PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE JOVENS DE FAMÍLIAS POBRES DE DOIS BAIRROS PERIFÉRICOS DE GOIÂNIA Danilo Correia da Silva Santana1 Resumo2 A desigualdade social brasileira tem raízes históricas e as transformações, pelas quais passou, modificaram sua feição e a reproduziram como fenômeno de massa. Goiânia experimenta formas e sintomas do mesmo processo de produção e reprodução dessa desigualdade. A comunicação que pretendo realizar tem como enfoque a produção e reprodução da desigualdade social entre jovens de famílias pobres de dois bairros periféricos, ambos localizados na região sudoeste do município de Goiânia. Para tal foram usadas como referencial teórico as teorias da prática e do reconhecimento, assim como as interpretações e insights teóricos de Jessé Souza sobre a especificidade da realidade de países periféricos de modernização tardia. Palavras-chave: desigualdade social, modernização tardia, juventude e pobreza. 1. Problematização A realidade do Brasil ao entrar nesse processo acelerado de desenvolvimento era exatamente o oposto do que ocorria nos países desenvolvidos, o país tinha, e ainda não superou, um alto grau de analfabetismo, índices altos de desigualdade social e pouca vontade de que isso fosse mudado. Com isso, essa maioria da população que não se encaixaria como produtiva para esse acelerado ritmo de produção foi “empurrado” para a periferia da sociedade. Esta comunicação tem como objetivo analisar, à luz das abordagens de Jessé Souza e outros, a produção da desigualdade social entre jovens de baixa renda da cidade de Goiânia. Tenho como problema a naturalização (SOUZA, 2006; 2003) e a reprodução (BOURDIEU, 2008) da desigualdade social entre jovens de famílias pobres de dois bairros, Parque 1 2 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás. Trabalho desenvolvido sob orientação do professor Dr. Francisco Chagas E. Rabêlo 1 Anhanguera II e Residencial Santa Fé I, ambos localizados na região sudoeste da cidade de Goiânia. Como vivem e quem são esses jovens que não conseguem ingressar no mercado de trabalho? Como eles se reconhecem aos olhos de outros jovens da mesma faixa etária? A desigualdade social entre jovens de classe baixa (pobres) está mesmo naturalizada? Há uma culpabilidade por parte destes por não terem sucesso em suas “empresas sociais”? É de conhecimento de todos que o processo de produção moderno exclui aqueles que não se encaixam em seu acelerado ritmo de circulação de mercadorias e, por que não de indivíduos (BAUMAN, 1999)? Com o processo de modernização dos países periféricos, tais como o Brasil, não houve preparação da sociedade para que esse processo abarcasse toda a sociedade. Com isso a modernização dos países periféricos se deu na forma de “artefatos prontos”, ou seja, houve uma expansão de um modo de produção - que estava em fluxo nos países desenvolvidos - que exigia um contingente de indivíduos com certo grau de preparação para exercer as funções de extrema complexidade das indústrias capitalistas dos países desenvolvidos, assim, “esta expansão se daria pela exportação para a periferia do sistema mundial enquanto ‘artefatos prontos’ das instituições fundamentais do racionalismo ocidental” (Souza, 2006, p.25). 2. Referencial teórico Falar em desigualdade social brasileira em Jessé de Souza primeiramente tem se que levantar duas importantes concepções, primeiramente, que a desigualdade social no Brasil é naturalizada ou invisível e, segundo, tem-se que ver a desigualdade como um processo construído ao longo da história do Brasil, ou seja, enxergá-la como uma construção históricosocial. Com relação à naturalização da desigualdade no Brasil, esta se dá de tal forma que, com o processo de modernização do país, do qual este se deu na forma de “artefatos prontos”, ou seja, o processo de modernização do país foi uma modernização que já estava concretizada, pronta como ideal de desenvolvimento, em sua forma e que para os países ditos subdesenvolvidos chegarem ao mesmo patamar de desenvolvimento, haveria apenas um caminho, aderir àquilo que já se tinha como modelo de desenvolvimento, que já estava pronto. Assim sendo, com esta exigência de que para ser desenvolvido era preciso aderir a 2 padrões já consolidados de desenvolvimento, países não desenvolvidos, como o Brasil, entraram nesse processo de desenvolvimento acelerado e não houve uma preparação de sua população para embarcar nesse processo. Como no Brasil a modernização se deu por meio de “artefatos prontos”, a desigualdade no país naturalizou-se de tal forma que o fracasso de um indivíduo na sociedade é atribuído a ele mesmo, ou seja, a culpa do insucesso de uma pessoa é de sua inteira responsabilidade, deixando claro que se um indivíduo não conseguiu ter sucesso na vida profissional, a culpa seria dele. . Estes cidadãos que estão à margem do tipo ideal, passam a fazer parte de uma camada da sociedade que Jessé Souza chama de subcidadão, ou seja, é aquele cidadão que não goza de “reconhecimento social” (Honneth,2003), não atende às demandas objetivas ideais (europeias) e também não é considerado útil e produtivo na sociedade. Para falar da construção social da desigualdade no Brasil, Jessé Souza reporta-se ao século XIX, ancorado no livro Integração do negro na sociedade de classes de Florestan Fernandes (Souza, 2003), esse faz um recorte da história do país de 1880 a1960, e o que é por ele destacado e reforçado por Jessé de Souza é o abandono do liberto à sua própria sorte. Destaco essas interpretações de Jessé Souza, entre várias outras, do livro A construção social da subcidadania (SOUZA, 2003), para fazer um paralelo entre a não integração do negro na sociedade e a construção de um subcidadão no processo de modernização tardia do país. Não é preciso um grande esforço para perceber que a não integração do negro na sociedade - pois estes foram “libertos” e largados à própria sorte, sem que houvesse um processo que os integrasse na sociedade, tal qual ocorreu nos Estados Unidos - e o processo de construção de um subcidadão são os mesmos em momentos históricos diferentes. Tal como o negro não foi integrado na sociedade com sua libertação, o subcidadão também não o foi, ou seja, com o processo de modernização tardia, aqueles que não estavam preparados para entrar no processo acelerado de modernização do país, viramse formando uma massa de indivíduos à margem do que estava fixando como cidadão. É assim que faço uma pequena introdução do que é desigualdade social em Jessé de Souza, em países periféricos de modernização tardia, tais como o Brasil, que viram como 3 única possibilidade de atingir o nível de desenvolvimento das nações desenvolvidas apenas se aderissem ao que já está colocado, pronto; caso contrário não conseguirão desenvolverse e chegar ao patamar dos países desenvolvidos. Assim, ao seguir o modelo de desenvolvimento imposto pelos países desenvolvidos, países periféricos não passam por processos de adequação de seus cidadãos para que dele também façam parte e, assim, surge, à margem da sociedade, uma “ralé estrutural” (Souza, 2009), um “subcidadão” que não goza de reconhecimento social. 3. Referências BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1999. BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática social dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. SOUZA, Jessé. A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania: para uma Sociologia crítica da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003. SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. 4