pág.13. . Vê-se que esse trecho aponta o caráter generalizado em como se dão as formas violentas e agressivas de interação social, onde é vivenciado o medo e o comportamento de desconfiança, além dos sobressaltos constantes. O condicionamento faz com os estímulos neutros que acompanham os estímulos punidores desencadeiem respostas emocionais. As respostas de medo e ansiedade diante dos estímulos condicionados adversativamente descrevem como tais estímulos funcionam como sinais ou ameaças de perigo, portanto os indivíduos tendem a diminuir a freqüência ou parar de se comportar diante deles (SKINNER, 1990). Skinner (2003) afirma que a técnica de associação de estímulos neutros a estímulos aversivos com a finalidade de tornar os estímulos neutros aversivamente condicionados, é muito comum no controle exercido por várias instâncias da sociedade atual. O uso da técnica se justifica pelo aumento em potencial e extensão das respostas condicionadas de medo e ansiedade, o que enseja um controle aversivo mais eficaz. Os trechos acima demonstram claramente os sentimentos de medo e, principalmente, de desconfiança que os presos sentem uns em relação aos outros. Como expressa um dos trechos, que descreve a generalização da exposição a pares sob contingências semelhantes: “Quem anda com porcos, come farelo”. Pág. 110 C.2.3. “o uso da violência produz um ser humano impotente diante da violência” S 2.3.1. “Ignorando tudo o que acontece” D.2.3.1 O indivíduo se insenta de participação política, profissional e social, ou seja, não participa da vida da comunidade, tendendo a fugir ou esquiva-se dela. A.2.3.1 - Na prisão, a violência que explode em ciclos invade a vida dos guardas. Nos acertos de conta entre a malandragem, quando um grupo decide dar cabo de alguém, os funcionários têm ordem para não interferir. Morra aquele que tiver que morrer; paciência, trabalham desarmados. Pág. 115. 108 - Se o senhor pergunta, eles respondem e não esticam o assunto; se não pergunta eles ficam na deles. Eles não são do crime, são aventureiros do tráfico e não atrasam a vida do ladrão, são humildes, sangue-bom. A gente enaltece a pessoa deles. Pág. 31 - Seu Jeremias disse que aprendeu com os mais velhos a não participar de rodinhas, nem andar com os outros presos para não se envolver em problemas alheios. Para ele solidão é estratégia de sobrevivência. No oito, cada qual carrega a sua cruz, calado. O sofrimento dos anos de cadeia ensina o sentenciado a se trancar na própria solidão. É uma escola de sábios. Pág. 33. AN.2.3.1 Os trechos citados descrevem que alguns presos preferem isolar-se da participação em qualquer assunto concernente às questões da comunidade prisional. Preferem o isolamento e a solidão ao invés de se meter em questões de interesse comum, pois estas são geradoras de conflitos que podem acabar inclusive em morte. Sidman (1995) explica que alguns indivíduos condicionados aversivamente tendem a desistir da participação na vida de sua comunidade no que tange a decisões sobre suas questões mais importantes por medo das pressões existentes quando se vêem implicados com tais responsabilidades, que no geral são aversivas. A desistência da participação do individuo nas questões mais relevantes de sua comunidade faz com que a vida dele torne-se limitada e sem sentido. A postura de Jeremias dentro da prisão ilustra a explicação de Sidman (1995). Ele prefere se isolar socialmente a ter que se meter em confusão. Ocorre, que seu Jeremias acaba vivendo uma vida envolta em solidão. Sidman (1995) alerta para o perigo gerado pela ignorância das questões sociais, alegando que isso deixa espaços sociais que passam a ser ocupados por corruptos, pessoas incompetentes e criminosos. O não fazer nada ou ignorar torna-se então a permissão para que a exploração aumente constantemente na sociedade atual. O fato dos carcereiros trabalharem desarmados e, por essa razão, não intervirem nos conflitos e acertos de conta da comunidade a qual também fazem parte, demonstra a falta de implicação desses funcionários ou mesmo de preparo para tomar medidas eficientes no sentido de conter esse tipo de violência entre os presos. Fica claro, que 109 por medo, eles preferem nada fazer ao invés de pensar no que poderiam fazer (achar soluções). O não fazer nada ou ignorar a situação realmente facilita a ação desses criminosos. É do conhecimento de muitos, as mortes recorrentes de presos nas unidades prisionais. Sidman (1995) alerta para o fato de a falta de envolvimento com as questões da comunidade podem levar a um não desenvolvimento intelectual para lidar com suas demandas e exigências. Analisando os comportamentos dos carcereiros de não se envolver ou de manter-se ignorantes quanto às questões conflituosas entre os presos, devido às condições coercitivas em que trabalham, na perspectiva do raciocínio de Sidman leva a compreensão de que a ignorância do que acontece só leva a mais dificuldades em aprender a resolver a situação. Talvez com a busca do preparo por parte dessa equipe, aumento no numerário de funcionários e qualificação e diversidade de profissionais muitas medidas preventivas dessas situações poderiam ser tomadas. Greenhalgh (2006) fala sobre a questão do preparo dos funcionários como uma medida preventiva. Para o autor, o preparo desses profissionais no sentido de definir claramente o seu papel e suas responsabilidades, além de oferecer-lhes melhores condições de trabalho e segurança é um dos pilares para melhorar as condições das prisões. S.2.3.2 “Desistindo do que está a nossa volta” D.2.3.2.O individuo tende a fugir de tudo ou todos que o controlam aversivamente A.2.3.2 - (...) Para agüentar a tensão inerente à atividade e o cansaço das noites, muitos abusam das bebidas. Alcoolismo e obesidade são doenças prevalentes entre guardas de presídio. Bebem pra valer, não é fácil acompanhá-los. Pág. 108. - No meio da noite, o senhor manda um preso para o xadrez. De manhã ele sai e diz que não fica de jeito nenhum sem explicar por quê. Pode insistir, ameaçar, fazer o que quiser que ele não volta; tem medo de morrer (...).Pág. 37. - “O número de habitantes do setor não é inferior a cinqüenta, quatro ou cinco, por xadrez, trancados o tempo todo para escapar do grito de guerra do crime: Vai morrer!” Pág. 24. 