A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO CAMPO LEXICAL: UM ESTUDO

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Estudos Linguísticos e Literários:
Saberes e Expressões Globais
ISSN 2175 389X
Foz do Iguaçu, 2011
A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO CAMPO LEXICAL: UM ESTUDO SOBRE A
EXPRESSÃO “SE ACHA” 1
MARTINY, F. M.2
SOUZA, A. C. de.3
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objetivo constatar uma variação linguística em torno do campo
lexical. Para tanto, a pesquisa foi feita através da metodologia da observação participante, com base
nos estudos de Hymes (1972) e Gumperz (1998), observando as enunciações linguísticas de uma
pessoa no contexto familiar, no decorrer de um final de semana, verificando qual o item lexical
utilizado frequentemente na enunciação do indivíduo, em momentos diversos de seu cotidiano.
Na sequência da observação foi aplicado um roteiro de entrevista pelo observador
participante, visando contextualizar o porquê da utilização da variação do léxico e qual o
sentido/significado semântico produzido pelo entrevistado, destacando, ainda, as possíveis questões
(internas ou externas à língua) a que se atribuí o uso desta determinada palavra ou frase.
O objetivo foi verificar de que maneira uma determinada variação linguística no campo
lexical é utilizada pela falante, enfatizando a diferença entre o sentido atribuído por esta em
oposição à norma considerada padronizada.
A ideia é mostrar a experiência da pesquisa observação participante e, desta forma, o
trabalho de etnografia (de maneira micro), para enfatizar uma determinada situação de fala - termo
proposto por Hymes (1972) - quando a pessoa age e fala de forma espontânea. Neste sentido, o
léxico ou dado lexical será o objeto a ser observado, como também interpretado pelo observador.
Geertz (1989) destaca que o trabalho do etnógrafo ao sublinhar a observação deve penetrar
no ambiente pesquisado e participar efetivamente a fim de fazer uma descrição minuciosa e densa
do que está observando e interpretando. Neste sentido,
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Artigo apresentado para a disciplina de Heterogeneidade Linguística, ministrada pela professora Dra. Clarice Nadir
Von Bortel.
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Franciele Maria Martiny UNIOESTE, [email protected]
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Andréia Cristina de Souza UNIOESTE, [email protected]
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em antropologia ou, de qualquer forma, em antropologia social, o que os
participantes fazem é etnografia. E é justamente ao compreender o que é etnografia,
ou mais exatamente, o que é a prática da etnografia, é que se pode começar a
entender o que representa a análise antropológica como forma de conhecimento.
(GEERTZ, 1989, p. 4).
Assim, o trabalho etnográfico é rico em termos de dados e interpretações, servindo de base
para um exercício antropológico em pesquisa, no qual se deve estranhar o comum, obtendo novas
conclusões, porém nunca fechadas nelas mesmas. “O etnógrafo „inscreve‟ o discurso social: ele o
anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe em sua inscrição e que
pode ser consultado novamente”. (GEERTZ, 1989, p, 14).
Desta forma, esta pesquisa etnográfica, embora de maneira inicial, possui método
interpretativo através da observação e da aplicação de um roteiro de entrevista.
ESTUDOS SOBRE A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A partir de Brandão (2009), citando Rousselot (1891), destaca que as línguas variam, bem
como as falas que são uniformes, principalmente na situação enunciativa no âmbito familiar.
Fishman (1968) também reforça esta ideia ao mencionar que existem diferentes falares dentro de
uma mesma comunidade linguística - que comungam de algumas expressões iguais. Estas
diferenças acontecem devido a diversos fatores, tanto internos quanto externos à língua. São
variações internas quando estão relacionadas a questões e fatores linguísticos nos seguintes campos
da: fonologia; morfossintaxe e semântica, caracterizando estas informações nos itens lexicais. Já as
externas são aquelas intrínsecas aos usuários da língua, como a faixa etária, o gênero feminino ou
masculino, etnia, além dos fatores sócio-geográficos e contextuais que é intrínseco ao falante.
Neste cenário, a diversidade linguística mostra-se uma fonte inesgotável de pesquisas. Como
destaca Gumperz, ao tratar sobre estudos que tratam sobre a sociolinguística interacional quanto ao
uso da diversidade na língua:
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esta funciona como um recurso comunicativo nas interações verbais do dia-a-dia no
sentido de que, numa conversação, os interlocutores – para categorizar eventos,
inferir intenções e apreender expectativas sobre o que poderá ocorrer em seguida –
se baseiam em conhecimentos e estereótipos relativos às diferentes maneiras de falar.
(GUMPERZ, 1998, p. 99).
