importância do desenvolvimento afetivo no processo educativo Adriano do Prado Gerônimo Roberta Maria Lemes Correia Brizacco Carolina Arantes Pereira janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 83 Adriano do Prado Gerônimo Graduado em Pedagogia pela Faculdades Integradas Teresa D´Ávila Roberta Maria Lemes Correia Brizacco Graduada em Pedagogia pela Faculdades Integradas Teresa D´Ávila Carolina Arantes Pereira Docente e Pesquisadora das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila. 84 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 resumo Este estudo objetiva refletir sobre o desenvolvimento afetivo em crianças de Educação Infantil e propor práticas pedagógicas cooperativasreflexivas, visando ressaltar a importância de trabalhos educativos que desenvolvam a afetividade. Realizou-se a proposta de pesquisa-ação com crianças de cinco e seis anos de idade, matriculadas na Etapa III da Educação Infantil, onde foram desenvolvidos jogos cooperativos, dinâmicas de convivência fundamentais para o desenvolvimento pessoal e para a transformação do educando.����������������������������������������� A pesquisa realizada oportunizou uma somatória de ações relacionadas às práticas educativas e aos sentimentos presentes nas mesmas. O enfoque no aspecto afetivo pôde contribuir para uma aprendizagem mais eficaz, cabendo ao educador oferecer ao aluno vastas oportunidades de desenvolvimento e ao educando, retribuir com dedicação e afeto nas propostas escolares vivenciadas. Palavras-Chave Afetividade; Práticas pedagógicas; Dinâmicas de convivência. janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 85 Abstract This study aims at reflecting on the affective development in children in Educação Infantil and at proposing cooperative-reflective pedagogic practices, emphasizing the importance of educative projects that develop the afectiveness. The proposal of action-research was done with five and six-year-old children, enrolled in Etapa III of Educação Infantil, where cooperative games were developed, fundamental dynamics of living to the personal development and transformation of the pupil. The research gave opportunity for a number of actions related to educative practices and present feelings at them. The foccus on the affective aspect was able to contribute to a more effective learning, being a responsibility to the educator to offer the pupil large opportunities of development and to the pupil, to return with dedication and affection during the lived proposal at school. Keywords Affectiveness; Pedagogic practices; Dynamics of living. 1. Introdução A motivação para a realização deste estudo partiu da curiosidade sobre o desenvolvimento afetivo e suas repercussões no processo educativo. Por isso esta pesquisa abordará o tema afetividade, relacionando comportamentos dos domínios afetivo e cognitivo para entender suas respectivas características e peculiaridades. A organização da pesquisa parte de uma proposta sugerida por Brotto (2004) sobre jogos cooperativos, que estão relacionados com a Pedagogia do Afeto e correspondem a exercícios de convivência fundamentais para o desenvolvimento pessoal e para a transformação do educando. A partir da proposta de trabalho deste autor, é preciso aperfeiçoar as habilidades de relacionamento e aprender a conviver uns com os outros. 86 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 Uma aula, nesta perspectiva, não pode ser concebida como uma transmissão de conhecimentos, deve-se também considerar o conteúdo emocional e afetivo que circula entre as pessoas envolvidas no processo educativo, o que pode facilitar ou dificultar a aprendizagem. O professor ao debater determinado assunto precisa, além de fazer perguntas, ouvir o que os alunos têm a dizer, seus sentimentos e opiniões sobre a temática discutida. De acordo com Antunes (2005, p. 114) ensinamos uma criança a escutar para que ela extraia maior emoção e beleza de seu entorno, para que viva mais plenamente, para que coloque esse notável recurso cerebral a serviço da beleza e do encantamento, da fantasia e dos sonhos. O domínio afetivo influencia no processo de aprendizagem e o facilita, pois nos momentos informais, os alunos aproximam-se do professor, trocam idéias e experiências de diversas naturezas, expressam opiniões e criam situações para, posteriormente, serem utilizadas em sala de aula. O relacionamento baseado na afetividade é um relacionamento produtivo, auxiliando professores e alunos na construção do conhecimento e tornando a relação entre os dois menos conflitante, pois permite que ambos se conheçam, se entendam e se descubram como seres humanos e possam juntos crescer. Na relação professor-aluno, o professor, usando da afetividade, poderá entender melhor seus alunos e conseguir elementos para atingir seus objetivos educacionais. Do ponto de vista da prática educativa, busca-se com o tema afetividade a inserção de um tema transversal no currículo escolar, como um dos caminhos possíveis para se atingir objetivos pedagógicos, e, sobretudo, construir uma proposta que assuma os sentimentos pessoais e interpessoais como objeto de conhecimento, assim como Línguas, Matemática, Ciências, Artes, Geografia, História e Educação Física. Nesta maneira de conceber a educação, tais conhecimentos não seriam tratados apenas como propostas extracurriculares, mas como uma das principais finalidades da educação. A pergunta deste estudo é como e por que introduzir essa premissa na organização e estruturação do janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 87 trabalho educativo cotidiano? Esta pesquisa objetiva refletir sobre o desenvolvimento afetivo em crianças de Educação Infantil e propor práticas pedagógicas cooperativas-reflexivas, visando ressaltar a importância de trabalhos educativos que desenvolvam a afetividade. 