110 - “Posso morrer de doença, mais assassinado na cadeia não. Acabo a conversa com o senhor, vou direto para o xadrez e fecho a porta. Não confio em ninguém e não tenho amigo nenhum. Amigo preso, eu não quero; que é isso!” (...). Pág. 245. - Na prática, com os crentes sempre tive dificuldade para diferenciar aqueles convertidos à palavra do senhor, dos que adotaram o mesmo estereótipo para fugir do acerto de contas com a massa carcerária. Estupradores, justiceiros e usuários de drogas inadimplentes, delatores e ladrões que trapacearam na divisão do roubo às vezes fingem se converter para contar com a proteção do grupo religioso (...). Pág.117. - “Majestade, que havia escapado vivo da rebelião de 1985, convenceu o companheiro de xadrez a se recolher: Vamos ficar na nossa, até morrer quem tiver que morrer!” Pág. 245. AN.2.3.2 Os trechos destacados descrevem que muitos presos adotam diversas estratégias de fuga das situações aversivas em que vivem. Há presos que preferem se isolar em suas celas, mesmos que superlotadas, não construir vínculos de amizades, fugir para locais onde se sintam mais seguros ou não se envolver em conflitos e ignorálos, quando estes estão ocorrendo. E o que ilustra o trecho: “Vamos ficar na nossa, até morrer quem tiver que morrer!”. Um dos trechos acima fala do uso abuso de bebidas alcoólicas e obesidade entre os funcionários. Formas de entreter-se e desligar-se dos problemas do trabalho potencialmente agressivo e estressante parecem comuns entre os funcionários dos presídios. Sidman (1995) considera a existência de rotas de fuga. Essas rotas caracterizam-se pela desistência ou o desligar-se. No desligarem-se os indivíduos tendem a fugir das situações aversivas, ignorando-as no momento em que estão ocorrendo ou mesmo buscando comportar-se de maneira incompatível com ela como é o caso de quando se utilizam de entretenimento para desligar-se de situações estressantes. Outro modo de desligar-se das situações é esperar que elas atinjam o seu ponto máximo para poder resolvê-las ou delegá-lo a outras pessoas a fim de se livrar da frustração de não conseguir enxergar as possibilidades de resolvê-lo sozinho. Quando a situação torna-se muito aversiva muitos, de acordo com Sidman (1995) simplesmente optam por desistir. Desistem de toda e qualquer forma de 111 qualquer vinculo participativo com a sociedade e em casos extremos de sua própria vida. Skinner (2003) atribui à punição constante a perda de reforçadores positivos que levam a depressão e a desistência. Sidman (1995) fala que isso e comum em pessoas que sofreram agressões de toda a ordem durante seu desenvolvimento ou que simplesmente se decepcionaram com o ambiente social em que vivem. Para o autor a sociedade perde em vários aspectos quando fomenta comportamentos de desistência. A religião também é tomada como rota de fuga. Por princípios ou por proteção parece um dos meios empregados pelos presos para se livrarem dos conflitos que porventura possam vir a participar, bem como ser uma forma de proteção, dissimulando o interesse para evitar a violência do presídio, o julgamento e a coerção dos pares. C.2.4. “O uso da violência torna-nos sujeitos amargos, vivendo uma vida amarga”. S 2.4.1 “Sob controle aversivo, não podemos deixar de estar vigilantes”. D.2.4.1 O individuo assume uma posição onde seus únicos comportamentos são aqueles que o possibilitam de fugir ou evitar a coerção, impedindo-o de aprender comportamentos que não tenham relação com o medo. A 2.4.1 - “A imprevisibilidade do ajuste de contas torna a vida do estuprador um sobressalto permanente. Qualquer movimento fora da rotina pode prenunciar o castigo fatal”. Pág. 147. - “Aqui, quem tem “mancada” no crime vive em sobressalto”. Pág. 28. - Uma noite, no pavilhão do cinco, durante a distribuição do segundo numero do vira lata, perguntei através da janelinha de uma cela às escuras quantos moravam ali, para saber o numero de gibis a entregar. Um negro forte acordou, pulou da cama e avançou para a porta com uma faca enorme na mão esquerda (pela rapidez com que sacou, ela só podia estar escondida no travesseiro). Até entender o que se passava ele ficou ali, imóvel, com olhos de terror, a faca apontada na direção da porta. É pouco provável que confiasse na firmeza da tranca. Pág. 38. - “A desconfiança não tinha motivação pessoal. Nada que eu tivesse feito ou dito poderia justificá-la. Na verdade guardas de presídio não gostam de pessoas estranhas no ambiente de trabalho” (...). Pág.105 - Sai todo mundo do xadrez e encosta as mãos na parede da galeria. Bebeto estava para lá do quinto sono quando os três funcionários deram essa ordem. Ficou 112 preocupado, havia chegado na cadeia a apenas três dias, mal conhecia os companheiros. Os sete saíram em silêncio e os carcereiros vasculharam tudo. Estavam quase desistindo, quando um deles despregou o fundo de um armário junto à parede e encontrou duas facas. Bebeto surpreendeu-se: - Eu não tinha noção de que duas bicudas daquelas cabiam naquele armário. De quem eram, quiseram saber os funcionários: - Os manos na maior Miguelagem, ó. Vou dizer que não é minha? Uma que os policiais não vão acreditar outra que eu passo por cagüeta, por que se não é minha, é deles.- A solidariedade lhe custou trinta dias na isolada. No final, acha que valeu a pena: - Sai de lá com fama de sangue-bom. Minha caminhada ficou mais fácil na cadeia. Pág. 152. - “Na linguagem da cadeia, seu Luiz estava pisando em casca de ovo. Todo cuidado é pouco, pensou ele: Violência é remédio difícil de dosar”. Pág. 169. - “Vira e mexe, passava a recolha e me levava de volta para o Asdrúbal Nascimento. Eu nem ficava triste, aprendia no quadro-negro da vida. Um dia descuidavam e ele fugia de novo”. Pág. 231. - “Durante o banho, observei que eles entravam embaixo do cano com as costas quase encostadas na parede. Comentei o fato com seu Manoel, que explicou: Ladrão nunca fica de bunda para os outros doutor”. Pág. 127. AN.2.4.1 Os trechos acima ilustram o comportamento dos presos que vivem sobre a ameaça de que a qualquer momento ou mesmo qualquer passo em falso acarretará em algum tipo de agressão contra eles. Uns se comportam apenas dentro de uma rotina restrita e segura, pois vivem em sobressalto, outros emitem quaisquer comportamentos que os livre de uma possível represália por parte de outros presos, como no exemplo do ladrão que assumiu a culpa pelos outros e passou alguns dias na solitária a fim de evitar qualquer conflito com os companheiros caso não viesse a fazê-lo. A violência entre presos é bastante expressiva em todas as unidades prisionais do Brasil. Ocorrem mortes brutais e violentas. A dívida por drogas é o principal motivo. Porém, existem as punições previstas para quem descumpre outras leis impostas pelos presos das lideranças. Guimarães (1998) refere-se à morte de três presos que foram enforcados em suas celas no estado de Manaus. De acordo com ele, um dos presos comentou que quem desobedece à lei e fala demais acaba morto! Dadas às considerações feitas, nota-se que o ambiente prisional gera um ambiente de constantes ameaças gerador de medos e inseguranças. 