PROCESSO Nº 70006107791 - TRIBUNAL PLENO - DIREITO PÚBLICO CLASSE: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE VINCULADO: 1412403 PROPONENTE: SINDICATO DOS LOJISTAS DE PORTO ALEGRE REQUERIDA: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE PARECER Ação Direta de Inconstitucionalidade. Preço diferenciado no fornecimento de água à população. Existe o interesse processual na propositura da ação, uma vez que é questão controvertida a fixação da taxa ou do preço (tarifa). O consumo de água não é obrigatório. A cobrança ocorre em virtude do consumo e não do serviço posto à disposição. Princípio da Proporcionalidade. Tarifa, com regramento criado pela LCM 170 e seguintes. Descaracterizada a natureza tributária, não sendo necessária lei para proceder a seu reajuste monetário . Precedentes. Improcedência da ação. 1. O SINDICATO DOS LOJISTAS DE POA interpôs Adin asseverando a inconstitucionalidade do Decreto nº 14.124/03 que estabelece os preços a serem cobrados pelos serviços de distribuição de água e remoção de esgotos prestados pelo DMAE. Sustenta que se trata de um serviço e que somente pode ser remunerado por taxa. Desta forma, o aumento teria de ser feito por lei, com a observância dos princípios. Fere o disposto no artigo 140, da Carta Estadual e os artigos 150, I, III, “a”, III “b”, da Constituição Federal, fls. 2/22. A medida liminar foi indeferida, fl. 61. O proponente afirma em preliminar que não deveria ter sido atacado o Decreto Municipal, mas sim a Lei Complementar nº 170/87 e que não está a ação provida de necessidade e utilidade, motivo pelo qual deveria ser decretada a extinção do processo por ausência de interesse processual. No mérito, sustenta a inexistência de compulsoriedade quanto ao uso ou pagamento dos serviços de abastecimento de água e esgotos e que a atualização não implica em majoração, fls. 71/87. A PGE, sucintamente, manifesta-se em favor da lei impugnada e improcedência da ação, fl. 305. 2. Preliminarmente, com relação ao ataque correto que deveria ter atingido a presente ação – Lei Complementar e não o Decreto, motivo pelo qual seria o autor carecedor da ação por inexistir o interesse processual, a seguir se analisará. É verdade que o regime jurídico foi fixado pela Lei Complementar nº 170/87, porém, o Decreto ao estipular a majoração de tarifa adquiriu conteúdo normativo, capaz de ensejar o controle abstrato da constitucionalidade das leis. No tocante à falta de utilidade e necessidade, tal também não ocorreu na espécie, uma vez que a problemática taxa e preço público é matéria conflitiva com posições antagônicas na doutrina e jurisprudência, assim imprescindível que o Poder Judiciário aprecie a questão. Desta forma, o interesse processual se encontra caracterizado. 3. No mérito, cumpre estabelecer-se, entretanto, se a matéria a que diz respeito a lei impugnada tem natureza tributária, isto é, se trata de tributo ou de mero preço público. Reconhece-se, que não há posição uniforme na doutrina e da jurisprudência. 2 Desta maneira, a ligação a rede de água que é de natureza compulsória, remunera-se mediante taxa (ADIn nº 70001302058, Rel. Des. Élvio Schuch Pinto, TJRS, j. 1º/10/01). Com relação ao consumo, o mesmo não é obrigatório e pode ser variável de consumidor a consumidor , assim a remuneração ocorre mediante preço. (ADIn nº 70000004481, Rel. Des. Clarindo Favretto, TJRS, j. 16/09/02). Vale mencionar a posição do TJRS, em Agravo de Instrumento, referente à LCM 170/87, considerando, também tarifa: “ADMINISTRATIVO. TARIFA DE ÁGUA. REAJUSTE E AUMENTO. PORTO ALEGRE. ARTS. 36 e § 4º DA LCM 170/87, REDAÇÃO DA LCM 250/91. (...). 1. O § 4º do art. 36 da LCM 170/87, redação da LCM 250/91, de POA, regra o reajuste mensal da tarifa de água, limitando-o ao índice do IGP-M, não havendo, pois, necessidade de justificativa. Já o caput regra o aumento de tarifa, como tal considerando aquele que ultrapassa o índice do IGP-M, havendo, pois, necessidade de justificativa, aprovada pelo Conselho Deliberativo do DMAE. Assim, em princípio, não se ostenta ilegal o Decreto 13.651, de 27/02/02, que aumentou a tarifa de água em 17,97%, motivo suficiente para indeferir-se a antecipação de tutela. 2. Não provimento.” (Agravo de Instrumento nº 70004062816, j. 29/5/02). 