2 Revisão de Literatura 2.1 Relação entre razão e emoção e implicações na aprendizagem Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado. Pensar e sentir são ações inseparáveis. Esta é a idéia que tenta que defender ao longo do texto, tendo como preocupação central de trazê-la para o processo educacional; explora-se também algumas reflexões acerca do papel da afetividade no funcionamento psicológico e na construção de aspectos cognitivos. Conscientes das dificuldades em perpassar pelos entroncamentos dos caminhos mentais, mas impregnados do desejo de fazê-lo, traz-se à tona neste estudo algumas reflexões e indagações sobre um tema que, sem sombra de dúvida, se configura como um dos grandes mistérios da vida humana: a dimensão afetiva. A cognição segundo Stratton e Hayes (2003) é um termo usado para referir-se aos processos mentais superiores. Genericamente, a cognição pode ser entendida como o processo que inclui atividades mentais do tipo: pensamento e conceptualização; recordação, representação e imagem mental; percepção e atenção; raciocínio e tomada de decisão. Algumas abordagens teóricas proporcionam referenciais para se pensar sobre os processos de desenvolvimento cognitivo, aqui tratar-se-á de quatro: as abordagens piagetiana, do processamento de informação, neopiagetiana e contextual, segundo Flavell, Miller e Milller (1999) e Ferreira (2003). Gerar, codificar, transformar e manipular informações constituem um processo complexo que caracteriza o funcionamento cognitivo da mente humana. 88 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 Flavell, Miller e Miller (1999), em seus estudos e pesquisas, aprofundaram diversas abordagens que explicam o desenvolvimento cognitivo que está estritamente ligado ao desenvolvimento afetivo. Segundo os autores, a cognição refere-se aos processos e produtos da mente humana, na qual inclui entidades psicológicas, definidas como processos mentais superiores, tais como o conhecimento, a consciência, a inteligência, as estratégias, o raciocínio, a simbolização, a fantasia e os sonhos. As ações motoras organizadas (especialmente nos bebês) e a percepção são exemplos de processos mentais rudimentares considerados pelos psicólogos. As imagens mentais, a memória, a atenção e o próprio aprendizado também compõem a cognição humana. São partes de todos os processos e atividades psicológicas humanas. Aquilo que sabemos e pensamos (a cognição) interage de maneira substancial e significativa com o tipo de pessoas que somos. Cada processo tem um papel vital na operação e no desenvolvimento dos outros, afetando-os e sendo afetado por eles. O que sabemos afeta e é afetado pelo que percebemos; nosso raciocínio é influenciado pelo modo como conceitualizamos ou classificamos as coisas, e vice-versa e assim sucessivamente. A mente humana não é um conjunto de componentes independentes, mas um sistema de componentes em interação, organizado de forma complexa, de acordo com Flavell, Milller e Milller (1999). 2.2 Conhecimento sentido e sentimento conhecido O ser humano é tão frágil quanto é capaz de superar dificuldades, nas mais diversas relações interpessoais. Um exemplo real pode ser a privação do afeto durante a aquisição e desenvolvimento da linguagem, que sendo revisto em tempo pode auxiliar na reconstrução dessas relações. O bebê possui necessidades básicas que só serão supridas com o auxílio de um adulto, como a alimentação, o banho etc. Esses cuidados requerem total afeição, pois envolvem a interação da mãe, em especial, com a criança. Assim como um simples olhar pode modificar o sabor do alimento. A criança carece de olhares de aprovação e demonstração de afeto, que responde com alegria, demonstrada por meio de sons verbais e expressões. Essa relação de afetividade encoraja o bebê a falar cada vez mais, com segurança e persistência. O afeto é o ápice da comunicação. Segundo Coimbra (2007), a ausência afetiva pode causar poucas ou janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 89 grandes dificuldades na relação entre as pessoas. Na infância, vai desde a falta de apetite para falar, até o mutismo, que, nesse caso, precisa de tratamentos com profissionais especializados, como o psiquiatra, o psicólogo e o fonoaudiólogo, que tentarão criar estratégias de comunicação na busca de resgatar a comunicação da criança. Para falar é preciso ter desejo, e desejo está relacionado ao afeto, que vai interligar pessoas no processo de comunicação. Entretanto, a mãe conviver durante 24 horas por dia não garante ao bebê o pleno exercício da fala, o que interessa é a qualidade da relação que vem sendo estabelecida entre os dois. De fato os problemas existem, assim como nenhum adulto é feliz o dia todo. Mas a atenção se faz necessária neste processo de desenvolvimento da comunicação da criança. A total ausência do afeto é prejudicial tanto à vida da criança, como à família e ao ambiente escolar ao qual estará inserida no futuro. Coimbra (2007) ainda nos afirma que os problemas do dia-a-dia precisam ser administrados para que não ocorra o total descuido com o afeto durante as situações de vida diária que o frágil bebezinho necessita. Portanto, a afetividade influencia de maneira significativa os pensamentos e as ações do sujeito tanto quanto suas capacidades cognitivas. Arantes (2003) questiona: haveria ����������������������������������������� conhecimentos exclusivamente cognitivos ou exclusivamente afetivos? Trata-se de uma concepção que está centrada na justaposição dicotômica entre cognição e afetividade, embasada no princípio de que a razão e as emoções constituem dois aspectos diferenciados no raciocínio humano. Ao contrário disso, outra concepção, segundo a autora, afirma ser intrínseca a relação entre os processos cognitivos e afetivos no funcionamento psíquico humano. Assume-se a segunda perspectiva neste estudo, por duas razões: a primeira