113 Sidman (1995) explica que experimentos feitos com uso de choques constantes e aleatórios em animais demonstram que estes animais aprendem a se comportar esquivando-se e parando qualquer comportamento que estejam emitindo no momento em que o choque foi aplicado. No caso, se pressionar a barra for o único modo de anular os choques, o animal o fará a todo o momento a fim de evitar que o perigo ocorra novamente. Vale ressaltar que o laboratório permite o manejo de contingência simples, porém que podem ser generalizadas às situações sociais complexas como as que ocorrem dentro dos presídios. Desse modo à afirmação de Sidman (1995), vê-se que os presos emitiam qualquer comportamento que os livrassem das constantes ameaças em que vivem. S.2.4.2“Sob controle aversivo, não exploramos o mundo”. D.2.4.2 Sobre o efeito da estimulação aversiva os indivíduos temem explorar o mundo e ficam com um repertório comportamental bastante limitado. A.2.4.2 - Antigamente trancava tantos numa cela que precisava fazer rodízio para dormir. Metade ficava em pé, quietinho pra não acordar os outros. Na troca de turno é que aproveitava para urinar. Precisava comer pouco, porque não podia evacuar o intestino no xadrez. Só quarta e sábado quando destrancava por uma hora para o banho e as necessidades. Pág. 28. - O velho Lupércio, maconheiro convicto, conta que no tempo em que havia respeito, nas refeições estendia-se um cobertor Parahyba no chão do xadrez e sobre ele colocavam-se os pratos. Então o que estava preso a mais tempo naquela cela escolhia o seu; o mais novo era o ultimo a se servir. As regras de comportamento no horário da comida eram rígidas: - Nessa hora não podia usar banheiro, escarrar, tossir e muito menos chupar dente, que tomava paulada no ato. Pág. 46 - Meus colegas me acham tolerante. Para eles pode ser, mas a família se queixa que eu mudei. Antes eu era caseiro, tranqüilo, visitava a minha madrinha todo dia, conversava. Depois de doze horas nesse trabalho, chego em casa com a cabeça quente, janto quieto e vou dormir. Nem me lembro da madrinha. Pág. 59. - O pavilhão é para aqueles com nome feito no crime. Geralmente o habitante do oito é mais velho e não se envolve em confusão. Olha, escuta e fica quieto. Não age, reage: faz igual cascavel, só da o bote quando pisam nele. Pág. 34. 114 AN.2.4.2 De acordo com os trechos acima, pode-se perceber que os presos ficam com receio de se comportar de uma forma diferente, o que acaba por restringir bastante o repertório comportamental deles. Exemplos de trechos, como os da visão de seu Lupércio sobre o que era respeito, imposto pela forte repressão de tempos atrás, demonstra que até mesmo comportamentos mais simples como os de usar o banheiro ou tossir, não eram permitidos em alguns momentos do dia. Outro exemplo bastante significativo de restrição de repertório comportamental destaca-se no trecho referente aos presos mais antigos do pavilhão oito do Carandiru, principalmente quando diz que eles olham, escutam e ficam quietos, somente reagem a presença do perigo. Os funcionários também passam a se comportar menos devido a agressões no ambiente em que trabalham. Nota-se isso com o trecho onde um funcionário desabafa que após doze horas trabalhadas nesse ambiente ele, que antes ficava em casa, tranqüilo e que ainda visitava sua madrinha, atualmente limita-se somente a jantar, deitar e dormir. Sidman (1995) refere-se a um experimento de laboratório onde explica que ao se comportar somente pressionando a barra, o animal deixa de responder a outros estímulos presentes naquele ambiente, parando de explorá-lo e de aprender com conseqüências não aversivas. Desse modo seu repertorio comportamental restringe-se somente a evitação dos choques, pois considera que tudo mais que possa vir a fazer correr o risco de ser punido. Os animais que se comportam desse modo o fazem porque, como os choques ocorrem constantemente, eles sentem-se o tempo todo ameaçados preferindo permanecer perto da segurança oferecida pela barra do que afastar-se dela e ir fazer outras coisas. Esse efeito é uma conseqüência da punição constante e severa. Nota-se, então que tanto os funcionários quanto os detentos submetidos constantemente a esse ambiente coercitivo esquivam-se de suas ameaças de tal modo que acabam por limitar os seus comportamentos de maneira bastante expressiva. S.2.4.3“Sob controle aversivo, só conseguimos dar conta de uma rotina pré- 115 estabelecida”. D.2.4.3 Os indivíduos tornam seus comportamentos estereotipados compulsivos, pois temem variar o comportamento que os livra do perigo. e NA.2.4.3 - “Revistar é outro ritual de cadeia”. Pág. 44. - (...) Em sistema de rodízio cada ocupante era responsável pela faxina diária: após o café da manhã, ensaboar e escovar o chão, jogar um tacho de água fervente nos dois sanitários, tirar o pó dos móveis e bater os dois tapetinhos; terminando o almoço, varrer bem varrido e água fervente nos bois; depois do jantar, água e sabão, lavar tudo de novo, enxugar e colocar os tachos no fogareiro para a limpeza final, pelando, na privada. (...) Não teria desculpa para não fazer no maior capricho. Outra também é que não ia dar certo. Quere bancar o espertinho, entre nós, tudo malandro, ó, nunca tem final feliz. Pág. 42. - “Tem que ser na manha. Se acordar cedinho, todo mundo dormindo, se for urinar no boi e der descarga ou fazer qualquer zuadinha, o senhor tem que mudar de xadrez. Acordar vagabundo é sem chance”. Pág. 44. - A tranca é outro dos rituais de cadeia: A galeria está movimentada, cheia de luzes, feijão no fogo, as portas abertas com as mulheres peladas voltadas para o lado de fora, vozerio, pagode no radinho, entra e sai com panelas e roupas. De repente, um funcionário aparece na gaiola do andar e bate seguidamente um cadeado contra a grade ou um cano contra o chão: Péim, péim, péim, ritmado sem parar. Corre cada um para o seu xadrez, porque a tranca impõe respeito. Em pares os carcereiros começam a fechar (...) Tudo rápido, ninguém pode ficar de fora. Vacilou, na primeira vez tem o nome anotado; na reincidência, são trinta dias na isolada, inesquecíveis. Pág. 48 a 49. - Antigamente, no tempo da solitária, vi muito nego entrar bom e sair de lá direto para o manicômio. Numa dessas celas, na escuridão total, ele passou três meses sozinho. Para se ocupar, jogava uma bolinha de gude na parede e tateava o chão até encontrála. Chegou a repetir a operação cento e setenta vezes no mesmo dia: - “Mas, graças a deus, saí de lá com juízo”. Pág. 143. AN.2.4.3 Pode-se observar nos trechos dispostos acima que a rotina dos presos na casa de detenção é bastante rígida e com poucas variações, os presos acabam estabelecendo vários rituais que são seguidos a fim