Senso comum, representações sociais e representações cotidianas

Propaganda
Nildo Viana
SENSO COMUM, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E
REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS
VIANA, Nildo. Senso comum, representações sociais e
representações cotidianas. Baúru: Edusc, 2008.
ÍNDICE
Introdução...............................................................................................................................3
A Idéia de Senso Comum.......................................................................................................5
A Abordagem das Representações Sociais..........................................................................17
Teoria das Representações Cotidianas.................................................................................39
Considerações Finais............................................................................................................82
Referências Bibliográficas...................................................................................................84
INTRODUÇÃO
O presente livro aborda a temática das representações cotidianas. A emergência,
desenvolvimento e abordagem de determinados termos (científicos, filosóficos, teóricos, etc.) são
produtos sociais e envolvidos nas lutas sociais, bem como as opções que os indivíduos assumem no
uso ou determinado tipo de uso destes termos. Os termos senso comum e representações sociais se
referem a uma determinada realidade, que, no entanto, como em toda ideologia, é invertida,
aparece, como já dizia Marx, de “cabeça para baixo”. É por este motivo que preferimos trabalhar
com o conceito de representações cotidianas. Mas a escolha de um conceito ao invés de trabalhar
com outros pretensos conceitos existentes e dominantes requer uma justificativa. É por isto que
iremos seguir a seguinte forma de exposição: iniciaremos com uma crítica do termo senso comum,
passando posteriormente para uma crítica do termo representações sociais e finalizaremos com uma
exposição e defesa do conceito de representações cotidianas.
Assim, no capítulo 01, iremos apresentar uma discussão histórica e teórica a respeito do
termo senso comum. Suas raízes sociais serão explicitadas, bem como das mudanças de enfoque e
abordagem que recebeu, e seus limites serão expostos. O mesmo procedimento será realizado no
capítulo 02, dedicado à abordagem das representações sociais. Após mostrar que ambos os termos
são produtos de um discurso ideológico, que expressam interesses de classe e revelam os valores
dominantes, além de, devido a isto, não dar conta da realidade, iremos buscar resgatar em Marx e
alguns pensadores que se inspiraram nele, uma concepção de representações cotidianas, isto é, um
conceito que apresente a realidade do que se chama “cultura popular”, “saber comum”, “saber
popular”, “conhecimento comum”, “senso comum”, “representações sociais”, etc., sem deformá-la,
sem colocá-la “de cabeça para baixo”, tal como no mundo ideológico.
A referência fundamental aqui é Marx. A sua contribuição teórica e metodológica é
fundamental. Além disso, ele mesmo fez referências ao problema das representações e apresentou
um esboço de análise das representações que denominamos cotidianas, por motivos que mais
adiante serão explicitados e que o próprio Marx apontou. Marx ao tratar das representações, das
representações ilusórias ou reais, bem como ao colocar a questão das “concepções cotidianas”,
abriu o caminho para a elaboração de uma teoria das representações cotidianas. Bloch, Gramsci,
Sorel, Korsch, entre outros, ao lado daqueles que contribuem com a discussão de termos como os
de cotidiano, são aqui resgatados para elaborarmos uma teoria marxista das representações
cotidianas.
Assim, após uma reflexão crítica sobre os termos senso comum e representações sociais,
iremos apresentar um esboço de uma teoria das representações cotidianas a partir da contribuição
de Marx e outros pensadores. Obviamente que este estudo poderá servir de ponto de partida para
diversas pesquisas sobre as mais variadas formas de representações cotidianas e contribuir para
uma análise mais crítica da cultura e de algumas abordagens existentes. Um ponto de partida que
poderá ser enriquecido com novas contribuições que posteriormente poderão surgir.
A IDÉIA DE SENSO COMUM
O presente capítulo apresenta uma análise crítica do termo senso comum. Iremos realizar
uma contextualização histórica e social do surgimento das diversas concepções de senso comum e
representações sociais e realizar uma análise crítica de seu conteúdo. Este é o ponto de partida para
recuperarmos, no capítulo seguinte, a concepção que irá orientar o desenvolvimento de nossa
pesquisa, a idéia de representações cotidianas.
Por qual motivo a idéia de senso comum está sempre presente no discurso científico? A
resposta mais comum, que refutaremos mais adiante, está na necessidade de separar o “saber
popular”, “o conhecimento vulgar”, ou qualquer outro nome que se lhe dê, do pensamento
científico, pois o primeiro está cheio de equívocos, contradições, preconceitos etc. e o segundo é
um pensamento é fundamentado, verdadeiro.
Burguesia e Gênese do Termo Senso Comum
Na história das idéias veremos sempre uma oposição entre as idéias daqueles que se dedicam
exclusivamente ao trabalho intelectual e as daqueles que se dedicam ao trabalho manual, que, como
todo ser humano, também desenvolvem idéias. Esta oposição é realizada pelos trabalhadores
intelectuais. Estes, irão valorar, sobremaneira, o mundo das idéias, considerando este mundo
“superior” em contraposição ao mundo do trabalho manual e das idéias comuns como “inferior”.
Ao lado e impulsionado por estes valores. Eles produzirão um conjunto de idéias que justificam,
legitima e fundamentam estes mesmos valores. Uma das formas de se fazer isto se encontra na
separação entre idéia e realidade. Marx e Engels (1991) colocaram que com o surgimento da
divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual se tornou possível se pensar em um
desenvolvimento autônomo das idéias e assim nasce a ideologia.
Os trabalhadores intelectuais, por se dedicarem exclusivamente à atividade intelectual, irão
produzir um conjunto de idéias sobre os mais variados fenômenos, tanto naturais quanto sociais.
Também se defrontarão com a questão do saber produzido fora de sua esfera e assim irão opor o
seu saber, “superior”, “privilegiado”, ao saber popular, “inferior”, “desprezado”. O exemplo
clássico na antiguidade reside na distinção feita por Platão (1970) entre doxa e logos, isto é, entre o
mundo da opinião (das “trevas”) e o mundo da razão (das “luzes”), magistralmente exposta em sua
Alegoria da Caverna (Viana, 2000).
Assim, a partir do momento em que surge a divisão social do trabalho na sociedade de
classes, surge a oposição entre o saber dos trabalhadores intelectuais, intimamente ligados ao
poder, e, por conseguinte, fazendo destes representantes intelectuais da classe dominante, e o saber
do resto da população, que se torna, a partir da concepção fornecida pela primeira forma de saber,
“inferior”, “carregado de preconceitos”, “equivocado” etc.
A formação da sociedade capitalista ocorreu em meio a um amplo debate e luta cultural. A
burguesia nascente e os seus representantes intelectuais realizavam um amplo combate contra a
nobreza e, posteriormente, contra o proletariado. Assim, no caldeirão fervilhando da luta de classes,
as idéias são armas de combate e na luta cultural em que elas são usadas vence aqueles que
conseguem a supremacia na sociedade e não a verdade.
Os representantes intelectuais da burguesia irão buscar construir uma forma de saber
adequada aos interesses desta classe. Esta forma de saber deveria romper com as anteriores
(filosofia, teologia) e possuir uma especificidade que a legitimasse e, ao mesmo tempo, estivesse
em consonância com as novas relações sociais da sociedade moderna em formação. Em outras
palavras, precisa ser um saber ao mesmo tempo funcional às novas relações sociais, possuindo,
pois, eficácia prática, e legitimador, o que lhe faz ocultar o verdadeiro caráter destas mesmas
relações sociais. Esta forma de saber é a ciência.
Na sua luta contra o mundo feudal, os representantes intelectuais da burguesia encontraram
nas ciências naturais nascentes, o recurso ideológico que precisavam. A ciência, enquanto ideologia
burguesa, não podia assumir o seu caráter burguês, pois desta forma não conseguiria se legitimar.
Isto ocorre devido ao fato de que o saber está intimamente ligado à dominação de classe mas não
pode assumir-se como tal.
Assim, a filosofia antiga, a teologia medieval e a ciência moderna não assumem seu caráter
de classe, mas dizem ser expressão da razão, de Deus ou da verdade, sendo, portanto, formas de
saber “verdadeiras” e “neutras”. Através deste recurso também se realiza a oposição ao saber das
demais classes sociais. A luta cultural da burguesia se centra, num primeiro momento, numa
oposição radical ao saber da nobreza, tal como se vê na filosofia iluminista com seu
anticlericalismo. As primeiras tentativas de se criar uma “ciência social” ainda estarão submetidas a
esta lógica:
“O cientificismo positivista é aqui (...) um instrumento de luta
contra o obscurantismo clerical, as doutrinas teológicas, os argumentos
de autoridade, os axiomas a priori da Igreja, os dogmas imutáveis da
doutrina social e política feudal” (Löwy, 1987, p. 20).
Assim, um conjunto de pensadores (Condorcet, Saint-Simon, etc.), num momento histórico
em que se prioriza a luta contra a nobreza e que a ruptura do pensamento científico como
pensamento filosófico ainda não havia ocorrido, buscava romper com o saber teológico e
tradicional.
Mas, uma vez derrotada a nobreza e com a consolidação das relações de produção
capitalistas, o que pressupõe a existência de uma classe operária, o discurso científico passa a
priorizar sua oposição em relação à outra forma de saber. Augusto Comte (e não apenas ele) será
um dos arquitetos desta transformação:
Não é por acaso que Augusto Comte – e não Condorcet ou SaintSimon – seja considerado o fundador do positivismo. De fato, é ele que
inaugura a transmutação da visão de mundo positivista em ideologia,
quer dizer, em sistema conceitual e axiológico que tende à defesa da
ordem estabelecida. Primeiramente, discípulo de Condorcet e SaintSimon, Comte irá romper com um discurso cuja carga crítica e
‘negativa’ lhe parece ultrapassada e perigosa. Considerar, como alguns
autores o fazem, a obra de Comte simplesmente como a continuação da
metafísica naturalista da filosofia do Iluminismo e de Saint-Simon, como
‘coroamento sistemático’ de um movimento que remonta ao século 18,
significa passar ao largo da novidade e da especificidade do positivismo
comtiano, que representa precisamente o ponto de vista reconhecido da
escola positivista moderna nas ciências sociais. Conforme a feliz
expressão de George Lichteim, em Comte ‘o otimismo generoso do
Iluminismo congelara-se numa inquietude ansiosa para com a
estabilidade social’ (Löwy, 1987, p. 22).
Comte irá criticar os seus antecessores (que tão-somente anunciaram uma ciência da
sociedade, mas continuaram no campo filosófico), principalmente Condorcet e Saint-Simon,
devido ao caráter crítico e negativo presente em suas concepções, que poderiam ser apropriadas –
tal como efetivamente ocorreu – pela classe operária e seus representantes intelectuais. O
socialismo utópico, e posteriormente o marxismo e o anarquismo, demonstravam a necessidade de
legitimação do pensamento científico, que não podia mais apelar para a palavra de deus ou para a
tradição e por isso deveria criar uma nova fonte de legitimação.
Assim, o pensamento científico tinha a dupla tarefa de combater as idéias socialistas e da
classe operária, por um lado, e se legitimar, por outro. Isto é realizado através das teses da
neutralidade e objetividade, sendo que a primeira é tomada como condição necessária da segunda.
A ciência se apresenta como saber neutro e objetivo. O pressuposto da neutralidade significa que o
cientista deve estar livre dos preconceitos, valores, crenças. Este pressuposto a distingue
radicalmente tanto do saber popular quanto do pensamento socialista (marxismo, anarquismo, etc.)
e lhe garante a objetividade e esta, por sua vez, lhe fornece a possibilidade de se colocar como um
pensamento verdadeiro, oposto ao pensamento falso, no caso o saber popular e o socialismo. A
objetividade garante a veracidade e permite ao saber científico elevar o seu status diante das outras
formas de consciência.
O termo senso comum surge com um panfleto de Thomas Paine (1979), escrito em 1776,
embora ele tivesse um significado positivo, contrário ao pensamento preconceituoso da nobreza.