decorre do fato de estar embasado na Psicologia, por isso não corre o risco das afirmativas serem interpretadas por meio de crenças enraizadas na cultura, que consideram a inteligência e a afetividade dicotômicas, ou seja, separadas no processo de construção do conhecimento. Por outro lado, acredita-se que a ciência dos sentimentos e das emoções – a da Afetividade, demanda ações cognitivas, da mesma forma que tais ações conjeturam a presença de aspectos afetivos. “Conhecimento sentido” e “sentimento conhecido” são expressões que por vezes faltam em ações pedagógicas e projetos escolares. Em consequência desse primeiro aspecto, na área da Educação, aparece 90 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 uma segunda razão que repele a divisão histórica e culturalmente constituída entre os saberes da razão e os saberes da emoção. Se os aspectos afetivos e cognitivos não são opostos, não há nada que justifique persistir com a idéia de que existem saberes essencialmente atrelados à razão ou à emoção. Deste modo, a indissociação entre pensar e sentir obriga-se a integrar nas explicações sobre o raciocínio humano à idéia racional e emotiva dos conceitos e fatos construídos. Arantes (2003) afirma que, partindo da premissa de que no processo educativo cotidiano, não existe uma aprendizagem meramente cognitiva ou racional, pois os alunos e as alunas não deixam os aspectos afetivos que compõem sua personalidade do lado de fora da sala de aula quando estão interagindo com os objetos de conhecimento, ou não deixam latentes seus sentimentos, afetos e relações interpessoais enquanto pensam. 2.3 A afetividade e suas alterações Pensadores e filósofos postularam uma suposta dicotomia entre razão e emoção, desde a Grécia Antiga, quanto Platão determinou a liberação e troca de valores e prazeres individuais pelo pensamento, estimado, por ele, um valor universal. A afirmação na história da filosofia criada por Descartes “Penso, logo existo”, sugeriu a probabilidade de separação entre razão e emoção, assumindo uma hierarquia em que o pensamento tem valor de excelência. Neste mesmo sentido, Immanuel Kant, adverte sobre a contradição do encontro entre razão e felicidade, afirmam Oliveira e Rego (2003) a idéia de que se Deus tivesse feito o homem para ser feliz não teria dotado de razão. Tais premissas da filosofia conservam-se vivas até os dias atuais, muitas vezes manifestadas em metáforas que ouvimos comumente na vida diária: “seja mais racional”, “não aja com coração”. Diante dessa perspectiva, fica a impressão que para uma solução imediata deve-se desvincular dos próprios sentimentos e emoções, desprezando, controlando ou anulando a dimensão afetiva. Seguindo influência da Filosofia no campo da Psicologia, o cenário mudou, mas durante décadas as teorias psicológicas estudaram separada- janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 91 mente os processos cognitivos e afetivos. Psicólogos e cientistas encontraram dificuldades em estudar a temática, pois tal separação apresenta uma visão parcial e distorcida da realidade, no modelo educacional ainda vigente. Ao centrarem seus estudos nos comportamentos externos dos indivíduos e, logo, relegando a um segundo plano experiências mais subjetivas, como a das emoções e algumas percepções cognitivistas que buscam compreender por meio de formalizações puramente lógicas, são exemplos desse modelo educacional mencionado, segundo Arantes (2003). Por outro sentido, Arantes (2003) entende-se que algumas teorias privilegiam os aspectos afetivos e/ou inconscientes nas explicações dos pensamentos humanos, dedicando um papel secundário aos aspectos cognitivos. Certas concepções teóricas e científicas discutem os dualismos do pensamento, apontando caminhos e suposição que garantem inovar as teorias sobre o funcionamento psíquico humano, no sentido de integrar dialeticamente cognição e afetividade, razão e emoção. 2.4 Implicações da afetividade no processo educativo C������������������������������������������������������������������� onstruir um sistema educativo que rompa com uma concepção tradicional que separou razão e emoção durante séculos, e contemple segundo Arantes (2003) a articulação entre os aspectos cognitivos e afetivos no funcionamento psíquico humano, é sem dúvida, uma tarefa difícil e complexa. Vislumbra-se a possibilidade de abordá-la no presente texto. Olhar para o sistema educativo e admirar o habitual, ter-se-á excelentes ocasiões para surpreender-se. As evidências, porém, não foram sempre as mesmas ao longo do tempo, nem em todos os lugares do mundo, mas foram modificando-se com os avanços tecnológicos e sociais. Essas evidências, segundo Sastre e Moreno (2003) geram preconceitos, como considerar a cognição e a afetividade duas questões opostas uma a outra. Tanto que a afetividade pode intervir no bom funcionamento da razão, no entanto a afetividade era vista distorcida pelos filósofos que consideravam a emoção como responsável pela escravização da razão. Esta concepção influenciou o comportamento humano, tanto no aspecto cognitivo quanto no afetivo, e conseqüentemente o modo como ambos foram abordados na educação. 