de evitar represálias caso se comportem de outro modo. No caso particular do trecho que expressa a situação de um preso na cela de castigo, seu comportamento ritualístico de jogar uma bola de gude 116 várias vezes durante o dia era, para ele, um modo de esquivar-se da loucura que poderia acontecer caso não se comportasse desse modo e ficasse ocioso. Existem arranjos de laboratório que demonstram os comportamentos destacados acima os quais são explicados por Sidman (1995). O autor argumenta que, também em razão da segurança oferecida pela barra, o animal costuma se comportar somente um pouco além de pressioná-la. Ele passa no máximo a limpar-se quando necessário e depois retorna a sua atividade que garante a segurança contra os choques. Desse modo, os comportamentos emitidos tornam-se um ritual entre o limpar-se e o pressionar a barra. Entre os seres humanos, observa-se a existência de pessoas que são rígidas e inflexíveis e não conseguem se comportar além do esperado com medo das punições e represálias dos outros. Para estas pessoas, somente o ato de seguir as regras é seguro. Em razão disso elas não conseguem discriminar outras maneiras de agir que estão presentes no ambiente, seus comportamentos são sempre os mesmos em qualquer situação. S.2.5. “Sob controle aversivo, comportamentos supersticiosos tornam-se muito prováveis”. D.2.5. O individuo sujeito a controle aversivo não emite comportamentos alternativos as situações ocorridas, como conseqüência, as contingências incidentais se fortalecem gerando comportamentos supersticiosos. A.2.5 - “Logo percebi que entre os habitantes da cadeia está em moda na crença nos poderes miraculosos das vitaminas e sais minerais”. Pág. 92. - Padres, pastores, médiuns, pais e mães-de-santo e até adoradores de satanás freqüentam o presídio para converter à palavra do senhor as ovelhas desgarradas. A crença na ajuda divina é para muitos presos a derradeira esperança de conforto espiritual, única forma de ajudá-los a estabelecer alguma ordem no caos de suas vidas pessoais. Pág. 117. - A gente sente Deus operando na existência deles. Aqui tem grade e muralha, não dá para fugir, mas você olha o céu e vê deus. A presença dele transmite paz e, com o coração inundado de fé, você hora com devoção para ir embora desse lugar maligno. Pág. 120. 117 AN.2.5 Nos trechos destacados acima se nota a presença de vários tipos de comportamentos supersticiosos entre os presos, que vão desde o habito de tomar vitaminas e sais minerais até submeterem-se as mais variadas crenças religiosas. Os comportamentos supersticiosos podem ser entendidos como um tipo de comportamento ritualístico e compulsivo que não se relaciona diretamente com a contingência aversiva, porém antecede ou precede o comportamento de esquiva contingente a ela. No exemplo do ambiente experimental, ratos podem emitir um determinado comportamento antes de pressionar a barra, se conseguir evitar o choque, eles passam a pressionar a barra sempre com o mesmo comportamento que executou antes de pressioná-la pela primeira vez, ele não se arrisca a executar outro movimento e passa a se comportar ritualisticamente temendo variar este comportamento. Ocorre então uma sobrecarga na bagagem comportamental e um gasto de energia muito maior com a esquiva. Ao invés de tocar somente a barra a fim de se esquivar do choque o rato teme não executar, também, os outros movimentos que realizou na primeira ocasião do choque (SIDMAN, 1995). S.2.6. “Quando nenhuma forma de fuga-esquiva for possível só nos restará fugir de nós mesmos”. D.2.6. O individuo apela para o suicídio como a única alternativa de fuga e esquiva que ainda lhe é possível. A.2.6 - Quando a noite caía à alma penada dele vinha me assombrar, na escada, na galeria e até no xadrez trancado. Tentei me suicidar duas vezes para escapar da perseguição. O cortinório é de lei, devido que se não, tem gente olhando pra mim o tempo todo. Sabe lá o que é isso, doutor, entra ano e sai ano, nenhum minuto o senhor pode ficar na sua? É onde que muito companheiro de mente fraca perde as faculdades e dá cabo da própria existência. Pág. 39. - Tarde da noite, andando por esses corredores mal-assombrados, com o silêncio quebrado por uma tosse anônima, o miado de um gato, a porta que bate ao longe, entendi por que os suicídios acontecem de manhã, depois de noites de depressão ou pânicos claustrofóbico, espremidos entre os outros sem poder chorar: 118 Homem que chora na cadeia não merece respeito. Pág. 49. - Seu Lupércio, criado num orfanato de Poá, vendedor de maconha no varejo que na mocidade foi massagista do São Paulo, diz que perdeu a conta de quantos se enforcaram nas grades das janelas (...). Pág. 50. - Menos de um mês depois, Ferrinhos, torturado pela depressão, enforcou-se com um lençol na janela do xadrez. No bolso da calça, tinha o retrato de um menino pequeno e de uma moça de boca pintada. Pág. 209. AN.2.6 Os trechos acima destacam situações de suicídio dentro do Carandiru. De acordo com o censo penitenciário brasileiro de 1994, o numero de suicídios ocorridos nas prisões do Brasil fecha um total de 45. Esse indicador reforça a idéia da necessidade de medidas preventivas que contenham a violência dentro das prisões. (GUIMARÃES, 1998). As medidas preventivas perpassam pela compreensão dos efeitos da coerção, para que assim se possa investir em praticas mais eficazes e menos danosas para os presos. Sidman (1995) considera que o suicídio seja um caso extremo de desistência do individuo que e submetido à punição severa, ou seja, em ultimo caso ele desiste da sua vida. O suicídio é um comportamento de fuga bastante complexo e com reforçadores, muitas vezes desconhecidos devido ao fato de levar à morte. Ocorre, porém, que a história de pessoas que sobreviveram ao suicídio revela algumas condições que levaram ao ato. Algumas pessoas que se desenvolveram em ambientes onde se sentiram incapazes de corresponder às suas exigências, sentem-se culpadas e não dignas. Então o suicídio está relacionado ao que a pessoa sente, e sentir-se mal. Seu próprio comportamento se transforme em um punidor para ele, e de tal forma insuportável ao ponto de querer se suicidar. Em contrapartida, se o suicídio fracassa, o indivíduo recebe reforçadores como carinhos e atenção de pessoas significativas. Porém, após algum tempo, o ambiente coercitivo retorna e fomenta a necessidade do comportamento se repetir para ter acesso aos mesmos reforçadores novamente. 