Segundo Santos,
“O senso comum, enquanto conceito filosófico, surge no século 18
e representa o combate ideológico da burguesia emergente contra o
irracionalismo do ancien regime. Trata-se, pois, de um senso que se
pretende natural, razoável, prudente, um senso que é burguês e que, por
uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso universal.
A valorização filosófica do senso comum esteve, pois, ligada ao projeto
político de ascensão ao poder da burguesia, pelo que não surpreende
que, uma vez ganho o poder, o conceito filosófico de senso comum tenha
sido
correspondentemente
desvalorizado
como
significando
um
conhecimento superficial e ilusório. É contra ele que as ciências sociais
nascem no século 19” (Santos, 1995, p. 39-40).
Desta forma, observamos que o iluminismo irá combater os preconceitos, os valores, as prénoções (da nobreza) e alguns filósofos irão utilizar o termo senso comum como significando “bom
senso”, tal como colocou Voltaire1. No entanto, com o surgimento das ciências sociais, o termo
senso comum assume o significado atual: saber espontâneo e imediato da coletividade, e, por
conseguinte, perpassado por preconceitos, crenças, valores, o que lhe caracteriza como falso,
imediatista, tradicional, conservador2.
1
“Senso comum significa apenas o bom senso, razão grosseira, razão começada, primeira noção das coisas
ordinárias” (Voltaire, apud. Cuvillier, 1969, p. 146).
2
(Vários termos semelhantes serão utilizados com o mesmo significado: saber popular, conhecimento vulgar,
opinião pública, etc.).
A Ruptura entre Ciência e Senso Comum
O nascimento do positivismo, isto é, das ciências sociais, marca a busca de ruptura da
ciência com o senso comum. Augusto Comte, tal como colocou Löwy em várias oportunidades
(1987; 1987b; 1985), seria o primeiro a declarar a necessidade desta ruptura e Durkheim o
primeiro, na esfera das ciências sociais, a sistematizar isto em uma ideologia científica. Segundo
Durkheim:
“Com efeito, noções ou conceitos, seja qual for o nome que
queiramos dar, não são substitutos legítimos para as coisas. Produtos da
experiência vulgar, têm eles por objeto, antes de tudo, harmonizar nossas
ações com o mundo que nos cerca; são formados pela prática e para a
prática. Ora, uma representação, mesmo teoricamente falsa, pode estar
em estado de desempenhar utilmente esse papel” (Durkheim, 1974, p.
14).
Durkheim acrescenta que:
“Esta maneira de proceder está tão de acordo com a inclinação
natural do nosso espírito que a encontramos de novo na própria origem
das ciências físicas. É ela que diferencia a alquimia da química, a
astrologia da astronomia. Foi por ela que Bacon caracterizou o método
que combatia e que seguiam os sábios de seu tempo. As noções que
acabamos de citar são as notiones vulgares ou praenotioes, cuja
existência aquele autor assinala na base de todas as ciências, nas quais
tomam o lugar dos fatos. Constituem os idola, espécie de fantasmas que
desfiguram os verdadeiros aspectos das coisas e que consideramos, no
entanto, como sendo as próprias coisas” (p. 15).
Para Durkheim, “é preciso afastar sistematicamente todas as prenoções” (1974, p. 27). Desta
forma, Durkheim é o primeiro cientista social a sistematizar a questão da ruptura entre ciência e
senso comum. Mas ele não o único, pois toda uma tradição científica presente nas ciências sociais e
também nas ciências naturais reproduziu tal oposição3. A fonte de Durkheim, e não somente dele, é
3
Este é o caso do psicólogo social Gustave Le Bon, que realizou toda sua obra – produzida entre o final do
século 19 e início do século 20 - se dedicando ao “perigo” das multidões e realizou a distinção entre
“crenças” e “opiniões”, por um lado, e o conhecimento (ciência), por outro (Le Bon, 1957) e sempre
tomando como exemplos de crenças as idéias socialistas.
Comte e o positivismo clássico. Este é o caso, por exemplo, do epistemólogo Gaston Bachelard, o
mais renomado arquiteto do que ele denominou “ruptura epistemológica”, que consiste na
superação do senso comum pela ciência.
Bachelard defende a necessidade dessa ruptura e evoca a importância do positivismo para o
conhecimento científico. Assim, em primeiro lugar, Bachelard coloca a ruptura entre senso comum
(“conhecimento vulgar”) e ciência:
“As ciências físicas e químicas, em seu desenvolvimento
contemporâneo, podem ser caracterizadas epistemologicamente como
domínios de pensamentos que rompem nitidamente com o conhecimento
vulgar” (Bachelard, 1977, p. 121).
No entanto, Bachelard, seguindo Comte, vai colocar a importância do positivismo mas
acrescenta a novidade da “quarta idade” (ou “quarto estádio”) do pensamento:
“Acreditamos, pois, que devido às revoluções científicas
contemporâneas se possa falar, no estilo da filosofia comtiana, de uma
quarta idade, correspondendo, as três primeiras, à Antiguidade, à Idade
Média e aos Tempos Modernos. A quarta idade, Época Contemporânea,
realiza
precisamente
a
ruptura
entre
conhecimento
vulgar
e
conhecimento científico” (1977, p. 121).
Esta “quarta idade” deve reconhecer a importância e a necessidade de compreensão da
“terceira idade”, que é, precisamente, representada pelo positivismo (clássico). Assim, Comte é o
ponto de partida e fonte de inspiração para os epistemólogos adeptos da tese da ruptura entre
ciência e senso comum
Assim, a oposição entre ciência e senso comum serve, em primeiro lugar, tal como já
colocamos, legitimar o saber científico, dotá-lo de “status” de superioridade sobre o saber popular.
O saber verdadeiro é o produzido pelas camadas intelectuais em nossa sociedade. Ao legitimar o
saber científico, se deslegitima o saber popular. Mas convém recordar que o senso comum em que
os primeiros cientistas sociais combatiam era fundamentalmente as idéias socialistas, o que
fornecia a tendência ao determinismo, ou seja, a negação da liberdade (daí a utilização dos
“métodos das ciências naturais” e a “descoberta” de “leis que regulam a sociedade”, tal como no
positivismo clássico). Segundo Bauman:
“A sociologia, tal como a conhecemos, nasceu da investigação do
regular, do invariável, do ingovernável na condição humana. Nos seus
momentos de maior zelo e fervor religioso, tende a conceber a sua
própria atividade em termos de uma cruzada da ciência contra ‘a noção
de livre arbítrio’. Em termos mais sóbrios, mais seculares, a sociologia
aceita de boa vontade as idiossincrasias do indivíduo, mas declara-as
cientificamente não interessantes: o campo da investigação sociológica
onde o único, o irrepetível e o insubstituível termina” (Bauman, 1977, p.
52-53).
Bauman trata aqui da sociologia, mas se lembrarmos de sua ascendência metodológica sobre
as demais ciências sociais e o papel fundamental de Comte e Durkheim na construção da oposição
entre ciência e senso comum, veremos que tal análise pode ser estendida a todas as outras ciências.
Devemos lembrar que o século 19 foi marcado por uma intensa luta operária contra o
capitalismo e pela existência de um amplo conjunto de concepções socialistas (marxismo,
anarquismo, etc.) e de uma forte cultura operária. As lutas operárias, tal como a Comuna de Paris,
em 1871, o fortalecimento e luta dos sindicatos nascentes, da social-democracia, etc., marcam este
contexto histórico. Assim, o “senso comum” deveria ser criticado e deslegitimado.
Ciência e Senso Comum: A Reconciliação
No final do século 19 e início do século 20, a situação mundial começa a se alterar. O
capitalismo consegue uma relativa estabilidade e prosperidade (Dobb, 1987), ocorre a
institucionalização da social-democracia, resultado da burocratização e integração da classe
operária no capitalismo, e a classe dominante, através de sua produção e difusão cultural,
supremacia financeira e ação estatal (passagem da democracia censitária para a democracia
partidária, por exemplo), marcam o fortalecimento da hegemonia burguesa na sociedade civil,
criando um novo “senso comum”. Isto tudo vai gerar a supremacia cultural burguesa, tornando o
“senso comum” mais conservador. Aqui temos a fonte da nova posição da ciência em relação ao
senso comum: a reconciliação. No entanto, as tentativas de revoluções operárias jogam um balde de
água fria sobre esta pretensão e a posterior ascensão do nazi-fascismo adia tal projeto de
reconciliação, embora as sementes tenham sido lançadas pela fenomenologia husserliana. Após a
segunda guerra mundial, e a nova estabilidade capitalista conquistada, o projeto de reconciliação
entre ciência e senso comum pode ser concretizado.
As concepções que buscam demarcar a ruptura entre ciência e senso comum de forma radical
encontraram concepções distintas que tentam reconciliar estas duas formas de consciência. As
primeiras concepções que tentaram realizar esta reconciliação possuem sua origem na filosofia. A
fenomenologia e o existencialismo são concepções filosóficas que executam esta reconciliação
(Bauman, 1977).
A fenomenologia nasce no contexto acima colocada pela relativa estabilidade do
capitalismo, mas tem uma razão de ser mais complexa e altera seu papel com o desenvolvimento
histórico do capitalismo. Além da já citada estabilidade relativa do capitalismo no final do século
19 e início do século 20, temos um processo de constituição de uma sociedade cada vez mais
desenvolvida tecnologicamente e organizada burocraticamente. O desenvolvimento científico e o
cientificismo tomavam conta da produção intelectual da época. Neste contexto, a filosofia parecia
ter perdido todo o seu papel e significado, surgindo, assim, a crise da filosofia a ser tematizada por
pensadores como Husserl, Heidegger, Jaspers, Sartre, Merleau-Ponty, entre outros (Viana, 2000).
Iremos destacar aqui as concepções de Husserl e seus desdobramentos sociológicos.
A categoria de compreensão assume papel fundamental na fenomenologia husserliana. Ela
parte da distinção inaugurada por Dilthey entre explicação e compreensão, sendo que a primeira
seria da esfera das ciências naturais e a segunda da esfera das “ciências do espírito”. Husserl
retoma a crítica de Dilthey às ciências humanas por utilizar os métodos das ciências naturais, pois
isto é um empreendimento questionável, tendo em vista que seu objetivo e “objeto” são outros.
“O que Husserl quer sobretudo rejeitar, é o naturalismo dessas
ciências que, não tendo destacado a especificidade de seu objeto e
tratando-o como se se tratasse de um objeto físico, confundem a
descoberta das causas exteriores de um fenômeno com a natureza
própria deste fenômeno” (Dartigues, 1973, p. 19).
As ciências humanas, ao se dedicarem ao estudo do homem e de sua consciência, não podem
tomá-los como fenômenos naturais, como coisas. A experiência assume importância capital, pois é
nela que se constitui o homem e sua consciência. A questão passa a ser a da compreensão da
experiência em sua totalidade. É neste contexto que surge a proposta husserliana: o retorno às
coisas mesmas.
É (...) um postulado da fenomenologia que o fenômeno seja
lastrado de pensamento, que seja logos ao mesmo tempo que fenômeno,
não se pode pois conceber o fenômeno como uma película de impressões
ou uma cortina atrás da qual se abrigaria o mistério das ‘coisas em si’.
Hegel já dizia que atrás da cortina não há nada a ver. Falar de uma
visão das essências não significará pois devotar-se a uma contemplação
mística que permitiria a alguns iniciados ver que o comum dos mortais
não vê, mas ao contrário ressaltar que o sentido de um fenômeno é
imanente e pode ser percebido, de alguma maneira, por transparência
(Dartigues, 1973, p. 22).
Todo fenômeno possui uma essência e esta permite identificá-lo. A essência é sempre
idêntica a si mesma e por isso não importa o contexto no qual se manifesta. Dartigues cia o
exemplo do triângulo, que em qualquer época ou lugar será um triângulo.