92 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 A educação conduz o individuo a ações racionais priorizando tudo o que se relaciona ao conhecimento científico que permite desenvolvê-lo, para formação intelectual, como defende Sastre e Moreno (2003). O estado afetivo, sendo um aspecto não visto pela educação formal, diz respeito ao domínio particular, pessoal, e localiza-se no extremo oposto do racional e do científico. Os alunos e alunas aprendem tudo aquilo que se pensa prepará-los para a vida pública, no entanto não compete ao sistema educativo prepará-los para a vida privada; espera-se prepará-los para que adquiram uma boa formação cognitiva, porém muitas vezes não se faz com que também consigam uma boa formação emocional, ensinando para que possam desenvolver o seu pensamento capaz de entender o que é científico, e não se tenta fazê-los compreender o cotidiano, o emocional, segundo Sastre e Moreno (2003). Na educação é possível que se inclua o conhecimento sobre os sujeitos em um ensino no qual prevalece o conhecimento sobre os objetos ou, em outros termos, trata-se de humanizar o conhecimento, ampliando o conhecimento sobre o ser humano. Porém, para alcançar essa meta, é necessária uma transformação, deixando os métodos antigos de lado e desenvolvendo novas metodologias. É necessário partir do conceito de que toda aprendizagem é um processo contínuo e dinâmico, que requer uma construção, e essa por sua vez, requer algum tempo. Nesse processo devem ser traçadas as relações entre aspectos cognitivos e afetivos, entre fenômenos científicos e cotidianos, aspectos considerados pertencentes à vida pública e à vida privada. Diante desta proposta educativa voltada à formação da cidadania, propõe-se aos alunos competências para lidar de maneira consciente, crítica e democrática com a diversidade e o conflito de idéias, com as influências da cultura e com os sentimentos e as emoções presentes nas relações que estabelecem consigo mesmos e com o mundo à sua volta. Muitas vezes os termos sentimentos, emoções e afetividade são empregados como sinônimos em nossa linguagem cotidiana. Do ponto de vista de Araújo (2001) dentre outros autores, existe um razoável consenso de que há uma diferenciação entre seus significados e suas funções. Emoções são conjuntos complexos de reações químicas e neurais, determinadas biologicamente e dependentes de mecanismos cerebrais; são estados janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 93 internos dos organismos, e tem papel de regulação bastante flexível no funcionamento corporal e psíquico do ser humano. O sentimento é a experiência mental privada de uma emoção. No ser humano a consciência permite que as emoções sejam sentidas e, portanto, sejam conhecidas na forma de sentimentos. Entende-se ainda que as relações entre emoções e sentimentos são como um processo contínuo em que sentimos as emoções e sabemos que as sentimos por meio da consciência. Afirma ainda que a consciência permite que os sentimentos sejam conhecidos e, assim promovam internamente o impacto da emoção, permitindo que ela, por intermédio do sentimento, permeie os processos de pensamento. Esse processo, por sua vez, se faz necessário para entender o funcionamento cognitivo humano. A educação muitas vezes está centrada na objetividade e no desenvolvimento de um modelo cientifico sem espaço para a subjetividade, segundo o mesmo autor, e para o papel da dimensão afetiva humana. Algo se tem feito na tentativa de romper essa visão cientifica apontando alternativas para a inserção de uma outra visão de racionalidade que incorpore em seu modelo explicativo o papel funcional e organizativo dos sentimentos e das emoções nos raciocínios humanos. Afinal, uma educação em valores para Araújo (2001) se dá quando as dimensões cognitiva e afetiva são consideradas no planejamento curricular e nos projetos político-pedagógicos das escolas e instituições. A grande dificuldade, diante de tudo isso, é encontrar formas de organizar as práticas e os currículos escolares de maneira que atendam essas necessidades. Se romper com três dos aspectos mais divergentes entre a presente proposta e a vigente que são: conteúdos dissociados da realidade, voltados apenas para o desenvolvimento cognitivo; abordagem fragmentada; metodologias transmissivas. Propõe-se que os sentimentos, as emoções e os valores sejam inseridos no currículo e nas práticas educativas como conteúdos escolares. Além de ser transversal, o tema afetividade precisa estar presente e tem pelo menos um triplo significado: o currículo se torna mais contextualizado, pois sentimentos e emoções estão presentes no cotidiano do ser humano; abordam-se os sentimentos e as emoções como conteúdos, 94 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 passando a ter um novo significado e deixando de serem vistos como finalidade, para serem compreendidos como um importante meio para as pessoas se conhecerem; ao adotar tal perspectiva, a educação articulase com o pressuposto de indissociação entre cognição e afetividade no funcionamento psíquico. Tal mudança, como propõe Araújo (2001) e Arantes (2003), além de permitir uma aprendizagem emocional importante para a resolução de conflitos cotidianos, auxilia na construção da consciência crítica e autônoma de alunos e alunas. Mas quais seriam as implicações da afetividade no processo educativo? Segundo Arantes (2003), a primeira implicação diz respeito à necessidade de incorporarmos, no cotidiano escolar, de um trabalho sistematizado com sentimentos, rompendo com aquelas concepções educacionais que fragmentam os campos científico e cotidiano do conhecimento, e as vertentes racional e emocional do pensamento. A segunda perspectiva refere-se à necessidade dos professores exercerem sua função de educador, consciente de seus estados emocionais, baseados na busca da alegria e satisfação interna, para que possam exercer com dedicação seu papel de educadores. Finalmente, a terceira perspectiva trata de admitir como atores no cenário da educação, a busca por uma escola mais alegre e mais feliz, pois quando felizes e satisfeitos analisa-se e compreende-se melhor os problemas, elaboram-se estratégias. Vivenciando emoções positivas, portanto, as pessoas diante de conflitos, conseguem estabelecer relações e atribuírem significados que contemplem virtudes como a generosidade e a solidariedade. Não se constrói a cidadania com base em relações autoritárias e com metodologia de mera transmissão do conhecimento. Busca-se reorganizar os tempos, os espaços e as relações escolares por meio da inserção de conteúdos contextualizados na vida cotidiana dos alunos, relacionados aos sentimentos, às emoções e a valores éticos desejáveis pela sociedade. Adota-se o pressuposto da não fragmentação do conhecimento, e por fim, entende-se o papel ativo do sujeito do conhecimento e das metodologias dialógicas e reflexivas nas atividades escolares. Pensa-se, com isso, apontar caminhos e possíveis soluções para a problemática no janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 95 reconhecimento do papel regulador e organizativo da dimensão afetiva no processo educativo. 