119 Nesse sentido, o suicídio pode se tornar coerção, ou seja, um modo de se livrar de sentimentos e da exposição continuada ao ambiente aversivo, sem aparente solução. De outro lado, em sua outra versão, observa-se inclusive o suicídio ou sua tentativa como forma de obter atenção das pessoas que se culpam com a situação e passam a dar maior atenção ao suicida. O ato também serve como meio de punir aqueles que coagiram o suicida constantemente e de maneira insuportável. C.3. Motivações para o crime: D.3. Pessoas privadas de reforçadores básicos tendem a tentar conseguir seus reforçadores generalizados tirando de outras pessoas. Além disso, a falta de acesso a diversos reforçadores gera a revolta e a agressão. A.3. - “Seu Chico matou o cunhado tipo à-toa; matou um outro que, que ganhou consideração na quadrilha com o objetivo precípuo de alcagüetar todos; e um terceiro que ele nem conta. - Não merecia viver doutor”. Pág. 217. - Claudiomiro diz que foi preso porque tinha mulher e filho (...) Dois dias mais tarde, vi na televisão uma tentativa de fuga coletiva no DEPATRI ( departamento de proteção ao patrimônio). Claudiomiro foi um dos lideres e voltou na mesma noite para a detenção. Pág. 191. - Os homens queriam oitocentos contos ou eu voltava para a cadeia. Respondi que já tinha tirado dez anos, sofrido o pão que o diabo amassou que os velhos dependiam de mim, e tal e mais a irmã e os sobrinhos, que eles não iam ganhar nada me prendendo (...). Pág. 178. - Manga jurava que tinha ido parar na detenção por um erro judiciário. Anos antes, ao sair da cidade de Sorocaba, sem dinheiro, um amigo emprestou-lhe meio quilo de maconha. Vendia na rua do estudante, onde morava na Dr.Lundi e na Thomaz Gonzaga, no bairro da liberdade, centro de São Paulo. Dava para as despesas e sobrava um pouco: Para comprar roupinha para o nenê que ia nascer uma pizza no domingo e cuidar da esposa, dar aquele carinho que toda mulher necessita. Pág. 238. - Com a sabedoria dos seis anos, Neguinho viveu por conta própria na cidade. Dormia embaixo das marquises dos prédios enrolado num cobertorzinho, com jornal enfiado por dentro da roupa; batia carteira, vendia bala em saco, chiclete e doce de leite Embaré e assaltava de arrastam, com os companheiros mais graúdos (...). - E assim trilhei meu destino de ladrão. Passava um todo bonito e simpático, era dia de festa, os outros com seus brinquedinhos e eu sem nada. Com isso eu tornei-me tipo a 120 pessoa egoísta, porque queria ter, mas não poderia e nem teria capacidade, justamente pela falta da mãe e do pai para que acontecesse o dia a dia. Pág. 231 a 232. AN.3 Os trechos destacados acima exemplificam algumas das razoes pelas quais os indivíduos cometem crimes. Sidman (1995) considera que uma das motivações para o crime esteja na privação de reforçadores básicos como, por exemplo, saúde e educação. A situação de privação é comum nas populações pertencentes às famílias de baixa renda, onde a carência econômica tira-lhes a oportunidade de ter acesso a muitos dos reforçadores primários e generalizados que podem estar disponíveis aos demais na população. Essa contradição baseada na distribuição de renda tende a acarretar o desafio de como obter tais reforçadores, e comportamentos passíveis de punição podem vir a ser emitidos para esse fim. É o que descreve o trecho do rapaz que vendia maconha para comprar roupas para o nenêm e comer pizza no fim de semana. No caso, a educação é primordial para que se desenvolvam habilidades intelectuais necessárias para agir discriminando entre varias situações onde se possa conseguir ter acesso a outros reforçadores por meio do trabalho e de renda que possibilite acesso aos alimentos e bens sociais. Um repertório comportamental limitado tende a diminuir as possibilidades de superação da situação crítica em que se encontram. As considerações feitas acima por Sidman (1995), podem ser exemplificadas através do trecho sobre Claudionor, o ladrão que foi preso porque tinha uma família e filhos. Subtende-se que Claudionor não enxergou alternativas para fazê-lo que não fosse roubando. O trecho sobre neguinho ilustra de maneira ainda mais significativa as questões discutidas, sobre a importância da habilidade intelectual para discriminar dentre as varias alternativas de se obter reforçadores. Neguinho conta que gostaria de ter o que os outros tinham, porém não poderia e nem teria capacidade, e sua única opção era roubar. Alem de tudo ele se revoltava com a situação de não ter o que gostaria. De acordo com ele tornei-me tipo a pessoa egoísta. Outra importante conseqüência da privação de reforçadores é que ela fomenta o ódio e a revolta das pessoas. Neto, Alves e Baptista (2007) argumentam que a violência 121 é uma forma de contracontrole dessas populações que se revoltam por não ter acesso a maioria dos reforçadores primários e generalizados da sociedade. O governo é o principal responsável pelo controle exercido na sociedade. Ocorre que ele tem se utilizado desse poder para explorar as populações ao invés de trabalhar pela garantia de seus reforçadores, fomentando-lhes a revolta e a agressão. Nota-se no trecho sobre um criminoso que matou o cunhado matou o cunhado tipo à toa, sem qualquer justificativa. Matos (1980/1981) aponta, através de exemplos com experimentos de laboratório que o animal que levou o choque não agredira necessariamente quem aplicou o choque, mas sim o outro animal que estivesse vulnerável no momento. Pode-se, então, deduzir, que as agressões a as explorações sofridas por essas pessoas os torna sujeitos agressivos e com potencial para contraatacar. O mesmo trecho chama a atenção para o fato desse mesmo sujeito ter matado um outro sujeito para conseguir status na quadrilha a qual pertencia. Nas considerações feitas por Velho (1996), vê-se uma descrição semelhante, quando o autor diz que muitos indivíduos cometem seus crimes a fim de obter status social e sucesso com as garotas na comunidade a qual pertencem. Tendo em vista que o status torna-se um importante reforço social, cometer esses crimes torna-se mais reforçador do que evitar as punições por não seguir um código moral e ético da legalidade. Para Sidman (1995) consciência moral fraca é muitas vezes entendida como causa para a violência, porém a consciência é um produto de coerção e falha quando, por exemplo, alguns indivíduos descobrem maneiras eficientes de se esquivar de punições impostas pela lei através de suas brechas, ao mesmo tempo em que se beneficiam dos reforçadores obtidos com o crime. E o caso de crimes cometidos por grandes empresários que possuem a condição de pagar advogados responsáveis por perceber as referidas brechas da lei e utilizá-las a favor de seus clientes. Os que não possuem as condições necessárias para usufruir dos recursos da lei revoltam-se com a situação e entram na briga por seus reforçadores, gerando um verdadeiro problema social, que por sua vez tenta ser contida com um aumento da repressão e da punição, ou seja, formas de punição legalizada pelas Leis. 122 Tendo em vista que para Neto, Alves e Baptista (2007) a violência é o produto de interações coercitivas entre o ambiente e o organismo, ela existirá enquanto as práticas coercivas de quem detêm o controle social continuar a persistir. Nesse sentido, de nada adianta investir em práticas cada vez mais repressoras para o controle da violência, Sidman (1995) acredita que se faz necessário um substituto para consciência, ou seja, faz-se necessário o substituir as práticas de controle legais e morais que moldam a consciência humana no sentido de gerar comportamentos adaptativos à coerção, como no caso da fuga, da esquiva e do contracontrole, por formas de controle que realmente gerem comportamentos sociais mais eficazes. 