“Sem dúvida, há uma essência de cada objeto que percebemos:
árvore, mesa, casa, etc., e das qualidades que atribuímos a estes objetos:
verde, rugoso, confortável, etc. Mas se a essência não é a coisa ou a
qualidade, se ela é somente o ser da coisa ou da qualidade, isto é, um
puro possível para cuja definição a existência não entra em conta,
poderá haver tantas essências quantos objetos nosso espírito é capaz de
produzir; isto é, tantas quantos objetos nossa percepção, nossa memória,
nossa imaginação, nosso pensamento podem se dar. Independentes da
experiência sensível, muito embora se dando através dela, as essências
constituem como que a armadura inteligível do ser, tendo sua estrutura e
suas leis próprias” (Dartigues, 1973, p. 23).
A tarefa da fenomenologia é esclarecer este puro reino das essências e suas “regiões”
(natureza – objeto das ciências naturais; espírito – objeto das ciências humanas; consciência –
condição de inteligibilidade das outras regiões e objeto da filosofia husserliana). A preocupação
fundamental de Husserl reside nesta última região. É neste contexto que surge a “intuição”
enquanto modo de conceber a essência, chamada “intuição das essências”. Mas tal intuição não tem
o mesmo sentido fornecido por Platão, que postula uma concepção metafísica de intuição e de
essência. Isto iria contra o princípio da “volta às coisas mesmas”. Para avançar em sua tese, Husserl
apela para a consciência e a idéia de intencionalidade, inspirada em Brentano.
“O princípio da intencionalidade é que a consciência é sempre
‘consciência de alguma coisa’, que ela só é consciência estando dirigidapara um objeto (sentido de intentio). Por sua vez, o objeto só pode ser
definido sem sua relação com a consciência, ele é sempre objeto-paraum-sujeito. Poderemos, pois, falar, seguindo Brentano, de uma existência
intencional do objeto na consciência” (Dartigues, 1973, p. 24).
Assim podemos compreender que a essência só possui existência na consciência (Husserl,
1983; Dartigues, 1973). Nesta concepção se vê a base da “análise intencional” proposta pela
filosofia fenomenológica:
“A análise intencional é uma explicação da vida da consciência
que segue os fios condutores das intenções significativas. Assim sendo,
compreender um ato humano implica em compreender a plenitude de sua
significação, em fazer aparecer a totalidade de suas conexões, das suas
inter-relações, em situá-lo na totalidade da experiência” (Capalbo, 1977,
p. 36).
Disto resulta a tese de que não existe “objeto em si” mas tão-somente objeto para uma
consciência, pois fora da correlação entre ambos não há nem consciência nem objeto.
“Se, com efeito, a correlação sujeito-objeto só se dá na intuição
originária da vivência (Erlebnis) de consciência, o estudo dessa
correlação consistirá numa análise descritiva do campo de consciência,
o que conduzirá Husserl a definir a fenomenologia como ‘a ciência
descritiva das essências da consciência e de seus atos’ ” (Dartigues,
1973, p. 26).
É neste contexto que surge a chamada “redução fenomenológica” proposta por Husserl, que
visa ultrapassar o que ele denomina “atitude natural”, própria do senso comum e das “ciências
objetivantes”. Este “ultrapassar a atitude natural” significa, ao mesmo tempo, adotar a “atitude
fenomenológica”. É preciso, para efetivar isto, superar a crença na objetividade do mundo exterior
e colocar a consciência como sendo transcendental, “condição de aparição desse mundo e doadora
de sentido” (Dartigues, 1973, p. 28). Assim, se faz necessário o retorno ao “mundo da vida”, livre
dos preconceitos e concepções objetivantes. A consciência não é “parte do mundo”, pois ele é o
que aparece à consciência. Ele se torna, nesta abordagem, um “fenômeno”. Assim, ele só tem
sentido na “vivência”. A fenomenologia objetiva analisar as vivências intencionais da consciência
buscando compreender o sentido dos fenômenos.
Assim, a filosofia husserliana fornece duas conclusões para a concretização de sua
fenomenologia: o sujeito transcendental ou a consciência no mundo (Dartigues, 1973)4. É esta
4
Esta posição é criticada por Gorman (1979), que sustenta que não há uma ruptura no pensamento de Husserl
mas apenas aprofundamento. No entanto, independentemente de qual destas duas interpretações da
filosofia husserliana é mais adequada, não se pode deixar de perceber a diferença ocorrida na abordagem,
seja por “aprofundamento” ou por “mudança” de concepção.
última solução que exercerá maior influência sobre a sociologia, pois aproxima Husserl e o
existencialismo (Bauman, 1977).
“Em seus últimos escritos e (...) sob a influência de Heidegger,
Husserl acentua ao contrário a própria correlação consciência-mundo,
que será bastante fácil de traduzir por ser-no-mundo. Se o verdadeiro
resíduo da redução fenomenológica é essa correlação, e ano o Sujeito
transcendental ou ‘sujeito puro’ que aproximava Husserl dos
neokantianos, a fenomenologia poderá então se tornar o estímulo das
novas filosofias da existência. A evidência primeira, o terreno absoluto
para o qual cumpre voltar não será mais o sujeito, mas o próprio mundo
tal como a consciência o vive antes de toda elaboração conceptual”
(Dartigues, 1973, p. 32).
A partir do novo contexto marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela nova
estabilidade do capitalismo na Europa Ocidental, surge o projeto de uma “sociologia
fenomenológica” que trará uma nova abordagem sociológica do senso comum5. Alfred Schutz será
o principal articulador da busca em se criar uma “ciência social fenomenológica” (Bauman, 1977),
para utilizar expressão de Gorman (1979). Schutz busca “destranscendentalizar” a fenomenologia
husserliana:
“O próprio pensamento de Schutz deve muito aos trabalhos
husserlianos sobre o Lebenswelt. Aceita as definições de Husserl da
5
É neste contexto também que irá se desenvolver o existencialismo, já esboçado antes da Segunda Guerra
Mundial, mas organizado e desenvolvido após tal período histórico. Embora o existencialismo possua
várias correntes, algumas com tendências conservadoras, há a perspectiva sartreana e de outros
existencialistas que assume uma posição de crítica ao capitalismo e de proximidade com o marxismo,
tendo por base sua recusa do mundo burocrático e mercantil organizado a partir da segunda metade do
século 20. Segundo Oizerman, embora com alguns exageros em sua qualificação do existencialismo como
“humanismo burguês”, existe uma relação intrínseca entre existencialismo e o desenvolvimento capitalista:
“o capitalismo monopolista de Estado traduz-se numa centralização e burocratização crescentes, num
sistema de manipulação dos comportamentos e no condicionamento dos espíritos, graças aos meios de
comunicação de massa. O papel da publicidade, que exerce tão grande influência na formação da opinião
pública, aumentou prodigiosamente. A produção capitalista dá origem constantemente a novas
necessidades, muitas vezes artificiais. A alienação, que ainda muito recentemente parecia não passar duma
categoria filosófica especulativa, surge hoje como um fato empírico, tangível, evidente mesmo, para a
consciência mais comum e, o que é mais inesperado ainda, a ‘organização’ cada vez mais desenvolvida, em
regime capitalista, reforça os fatores de anarquia no desenvolvimento social. Daí a idéia de que a anarquia
prevalece contra as relações institucionais criadas pelos homens em conformidade com os seus ideais
racionalistas. Os antagonismos do sistema capitalista são, para o existencialismo, contradições entre a
organização social e o humanismo abstrato. É por esta razão que [o existencialismo – NV] preconiza a
ruptura com relações sociais despersonalizantes, o retorno a si mesmo, a uma vida autêntica. Esta
concepção do humanismo burguês abstrato reflete à sua maneira a realidade, pois o capitalismo é,
efetivamente, incompatível com o humanismo” (Oizerman, 1974, p. 11-12).
natureza e da importância do mundo da vida pré-reflexivo, pré-dado, da
existência cotidiana, e devota a maior parte de sua vida profissional à
tentativa
de
atingir
o
objetivo
husserliano
de
compreendê-lo
cientificamente. Admitindo isso, qual dos dois métodos de Husserl foi
escolhido por Schutz: uma ontologia das nossas experiências conscientes
– filtradas através de reduções e purificadas pelo ego transcendental –
de um Lebenswelt, ou uma investigação fenomenológica mais geral das
essências de todo fenômeno empírico? Surpreendentemente, Schutz não
escolhe nenhum dos dois. Tenta investigar cientificamente o Lebenswelt,
mas não usa nenhum dos métodos de Husserl considerados necessários
para sua tarefa” (Gorman,1979, p. 41).
Schutz concebe o senso comum como um mundo de intersubjetividade no qual os sujeitos
possuem o dom de atribuir significado e assim interagem6.
“No mundo do bom senso comum os sujeitos com o dom de
atribuir significado interagem uns com os outros, principalmente, pela
adoção de fórmulas socialmente manipuladas e adotadas que
categorizam, tipicamente, tanto o mundo como o comportamento
esperado por deles e dos outros no mundo” (Gorman, 1979, p. 59).
Assim, podemos perceber que a concepção de senso comum de Schutz vai pelo mesmo
caminho que o da fenomenologia husserliana, no qual ele não é mais tido como saber falso e sim
como um saber verdadeiro, já que é a intenção que fornece a essência7. Aqui estamos distantes da
concepção que busca realizar uma ruptura entre ciência e senso comum, pois na concepção
fenomenológica estas formas de consciência são igualmente verdadeiras.
Os Limites do Termo Senso Comum
O termo senso comum sempre foi, como vimos até aqui, uma unidade de um discurso
ideológico. Desde Paine, o criador do termo, ele se faz presente na história das idéias políticas e
científicas. O curioso de notar é que o termo surge no contexto das idéias políticas e filosóficas,
6
7
Gorman (1979) aborda a influência de Weber sobre Schutz, mas também aponta as críticas do último ao
primeiro.
Outras concepções irão desenvolver estas teses, com mais ou menor sistematicidade e originalidade.
Podemos colocar como exemplo o “construcionismo” de Berger e Luckmann (1987), a etnometodologia
(Coulon, 1995), e a abordagem das representações sociais, da qual trataremos adiante.
sendo que somente chega ao discurso científico mais tarde. Carregado de positividade, devido ao
contexto social e interesses a que estava ligado, o senso comum, a partir de sua chegada no
discurso científico, passa a ser contaminado pela negatividade, tal como se vê no positivismo de
Comte e Durkheim, passando por seus herdeiros contemporâneos. Posteriormente, o termo retoma
sua positividade diante do novo contexto histórico e dos novos interesses surgidos na sociedade
contemporânea. Juntamente com isto, vimos o contexto histórico e os interesses por detrás da
concepção de senso comum. Resta, agora, realizar uma análise dos limites intrínsecos presentes
neste termo.
Comte e Durkheim foram pioneiros na busca de ruptura com o senso comum. A crítica de
Bauman a estes dois pensadores se caracteriza pelo fato deles terem feito apenas uma tradução do
senso comum sob a forma de sociologia (Bauman, 1977). O senso comum, na abordagem de
Bauman, se apresenta como um saber fetichista, que toma a sociedade como uma “segunda
natureza”, isto é, de forma determinista. Assim, quando Comte e Durkheim pensam a sociedade,
reproduzem o senso comum, tal como se vê na concepção durkheimiana dos fatos sociais como
“coisas”. Durkheim concebe a sociedade, tal como o senso comum, como uma “segunda natureza”.
Portanto, a análise de Bauman é uma excelente crítica da sociologia conservadora, mas não do
termo senso comum.
Bauman realiza uma análise crítica bastante convincente da relação entre ciência,
especialmente da sociologia, e senso comum. No entanto, sua visão de senso comum cai em um
equivoco próximo ao que ele critica. A sua concepção reproduz a visão de senso comum do
positivismo clássico, enquanto pensamento sempre equivocado e fetichista. Este é o grande
problema do termo senso comum. O senso comum é um produto da sociologia e do pensamento
científico. Assim, o pensamento científico, e o sociológico mais precisamente, produzem o termo
senso comum, seja como algo que deve ser descartado por ser falso, seja como algo presente na
realidade social e por isso verdadeiro. Mas o que temos aqui é uma produção de uma
indiferenciação. O senso comum é um bloco monolítico, uma unidade, seja verdadeiro ou falso8.