O referido autor trata das chamadas pistas de contextualização, que são os traços linguísticos
sinalizadores de pressuposições contextuais. Neste mesmo sentido, este estudo busca a partir de
pistas, produzidas durante a interação, depreender informações e significados implícitos no uso do
léxico do falante, tendo como contribuição os sinais também não-verbais, como o humor da pessoa,
gestos, olhares e sinais através do semblante da pessoa.
A SITUAÇÃO ENUNCIATIVA DO ITEM LEXICAL SE ACHA
A pessoa, que foi objeto deste estudo, é do gênero feminino, pertence ao ambiente familiar
do observador, possui terceiro grau completo e pós-graduação, ingressante este ano à terceira idade,
a pessoa é católica apostólica romana, é professora do ensino básico - atualmente por motivos de
saúde está afastada da sala de aula, exercendo uma função diversa na secretaria do colégio
pertencente à rede estadual de ensino. Mora, atualmente, no centro da cidade de Marechal Cândido
Rondon, Paraná, a sua origem familiar é de base-rural.
Durante os dias de observação participação, foi verificado que a falante declarou em três
momentos distintos a expressão “se acha”. Todas as ocorrências foram no segundo dia de
observação. Esta frase já era conhecida do observador, uma vez que este, como foi mencionado, é
do convívio familiar da pesquisada.
Na primeira vez que a entrevistada pronunciou-a, ela estava interagindo verbalmente com o
observador em uma tarefa cotidiana, devido a este último estar desenvolvendo de maneira
concentrada um trabalho difícil, logo cedo da manhã, a entrevistada exclamou em clima de
descontração, em tom satírico “ela se acha!”, as duas pessoas sorriram devido à brincadeira, já
comum entre elas.
No segundo momento, a entrevistada estava contando uma história sobre uma ocasião na
qual uma pessoa do seu convívio profissional falou sobre sua roupa nova, extremamente cara, bem
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como dos valores que costuma pagar quando do seu vestuário. Ao descrever a postura sobre quem
estavam falando a entrevistada concluiu “ele se acha”. Neste momento, ao contrário do primeiro, a
pesquisada estava mais séria com tom de indignação pelos altos custos pagos em roupas, mesmo
pelo relativo baixo poder aquisitivo da pessoa. Além disso, ela balançava a cabeça de forma
negativa em sentido de desaprovação.
Por fim, o terceiro momento aconteceu após o observador e a observada estarem em uma
festa e encontrarem uma conhecida antiga, após interagir rapidamente com a terceira pessoa, a
pesquisada relata ao observador fatos antigos entre as duas, na qual a terceira pessoa era chefe e
tratava os demais com forte ar de superioridade e novamente utiliza a expressão “ela se acha”.
Semelhante ao exemplo anterior, neste momento a entrevistada estava com sentimento de não
aprovação pela postura daquela pessoa, o que era reforçado durante a interação com o observador
participante.
Neste momento, a entrevistadora pergunta à falante se ela já tinha percebido que utiliza com
certa frequência a expressão “se acha”. Ela responde afirmativamente que utiliza em momentos
mais espontâneos e descontraídos, com pessoas mais próximas, e já há algum tempo.
Assim, segue outro questionamento acerca de onde surgiu a expressão, a entrevistada diz
que esta advém de seu ambiente escolar, relacionado a sua profissão. Ela conta que escuta
frequentemente alunos e professores utilizarem a expressão e, que há cerca de cinco anos, a ouviu
pela primeira vez e ficou pensando no seu caráter semântico, ou seja, de qual significado era
atribuído ao enunciado.
Nota-se que é o convívio com pessoas que falam a mesma expressão retórica e, ou
idiomática, vem a ser a possível causa da utilização desta pela entrevistada, como funciona também
em uma comunidade linguística, pois, como destaca Fishman,
una de las características de las comunidades lingüísticas grandes y diversificadas
consiste en que algunas variedades de sus repertorios verbales son adquiridas y
reforzadas principal y experimentalmente por la interrelación verbal real de unas
retículas concretas, mientras que otras lo son en virtud de la integración simbólica.
(FISHMAN,1968, p. 54).
uma das características das comunidades lingüísticas grandes e diversificadas
consiste em que algumas variedades de seus repertórios verbais são adquiridas e
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reforçadas principal e experimentalmente pela interrelação verbal real de retículas
concretas, enquanto outras são em virtude da integracição simbólica.
(FISHMAN,1968, p. 54 – tradução livre)
Quando questionada sobre a representação semântica que ela atribui à expressão, a falante
destaca que se utiliza desta forma para descrever uma pessoa que se julga ser importante, que quer
aparentar ser melhor que os outros, ou seja, uma pessoa até certo ponto arrogante e convencida.
Outras vezes, no entanto, ela sublinha que usa a expressão para brincar com pessoas de seu
convívio, falando diretamente com elas, mas usando a terceira pessoa, como aconteceu na primeira
situação descrita acima.