123 CONCLUSÃO Sidman (1995) afirma que a coerção é a principal forma de interação entre os indivíduos e entre os mesmos e a natureza. A coerção é considerada tão natural que provoca o descrédito e o desuso de outros meios de controle mais saudáveis, a saber, o controle exercido através de reforçamento positivo. As principais justificativas para o uso indiscriminado da coerção em detrimento de técnicas mais saudáveis de interação se encontram nos efeitos imediatos da referida técnica sobre a conduta indesejada. Experimentos de laboratório demonstram que a punição, sua ameaça e o reforçamento negativo suprimem quase que imediatamente a resposta contingente a eles. Porém, os mesmos experimentos demonstram que o controle não passa de momentâneo e supressor da resposta, ou seja, o comportamento para de ocorrer apenas na presença do estímulo aversivo, necessitando que este seja apresentado constantemente para que a resposta de supressão ocorra. Punições intensas parecem produzir efeitos mais duradouros, mais os efeitos colaterais observados não justificam o seu uso. Ocorre, assim, que além de conter apenas um efeito supressor, a coerção também possui subprodutos infelizes que envenenam as relações sociais, são eles as predisposições emocionais para se comportar como o medo e a ansiedade e os comportamentos de fuga, esquiva e contracontrole. Todos esses subprodutos causam um desajuste ao meio, fomentando dificuldades de aprendizagem, rigidez comportamental, insegurança, falta de criatividade, neuroses e problemas de personalidade e violência. Apesar de todos esses efeitos, a coerção ainda é utilizada em todas as principais instâncias que exercem controle social, como a educação, o governo, a família, a religião e a psicoterapia. Desse modo, a própria consciência moral considerada a principal mola motriz da vida e parâmetro para o comportamento do individuo em sociedade, passa a ser ela mesma o produto de esquiva da punição e suas ameaças (SIDMAN, 1995). 124 Devido ao fato da coerção ser a principal forma de controle do comportamento social, é necessário entender porque os indivíduos se comportam juntos e como constroem e passa a ficar sob controle de suas praticas culturais. Para Baum (2006) os comportamentos em grupo foram selecionados porque foram mais eficazes para a sobrevivência da espécie. Em grupo, os indivíduos caracterizados pelo altruísmo praticavam ações como proteger uns aos outros e dividir os alimentos, pois, quando sozinhos, a eficiência para se proteger das ameaças presentes no ambiente diminuía muito. Quando se fala da sobrevivência de um indivíduo ou de um grupo, vê-se a emergência de práticas individuais e culturais que se chocam ou aproximam a interação com os demais indivíduos ou práticas grupais. O comportamento social pode então ser entendido como o comportamento das pessoas no grupo. Por ser assim, os processos que originam tais comportamentos em nada diferenciam dos processos que explicam os comportamentos do individuo fora dele. Ou seja, é o reforço que controla essas relações (SKINNER, 2003). Ocorre que as interações sociais são relações que dependem da freqüência com que duas pessoas se reforçam, por depender das interações entre duas pessoas o reforço é então chamado social (BAUM, 2006). O reforço social depende do comportamento verbal para ocorrer. Ele diferencia o comportamento entre indivíduos do comportamento de um individuo em ambiente mecânico. Isso é possibilitado porque esse comportamento origina repertórios comportamentais complexos e permite que, através da educação, os traços de uma cultura sejam passados de uma geração para a outra (SKINNER, 2001). A cultura poder ser entendida como um conjunto de práticas usuais de um determinado grupo, elas variam de um lugar para outro e sofrem variações ao longo do tempo. A capacidade de transmitir traços culturais, ou seja, suas praticas usuais é o que diferencia uma cultura de seres humanos de uma sociedade de animais. A aptidão para aprender com os outros possibilita que os traços culturais sejam passados para os membros sociais e para as gerações futuras. Isso é importante, as gerações futuras poderão aprender comportamentos que foram selecionados por antigas gerações a fim de evitar os riscos presentes no ambiente, por exemplo. 125 As práticas culturais são selecionadas por reforço e punição com a finalidade de estabelecer regras que guiam condutas morais necessárias a sobrevivência do grupo. Nesse sentido, as regras são entendidas como ações que formam a base do grupo (BAUM, 2006). A criação de regras de comportamento faz com que o grupo assuma o controle sobre o individuo. O controle do grupo se faz necessário a partir do momento em que as ações de alguns indivíduos tornam-se aversivas para os demais, tornando necessária a criação desses padrões verbais que controlam essas ações por reforço e punição (SKINNER, 2003). Como o controle social exercido normalmente é um controle aversivo ou as relações de contingências que o estabelecem não são muito claras, a pessoas preferem acreditar que os homens são livres e que são guiados por valores de liberdade, felicidade e segurança (SKINNER, 2003). Skinner (2003) diz que a liberdade se refere aos comportamentos que livram o individuo da coerção. Para Baum (2006) os indivíduos felizes são aqueles que se encontram livres de exploração e que estabelecem relações eqüitativas, possuem acesso aos mesmos reforçadores disponíveis em um grupo de comparação. Pode-se observar que esses valores e sentimentos de liberdade, felicidade e segurança são apenas subprodutos dessas contingências e que o valor está em como essas contingências controlam o comportamento dos indivíduos. Se essas contingências sociais e outras como a lealdade, responsabilidade e respeito pelos outros forem eficazes, elas podem desencadear ações do grupo que beneficiam a todos (SKINNER, 2003). A ação das contingências sugere