O senso comum é um bloco homogêneo, monolítico. Para Comte, Durkheim, Bachelard e
outros, um bloco homogêneo, monolítico, falso, e por isso deve ser superado pelo saber científico.
Esta construção busca distinguir o pensamento privilegiado dos intelectuais, dos cientistas, em
8
A única visão alternativa entre os que usam o termo senso comum é Gramsci (1987), mas que é um autor
que busca se inserir na tradição marxista e produziu seus escritos na prisão, sem poder realizar uma
pesquisa mais precisa do pensamento de Marx e sem poder utilizar, devido a isto, uma terminologia mais
adequada ao marxismo, razão pela qual o deixaremos de lado e o retomaremos mais à frente, quando
tratarmos das representações cotidianas.
relação ao saber desprivilegiado das “pessoas comuns”, ou, em outras palavras, o saber legítimo e
digno dos trabalhadores intelectuais contra o saber equivocado e nebuloso dos trabalhadores
manuais. Tarefa ingrata, pois ao mesmo tempo que realizou a crítica do chamado “senso comum”,
o reproduziu (Bauman, 1977). Para Husserl, Schutz e outros, o senso comum é um bloco
monolítico verdadeiro, um saber das essências tão legítimo quanto qualquer outro, inclusive o
filosófico e o sociológico (embora, como veremos adiante, também deva ser superado, tal como no
caso anterior). No entanto, ao fazer isto acaba, tal como a abordagem anterior, reproduzindo o
conhecimento cotidiano (Bauman, 1977):
“O mundo intersubjetivo da cultura de Schutz tende a produzir, a
perpetuar e a fortalecer a autonomia e a singularidade de cada membro
de uma entidade cognitiva. Schutz mostrou admiravelmente como a
singularidade dos membros é criada e continuamente recriada com a
mesma inevitabilidade que o durksonianismo atribuiu ao impacto
uniformizante da cultura. Os dois testemunhos incompatíveis da
experiência foram, portanto, reconciliados no plano cognitivo: lançado
num mundo cultural compartilhado, incapaz de escolhê-lo como um ato
de vontade, confrontando o seu mundo cultural como uma realidade
inescapável, o membro está ainda (devido mais a este fato do que apesar
dele) condenado a tornar-se e a permanecer um indivíduo único. É
precisamente a partilha das mesmas regras estruturais da percepção do
mundo que assegura a singularidade de cada experiência e de cada
mundo individual de significado” (Bauman, 1977, p. 105).
O que Bauman revela aqui e em outras passagens é a semelhança entre o positivismo
clássico e o positivismo fenomenológico9. Ambas as concepções são traduções do senso comum.
Tanto a sociologia de Durkheim e outros se revela uma reprodução da visão da sociedade como
“natural” – visão típica do senso comum, tal ele mesmo coloca – quanto à sociologia
fenomenológica que realiza uma crítica da sociologia positivista mas não do seu objeto10, e assim
também reproduz o senso comum. Assim, a crítica de Bauman é uma crítica do senso comum
enquanto fenômeno real, ao invés de ser uma crítica do senso comum enquanto fenômeno
9
Husserl mesmo reconhece o seu positivismo, afirmando que o fenomenólogo é o “único verdadeiro
positivista”: “se por ‘positivismo’ se entende o esforço, absolutamente livre de preconceito, para fundar
todas as ciências sobre o que é ‘positivo’, isto é, susceptível de ser captado de maneira originária, somos
nós que somos os verdadeiros positivistas” (apud. Dartigues, 1973, p. 31).
10
“O sistema schutziano existencialisticamente inspirado é (...), especificamente, uma crítica à sociologia e
não a seu objeto” (Bauman, 1977, p. 111).
ideológico. O senso comum é uma construção ideológica. É uma construção ideológica que se
revela tanto na sua oposição entre ciência/filosofia e senso comum, produto do elitismo intelectual
conservador, quanto no papel que cumpre no pensamento científico.
A oposição entre ciência e senso comum pode ser vista facilmente no tema da ruptura,
postulado por Comte, Durkheim e Bachelard, mas não é tão visível quanto na fenomenologia. Mas
se lembrarmos a epoché, a redução fenomenológica, é justamente o ultrapassar da atitude natural
que havíamos colocado anteriormente. Segundo Rabuske:
“A fenomenologia opera uma ruptura com as certezas que povoam
a consciência ‘ingênua’ do senso comum. Esta ruptura é uma redução
fenomenológica, um pôr-entre-parentesis (epoché) da adesão às
aparências e ao saber constituído das Ciências objetivantes. A ‘epoché’ a
suspensão da adesão irrefletida visa fazer aparecer uma relação mais
profunda, natural e imediata” (Rabuske, 1987, p. 121).
Tanto o positivismo clássico quanto o positivismo fenomenológico propõe a ruptura com o
senso comum. A diferença reside no fato de que no positivismo clássico a ruptura não é apenas
epistemológica (superação das ilusões do senso comum) como também expressa uma avaliação
negativa do senso comum enquanto que o positivismo fenomenológico a ruptura é apenas
epistemológica, incluindo, contraditoriamente, uma avaliação positiva do senso comum. A
contradição da fenomenologia reside no fato de considerar o senso comum verdadeiro e ao mesmo
tempo querer se desvencilhar dele, o que perde o sentido tendo em vista a primeira assertiva.
Assim, se o senso comum é verdadeiro, então por qual motivo “ultrapassá-lo”? Este é o dilema que
muitas concepções sociológicas e de outras ciências humanas ainda mantém: quando se trata de
discurso metodológico, o chamado “senso comum” é execrado, mas quando se trata de análises
científicas da cultura popular (“senso comum”...), ele é exaltado. A nível metodológico o senso
comum é falso, mas ao nível da pesquisa empírica é tido como verdadeiro e tal postura se encontra,
como veremos adiante, em Durkheim (1996), quando este irá abordar a questão das representações
coletivas.
Bauman critica a sociologia e enfatiza a crítica do objeto da sociologia sem perceber que este
objeto, no caso do senso comum, foi construído pela sociologia. A sociologia crítica esboçada por
ele, inspirada em Marx, critica a realidade social – a sociedade capitalista, após sua crítica da
sociologia em sua relação com o senso comum, mas não o senso comum, ou seja, este objeto
específico. A crítica ao senso comum dever ser, na verdade, uma crítica ao termo senso comum11.
Assim, o termo senso comum só existe no interior de um discurso positivista (clássico ou
qualquer outro), ideológico, e carrega o equívoco fundamental de ser apresentado como um bloco
monolítico. A temática, para utilizar expressão de Holton (1979) do senso comum é produto de
uma determinada concepção de saber, o positivismo, ligado a interesses sociais precisos. As
variações na abordagem deste “tema” é produto do desenvolvimento histórico do capitalismo.
Assim, os usos do termo senso comum sempre remetem à problemática positivista e estão inseridos
no conjunto de suas teses que lhe proporcionam um caráter monolítico. O conteúdo que se busca
expressar por este termo é muito mais rico do que os limites que ele impõe e por isso é preciso
partir de um novo conceito que consiga dar conta desta riqueza.
11
Não se trata somente do termo em si, pois termos semelhantes são abordados de forma idêntica ao do senso
comum, o que significa que o termo (expressão formal de um conteúdo) deve ser criticado e junto com o
ele o conteúdo que lhe é atribuído.
A ABORDAGEM DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
A abordagem das representações sociais surge na década de 60, mas tem como fonte
inspiradora a concepção durkheimiana de representações coletivas. É por isso que iniciaremos
nossa discussão sobre representações sociais partindo da abordagem durkheimiana.
Durkheim e as Representações Coletivas
A partir do final do século 19 e início do século, com o maior desenvolvimento das ciências
sociais (sociologia, antropologia, psicanálise, etc.) o tema do saber cotidiano deixou de ser visto
pelo prisma do “senso comum” enquanto pensamento falso e passa a ter uma nova interpretação. O
próprio termo senso comum começa a ser abandonado e substituído por outros, sendo que sua
utilização continuou forte, na área da epistemologia e filosofia (fenomenologia, especialmente). O
saber cotidiano passou a ser domínio temático de outras ciências sociais, além da psicologia (Tarde,
Le Bon), ganhando mais espaço também na sociologia, assim como na antropologia. A sociologia,
por sua vez, através de Durkheim, buscava consolidar a sociologia enquanto ciência autônoma e
específica. O próprio Durkheim foi um dos arquitetos da tese da ruptura entre ciência e senso
comum, em As Regras do Método Sociológico. No entanto, passado alguns anos, ele irá apresentar
uma nova discussão, já não no contexto da relação com o método sociológico, e no interior das
mudanças históricas acima apontadas.
Como colocamos anteriormente, o processo de desenvolvimento capitalista foi o responsável
por esta mudança de perspectiva, e juntamente com o desenvolvimento e consolidação das ciências
sociais, isto se torna ainda mais forte. É neste contexto que irá surgir a abordagem durkheimiana
das representações coletivas.
A obra de Moscovici que inaugura sua tese das representações sociais coloca o termo
representações coletivas, de Durkheim, como sua fonte inspiradora. Por este motivo iremos
apresentar uma breve discussão sobre a concepção durkheimiana de representações coletivas.
Como colocamos anteriormente, Durkheim foi um dos idealizadores da ruptura entre ciência
e senso comum, tal como se vê em As Regras do Método Sociológico, de 1895. Os seus textos nos
quais aborda as representações coletivas parecem realizar uma reviravolta em sua concepção
original.
O que são as representações coletivas? Durkheim realiza sua análise partindo de sua
sociologia da religião. A religião é uma forma de representações coletivas. As representações
coletivas pertencem ao real:
“É um postulado essencial da sociologia que uma instituição
humana não pode repousar sobre o erro e a mentira, caso contrário não
pode durar. Se não tivesse fundada na natureza das coisas, ela teria
encontrado nas coisas resistências insuperáveis. Assim, quando
abordamos o estudo das religiões primitivas, é com a certeza de que elas
pertencem ao real e o exprimem (...)” (Durkheim, 1996, p. VI-VII).
É por isso que ele afirma não existir religiões falsas, pois todas correspondem a determinadas
condições da existência humana, embora à sua maneira. Os primeiros sistemas de representações,
segundo Durkheim, possuem “origem religiosa” e por isso a sua compreensão contribui para o
entendimento das representações coletivas. As representações coletivas expressam realidades
coletivas, “estados da coletividade”, sendo “eminentemente social”. Elas dependem da forma como
a sociedade se organiza e constitui:
“As representações coletivas são o produto de uma imensa
cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para
criá-las, uma multidão de espíritos diversos associou, misturou,
combinou suas idéias e seus sentimentos; longas séries de gerações nelas
acumularam sua experiência e seu saber” (Durkheim, 1996, p. XXIII).
As representações coletivas são “fatos sociais” e, por conseguinte, são dotadas da mesma
objetividade destas. As representações coletivas possuem um caráter coletivo e sui generis. Elas
possuem como substrato a sociedade e esta, por sua vez, tem como substrato o “conjunto de
indivíduos associados”. Elas, como qualquer fato social, são exteriores às consciências individuais,
formam uma totalidade e, para Durkheim, o todo é mais do que a soma das partes. Elas formam
realidades parcialmente autônomas, atraindo, repelindo e sintetizando representações anteriores, o
que significa que as representações coletivas possuem como causas outras representações coletivas.