O QUE DIZ A NORMA PADRÃO
Conforme o Dicionário Aurélio (2005, p. 86) o verbo “achar” pertence à classificação de
verbo transitivo direto e significa “encontrar por acaso ou procurando; deparar com”, ou
“considerar, julgar”, ou “obter, conseguir”.
Na situação enunciativa deste estudo, segundo informações da gramática de Mesquita
(1996), o verbo está declinado na terceira pessoa do singular (de quem ou do que se fala), do modo
do presente do indicativo, sendo que o radical é o “ach” e a terminação é “ar”, é assim da 1ª
conjugação, além de ser um verbo regular.
Já o “se” presente também na expressão aparece no Aurélio (2005, p. 728) como pronome
pessoal “Us. Como objeto direto, em verbos pronominais, para indicar a voz passiva e, ainda, como
índice de indeterminação do sujeito”. Isto pode ser observado que não se encaixa (ver outra
expressão) na expressão estudada e enunciada pelo falante.
Por outro lado, na gramática de Mesquita (1996, p. 477-478) a palavra “se” tem funções
morfológicas de conjunção coordenativa e subordinativa, partícula integrante do verbo, partícula
expletiva ou de realce, partícula apassivadora e pronome reflexivo. Este último que mais se adéqua
a expressão aqui enfocada, pois “equivale a si mesmo”, e se fosse a “mim mesmo” seria “me”.
Assim, interpretando o sentido dado pela entrevistada com os resultados dados pelo
dicionário e pela gramática percebe-se que há certa conexão, mas a expressão tem um significado
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próprio diverso da norma padrão, a qual Fishman (1968, p. 50) traz como estandarización, a
maneira formal de escrever que estão presentes nos dicionários, gramáticas e no contexto escolar.
Esta é necessária para uma língua, mas não pode ser seu único fim.
Voltando à expressão, trata-se de uma variação muito utilizada, primeiramente como gíria
pelos jovens e adolescentes, mas que se estendeu o uso pelos adultos, como foi observado nesta
micro-etnografia no contexto familiar. Além disso, em “ela/ele/você se acha” falta, em termos
gramaticais, o objeto direto, “o que?. Este está subtendido, pois remete a ela mesma, como se
bastasse a si mesma, enfatuada, ou, ainda, como citou a entrevistada, “ela se acha importante”, “ ela
se considera superior aos outros”.
Neste sentido, é uma expressão em que o item lexical apresenta uma representação
semântica e uma interpretação pragmática, ou seja, um uso diferenciado do que seria a norma
padrão, como uma expressão retórica para reforçar positivamente o que se quer dizer em uma dada
situação enunciativa e, ou em um dado ato de fala.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mostra-se importante o estudo em torno das variedades e das expressões linguísticas, uma
vez que não existe homogeneidade na língua, como se faz acreditar muitas vezes na escola e na
sociedade em geral.
Todas as línguas faladas possuem inúmeras variações e expressões retóricas. Estas também
merecem atenção por parte dos teóricos, para mostrar os diversos usos da língua por seus falantes.
Assim como foi proposto neste estudo, a partir de uma observação participativa sobre o uso
de um item lexical na interação comunicativa com a entrevistada, quando contrapõe o sentido que
ela atribui à expressão com a representação semântica do dicionário de da gramática que são
instrumentos da norma institucionalizada.
Da mesma forma, ressalta-se o trabalho de micro-etnografia, de forma inicial, como uma
experiência de descrição linguística nova e diferenciada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Mini Aurélio: o dicionário de língua portuguesa. 6. ed.
Curitiba: Positivo, 2005.
BRANDÃO, Silvia Figueiredo. Sociolinguística e geolinguística: uma perspectiva histórica. In:
BARRETO, Mônica Maria Guimarães Savedra; SALGADO, Ana Claudia Peters (Orgs.).
Sociolinguística no Brasil. Uma contribuição dos estudos sobre línguas em/de contato, 2009, p. 8892.
FISHMAN, Joshua. Algunos conceptos básicos de Sociolingüística. In:______. Sociologia del
Lenguaje. Madrid: Ediciones Cátreda, 1968, p. 47-59.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. LTC – Livros Técnicos e Científicos. Rio de
Janeiro: Editora S. A., 1989.
GUMPERZ, John J. Convenção de contextualização. In: RIBEIRO, Branca Telles & Garcez,
Pedro M. (Orgs.). Sociolingüística interacional: antropologia, lingüística e sociologia em análise do
discurso. Porto Alegre: AGE editora, 1998, p. 98-119.
HYMES, Del. The ethnograhy of speaking. In: FISHMAN, J. (Ed.) Reading in the sociology of
language I. Mounton: The Hague, 1972, p. 99-138.
MESQUITA, Roberto Melo. Gramática da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
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