que o único valor e o valor de sobrevivência é que as contingências podem ser manipuladas e modificadas em prol da sobrevivência da espécie. Para Skinner (2003) muitas pessoas estão empenhadas na modificação das práticas visando sua melhora. Porém, o planejador cultural necessita estar exposto a contingências que o controlem a trabalhar pelo bem dos outros em detrimento do beneficio próprio. Uma vez reforçado a trabalhar pelo bem do próximo, seu planejamento deve conter ações que promovam mudanças para problemas globais significativos, como a 126 poluição, superpopulação e armamento nuclear, a partir da modificação de contingências que reforçam tais práticas. Com esse tipo de planejamento, a ações tornar-se-ão mais eficazes para a sobrevivência da espécie. Ocorre que, os responsáveis pelo planejamento cultural e o controle social, como é o caso das agências controladoras como a educação, a religião a psicoterapia e o governo sedem a reforçadores que os benefíciam de modo imediato e que possuem fins egoístas. No caso especial do governo, este se utiliza do poder de punir o grupo controlado para poder explorar-lhes de maneira bastante exacerbada, gerando a revolta e predisposição para contratar (SKINNER, 2003). O controle exercido pelo poder de punir do governo ocorre por meio de regras padronizadas chamadas de leis. Essas regras são organizadas em um código que possui a função de garantir que esse comportamento verbal se perpetue. Quando, algum individuo age em desacordo com tais regras, este é punido com a apresentação de reforçadores negativos, como por exemplo, castigos corporais. Ou com a retirada de reforçadores positivos, como e o caso da multa ou do encarceramento (SKINNER, 2003). Matos (1980/1981) afirma que experimentos com grupos de animais submetidos a choques tendem a agredir potencialmente outros grupos de animais. A autora relaciona estes grupos a situações de ataques e violência cometidos por alguns grupos de indivíduos contra ônibus na cidade de Salvador. Privação também gera agressão. Para Neto, Alves e Baptista (2007) as pessoas privadas de seus reforçadores primários e generalizados em conseqüência da exploração e da má administração do governo tendem a agredir com violência. Por outro, lado os agentes de segurança pública, devido às influências históricas do desenvolvimento de suas ações de combate à violência investem em estratégias mais repressivas ao invés de preventivas, como se estas ações se pautassem na lei do olho por olho e dente por dente. Gerando mais violência e criminalidade ao invés de combatê-la (LIMA, 2007). O sistema Prisional Brasileiro também se desenvolveu em um contexto de punições, repressão intensa e discriminação social e racial. Essas características se 127 desenvolveram sobre a influência das formas de aplicação da pena no restante da Europa (FAUSTINO, 2008). Com a passagem do sistema feudal para o sistema capitalista houve mudanças de valores e paradigmas significativos na sociedade, principalmente com a introdução das idéias iluministas e humanistas. Essas idéias mudaram a forma de conceber a pena que passou a ser aplicada como um meio de correção e preparo dos indivíduos para o mercado de trabalho. Nesse contexto, as prisões passaram a ser um local onde os indivíduos poderiam ser tanto corrigidos quanto preparados para o trabalho, além de poder ter essa mão de obra explorada mesmo dentro da prisão. No Brasil, a primeira mudança significativa ocorreu com a reforma do código de 1830 sobre forte influência das idéias iluministas, quando as penas se configuraram em privação de liberdade e as prisões passaram a ser o espaço de cumprimento dessas penas. Surge nesse contexto às casas de correção no estado do Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 1890, houve uma nova mudança no código, que sofreu influências de idéias humanistas e positivistas, onde o crime passou a ser visto com motivações biopsicossociais e o criminoso passou a ser visto como alguém com necessidade de cura e não de correção. Em 1940, durante a era Vargas, o código também passa por modificações passando a prever forte repressão e punições severas para os que fossem contra as idéias do governo. Foi considerado um período de verdadeira violência e caos nas prisões brasileiras. Com a reforma do código de 1940 que ocorreu em 1984, as penas acessórias foram abolidas e foi criada a LEP (Lei de Execuções Penais), que possui seu foco principal na ressocialização do preso. Para tanto, prevê condições necessárias para que esse processo de ressocialização ocorra como assistência médica, psicológica, odontológica, jurídica e social. No entanto existem incoerências entre a lei e a prática da execução penal. Malaquias (2008) expõe que a lei de execuções penais se pauta em três pilares principais: punição, recuperação e ressocialização. Porém, somente a punição é 128 potencialmente exercida. Além disso, as condições de habitação nas prisões são as piores possíveis. As celas são fétidas e imundas. De acordo com essas condições os presos sofrem os efeitos da punição e tornam-se predispostos a rebelarem-se e a contratacar. Um exemplo, disso e a onda de violência comandada pelo PCC no estado de São Paulo. Atualmente o sistema prisional é considerado uma instituição falida. Devido a sua estrutura física e funcional, ela não consegue atender aos fins a que se propõe, a saber, a recuperação e ressocialização dos indivíduos infratores da sociedade. Isso ocorre devido ao contexto histórico do desenvolvimento da execução das penas no Brasil, que como observado, se caracteriza pela exclusão, punição e repressão excessiva de seus infratores. Estudos realizados sobre a punição e outras formas de coerção demonstram o fracasso da técnica na aprendizagem eficaz de comportamento. Aqui cabe então uma pergunta: Qual é a justificativa para manter um sistema prisional que devido a forte punição e privação (coerção) não ressocializa seus infratores e ainda os devolve a sociedade com predisposições emocionais para agredir e contra-atacar extremamente potencializadas? A presente pesquisa buscou analisar o uso de práticas coercitivas no ambiente prisional dentro da perspectiva da análise do comportamento, baseado da obra literária “Estação Carandiru” e implicitamente começar a responder a essa pergunta. Sidman define a coerção como: O uso da punição e da ameaça da punição para conseguir que os outros ajam como nós gostaríamos e à nossa prática de recompensar a pessoas deixandoas escapar de nossas punições e ameaças (...). (SIDMAN, 1995, pág.17). Foram analisadas duas categorias referentes a difusão e os efeitos da violência e 7 subcategorias que afirmam que o individuo se acostuma com a violência; que