Esta concepção, comparada com a expressa em As Regras do Método Sociológico, parece
marcar uma mudança de perspectiva. Segundo alguns, Durkheim teria adotado uma nova postura,
uma espécie de “sociologia espiritualista”1. No entanto, consideramos que o mais adequado é
1
“A esta luz, a última parte da vida intelectual de Durkheim é surpreendente: desde 1907 até à sua morte,
nota-se uma orientação cada vez mais explícita que C. Bouglé justamente caracterizava: ‘o sociologismo
durkheimiano é um esforço para fundar e justificar de nova maneira as tendências espiritualistas. Isto não é
válido apenas para os textos reunidos por Bouglé em Filosofia e Sociologia, mas também para As Formas
considerar que, em que pese sua “inflexão idealista”, para utilizar expressão de Cuvillier (1975)2,
ele permanece com o mesmo ponto de vista, embora promovendo uma autonomização parcial das
representações.
Durkheim busca, em suas obras sobre representações coletivas, afastar a sua concepção de
diversas outras abordagens do conhecimento (psicologia, empiricismo, apriorismo, materialismo
histórico)3 e defender a objetividade da religião e das representações. O problema é que Durkheim
confunde veracidade com objetividade, tal como se vê nas suas afirmações sobre o seu
pertencimento ao “real”, ao fato das representações coletivas não se fundamentarem no “erro e na
mentira” e que são “realidades coletivas” que expressam “estados da coletividade”4. Isto pode ser
visto em algumas de suas afirmações:
“Todo o nosso estudo repousa no postulado de que esse sentimento
unânime dos crentes de todos os tempos não pode ser puramente ilusório.
Da mesma forma que um recente apologista da fé, admitimos, portanto,
que as crenças religiosas se baseiam numa experiência específica cujo
valor demonstrativo, num certo sentido, não é inferior ao das
experiências científica, embora diferente. Também pensamos que ‘uma
árvore se conhece por seus frutos’ e que sua fecundidade é a melhor
prova do que valem suas raízes. Mas do fato de existir, se quiserem, uma
‘experiência religiosa’ e de ele ater, de alguma maneira, fundamento (...)
não se segue de modo algum que a realidade que a fundamenta esteja
Elementares da Vida Religiosa e todos os outros textos do autor durante este último período” (Duvignaud,
1982, p. 35). Cf. também Bouglé (1970).
2
“Apesar desta inflexão idealista, Durkheim nunca renegou a explicação, pelo menos parcial, da ideologia e
do conhecimento pelo ‘substrato’ [social – NV], nem o papel da morfologia social. Apenas limita o seu
alcance” (Cuvillier, 1975, p. 32-33).
3
A sua tese da autonomia parcial das representações a distingue da psicologia, do empiricismo e do
materialismo histórico. Durkheim critica a abordagem psicológica que considera a consciência individual
um epifenômeno do sistema nervoso, colocando-a como “independente do seu substrato físico”, tal como
as representações coletivas são autônomas em relação às representações individuais (Durkheim, 1970);
critica o materialismo histórico por este considerar, segundo Durkheim, que as representações são um
epifenômeno da base econômica e retoma a idéia do caráter sui generis e autônomo das representações
coletivas; contra o empiricismo e o apriorismo defende o caráter social das representações coletivas
(Durkheim, 1996).
4
“Diz-se que a ciência nega a religião em princípio. Mas a religião existe, é um sistema de fatos dados, em
uma palavra, é uma realidade. Como poderia a ciência negar uma realidade?” (Durkheim, 1996, p. 476). O
argumento de Durkheim é mais problemático do que esclarecedor. Obviamente que, quando alguém afirma
que a “ciência nega a religião” quer dizer que contesta a veracidade de seus postulados e não sua
existência. Trataremos disto mais detalhadamente adiante, quando formos colocar os limites da abordagem
das representações sociais.
objetivamente de acordo com a idéia que dela fazem os crentes”
(Durkheim, 1996, p. 461).
Num primeiro momento, Durkheim diz que a religião (representações coletivas) “não pode
ser puramente ilusória” e que é “diferente”, e depois coloca que a idéia que os crentes fazem da
realidade não é necessariamente objetiva. Outras afirmações vão neste sentido:
“Os ritos mais bárbaros ou os mais extravagantes, os mitos mais
estranhos traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida,
seja individual ou social. As razões que o fiel concebe a si próprio para
justificá-los podem ser – e muitas vezes, de fato, são – errôneas; mas as
razões verdadeiras não deixam de existir; compete à ciência descobrilas” (Durkheim, 1996, p. VI-VII).
Assim, a visão do fiel pode ser e muitas vezes é errônea. Uma outra afirmação de Durkheim
retoma sua idéia contida em As Regras do Método Sociológico de afastar os preconceitos:
“Ora, contrariamente às aparências, constatamos que as
realidades às quais se aplica então a especulação religiosa são as
mesmas que servirão mais tarde de objeto à reflexão dos cientistas: a
natureza, o homem, a sociedade. O mistério que parece cercá-las é
completamente superficial e se dissipa ante uma observação mais
aprofundada: basta retirar o véu com que a imaginação mitológica as
cobriu para que se mostrem tais como são. Essas realidades, a religião
se esforça por traduzi-la numa linguagem inteligível que não difere em
natureza daquela que a ciência emprega; de parte a parte, trata-se de
vincular as coisas umas às outras, de estabelecer entre elas relações
internas, de classificá-las, sistematizá-las. Vimos até que as noções
essenciais da lógica científica são de origem religiosa. Claro que a
ciência, para utilizá-las, submete-as a uma nova elaboração; depura-as
de todo tipo de elementos acidentais; de uma maneira geral, em todos os
seus passos ela utiliza um espírito crítico que a religião ignora; cerca-se
de precauções para ‘evitar a precipitação e o juízo antecipado’, para
manter a distância as paixões, os preconceitos e todas as influências
subjetivas. Mas esses aperfeiçoamentos metodológicos não são
suficientes para diferenciá-la da religião. Sob esse aspecto, ambas
perseguem o mesmo objetivo: o pensamento científico é tão-só uma
forma mais perfeita do pensamento religioso. Parece natural, portanto,
que o segundo se apague progressivamente diante do primeiro, à medida
que este se torne mais apto a desempenhar a tarefa” (Durkheim, 1996, p.
475-476).
Desta forma, Durkheim apresenta o pensamento religioso é antecessor do pensamento
científico, mas este o depura, afasta os juízos antecipados, os preconceitos, as paixões, as
influências subjetivas. Pode parecer que Durkheim oferece um caráter religioso à ciência, mas é
justamente o contrário que faz: ele oferece um caráter científico (embora embrionário) ao
pensamento religioso, tornando esta um pensamento racional. Sem dúvida, este procedimento retira
a especificidade do pensamento religioso, tornando-o uma forma de conhecimento, predecessor da
ciência. Mas o que importa é que Durkheim mantém a necessidade da prática científica se pautar
pelo controle que o distancia das representações coletivas (senso comum).
Em síntese, Durkheim mantém, de forma amenizada, sua concepção anterior. As idéias de
Durkheim se desenvolvem a partir de seu projeto de construir uma “ciência da sociedade”, a
sociologia, e daí ter que buscar legitimar o seu objeto de estudo, dotando-lhe de objetividade. Daí
sua idéia de fato social e sua extensão às representações coletivas, pois ele amplia cada vez mais os
fenômenos abarcados por sua sociologia. As representações coletivas são tão “objetivas” quanto
qualquer outro fato social. Durkheim consegue distinguir sua concepção de outras e garantir, ao
mesmo tempo, a objetividade (via autonomização) das representações coletivas. Em As Regras do
Método Sociológico Durkheim estava preocupado em construir os fundamentos metodológicos da
sociologia e em legitimar esta nova ciência e por isso a demarcação da necessidade de ruptura com
o senso comum. Nos textos sobre representações coletivas, Durkheim se ocupa de um novo objeto
de estudo, o que faz tratá-lo como um fato social, dotado de objetividade e autonomia. A única
mudança efetiva se encontra na sua radicalização da autonomia e importância das representações
coletivas.
Moscovici e as Representações Sociais
A emergência e difusão da chamada “teoria das representações sociais” colocam novas
questões para a teoria da sociedade. O que são representações sociais? Qual sua relação com a
realidade social? Estas são questões antigas e que foram discutidas com outras linguagens (idéias,
consciência, visão de mundo, conhecimento vulgar, ideologia etc.) tanto pela filosofia quanto pelas
ciências sociais, perpassando também diversas outras formas de pensamento.
Coube a Serge Moscovici o papel de elaborar a chamada teoria das representações sociais,
que teve diversos desdobramentos. Podemos falar em pré-história da “teoria das representações
sociais”, retomando as idéias de Le Bon, Wundt etc. (Farr, 1997) ou então os clássicos da
sociologia (Minayo, 1997). Mas tal idéia surge efetivamente com Moscovici (1978). O parentesco
da concepção de Moscovici com a idéia de representações coletivas de Durkheim é visível, e o
próprio Moscovici reconhece ser esta a fonte de sua inspiração. Porém, representações coletivas e
representações sociais não são a mesma coisa, apesar de sua proximidade.
As representações coletivas se referem às tradições5, e são homogêneas, enquanto que a idéia
de representações sociais apresentada por Moscovici deixa claro o seu caráter marcado pela
diversidade e pelo dinamismo. Esta diferença é provocada pelo fato de que, segundo os adeptos da
“teoria das representações sociais” (Farr, 1997; Guareschi, 1997; Sá, 1995), as representações
coletivas são produzidas nas sociedades simples e as representações sociais são produzidas nas
sociedades contemporâneas e por isso trazem em si as características destas sociedades. Vejamos o
que diz R. Farr:
“Moscovici afirma que a noção de representação coletiva de
Durkheim descreve, ou identifica, uma categoria coletiva que deve ser
explicada a um nível inferior, isto é, em nível da psicologia social. É aqui
que surge a noção de representação social de Moscovici. Ele também
julga mais adequado, um contexto moderno, estudar representações
sociais do que estudar representações coletivas. O segundo conceito era
um objeto de estudo mais apropriado num contexto de sociedades menos
complexas, que eram do interesse de Durkheim. As sociedades modernas
são caracterizadas por seu pluralismo e pela rapidez com que as
mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem. Há, nos dias de
hoje, poucas representações que são verdadeiramente coletivas” (Farr,
1997, p. 44-45)6.
5
6
Tradições, aqui, significa o conjunto de representações que são passados de geração a geração.
“Moscovici tinha consciência que o modelo de sociedade de Durkheim era estático e tradicional, pensando
para tempos em que a mudança se processava lentamente. As sociedades modernas, porém, são dinâmicas
e fluidas. Por isso o conceito de ‘coletivo’ apropriava-se melhor àquele tipo de sociedade, de dimensões
mais cristalizadas e estruturadas. Moscovici preferiu preservar o conceito de representação e substituir o
conceito ‘coletivo’, de conotação mais cultural, estática e positivista, com o de ‘social’: daí o conceito de
Representações Sociais” (Guareschi, 1997, p. 196). Veja também Sá (1995) e Moscovici (1978).
Mas o que são as representações sociais? Elas podem ser compreendidas como fenômeno
(objeto de estudo), como teoria (no sentido de explicação científica do fenômeno) e como
“metateoria” (a discussão em torno da teoria):
“As representações sociais são ‘teorias’ sobre saberes populares e
do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a
finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os
indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações
que, sem dúvida, modificam os dois. De Rosa distingue entre três níveis
de discussão e análise das RS: nível fenomenológico – as RS são um
objeto de investigação. Esses objetos são elementos da realidade social,
são modos de conhecimento, saberes do senso comum que surgem e se
legitimam na conversação interpessoal cotidiana e têm como objetivo
compreender e controlar a realidade social; nível teórico – é o conjunto
de definições conceituais e metodológicas, construtos, generalizações e
proposições referentes às RS; nível metateórico – é o nível das discussões
sobre a teoria. Neste colocam-se os debates e as refutações críticas com
respeito ao postulado e pressupostos da teoria, juntamente a uma
comparação com modelos teóricos de outras teorias” (Oliveira & Werba,
1998, p. 105-106).