3 Nesse passo, é interessante o seguinte posicionamento do Supremo Tribunal Federal, esclarecendo a questão e fixando o entendimento do caráter de contraprestação de serviço e não de tributo, na esteira de seus precedentes: “Serviço de fornecimento de água. Adicional de tarifa. Legitimidade. Mostra-se coerente com a jurisprudência do Supremo Tribunal o despacho agravado, ao apontar que o reajuste de carga de natureza sazonal, aplicável aos fornecimentos de água pela CAESB, criando para fins de redução do consumo, tem caráter de contraprestação de serviço e não de tributo. Precedentes: ERE 54.491, RE 85.268, RE 77.162 e ADC 09. Agravo regimental desprovido.” (g.n., AGRRE nº 201.630-6/DF). Tem-se, no caso, a prestação de um dos serviços apontados por Hely Lopes Meirelles como uti singuli, isto é, “que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares” (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª Edição, 1999, Malheiros Editores, São Paulo, pág. 300). Mas, em princípio, não se teria como comparar o fornecimento de água encanada, que prescinde, mesmo, da atuação direta da administração pública, visto que delegável a terceiros, com a taxa de coleta de lixo, por exemplo, de que não se discute a condição de tributo, porquanto não guarda nenhuma relação, ao menos como regra, com o maior ou menor uso de cada um dos cidadãos neste ou naquele momento. Ou pela de iluminação pública, quer se a admita válida como taxa, quer não, que igualmente prescinde do efetivo uso pelo cidadão a que contempla. Numa interpretação mais resistente ao enquadramento do preço mínimo pelo direito à água na condição de taxa – e, portanto, de tributo - poder-se-ia dizer que este perde esta condição – a de taxa -, em que pese a costumeira expressão em tal sentido, e inobstante idêntico a todos os consumidores nas mesmas condições, exatamente porque é 4 um preço mínimo, uma tarifa mínima, isto é, a remuneração mínima necessária para que o fornecedor possa fazer frente ao custo de cada uma das conexões geral-particular, que implica o direito de consumo, sem acréscimo no preço, de uma determinada quantidade fixa de água. Não se estaria, pois, frente a uma relação tributária, mas sim diante de um ato de administração pública, de fixação direta de custo de serviço público e sua atualização monetária, e este é um ato típico do Executivo, do Prefeito Municipal, com amparo nos princípios consagrados pela Carta Estadual, reflexos do sistema maior federativo, inscritos nos artigos 8º e 10º da Lei Magna do Estado. Hely Lopes Meirelles, ao referir-se aos serviços uti singuli, menciona: “Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não imposto”. E mais: “... Há que distinguir entre o serviço obrigatório e o facultativo. naquele a suspensão do fornecimento é ilegal, pois, se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), (...)”. 5 (In , Direito Administrativo Brasileiro, pág. 300, 24ª edição, 1999, Malheiros Editores, São Paulo) Na mesma obra, referindo-se ao artigo 21, XIX, da Constituição Federal, e à lei que o regulamentou (Lei n. 9.433, de 08-01-1997): “Até agora, a água era considerada uma dádiva da natureza, disponível a qualquer um. As tarifas pagas pelos usuários (indústria, comércio, serviços e residências) cobriam apenas os custos de captação, tratamento, distribuição e disposição da água, que, a rigor, era gratuita. A partir da nova lei, o uso da água para qualquer fim - salvo para os aproveitamentos considerados insignificantes - fica sujeito a outorga onerosa pelo Poder Público (arts. 12 e 19)” (op. cit., p. 499). Concernente à utilização do serviço público pelo administrado pode, nos termos da lei, ser compulsória ou facultativa. No entendimento de Roque Antônio Carrazza, ressalta a relevância dos serviços prestados, dentre eles o de água: “Assim, a lei pode e deve obrigar os administrados a fruírem, dentre outros, dos serviços públicos de vacinação, de coleta de domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água potável. Por quê? Porque, nestes casos, está em jogo a saúde pública, um dos valores que a Constituição brasileira prestigiou” ( Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª ed., 2001, p. 453). 6 Vale ressaltar que a cobrança proporcional ao consumo de água, à consideração da economia (residencial, comercial, industrial e público) é algo que atende mais aos critérios de justiça, do que um valor fixo em termos de taxa. Assim, a tarifa de cobrança de abastecimento de água e coleta de esgoto não é inconstitucional. E descaracterizada a natureza de tributo, desnecessária a sua correção monetária por lei. A LCM nº 170 e as seguintes disciplinam a cobrança. Desta feita o reajuste, visando a recuperar a perda inflacionária é passível de ser instituído por Decreto. 4. PELO EXPOSTO, o parecer é no sentido de que não sejam conhecidas as preliminares e, no mérito, seja julgada improcedente a ADIN, julgando-se constitucional, frente à Constituição do Estado, o Decreto Municipal nº 14.124/03, do Município de POA. Porto Alegre, 04 de julho de 2003. ROBERTO BANDEIRA PEREIRA, Procurador-Geral de Justiça. TL/MPM SUBJUR N.º 007673/03 7