3 Metodologia da Pesquisa-Ação 3.1 Concepções e objetivos da pesquisa-ação Para Thiollent (2005), a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso que a ação seja uma ação não-trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida. Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas. A configuração da pesquisa-ação depende dos seus objetivos e do contexto no qual é aplicada. Vários casos devem ser distinguidos, ou seja, em um primeiro caso, a pesquisa-ação é organizada para realizar os objetivos práticos de pesquisador, dispondo de suficiente autonomia para encaminhar e controlar a pesquisa, isto é, os pesquisadores assumem objetivos definidos e orientam a investigação em função dos meios disponíveis. Num segundo caso, a pesquisa-ação é realizada dentro de uma organização na qual existe hierarquia ou grupos cujos relacionamentos são problemáticos. No terceiro caso, a pesquisa-ação é organizada em meio aberto, por exemplo, escola, bairro etc. e nesse caso ela pode ser desencadeada com maior iniciativa por parte dos pesquisadores que, às vezes, devem se precaver de possíveis inclinações, sempre propícias à perda do mínimo de objetividade que é requerido na pesquisa. 96 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 3.2 Ação metodológica Como estratégias de pesquisa, a pesquisa-ação pode ser vista como modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de finalidade prática e que esteja de acordo com as exigências próprias da ação e da participação dos pesquisadores da situação observada. Neste processo, a metodologia desempenha um papel de “bússola” na atividade dos pesquisadores, subsidiando cada decisão por meio de alguns princípios de cientificidade. A ação metodológica consiste também no controle detalhado de cada técnica auxiliar utilizada na pesquisa. Entendida como método, a pesquisa-ação contém diversas técnicas particulares em cada fase ou operação do processo de investigação. Além do controle dos métodos e técnicas, o papel da metodologia consiste em orientar na estrutura da pesquisa: com que tipo de raciocínio trabalhar? Qual o papel das hipóteses? Como chegar a uma certeza maior na elaboração dos resultados e interpretações? 3.3 Proposta de convivência Com a pesquisa-ação pretende-se alcançar realizações, ações efetivas, transformações ou mudanças no campo social. Quando se trata de transformar algo é preciso ter uma visão dinâmica acerca do desenvolvimento da pesquisa na qual devem estar presentes considerações estratégias e táticas para saber como alcançar os objetivos, superar ou contornar os obstáculos, neutralizar as reações adversas etc. Deve-se deixar esclarecido que quando se consegue mudar algo dentro das limitações de um campo de atuação de algumas dezenas de pessoas, tais mudanças são necessariamente limitadas pela permanência do sistema social como um todo ou da situação geral. A elaboração da presente pesquisa partiu de uma proposta recomendada pelo autor Brotto (2004) sobre jogos cooperativos, que correspondem a exercícios de convivência fundamentais para o desenvolvimento pessoal e para a transformação do educando. janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 97 Brotto (2004) desenvolveu em suas pesquisas um projeto de Cooperação. Por meio deste trabalho pôde-se buscar uma visão e uma tarefa de ser mutuamente sustentável e co-responsável pela vida. Segue-se como procedimento e instrumento desta pesquisa o fruto deste trabalho idealizado por Brotto, o Manual de jogos cooperativos. 3.4 Sujeitos e local de estudo A pesquisa foi realizada com 25 crianças de cinco e seis anos de idade, matriculadas na Etapa III de uma Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental da cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo. Foi apresentada uma carta de informação à Direção da referida escola, cujo representante legal da mesma assinou Termo de Autorização consentindo a realização do estudo. Os pais das crianças envolvidas nesta pesquisa também consentiram na participação das mesmas, assinando Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. 3.5 Tipo de análise dos resultados Analisam-se todos esses dados de forma qualitativa. Procura-se entender o novo cenário educacional que emerge. Os jogos, como propõe Brotto (2004), sempre os colocam em conflito. A competição é uma ferramenta efetiva para a direção na sala de aula. A cooperação, no entanto, tenta criar uma ação através da compreensão. 