Porém, consideramos estas três dimensões da expressão como inadequadas, pois seria o
mesmo que dizer que a sociedade é, ao mesmo tempo, o fenômeno, a sua teoria e a sua
epistemologia. Tal procedimento não possui legitimidade, pois significaria fundar uma nova
ciência – a ciência das representações sociais – que teria objeto e métodos próprios (aliás, este é o
motivo de tal concepção não definir sua filiação seja à psicologia seja à sociologia). Podemos dizer
que as representações sociais são fenômenos sociais e a teoria de um fenômeno não se confunde
com ele e nem é denominado como ele, ou seja, as representações são uma coisa e a explicação (ou
“teoria”) é outra coisa, assim como o Estado não é a mesma coisa que a Teoria do Estado e a
sociedade não é a mesma coisa que a sociologia. Isto é mais verdadeiro ainda no que se refere à
epistemologia.
Devemos, pois, buscar outros elementos para compreender as representações sociais.
Moscovici, em seu livro fundador da concepção, define representações sociais apenas como o
fenômeno. São os continuadores e colaboradores que irão buscar enquadrar outros elementos na
definição7. O que, do nosso ponto de vista, complica muito mais do que resolve. Assim,
consideramos, tal como Moscovici, que representações sociais se refere apenas ao fenômeno,
enquanto que reconhecemos que também existe o termo (ou “conceito”) de representações sociais e
a teoria (ou ideologia) das representações sociais, mas que são coisas distintas.
Assim temos: representações sociais = fenômeno, isto é, o objeto concreto de estudo, no
caso, o saber cotidiano/representações cotidianas; termo de representações sociais = definição do
fenômeno, expressão conceitual do fenômeno, ou seja, o construto elaborado pela abordagem das
representações sociais, um “conceito”; abordagem das representações sociais = abordagem do
fenômeno, isto é, alguns elementos, terminológicos, metodológicos e de análise utilizados para
abordar o fenômeno8.
A partir destas considerações podemos avançar em nossa discussão sobre as representações
sociais. Segundo Moscovici e outros pesquisadores que trabalham com este termo (Moscovici,
1978; Farr, 1997; Guareschi, 1997; Oliveira & Werba, 1998; Sá, 1995), as representações sociais
são as formas de consciência que são chamadas geralmente de “populares” ou “senso comum”.
Moscovici afirma que as representações sociais são objetos (de estudo) que está inscrito
numa realidade dinâmica e ativa. As representações sociais são concebidas parcialmente pelas
pessoas ou pela coletividade, como se fossem um “prolongamento do comportamento”. Elas só
existem, para seus produtores, devido ao papel que cumprem: permitem conhecer o
comportamento, são expressões de sua atitude frente aos objetos que lhes cercam. Daí sua
capacidade criativa, destacada por Moscovici.
As representações sociais não são “opiniões sobre”, “imagens de” e sim “teorias”, “ciências
coletivas” sui generis, “destinadas à interpretação e elaboração do real” (Moscovici, 1978, p. 50).
As representações sociais tornam familiar e presente o que é estranho e ausente. As representações
são sempre representações “de alguma coisa”, formam “universos de opinião”, que são tantos
quanto as classes, culturas e grupos. Cada universo de opinião possui três dimensões: a) informação
– ela organiza os conhecimentos de um grupo; b) campo de representação – é o “conteúdo concreto
e limitado das proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto das representações”
7
8
Veja exemplo de Sá: “O termo representações sociais designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o
conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos
psicossociológicos” (Sá, 1995, p. 19).
Utilizamos o termo “abordagem” ao invés de “teoria”, utilizada pelos representantes desta concepção,
porque consideramos uma teoria como sendo uma explicação da realidade, o que não ocorre neste caso,
havendo, na verdade, como colocaremos adiante, descrição. Daí chamarmos de abordagem das
representações sociais e não teoria das representações sociais.
(Moscovici, 1978, p. 69); c) atitude: significa a orientação global em relação ao objeto da
representação.
Mas até aqui o que Moscovici apresentou foi o caráter “psicológico” das representações,
falta, portanto, destacar o seu aspecto social. Moscovici afirma que uma representação é social por
ter a “dimensão dos grupos sociais” mas que isto é superficial, sendo preciso ir além desta
constatação:
“Para qualificar uma representação de social não basta definir o
agente que a produz. Tampouco nos mostra, ficou agora claro, em que
ela se distingue de outros sistemas que são igualmente coletivos. Saber
‘quem’ produz esses sistemas é menos instrutivo do que saber ‘por que’
se produzem. Em outras palavras, para se poder apreender o sentido do
qualificativo social é preferível enfatizar a função a que ele corresponde
do que as circunstâncias e as entidades que reflete. Esta lhe é própria, na
medida em que a representação contribui exclusivamente para os
processos de formação de condutas e de orientação para as
comunicações sociais” (Moscovici, 1978, p. 77).
As representações sociais são criadas para tornar o não-familiar em familiar. Segundo
Moscovici, “o propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a
própria não familiaridade, em familiar” (apud. Sá, 1995, p. 35). Esse processo de “familiarização” é
realizado através da “objetivação” e da “amarração”. A objetivação busca tornar real, concreto,
através de imagens, um esquema conceptual. A objetivação realiza um duplo esforço, tal como
coloca Moscovici no contexto de sua análise das representações sociais da psicanálise:
“O primeiro (...) é um salto no imaginário que transporta os
elementos objetivos para o meio cognitivo e prepara para eles uma
mudança fundamental de status e função. Naturalizados, julga-se que o
conceito de complexo ou de inconsciente reproduzem a fisionomia de
uma realidade quase física. O caráter intelectual do sistema em que eles
participam perde importância; o mesmo ocorre com o aspecto social de
sua extensão. O segundo esforço é de classificação, que coloca e
organiza as partes do meio ambiente e, mediante seus cortes, introduz
uma ordem que se adapta à ordem preexistente, atenuando assim o
choque de toda e qualquer nova concepção” (Moscovici, 1978, p. 113).
A amarração, também chamada de ancoragem, significa a integração do objeto representado
em um sistema de representações pré-existentes, que o converte num instrumento de que passa a
dispor e o coloca numa escala de preferência, transformando-o em “quadro de referência” e “rede
de significações” (Moscovici, 1978; Sá, 1995).
As representações sociais não são todas as formas de conhecimento. Moscovici distingue
duas classes de pensamento: os universos consensuais e os universos reificados. As representações
sociais pertencem ao primeiro universo, enquanto que a ciência e o pensamento erudito pertencem
ao segundo universo. Estes “universos consensuais” são “lugares onde todos querem se sentir em
casa, a salvo de qualquer risco de atrito e disputa” (Moscovici, apud. Sá, 1995, p. 36). O que é dito,
nas representações sociais, busca confirmar as crenças e interpretações estabelecidas, reforçando as
tradições.
Moscovici opõe, assim, os “universos consensuais” (saber cotidiano ou representações
sociais) aos “universos reificados” (ciência, pensamento erudito) ou, segundo outras expressões
utilizadas por ele, o pensamento natural e o pensamento científico.
Moscovici coloca como características das representações sociais (pensamento natural): a) a
dispersão da informação: os dados são insuficientes e superabundantes; b) a focalização: a atenção
é voltada especificamente sobre um objeto; c) a pressão para a inferência: que provoca “inflexões e
desvios no desenrolar de operações intelectuais” (Moscovici, 1978, p. 252), pois a necessidade
constante de responder postas pelas circunstâncias produz efeitos, tais como: a adoção de um
código estável, fórmulas aceitas, lugares comuns, etc.
O pensamento científico (como o filosófico e todo o pensamento que tem como objetivo a
“apreensão de categorias”) coloca, segundo Moscovici, dois sistemas em ação: a) o sistema
operatório, que realiza associações, inclusões, discriminações e deduções; b) metassistema: que
controla, verifica e seleciona com o auxílio de regras (lógicas ou não), isto é, reelabora a matéria
produzida pelo sistema operatório.
“O mesmo ocorre com o pensamento natural, salvo uma diferença,
a saber: no metassistema, as relações que o constituem são, habitual e
primordialmente, relações normativas. Em outras palavras, temos de um
lado relações operatórias e de outro relações normativas que controlam,
verificam e dirigem as primeiras. Os valores ou princípios normativos
estão necessariamente ordenados” (Moscovici, 1978, p. 256).
Apresentamos, assim, resumidamente, a concepção de Moscovici a respeito das
representações sociais. Alguns elementos serão aprofundados adiante, quando formos apresentar os
limites da abordagem das representações sociais.
Os Limites da Abordagem das Representações Sociais
Antes de colocarmos os limites da abordagem das representações sociais iremos apresentar o
contexto histórico do seu nascimento e desenvolvimento.
Uma melhor compreensão da obra de Moscovici (e seus desdobramentos através de seus
colaboradores) pode ser conquistada através da contribuição de Bourdieu. A idéia de competição e
luta pelo monopólio no mundo científico contribui bastante para isto:
“O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre
posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de
uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é
o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável,
como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio
da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e
de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade),
que é socialmente outorgada a um agente determinado” (Bourdieu, 1994,
p. 122-123).
Segundo Bourdieu, o campo científico produz uma forma específica de interesse.
O
interesse reside justamente na busca do monopólio ou da autoridade. As práticas no interior do
mundo científico se orientam para a aquisição de autoridade científica e isto se revela no interesse
por uma atividade científica – seja uma disciplina, um setor dela, um método, etc.
É neste contexto que se insere também a questão das escolas e correntes de uma dada
ciência. Os estudos de Coulon (1995; 1995b) sobre a Escola de Chicago e Etnometodologia são
esclarecedores, pois, embora estas obras tenham caráter meramente descritivo, é apresentado ao
leitor a formação, difusão e estratégias na formação de “escolas” e “correntes”.
Assim, como coloca Greimas (1976) o discurso científico realiza a “narrativa da descoberta”,
e é por isso que a “originalidade” vai ganhar tanta importância (Bourdieu, 1994). A Abordagem das
representações sociais está envolvida nesta dinâmica. Robert Farr, colaborador de Moscovici, é
bastante claro em história da abordagem das representações sociais. Moscovici representa uma
forma sociológica de psicologia social que entra em contradição com a forma psicológica,
predominante nos Estados Unidos. São duas concepções concorrentes:
“Desde o início, a teoria das representações sociais de Moscovici
se constituiu numa importante crítica sobre a natureza individualizante
da maior parte da pesquisa em psicologia social na América do Norte.
Isso está claro na sua revisão da pesquisa sobre atitudes e opiniões [feita
em 1963 – NV]. Ele ataca a esterilidade da maioria das enquetes de
opinião pública. Considera toda essa área da pesquisa como mera
‘coleta de informação’. Do ponto de vista do desenvolvimento da
psicologia social, ela é um beco sem saída. Ela pode ser
metodologicamente sofisticada e refinada, mas ela é teoricamente estéril.
Moscovici suspirou pelo dia em que as representações sociais pudessem
substituir as opiniões e imagens, pois estes termos são demasiados
estáticos e descritivos” (Farr, 1997, p. 49).
Farr coloca que o processo de “individualização da psicologia social” realizada nos EUA
provoca uma “difícil coexistência” entre as “duas formas rivais de psicologia social” (Farr, 1997, p.
33).
Assim, a tese de Moscovici vem para abrir um espaço novo, um novo domínio temático (as
representações sociais) e uma nova abordagem deste domínio, o que lhe faz tentar garantir a
descoberta e originalidade. Mas a tese de Moscovici, como veremos adiante, não é tão original
assim, pois Durkheim (1996) e Marx, tal como colocaremos adiante, já havia desenvolvido teses
semelhantes e inclusive mais complexas do que as de Moscovici. Moscovici realiza um “escotoma
cultural e histórico” na esfera da ciência9.
