1. Introdução: as urgências de ética no mundo atual

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ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
MÓDULO 1
Índice
1. Introdução: as urgências de ética no mundo atual ......... 3
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Ética Geral e Profissional - Módulo 1
1. INTRODUÇÃO: AS URGÊNCIAS DE ÉTICA NO MUNDO ATUAL
No início do século XX, a utopia ocidental era de que nos últimos anos
do segundo milênio a humanidade já teria avançado o suficiente para dar
um salto no processo civilizatório rumo à igualdade entre povos, culturas e
sexos. No início do século XXI, temos, por um lado, um mundo de evolução
técnico-científica sem precedentes na imaginação humana e, por outro,
guerras e violências desprovidas de sentido. Jamais se poderia pensar que o
mundo estaria tão integrado por meio de técnicas de mídia e de transporte e
tão desintegrado naquilo que se refere à alma humana. Era impensável um
conhecimento científico tão avançado a ponto de manipular os segredos
mais íntimos da vida e ao mesmo tempo incapaz de evitar a morte de
milhares pelo planeta, por doenças, que desde há muito se descobriu como
curar. Conhecimentos médicos capazes de tornar a vida humana mais longa
e, ao mesmo tempo, o surgimento de doenças promotoras da infelicidade do
vazio existencial. Ninguém acreditaria que a humanidade pudesse em tão
pouco tempo dispor de tecnologia automatizada e robotizada que, aplicada
nos agronegócios, retirasse das relações humanas o fator de miséria que é a
escassez de alimentos, sem conseguir resolver o problema da fome. Ao
contrário, a aplicação da biotecnia na produção agropecuária promoveu um
aumento da parcela de famintos na população mundial, além de gerar sério
desequilíbrio ecológico e desemprego crônico.
No alvorecer do século XX, a humanidade não poderia prever uma
ciência biomédica que fosse capaz de tocar, engendrar, alterar os mais
herméticos segredos da vida vegetal, animal e humana. E que, ao mesmo
tempo, não fosse capaz de evitar tanto o aumento da desnutrição e morte
pela fome para os pobres, quanto o uso de drogas, a contaminação dos
alimentos, as doenças psicossomáticas e a opulência para os abastados. Os
paradoxos estão por toda a parte: enquanto uns morrem de fome, outros
morrem de gordura. Enquanto se é capaz de contar os genes de animais
inferiores, não se descobre a cura para as epidemias e as pandemias, uma
ameaça constante para todo o mundo. Enquanto construímos máquinas
inteligentes, não somos capazes de ensinar a ler e escrever a populações
inteiras.
Hoje, nas sociedades modernas, cada vez mais se verifica uma cisão
entre indivíduo e comunidade social, de tal modo que as desgraças e as
calamidades que atingem determinadas camadas sociais ou grupos de
indivíduos ficam restritas a esses segmentos. Enquanto isso, os demais
procuram ignorar não só as desgraças, mas até mesmo os próprios
indivíduos que foram atingidos. Nesta direção vai-se delineando uma
determinada tendência cultural que propõe resolver várias situações de
dificuldade em que se encontra a sociedade moderna, inclusive as situações
de luta e de conflitos entre raças e culturas diferentes, mediante um projeto
de convivência que visa garantir segurança e bem-estar às pessoas na
dimensão terrena.
Desta compreensão entende-se que os grandes problemas da
humanidade de hoje, mesmo sem rejeitar a grande contribuição que a
ciência e a tecnologia podem dar para superar as condições de miséria e
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deficiências dos diferentes gêneros, só podem ser resolvidos por meio da
reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões gerais de
conduta. O ser humano necessita de realidades transcendentes ao indivíduo,
o que comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser
satisfeitos apenas com a auto-suficiência individual. E não é possível para as
comunidades humanas e grupos sociais transcenderem por si mesmos aos
interesses meramente econômicos. Portanto, mais do que nunca, no mundo
em que vivemos é imperativo retomar os valores que dirijam nossa vontade
de agir no sentido de buscar, além da satisfação das necessidades materiais,
a reconstituição das regras de conduta, de normas de convivência que
possam reduzir os antagonismos e os individualismos desenfreados. É a
exigência ética de nosso tempo, é nosso dever.
Hoje, a exigência ética fundamental consiste em recuperar a
possibilidade de reconstruir relacionamentos de comunhão entre pessoas e
comunidades. Pretender resolver o problema da paz e da felicidade das
pessoas querendo reduzir a sociedade ao indivíduo é um erro grave, porque
a felicidade humana não é alcançável fora da comunhão com os outros. Tal
ideia significa reduzir, irremediavelmente, o homem às dimensões
terrestres, fechando-o em relação a sua dimensão transcendente, que não
pode ser satisfeita no plano material. Essa dimensão só pode ser satisfeita
por meio dos valores que permitiram construir a civilização.
Por efeitos não desejados, como diria Max Weber, a construção da
modernidade terminou por construir uma mentalidade individualista. O que
vemos hoje é o resultado de um longo processo da tentativa humana de
fazer uma ciência extremamente racional, voltada a fins racionais e
desprovida de valores morais, isto é, de valor metafísico. Desde as mais
antigas manifestações, idealistas ou religiosas, da disciplina de bem viver
até o estudo racional das formas de conduta, houve sempre a preocupação
em estabelecer razões de consenso entre os seres humanos, de modo que a
virtude pudesse prevalecer sobre o vício. Tais virtudes estruturam tanto o
campo político, quanto o social e o econômico no Ocidente.