4 Os Resultados e as Discussões da Pesquisa-ação 4.1 Desenvolvendo a fase exploratória Esta fase consistiu em descobrir o campo de pesquisa a partir dos interesses e expectativas dos envolvidos para o levantamento da situação a 98 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 ser pesquisada, dos problemas prioritários e de eventuais ações. Um dos pontos de partida incidiu na disponibilidade de pesquisadores e na sua efetiva capacidade de trabalhar de acordo com o espírito da pesquisa-ação. Nos primeiros contatos com os 25 alunos de cinco e seis anos de idade da Etapa III da Educação Infantil de uma Escola Municipal da cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo, os pesquisadores tomaram a decisão e aceitaram o desafio da pesquisa, tratando de detectar resistências, convergências e divergências, posições otimistas e céticas do grupo. Puderam também, os pesquisadores, identificar as expectativas, os problemas da situação, as características dos alunos e outros aspectos que compõem tradicionalmente o diagnóstico, segundo Thiollent (2005). As expectativas foram as melhores, uma vez que as crianças estavam inseridas no contexto da sala de aula e o convívio escolar propiciou uma série de posições positivas (de aceitação) em relação ao trabalho a ser desenvolvido - a afetividade como motivadora e inspiradora do cotidiano escolar. Numa classe de vinte e cinco alunos da Etapa III da Educação Infantil é comum encontrar desafios referentes à infância, que dizem respeito especificamente a relacionamentos e situações de convívio, às vezes, tempestuosas. Há na verdade um confronto de interesses e anseios. A princípio os pesquisadores definiram estratégias metodológicas seguindo a linha da pesquisa-ação sugerida por Thiollent (2005). De acordo com o princípio deste tipo de estudo são destacadas as condições de colaboração entre os pesquisadores e o grupo envolvido na situação investigada, ou seja, crianças oriundas de famílias desprovidas de recursos financeiros, e declaradas sócio-economicamente carentes. No contexto social, essa situação do grupo é compreendida como uma categoria a ser estudada, mas jamais será usada como referencial norteador à exploração dos problemas de participação e envolvimento. É através do diagnóstico que se identifica os problemas e traça-se meios adequados para encontrar soluções. Pôde-se observar que são crianças carentes de afeição, e principalmente atenção. Como diriam Moraes e Torre (2004) sabe-se que as maneiras de observar o mundo, o modo de janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 99 relacionamento entre as pessoas, a maneira de viver/conviver, de ser, determinam as realizações e a qualidade do conhecimento. Essas crianças de modo algum poderiam reagir de maneira diferente frente à postura dos pesquisadores. Uma postura voltada para o desenvolvimento da afetividade, conscientes de seus sentimentos e anseios para com este objetivo. E, a partir daí transmitir às crianças que o amor, o carinho e o afeto podem fazer a diferença no processo educativo. 4.2 Análise da problemática No processo educativo cotidiano não existe uma aprendizagem meramente cognitiva ou racional, pois segundo Arantes (2003) os alunos não deixam os aspectos afetivos que compõem sua personalidade do lado de fora da sala de aula quando estão interagindo com os objetos de conhecimento, ou não deixam latentes seus sentimentos, e relações interpessoais enquanto pensam. Buscou-se neste momento uma problemática considerando o que se pretendia resolver dentro do campo teórico e prático. Tratou-se de procurar soluções para se chegar a alcançar o objetivo do estudo ou realizar uma possível transformação dentro da situação observada. Início do ano letivo, nasce uma turma e um professor. Situação inicial de relacionamento e convívio, estabelecimento de regras de convivência e planejamento das atividades a serem desenvolvidas ao decorrer do ano. Esperava-se que a relação professor-aluno se intensificasse e fosse repleta de afeto e compreensão, haja vista a importância da interação e o caráter dinâmico das relações que se estabelecem entre os diferentes componentes e membros do processo educacional, como afirmam Moraes e Torre (2004). Os problemas encontrados durante esse processo foram falta de respeito aos horários e estabelecimento de regras ou combinados; aceitação em relação a si próprio e ao outro; individualismo e/ou egocentrismo (embora não sejam necessariamente um problema, pois faz parte do desenvolvimento infantil); ausência de afeto nas relações interpessoais e também na relação entre conhecimento e afetividade. 100 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 4.3 Levantamento e trabalho com as hipóteses Na discussão acerca das formas de raciocínio e de argumentação sobre a Pesquisa-ação o uso de um procedimento hipotético é utilizado. Uma hipótese é simplesmente definida como suposição formulada pelos pesquisadores a respeito de possíveis soluções a um problema colocado na pesquisa, principalmente ao nível observacional. O tema remete a um objeto-problema específico a ser pesquisado. O objeto é analisado a partir de uma seleção de hipóteses. Uma hipótese é definida como tentativa de resposta operativa à questão contida no objeto. E disserta-se a seguir as hipóteses levantas. a) Primeiro objeto-problema O primeiro objeto-problema pesquisado foi�������������������������� falta de respeito aos horários e, por conseguinte a resistência ao estabelecimento de regras e combinados coletivos. Analisou-se o objeto partindo da hipótese seguinte: as crianças não possuem horários pré-estabelecidos pelos pais para atividades domésticas cotidianas? Sendo assim, na escola, a criança poderia ficar ou não resistente ao estabelecimento de horários e regras/combinados. Na busca de soluções e definição das diretrizes da ação Kupfer (2003), lembra que a participação dos pais é decisiva para a saúde mental de seus filhos. E que embora não sejam culpados pelos problemas de seus filhos, são ao menos, responsáveis. Estabeleceu-se que de fato o desenvolvimento da pesquisa deveria começar com participação dos pais. Realizou-se então, um questionário acerca dos horários que eram destinados às atividades domésticas, que foi respondido pelos pais dos alunos envolvidos, em reunião de Pais e Mestre. Na mesma ocasião, após todos os questionários terem sido tabulados, fez-se uma tabela com os resultados e exposto num quadro para análise dos pais e dos pesquisadores. Baseando-se no desenvolvimento da afetividade segundo Arantes, um janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 101 trabalho deve ser baseado em três alicerces (ou pontos básicos): limites, mitos