o uso indiscriminado da Violência gera mais violência; faz com que tudo tome feição de violência; torna o indivíduo impotente diante da violência, vivendo uma vida amarga; muitos apresentam comportamentos supersticiosos e, alguns só conseguem fugir através do desistência de si mesmo (Suicídio). Além dessas categorias foi analisada a 129 categoria sobre as motivações para o crime onde foi definido que ele ocorre por exploração e privação de reforçadores sociais. Os indivíduos privados de reforçadores e explorados tendem a obter seus reforços roubando de outras pessoas e na condição de explorados tendem a contracontrolar agressivamente. A partir da análise dos resultados pode-se verificar a banalização da violência ocorrida nos sistemas prisionais brasileiros. Notou-se que isso ocorre devido às precárias (e por essa razão agressivas) em que trabalham os funcionários e em que vivem os presos, a saber, a superlotação e as más condições de higiene física e saúde. Soma-se a esses fatores, a mentalidade que permeia a execução das penas no Brasil. Essa mentalidade baseia-se na lógica construída ao longo de seu desenvolvimento histórico, a qual supõe que a punição severa recupera e disciplina os presos, sendo considerada a prática mais eficaz de controle social. Porém os resultados da análise confirmam que punição intensa somente pode gerar efeitos colaterais. Agredidos e violados, os presos tendem a contracontrolar de forma agressiva. Um exemplo disso são as constantes rebeliões que ocorrem nesses ambientes. Outro efeito observado com os resultados é que o ambiente prisional coercitivo gera predisposições emocionais como o medo e a desconfiança nos indivíduos pertencentes a ele. Muitos optam pelo isolamento social buscando fugir dos conflitos e de possíveis represálias geradas por eles. Outros fogem fazendo uso de bebida alcoólica e outras drogas como forma de desligar-se dos problemas existentes. O medo e insegurança também fazem com que esses indivíduos deixem de explorar o ambiente em que vivem, ficando com o repertorio limitado. Eles realmente não saem de suas rotinas e seguem as regras estabelecidas de maneira rigorosa, pois tem medo de morrer. Por fim, os resultados demonstram a existência dos comportamentos supersticiosos. As asserções analisadas apontam para vários destes comportamentos que vão desde a crença no efeito de alguns remédios até as mais variadas formas de devoção espiritual. E alguns vêem apenas no suicídio, uma rota possível de fuga, principalmente os que são coagidos de forma intensa e constante. 130 A análise dos resultados da categoria motivações para o crime demonstra que a coerção começa antes que esses indivíduos entrem no sistema prisional. Privados de seus reforçadores e sujeitos a exploração dos que exercem controle social, eles cometem os crimes para obterem o que desejam ou por revoltarem-se com a situação em que vivem.Como ficou clara durante a discussão de alguns autores, a privação de reforçadores essenciais é uma forma de agressão e violência, e, portanto geradora de contracontrole, ou seja, mais violência. Pode-se concluir com os resultados obtidos a predominância de práticas coercitivas entre os presos e entre eles e os funcionários da instituição, fazendo com que não enxerguem alternativas mais saudáveis de práticas sociais, acarretando em pouca probabilidade de mudança do comportamento delituoso quando estes indivíduos retornarem ao ambiente social o qual pertencem. Além disso, os resultados sugerem que as práticas coercitivas nas, apesar de serem bem primitivas, são apenas uma reprodução das praticas coercitivas que predominam no contexto macrossocial. A coerção controla grande parte do comportamento social e ameaça a sobrevivência da espécie humana. Os próprios valores defendidos como ideais para alicerçar relações mais saudáveis e culturas mais duradouras, tais como liberdade, felicidade e dignidade se constituem através de comportamentos de fuga e esquiva da coerção. As pessoas sentem-se felizes quando usufruem dos mesmos reforçadores disponíveis a grupos sociais ou livres quando não são controladas aversivamente em suas interações sociais. Diante dessas constatações, parece urgente uma mudança de paradigma pautada no valor de sobrevivência e capazes de fomentar práticas preventivas e que garantam um prognóstico mais promissor às gerações futuras. Para tanto, é preciso que as pessoas sejam preparadas para responder a reforçadores em longo prazo, ao invés do imediatismo e do egoísmo como se observa nas relações de poder do governo que explora o povo o qual governa, ou pelo poder econômico que estabelece práticas de privação para aumentar o valor reforçador de bens materiais. Mudanças macrossociais precisam influenciar mudanças em espaços microssocias, como no caso do sistema prisional. A mudança começa pela percepção 131 de que as práticas preventivas são alternativas mais eficazes no combate à criminalidade do que as práticas de extrema coerção executadas nas prisões. Para aqueles que já cumprem penas em espaços de privação de liberdade, uma das possibilidades de se alcançar comportamento eficaz pode ser conseguida através do uso de técnicas de reforçamento positivo. Sabe-se que o ambiente prisional é extremamente complexo e que a criminalidade envolve fatores biopsicossociais. Porém, Sidman (1995) demonstra através de exemplo do uso dessa técnicas em algumas prisões, que elas obterão resultados bastante favoráveis. Os presos sentiram-se motivados a estudar e muitos aprenderam uma profissão que poderiam exercer fora dos estabelecimentos prisionais. Porém o uso da técnica é apenas uma das alternativas a ser utilizada, esta não é a solução para o problema prisional. Tendo em vista a complexidade da questão, faz-se necessário o interesse na busca de muitas outras alternativas que poderiam ser descobertas com o aumento do número de pesquisas na área. Com o resultado das pesquisas pode-se direcionar práticas mais eficazes, e de cunho mais preventivo. 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Rodrigo. O que estou lendo. Revista Veja, abr. 1999.Disponível em:<http://veja.abril.com.br/201099/p_184.html> Acesso em: 17 nov. 2008. ANDERY, Maria Amélia Pie Abib e SÉRIO, Teresa Maria De Azevedo Pires. A Violência Urbana: Aplica-se à análise da coerção? In: BANACO, Roberto Alves.Sobre o comportamento e cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. Santo André, SP, 2001. Seção VIII. ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Corrigindo os desviantes: A construção do sistema prisional no Brasil - uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, século XIX. In: 3o. 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