O modelo consumista-individualista da convivência favorece a difusão
dos males morais sociais do nosso tempo (a busca das vantagens pessoais
em prejuízo dos outros, a redução das relações sociais a relações de força, a
violência, a criminalidade, a corrupção, a ausência de regras éticas nas
relações econômicas, a transgressão juvenil, entre tantos outros males). A
vivência ética, solidificada em valores estruturadores da civilização ocidental,
em todas as esferas da vida humana (familiar, cultural, social, econômica,
política) é o mais potente antídoto contra os males atuais. Isso porque só é
possível ser humano ao se reconhecer no outro humano. Apenas no contato
com o outro é possível crescer responsavelmente em relação a si mesmo e à
comunidade. Desenvolvemos, assim, a solidariedade que é a própria
essência da humanidade.
Coube aos Estados nacionais o papel de civilizador, de desenvolver os
laços de solidariedade nacionais. Compete ao Estado o papel de inserir as
novas gerações no padrão de conduta ética, ou seja, ensinar às pessoas as
linguagens e as crenças simbólicas, valores morais caros ao capitalismo.
Isso se deu por meio das escolas públicas, na Europa, na passagem para a
Modernidade. E, no Terceiro Mundo, à medida que chegavam as indústrias.
Hoje, esses Estados, tornados mínimos pela ideologia neoliberal, não têm
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dado conta de instrumentalizar seus cidadãos nas capacidades necessárias à
mundialização, nem de inserir as novas gerações nos valores morais de
conduta exigidos pela racionalidade capitalista. E, menos ainda, de impedir
que as mídias, ansiosas pelo lucro fácil, desenvolvam em jovens e adultos
contravalores como o narcisismo, o hedonismo e o niilismo entre outras
mazelas que os dirigem para o desejo do lucro fácil e o prazer a qualquer
custo. Isso porque vivemos em uma sociedade em rede, onde tudo é feito, a
despeito das fronteiras nacionais, por meio das redes de informática e de
informação que vão da mídia ao tráfico de drogas e à corrupção. E os
Estados nacionais por sua essência são delimitados por fronteiras nacionais.
No Estado democrático há uma íntima relação entre Governo, – que
envolve o executivo nos três níveis e o judiciário – parlamento e tributação.
Todo
pacto
democrático
está
estruturado,
economicamente,
no
consentimento dos cidadãos em entregar uma parcela de seu patrimônio e
de seus rendimentos ao Estado, sob a forma de tributos. Esse
consentimento parte do pressuposto de que essa parcela será gerida em prol
do bem comum, da manutenção da coisa pública, e não do abastecimento
de interesses particulares. Assim, o pagamento de impostos é um imperativo
ético. A finalidade nuclear do Estado democrático é gerir por todos e para
todos, para garantir a igualdade de direitos e deveres para todas as pessoas
físicas ou jurídicas. É por isso que a corrupção pública e a sonegação fiscal,
além de lesar a capacidade do Estado de promover a igualdade, pois não
terá recursos para a educação e saúde dos mais pobres, ainda tiram a
confiança dos mais ricos em aplicar recursos no país. O Capital não pode se
estabelecer e desenvolver-se fora de padrões éticos.
As empresas capitalistas não podem sobreviver numa sociedade em
que os valores éticos ocidentais não estão estruturados nas consciências
individuais. Nessas sociedades, cada trabalhador, na sua individualidade, e
por sua consciência, deve agir em seu trabalho individual e solitário no
sentido de evitar a fuga dos lucros da empresa. Assim, as empresas, ao se
estabelecerem numa sociedade, clamam (a imprensa e o seu canal de
comunicação) por valores éticos e pela educação para esses valores.
A conduta ética, desde os primórdios do Capitalismo, sempre foi um
fator fundamental para o desenvolvimento das empresas capitalistas. Hoje,
com a globalização da economia, essa necessidade é maior, pois o mercado
global, que dirige a economia e as relações empresariais, exige confiança. E
confiança só é possível entre grupos que possuam os mesmos valores éticos.
O debate sobre a importância de conduta ética é reacendido cada vez
que ocorrem novas denúncias de fraudes e corrupções, como, por exemplo,
os recentes escândalos envolvendo as grandes organizações bem como a
coisa pública. Tais escândalos interferem diretamente na confiança dos
investidores e dos consumidores em todo o mercado e concorrem para a
sociedade ensejar uma maior fiscalização em todas as empresas por parte
do poder público.
Por toda essa situação de ausência de valores comuns é que as
empresas propõem um retorno à ética, um estudo sistemático dos valores
comuns e caros ao Ocidente por parte de todos os profissionais, de tal
maneira que o seu agir seja sempre uma ação que promova o bem comum.
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Exigem um retorno à ética pautada em valores que estruturam a confiança,
sem a qual o capital e a sociedade em geral não podem existir.
Um dos objetivos de se estudar ética hoje é encontrar mecanismos
que nos permitam mergulhar dentro de nós mesmos e buscar
compreendermos que atitudes moralmente corretas podem promover o bem
comum e que a nossa felicidade só é possível à medida que a sociedade for
justa. O que significa que todos tenham seus direitos garantidos, uma vez
que todos cumpriram com os seus deveres.
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