do cotidiano e ritmos. Esse último vem de encontro com a proposta deste objeto-problema e sustentação da hipótese, pois na natureza tudo é cíclico, rítmico. As horas, os dias, as noites, as semanas... A terra com seu movimento, os oceanos, os vegetais com os períodos de plantio e colheita. Enfim, tudo que tem vida possui ritmos cíclicos. Tais ritmos são responsáveis pela regulação de ciclos ������������������������������������� biológicos, como o sono, o metabolismo e muitos outros processos, por meio da exposição do nosso corpo à luz do dia e à escuridão. Este estudo descobriu que a função da “dança das cadeiras cooperativas” tem seu ritmo próprio. Normalmente associa-se o final da aula com cansaço e pouca motivação, porém, exercícios de convivência como este, podem ajudar a atingir uma interação, entre professores e alunos, mais efetiva. Para isso foi conduzido em sala de aula, com as crianças, a dinâmica em questão sugerida por Brotto (2004). A seguir, iniciando uma proposta de trabalho conjunto entre família e escola, sugere-se que as famílias possam planejar horários para lazer, estudo, higiene, alimentação, repouso... Ao passo que na sala de aula haverá uma rotina diária com atividades que marquem o tempo em horas, dias, semanas, meses... Assim a criança vai interiorizando as partes do dia, as partes da semana, enfim, marcando o ritmo do tempo. b) Segundo objeto-problema O segundo objeto-problema pesquisado foi a aceitação própria e do outro. Analisou-se o objeto partindo da hipótese seguinte: as crianças não entendem seu próprio desenvolvimento, nem seu rítmo interno, como foi exposto nos primeiros capitulos desta pesquisa, pelas fases do desenvolvimento humano em seus variados aspectos. Para entender melhor e elaborar as soluções e diretrizes de ação sobre a intolerância das crianças com o próprio corpo em desenvolvimento e com os outros, que também passam pelo mesmo desenvolvimento, procurou-se fazê-lo por meio dos desenhos. E constatou-se que nos primeiros desenhos de figura humana a criança desenha a cabeça e desta saem os dois braços e as duas pernas. 102 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 Antes de iniciar a discussão acerca das diferenças na representação de si, que repercutem sobre a afetividade e a cognição, Leme (2003) cita que a concepção de si mesmo é, antes de mais nada, a representação de si como protagonista de uma história única, que confere sentido, continuidade e ordem à natureza humana. Isso significa que quando se trata de si mesmo deve-se considerar o contexto cultural. Da mesma forma, o ajustamento ao outro, encontrados entre os alunos é, também, resultado da união entre fatores pessoais e contextuais (Leme, 2003). A criança pode fazer diversas coisas e apreender muitas outras advindas da natureza, de si própria, do seu corpo, das brincadeiras, das formas de expressar sentimentos e emoções, das outras pessoas, dos hábitos de sua família, das cores, dos cheiros, das textura, da luz, do movimento etc. A cultura, a natureza e os outros seres humanos constituem, em princípio, a mola propulsora do desenvolvimento da criança. Tanto a psicanálise como a antropologia concordam que o nome próprio marca a singularidade numa cultura, e nesse caso, na escola. Para isso foi realizada a dinâmica Eco-Nome que propõe a marca da singularidade da criança, ou seja, um registro da existência da criança como protagonista no contexto escolar, também sugerida por Brotto (2004). Em um outro momento, analisa-se que a segurança afetiva e emocional de uma criança está diretamente ligada ao volume de carinho que ela recebe desde o nascimento. Hoje reconhece-se essa necessidade de “ser tocado” (que concerne a dinâmica Tato-Contato como um verdadeiro desejo biológico próprio do ser humano e cuja realização pode trazer conforto físico e emocional. Outros fatores comprovam a influência do contato no desenvolvimento intelectual da criança, a qualidade e a quantidade de carinho recebido, por exemplo, podem acelerar o desenvolvimento da linguagem e ainda facilitar a aprendizagem. c) Terceiro objeto-problema O terceiro objeto-problema pesquisado foi��������������������������� o individualismo e/ou egocentrismo. Analisou-se o objeto, partindo da hipótese seguinte: a criança janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 103 coloca-se scomo o centro do universo. Na busca de soluções e definições das diretrizes da ação, Piaget (1967) lembra que o egocentrismo não é de fato um problema, mas uma parte de todo o processo natural de desenvolvimento infantil. A criança não distingue o pensamento e o mundo exterior. Seu pensamento é realista segundo Piaget (1967), e o progresso consiste em desembaraçar-se deste realismo inicial. Para o autor, durante os primeiros estágios de desenvolvimento, a criança não tendo ainda a consciência de sua subjetividade, todo o real é disposto em um plano único por confusão dos dados externos e dos dados internos. O real está impregnado de aderências do eu, e o pensamento é concebido sob as espécies da matéria física. Do ponto de vista da casualidade, conforme Piaget (1967), todo o universo é passível de estar em comunicação com o eu e a ele obedecer. “Os desejos e as ordens do eu são considerados absolutos, porque o ponto de vista próprio é considerado como um único possível. Há egocentrismo integral por falta da consciência do eu”. A crise do eu constitue numa brusca reviravolta nas condutas da criança e nas suas relações como meio, segundo Galvão (2003), sendo a oposição ao outro um elemento chave. A partir desta oposição, ou seja, o nãoeu, vai se destacando uma identidade mais estável, menos fundida nas situações de que participa o outro. A criança não se vê como entidade permanente e coesa, instável, sua personalidade pode ver-se fragmentada, dispersa ou fundida em elementos das circunstâncias