ASSISTÊNCIA Inimigo Silencioso Eventos adversos associados à nutrição clínica podem ser mitigados pela comunicação adequada e apoio tecnológico Por Gilmara Espino Apoio técnico: Lia Buschinelli, nutricionista U m paciente que desnutre durante a internação, perde peso, tem cicatrização prejudicada ou desordens intestinais, pode estar sendo vítima de erros no processo de apoio nutricional. Para a instituição, o agravamento do quadro tende a aumentar morbidade e tempo de internação. A convite da Melhores Práticas, a nutricionista Lia Buschinelli visitou o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e o Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, a fim de mapear como tratam os principais riscos ao paciente durante a triagem nutricional e prescrição dietética. A escolha dos hospitais se baseou no fato de ambos possuírem acreditações de excelên- cia, terem naturezas de negócio distintas – o primeiro é público e o segundo, privado – e atenderem um grande volume de pacientes. No ICESP, são 62 nutricionistas, distribuídos nos setores de clínica, produção e cozinha. O quantitativo segue a recomendação do Conselho Federal de Nutrição (CFN), de 1 para cada 30 pacientes de enfermaria e de 1 para cada 15 de tratamento intensivo. No hospital gaúcho, a equipe é formada por 16 nutricionistas clínicas, uma supervisora, 3 de produção e 2 de ambulatório. O hospital possui 260 leitos, sendo 17 de UTI. “São os processos consolidados e a abertura com a diretoria executiva que facilitam a execução de ações de melhoria”, resume Lia. A seguir, os principais pontos encontrados. SISTEMAS INFORMATIZADOS Atualmente, boa parte dos hospitais utiliza sistemas informatizados de prescrição. Em alguns deles, o sistema é único para toda a instituição e para todos os serviços, o que facilita o intercâmbio de informações e minimiza erros de transcrição e incompatibilidade de sistemas. Riscos: Quando os sistemas de prescrição médica não são compatíveis com os de produção de alimentos na cozinha, a transcrição precisa ser realizada por um profissional administrativo. Como o processo é manual, as chances de erro são maiores devido a fatores como: letra ilegível, falta de espaço em papel, transcrição incorreta de siglas. São exemplos de eventos adversos que podem ser provocados pela transcrição incorreta: entrega da bandeja do leito 1 para o leito 2, por troca no nome ou leito do paciente; entrega de refeição com características diferentes da prescrição. 48 Melh res Práticas Como tratam: Amanda Peixoto Rimolo, nutricionista assistencial do CTI adulto do hospital Moinhos de Vento, conta que o sistema de gestão utilizado pelo hospital foi interligado ao sistema Brand Brasil de dietoterapia, que é muito utilizado em cozinhas hospitalares. O mesmo ocorre no ICESP. Agora, as informações passam automaticamente de um software para o outro, sem necessidade de transcrição. Sobre o uso inadequado de silglas os hospitais possuem um manual de abreviações ou um siglário, com as padronizações próprias da instituição, cabendo aos profissionais a adequação. TRIAGEM NUTRICIONAL Determina o nível de assistência nutricional que os pacientes internados devem receber ao longo da internação. Em situação ideal, é realizada antes da prescrição da dieta. A não realização dificulta o suporte nutricional adequado, sobretudo aos pacientes já desnutridos ou com maior risco (idosos, oncológicos, crônicos). A partir de uma triagem benfeita, é possível detectar os pacientes com maior risco nutricional e, portanto, priorizar a avaliação nutricional completa, que é o primeiro passo para a prescrição dietética. Riscos: Ainda que esta seja uma atribuição da Nutrição Clínica, por conta de quadros escassos e gestão de recursos, é comum encontrar instituições em que essa etapa é cumprida pela Enfermagem. Os dados podem não chegar ao nutricionista, seja pela não realização da triagem, seja pelo registro inadequado em prontuário. A partir de uma triagem benfeita, é possível detectar os pacientes com maior risco nutricional e, portanto, priorizar a avaliação nutricional completa, que é o primeiro passo para a prescrição dietética. Como tratam: ICESP e Moinhos de Vento têm como meta realizar a triagem nutricional em 100% dos pacientes admitidos em qualquer unidade de internação, em até 24 horas. A triagem é realizada pela equipe de nutricionistas. O ICESP utiliza o instrumento NRS 2002, e o Moinhos de Vento criou um instrumento próprio. Em ambos os hospitais, a equipe de Nutrição é comunicada pela Enfermagem por meio de sistema informatizado sempre que algum paciente é internado. Transferindo a responsabilidade da triagem da equipe de Enfermagem para a Nutrição, o ICESP aumentou o seu índice de triagens de 60 para 90% dos pacientes. A principal dificuldade é avaliar os pacientes com permanência inferior a 24h. PRESCRIÇÃO DA DIETA e PRESCRIÇÃO DIETÉTICA O primeiro item da prescrição médica é a prescrição da dieta. O médico é o profissional responsável, pois faz parte do ato terapêutico, que é sua atribuição. É ele quem determina tipo, consistência e adaptações da dieta que o paciente deve receber (Ex: dieta líquida, jejum, via sonda nasogástrica, etc.). A prescrição dietética é atribuição do nutricionista, que executa a prescrição médica com base na avaliação nutricional e determina quais alimentos o paciente pode receber, quantidades, número de vezes por dia e necessidade de suplementação oral, por exemplo. No caso de dietas enterais, o nutricionista define o produto, a quantidade e o número de vezes que o paciente deve recebê-la. Riscos: É comum os nutricionistas se queixarem de que a prescrição não foi realizada adequadamente e que não têm autonomia para modificá-la. Há situações, por exemplo, em que o paciente já poderia passar à dieta geral, porém se manteve a prescrição desatualizada do dia anterior. Outro exemplo é quando o paciente retorna de uma cirurgia e o médico mantém prescrito o jejum, seja por esquecimento ou por falta de atenção. Ainda mais graves são os casos em que, na evolução do paciente, esquece-se da prescrição da dieta, que permanece em branco no prontuário. Nesses casos, a única opção é manter o paciente em jejum e procurar o médico responsável, o que acarreta em atrasos e estresse para equipe e paciente. Prescrições inadequadas, além de resultarem em deficiências de nutrientes e calorias, podem aumentar os conflitos dos pacientes com a equipe assistencial. Como tratam: Desacordos sobre a prescrição da dieta podem ser resolvidos com comunicação adequada entre a equipe médica e os nutricionistas. Para isso é importante que haja cultura de trabalho em equipe e reconhecimento do tratamento multiprofissinal . No Moinhos de Vento, o nutricionista aciona o médico sempre que verifica oportunidades de melhoria na dieta prescrita. Entretanto, não tem autonomia para evoluir isoladamente a dieta do paciente. Já no ICESP, após realizar um levantamento de diversos casos e de indicadores de qualidade da assistência, optou-se por instituir que os médicos escrevam na prescrição da dieta no prontuário “a critério do nutricionista”. Segundo Serena Nunes Viana, gerente de nutrição do Instituto, a mudança agilizou processos e garantiu melhor assistência nutricional ao paciente. Somente aqueles com indicação de jejum para exames e procedimentos cirúrgicos não podem ter a prescrição modificada. Leia na próxima edição: Barreiras de segurança no processo de preparo e distribuição da dieta Melh res Práticas 49