9
Sacks utiliza a idéia neurológica de escotoma (“esquecimento”) para explicar lacunas, esquecimentos,
hiatos, no desenvolvimento do pensamento científico (Sacks, 1997). A contribuição de Marx e de
Durkheim foi escotomizada por Moscovici, no primeiro caso sem fazer nenhuma referência (em seu texto
inaugural da abordagem das representações sociais) e no segundo por marcar uma diferenciação inexiste na
realidade, o que demarcaria sua originalidade, tal como Darwin fez com Lamarck (Viana, 2002b). Isto é
mais visível ainda quando se sabe que Moscovici sempre teve proximidade com as idéias marxistas e que
no primeiro semestre de 1962 participou de um debate da Revista Arguments, em co-autoria com Claude
Fauchex, no qual comenta texto de Georges Lapassade e Edgar Morin e aborda a relação entre psicologia
social e marxismo, citando Marx, Lênin, Plekhânov, Gramsci, e outros marxistas (Moscovici & Fauchex,
2001). Embora o texto sobre representações sociais da psicanálise tenha sido publicado no ano anterior,
isto deixa claro o conhecimento de Moscovici a respeito da obra de Marx e de diversos marxistas, que
certamente não foi produto de um estudo de um semestre.
Obviamente, que tais lutas no mundo científico, como coloca Bourdieu (1994), não estão
desligadas das lutas políticas e pelo poder. A época da produção das representações sociais marca a
continuidade de um período de estabilidade relativa do capitalismo, só rompida no final da década
de 60 e início da década de 70, o que justifica, tal como coloca Sawaia (1995), a busca de conceitos
mais (sic) neutros. A ciência do final do século 20, a partir do final da Segunda Guerra Mundial,
torna-se cada vez mais profissional e mais desligada das lutas sociais, provocando um
conservadorismo crescente. Somente em períodos de ruptura social é que ela recebe um banho de
criticidade, tal como no final dos anos sessenta e início dos setenta. É neste contexto conservador
que surge a abordagem das representações sociais e ocorre o seu desenvolvimento.
Passemos, agora, à crítica da abordagem das representações sociais. Iremos criticar alguns
pontos desta concepção, a saber: a) a sua utilidade para a pesquisa social, o que está relacionado
com a originalidade ou novidade da concepção; b) a falta de sistematicidade da concepção, o que
está relacionado com a definição e análise do fenômeno das representações, bem como com o
caráter puramente descritivo desta abordagem.
Comecemos pela originalidade ou novidade da concepção. O ponto forte da abordagem das
representações sociais reside no próprio fenômeno que é seu “objeto de estudo”. As representações
sociais são consideradas como a visão contemporânea do senso comum10.
Porém, inúmeras outras palavras podem ser consideradas equivalentes, tais como: idéias,
visões de mundo, consciência, conhecimento vulgar, saber popular, consciência coletiva,
conhecimento comum, cultura popular, ideologia (além dos próprios termos senso comum,
representações e representações coletivas, dependendo de como se concebe este último termo) etc.
Além disso, a concepção de Moscovici de representações sociais é idêntica à concepção
durkheimiana de representações coletivas. Vejamos as diferenças apontadas entre estas duas
concepções. A diferença básica e que é constantemente re-colocada é a de que as representações
coletivas são representações das sociedades simples e as representações sociais das sociedades
complexas. No entanto, outras diferenças são apontadas. Segundo Sá (1995), as diferenças entre as
duas concepções são as seguintes: a) representações coletivas: ampla e heterogênea forma de
conhecimento; representações sociais: uma modalidade específica de conhecimento que elabora
comportamentos e comunicação entre indivíduos; b) representações coletivas: estática;
10
Moscovici, em um artigo posterior ao livro A Representação Social da Psicanálise, oferece a seguinte
definição de representações sociais: “por Representações Sociais queremos indicar um conjunto de
conceitos, explicações e afirmações que se originam na vida diária no curso de comunicações
interindividuais. São o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades
tradicionais; poder-se-ia dizer que são a versão contemporânea do senso comum” (apud. Leme, 1995, p.
47).
representações sociais: dinâmica; c) representações coletivas: dados, entidades explicativas
absolutas, sem necessidade de análise; representações sociais: fenômeno que deve ser explicado
(Sá, 1995, p. 23). A estas diferenças poderia se acrescentar à questão de que Moscovici trabalha
com grupos e Durkheim com a sociedade como um todo (Moscovici, 1978).
No entanto, tais considerações são questionáveis. A primeira diferenciação entre
representações coletivas e representações sociais não foi fundamentada em lugar algum, além do
que, algo tão genérico como “elaborar comportamentos e comunicação entre os indivíduos”
também estar presente na concepção durkheimiana, embora não seja explicitado nestes termos
(“não com estas palavras”). Aliás, como veremos mais detalhadamente adiante, o específico das
representações sociais não é, na verdade, tão específico assim.
A segunda diferenciação, que apresenta o caráter estático das representações coletivas e o
caráter dinâmico das representações sociais, não se sustenta. Durkheim apresenta uma concepção
de representações que não se limita às sociedades simples, tal como coloca Moscovici, embora o
seu exemplo básico tenha sido o totemismo, a “religião primitiva”, ele concebe a religião moderna
e outras concepções como sendo representações coletivas, bem como se desenvolvendo na história,
o que significa que possuem dinamismo (Durkheim, 1996), e só assim se pode entender o que ele
quer dizer quando afirma que as representações novas são derivadas de representações anteriores
(Durkheim, 1970).
A terceira diferenciação carece de sentido, pois a abordagem das representações sociais não
é explicativa, tal como colocaremos adiante, e sim descritiva. Se a considerarmos explicativa, a
abordagem de Durkheim também deveria sê-lo.
A quarta diferenciação entra na questão da pluralidade do pensamento: “Na medida em que
ele não aborda frontalmente nem explica a pluralidade de modos de organização do pensamento,
mesmo que sejam todos sociais, a noção de representação perde, nesse caso, boa parte de sua
nitidez” (Moscovici, 1978, p. 42). Moscovici também não realiza isto que cobra em Durkheim,
nem se se considerar que tal pluralidade é derivada dos diferentes grupos sociais que produzem
representações nem se se considerar os “tipos de conhecimento”, pois neste caso Moscovici só
distingue, em A Representação Social da Psicanálise, as representações sociais e o pensamento
científico, tal como Durkheim só aponta, em As Formas Elementares da Vida Religiosa, a
semelhança entre representações coletivas e ciência, distinguindo-as ao mesmo tempo. No que se
refere aos grupos sociais, Durkheim coloca sua existência11 e se nos textos sobre representações
coletivas não aprofunda, se encontra passagens sobre isto em outras obras.
Mas, se Moscovici pretendia realizar uma análise específica, dinâmica, explicativa e
reconhecendo sua pluralidade, resta saber por qual motivo deixou de lado Marx e os marxistas que
desenvolveram algumas de suas teses relativas à questão das representações? Assim, temos em
Marx outro pensador que já havia apresentado várias teses depois defendidas por Moscovici.
A existência de diversas palavras com sentidos equivalente ou semelhante coloca em
evidência a seguinte questão: se surge a proposta de utilização de uma nova expressão (no caso,
representações sociais), então ela deve ter uma razão de ser (uma motivação) e deve significar
algum avanço ou proporcionar alguma vantagem, seja de qualquer ordem, ao pesquisador.
Qual é a vantagem da adoção do termo representações sociais? Na verdade, não há nada que
justifique ou legitime tal modificação. Por isso, torna-se necessário o questionamento desta
concepção, principalmente quando constatamos que o seu núcleo já foi elaborado e desenvolvido
pela teoria marxista, tal como veremos adiante. Isto é apenas mais uma confirmação da famosa
afirmação de Sartre, segundo a qual toda tentativa de superação do marxismo significa uma volta
ao pré-marxismo ou um desenvolvimento de uma idéia já contida nele (Sartre, 1967). A chamada
“teoria das representações sociais” se encontra neste último caso.
Encontramos um autor que realiza uma crítica semelhante a esta. Trata-se de G. Jahoda, que
em 1988 publicou um artigo no European Journal of Social Psychology, intitulado Critical Notes
and Reflections on Social Representations, colocando que “já que não se trata de algo tão novo
assim, poderia ser encampado, com vantagens, por teorias melhor estabelecidas” (Leme, 1995).
Mas a falta de “novidade” e apenas um item dos limites da abordagem das representações
sociais. Tendo em vista isto, iremos realizar, a partir de agora, uma crítica de outros elementos
problemáticos contidos na abordagem das representações sociais e posteriormente iremos abordar a
concepção de Marx e de alguns de seus continuadores a respeito do que denominamos
representações cotidianas.
Já iniciamos nossas críticas à teoria das representações sociais quando colocamos que suas
idéias fundamentais já estão presentes em Marx e seus continuadores, bem como Durkheim, mas
tal concepção possui ainda alguns limites que não se encontram na concepção marxista e é isso que
iremos discutir agora.
11
“As representações que são a trama dessa vida, originam-se das relações que se estabelecem entre os
indivíduos assim combinados ou entre os grupos secundários que se intercalam entre o indivíduo e a
sociedade total” (Durkheim, 1970, p. 33).
Outro problema desta concepção se encontra em sua falta de sistematicidade, tal como vários
críticos já colocaram (Leme, 1995; Spink, 1995; Spink, 1997; Sá, 1995). No entanto, o próprio
Moscovici já havia percebido esta fraqueza em sua abordagem das representações sociais:
“No decorrer do presente estudo, tratamos as representações
sociais como modos de conhecimento autônomos. O fato de engendrarem
linguagens próprias é um dos sinais de sua especificidade. Podemos
encontrar outros sinais partindo de nossas entrevistas. Tal incursão,
estamos conscientes disso, não redundaria em conclusões seguraras e
precisas. Mas tampouco seria complemente inútil. Com efeito, a
exploração fenomenológica do discurso das pessoas que refletiram
perante nós acerca da Psicanálise é suscetível de esclarecer um domínio
tão mal conhecido quanto o do pensamento concreto, real, dos
indivíduos, a propósito de um objeto social. Não queremos, nesta
oportunidade, formular o catálogo das distorções, dos desvios da lógica
formal e das principais incoerências. Numerosas experiências foram
consagradas à demonstração de tais desvios e servem para alimentar os
preconceitos referentes ao caráter ‘ilógico’ ou ‘irracional’ dos
raciocínios correntes. Entretanto, se refletirmos bem, uma sistematização
minuciosa, uma busca compulsiva de coerência também podem ser a
manifestação nos indivíduos – e por que não nos grupos? – de sérias
deficiências epistemológicas e patológicas” (Moscovici, 1978, p. 248).
Aqui Moscovici reconhece que a) sua incursão não levaria a “conclusões seguras e precisas”
e b) que não era seu propósito apresentar as “distorções” e “incoerências” das representações
sociais e conclui que c) a busca de coerência e sistematização minuciosa pode ser a manifestação
de “deficiências epistemológicas e patológicas”. No primeiro momento temos o reconhecimento da
falta de sistematicidade da própria abordagem, que não chega a conclusões seguras. Num segundo
momento temos um reconhecimento de que não era objetivo da pesquisa reconhecer a falta de
sistematicidade das representações sociais. Num terceiro e último momento, temos uma defesa da
falta de sistematicidade de ambas: a busca de sistematização agora se transformou em manifestação
de “sérias deficiências epistemológicas e patológicas”12. Desta forma, está legitimado e justificado
a falta de sistematicidade da abordagem das representações sociais.
Moscovici e a abordagem das representações sociais recebem várias críticas. Harré, por
exemplo, fala da imprecisão do termo “social” e diz que Moscovici aborda apenas “grupos
taxionômicos” ao invés de grupos estruturados. Potter e Linton criticam a tese do consenso e vários
criticam a falta de clareza do conceito de representações sociais (Leme, 1995).
As respostas a estas críticas não demonstraram capacidade de resolver as questões. Mas é
preciso ir além das críticas. Por exemplo, a questão do social. O social em Moscovici está
relacionado muito mais com o objetivo (ou, como ele diz, “função”): as representações são sociais
por buscarem formar comportamento, orientar a comunicação, tornar o não-familiar em familiar13.