exteriores. Enquanto é frágil, a consciência de si é, paralelamente, a consciência do outro, refere a autora. As sistemáticas oposições da criança ou os frequêntes conflitos entre elas devido a disputa de objetos, ou outros, como disse Galvão (2003) “prologamentos do eu”, teriam, portanto, relação com esse fundamental processo de diferenciação, o qual permite que se construa um sentimento de unidade subjetiva. A idéia de que o ser humano se constrói na interação social, no confronto com o outro, traz importantes consequências para o universo escolar. Ver a escola como importante meio de constituição do sujeito 104 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 não significa, em absoluto, vê-la como entidade toda-poderosa e isolada de um contexto social mais amplo; significa, segundo Galvão (2003), assumir-se como co-participante e co-responsável de um processo de formação integral do sujeito. Observou-se, muitas vezes, que as crianças conversam sozinhas em suas brincadeiras. São monólogos espontâneos pronunciados em voz alta. Às vezes deu-se a impressão de que ela estava brincando com um grupo de crianças, quando que na realidade estavam só fisicamente juntas, pois, cada uma desenvolvia uma atividade isolada. A criança vai se adaptando ao mundo, partindo do seu eu, do que interessa a ela, do que lhe diz respeito. Precisa-se estimular as crianças para que desenvolvam sua imaginação. Por meio do jogo simbólico (ou do jogo da imaginação), pôde-se trabalhar com o aspecto do egocentrismo, e melhorar as condições de se adaptar ao real. Os exemplos são abundantes: brincar de carrinho, de médico, de professora, de boneca, de lojista etc. Quando a criança “brinca de” ela elabora sua própria vida e resolve ou compensa a sua vida real com a ficção. A criança precisa portanto, de condições afetivas para transpor esta fase de desenvolvimento. Ainda segundo Piaget (1967), a criança não pensa senão a partir de si, ignorando mais ou menos os pontos de vista dos outros. Mas, se a criança conduz tudo para o seu ponto de vista próprio é porque acredita que todos pensam como ela. Ela não descobriu a multiplicidade de perspectivas e permanece fechada na sua como se fosse a única possível. Portanto, o egocentrismo e/ou individualismo foi trabalhado com jogos de representação ou simbólicos, com os quais pôde-se observar que a criança tem por referência seu organismo e suas necessidades e que é preciso um trabalho sistematizado com base na afetividade. 5 Conclusão Construir um sistema educativo que vá além da proposta tradicional janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 105 de ensino, relacionando razão e emoção, cognição e afetividade, e que acabe com a atribuição a um lugar de destaque do desenvolvimento do intelecto e dos aspectos cognitivos, minorizando os aspectos emocionais e afetivos do educando, é uma necessidade. Infelizmente ainda, o�������������������������������������������������� currículo das escolas atuais prioriza o desenvolvimento cognitivo, deixando de lado a emoção humana que nunca foi vista como parte inerente ao conhecimento. À afetividade é necessário um lugar de destaque na Educação, que possibilita o aluno explorar e desenvolver seus sentimentos. O trabalho pedagógico precisa ser atraente, ter sentido para a vida de alunos e alunas, considerando e integrando em seu cotidiano o papel dos afetos, dos sentimentos e das emoções. Os docentes precisam estar comprometidos com mudanças em suas idéias e posturas tradicionais, as quais acarretam práticas escolares que somente depositam informações nos alunos, desconsiderando a afetividade no processo educativo. Deste modo é que a educação tradicional e os currículos escolares, ao trabalharem de maneira puramente cognitiva a Matemática, as Línguas, as Ciências, a História, as Artes etc., acabam por priorizar somente um desses aspectos constituintes do psiquismo humano, em detrimento do outro – a razão. O trajeto que foi trilhado neste estudo visou romper com essas práticas tradicionais e com o autoritarismo presente nas relações escolares, a fim de inserir sentimentos e emoções no currículo e nas práticas educativas como conteúdos escolares. Da mesma forma que aprendemos a escrever, ler, somar e dividir, pintar e exercitar-se deve-se conhecer também a si próprio e aos demais com quem convive. A pesquisa realizada oportunizou essa somativa de ações relacionadas às práticas educativas e aos sentimentos presentes nessas práticas. Romper com tal paradigma pressupõe encarar os desafios de implementação de propostas interdisciplinares e transdiciplinares. Trazer para o cotidiano das salas de aula conteúdos transversais relacionados aos sentimentos, às emoções significa buscar formas de organização do trabalho escolar baseados em espaços e tempos diferentes dos tradicionais. O que se deseja com esta pesquisa é sugerir caminhos que permitirão ao 106 janus, lorena, v. 5, n. 8, p. 83-108, jul./dez., 2008 professor e ao aluno a tomada de consciência dos próprios sentimentos e emoções, tendo esses um papel significativo na constituição psíquica e moral do ser humano. REFERÊNCIAS ANTUNES, Celso. A linguagem do afeto: como ensinar virtudes e transmitir valores. 2.ed. Campinas: Papirus, 2005. ARANTES, Valéria A. Afetividade, cognição e moralidadade na perspectiva dos modelos organizadores do pensamento. In: ______. (Org.). Afetividade na escola. São Paulo: Summus, 2003. ARAÚJO, Ulisses F. A dimensão afetiva da psique humana e a educação em valores. In: BROTTO, Fábio O. Jogos cooperativos: o jogo e o esporte como um exercício de convivência. 2.ed. Santos: Projeto Cooperação, 2001. BROTTO, Fábio O. Manual de jogos cooperativos: joguem uns com os outros e não uns contra os outros. 2.ed. Santos: Projeto Cooperação, 2004. COIMBRA, Cal. Desenvolvimento do bebê. 2005. 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