Do ponto de vista da constituição de uma representação, toda as representações são sociais,
mesmo as individuais. Um indivíduo é formado socialmente – via processo de socialização – e esta
formação lhe proporciona a linguagem, forma social, meio de comunicação, e as representações.
Assim, as representações dos indivíduos são representações sociais e é por isso que as entrevistas
são feitas com indivíduos, pois eles são os portadores das representações sociais. Neste sentido,
dizer que uma representação é social é um truísmo.
A afirmação de que uma representação é social por ser produzida por um grupo é mais
inteligível, embora o ideal, nesse caso, fosse falar em “representação grupal”. Mas não é neste
sentido que Moscovici trabalha, pois, embora trabalhe com grupos (geralmente taxionômicos,
como coloca Harré), não é este o motivo que qualifica as representações de sociais.
Assim, resta a conotação dada pelo próprio Moscovici, uma representação é social devido
sua função. Ora, a função ao qual Moscovici fala (comunicação e comportamento) é comum a
todas as representações, pois qual representação não objetiva comunicar ou formar
comportamento? O pensamento científico seria puramente contemplativo se não visasse a
12
No que se refere ao saber cotidiano, a exigência de sistematização é questionável, mas no que se refere ao
pensamento científico, que um dos seus elementos definidores, é necessária e “séria deficiência
epistemológica” está em recusá-la.
13
“Diz ele (Harré – NV) que se sente completamente desconcertado com o que significa social para a escola
francesa, da qual se considera um ardente admirador. Aponta para uma tripla ambigüidade quando a noção
é usada para qualificar uma representação: indicaria que a representação é de algo social, ou ainda que a
representação, enquanto uma entidade, é ela mesma social e, por último, seria social por estar distribuída
em um grupo, isto é, o que cada membro tem é igual ao que cada outro membro individual do grupo tem”
(Leme, 1995, p. 54). Este autor considera isto um erro, pois o sentido correto do social seria “algo é social
porque se realiza coletivamente no grupo, cada membro tendo parte do que é necessário mas que só passa a
existir quando todo o grupo se intercomunica, distribui papéis, etc.” (Leme, 1995, p. 54). Daí ele afirmar
que o estudo de Moscovici e da maioria dos adeptos da abordagem das representações sociais se dedicar
aos grupos taxionômicos, derivados de uma classificação artificial, e não de grupos estruturados, baseados
em deveres, direitos, laços biológicos, etc.
comunicação e a ação. A teologia, a filosofia, a religião, etc., também. Enfim, esta definição não
define nada. O outro elemento da definição, “tornar familiar o não-familiar” também, da forma
como é concebida por Moscovici, não está ausente das várias outras formas de saber. O mito, por
exemplo, busca tornar os fenômenos naturais familiares, considerando-os ação de agentes
sobrenaturais.
Aqui entramos na falta de clareza do conceito de representações sociais apontados por alguns
pesquisadores:
“Tanto Potter e Linton como Jahoda consideram a falta de clareza
do conceito e também das teorias das representações. Moscovici
responde da seguinte maneira: ‘vários autores me recriminam por ser
vago e me recusar a definir o significado das Representações Sociais.
Poderia citar vários textos de Bacon a Freud que sustentariam o valor de
minha posição. Mas minha recusa também representa um modo de
assumir posição contra uma tendência de dar definições fáceis. Quando
se pensa nos conceitos de esquema ou atribuição, poder-se-ia dizer que
foram definidos adequadamente?’. Também em sua resposta a Jahoda
indaga: ‘será que alguém sabe uma definição para conceitos gerais
como consciência coletiva, classe social, mito?’”(Leme, 1995, p. 55).
Moscovici não consegue dar uma resposta satisfatória. Apelar para textos de Bacon e Freud é
apenas utilizar argumento de autoridade e ir contra a recusa de “definições fáceis” não faz ninguém
se omitir de dar “definições difíceis”, sob o pretexto de recusas fáceis de definição. Sem dúvida, os
conceitos de consciência coletiva, classe social e mito já tiveram suas definições. Mas para se fazer
isso é preciso algo que precisamente falta à abordagem das representações sociais: a visão da
totalidade. Esta abordagem fica presa nas representações sociais como objeto isolado e sem filiação
a uma teoria mais ampla. Assim, a abordagem das representações sociais possui um problema
metodológico grave, a falta de uma concepção abrangente da sociedade e o isolamento das
representações sociais, o que retira a capacidade explicativa desta abordagem, tal como
colocaremos adiante.
Agora iremos brevemente abordar a questão do consenso:
“A questão do consenso é outra dificuldade apontada pelos
autores [Potter e Linton – NV]: mencionar uma representação não
significa que seja efetivamente usada. As diferenças dentro do grupo
desaparecem quando se usam médias. O consenso parece ser algo
pressuposto na análise empírica e não se permite que surja por meio da
análise. Além do mais, os procedimentos de codificação de resposta não
levam em conta que as representações variam segundo o contexto, como
afirma o próprio Moscovici. Essa desconsideração é que permite que os
autores estabeleçam a Representação Social tal e qual” (Leme, 1995, p.
55).
Na verdade, em nível de sociedade, as representações não são consensuais e por isso não há
sentido em dizer que constituem “universos consensuais”, o que só ocorreria em sociedades
simples ou em grupos homogêneos. Mesmo em se tratando de representações em grupos não se
sustenta a idéia de que são consensuais. O próprio Moscovici fornece informações sobre isto em
sua pesquisa sobre a Representação Social da Psicanálise, tal como se vê na divergência entre
católicos e comunistas (Moscovici, 1978). Ou seja, a questão do consenso depende do universo
pesquisado e em se trata da sociedade em sua totalidade, as representações não são consensuais.
Por conseguinte, o saber cotidiano não pode ser considerado consensual, tal como postula a
abordagem das representações sociais.
Outra questão consiste no fato de que a concepção de Moscovici e dos representantes da
abordagem das representações sociais acaba se revelando puramente descritiva, apesar de algumas
afirmações em contrário. Ora, o que constitui uma explicação e qual sua diferença em relação à
descrição? Comecemos pela definição de explicação:
“O ato de explicar é aquele no qual o indivíduo comunica aos
outros o que é o fenômeno, o que pressupõe a descoberta de suas
determinações. Assim, a explicação pressupõe a capacidade de
exteriorização, o que significa um domínio sobre as determinações do
fenômeno, o que permite compartilhá-lo com os outros seres humanos.
(...) Esta explicitação das determinações de um fenômeno requer uma
teoria, ou seja, um conjunto de conceitos que dão conta da totalidade de
elementos relacionados em sua ocorrência e através do processo de
fundamentação” (Viana, 2002, p. 125).
A explicação é um trabalho mental de explicitação do que é o
fenômeno, o que pressupõe descobrir suas determinações. Ela pode ser
falsa ou verdadeira, simples ou complexa. A explicação tende a se
aproximar da verdade quando ela se fundamenta em uma teoria. A
própria teoria é uma explicação da realidade. A teoria do valor-trabalho
de Marx (1988), por exemplo, explica como se constitui o valor de uma
mercadoria. No entanto, uma teoria mais geral pode fundamentar uma
teoria mais particular, e é neste sentido que colocamos que uma
explicação (na verdade, uma teoria mais particular) deve se fundamentar
em uma teoria (no caso, uma teoria mais geral). A explicação
fundamentada em uma ideologia, por sua vez, é falsa, pois seus
pressupostos são uma inversão da realidade. As explicações simples, tal
como colocamos anteriormente, são aquelas fundamentadas em
representações cotidianas, enquanto que as explicações complexas são
fundamentadas em teorias ou ideologias (Viana, 2002, p. 126).
A descrição, ao contrário, se caracteriza por narrar, quantificar, apresentar, nomear,
determinados fenômenos sem lhes explicar (Viana, 2002b)14. Colocar um fenômeno, uma idéia,
num quadro lógico, ou estruturá-lo homologamente ao um modelo formal, não consiste numa
explicação e sim uma descrição.
Quando Moscovici faz sua pesquisa fundadora da abordagem das representações sociais, ele
descreve o fenômeno mas não o explica. Moscovici apresenta uma discussão terminológica e
encaixa as representações sociais na terminologia apresentada. Assim, dizer que o resultado da
pesquisa é representações sociais e que há objetivação e amarração não explica nada. A leitura de
outras pesquisas sobre representações sociais reforça tal conclusão, o que é visível em alguns
“relatos de pesquisa”, apresentados em
duas coletâneas sobre representações sociais (Spink,
1995b; Guareschi & Jovchelovitch, 1997)15.
Tendo em vista esta limitação, alguns representantes da abordagem das representações
sociais buscam “complementá-la” com discussão metodológica sobre análise, explicação e
metodologia.
Souza Filho (1995), por exemplo, busca encontrar na análise de conteúdo o método de
análise das representações sociais. Para isto cita o texto de Bardin (1995), clássico no assunto, mas
aproveita apenas uma parte das regras de análise proposta em tal obra, apontando para a
quantificação, mesmo quando passa para a análise do discurso. Assim, na parte em que discute a
análise do discurso em representações sociais o próprio autor admite:
14
“A descrição mais perfeita é a cópia: um modelo que em todos os pontos é idêntico a aquilo da qual é
modelo” (Apostel, 1977, p. 199).
15
Curiosamente, as únicas exceções são as que buscam unir a abordagem das representações sociais com o
marxismo (Guareschi, 1997; Sawaia, 1995).
“Contudo, a objeção principal que se pode fazer a essa
abordagem é que ela reduz a relação entre os elementos de significado a
forças de ligação, de natureza apenas quantitativa” (Sousa Filho, 1995,
p. 139).
Wofgang Wagner também reconhece esta dificuldade16 e busca superá-la. Ele descarta a
explicação nomológica-dedutiva17 e apresenta a explicação modal como o tipo de explicação
adequada à análise das representações sociais:
“O modelo de explicação modal requer o estabelecimento de uma
relação sintética do tipo se-então entre uma condição ou evento
explicativo, o explanans, e um evento a ser explicado, o explanandum.
Uma proposição é, então, uma explicação modal se: a) existe o fenômeno
q; b) se existe uma relação de implicação entre o fenômeno q e outro
fenômeno p, de tal forma que q implica em p. Essa proposição explica o
fenômeno p pela condição antecedente q, se, e somente se, a implicação
não se mantiver para o contrário de q, não-q. Assim, se qualquer outro
evento Não-q não produz um evento p, se q é um evento que antecede p e
se a implicação é uma relação sintética, podemos chamar esta
proposição uma explicação modal de p por q” (Wagner, 1997, p. 153).
Assim, Wagner busca desenhar o modelo explicativo que explica o fenômeno das
representações sociais e que estas, por sua vez, explicam, isto é, as representações sociais são
explicadas e por produzirem efeitos, também são explicativas. No entanto, este modelo formal pode
parecer convincente, mas só o seria se se aplicasse a fenômenos reais. Iremos aplicá-lo a alguns
exemplos de fenômenos reais para constatar que ele não explica e se limita a descrever.
Existe o fenômeno/q (difusão social da psicanálise), relacionado
com outro fenômeno/p (representações da psicanálise). A difusão da
16
“Ao mesmo tempo que estamos suficientemente seguros sobre a descrição do fenômeno, ou seja, o que
podemos considerar ou não como uma representação social, o mesmo já não pode ser dito sobre aquilo que
a teoria das representações sociais realmente explica” (Wagner, 1997, p.150).
17
A explicação nomológica-dedutiva, assim como outras formas de explicação (probabilística, teleológica,
estruturalista) são, na verdade, formas refinadas de descrição dos fenômenos, sem fornecer-lhes uma
explicação verdadeira (Viana, 2002b). Pode-se considerar estranho colocar a “explicação nomológicadedutiva” como mera descrição, mas, no entanto, esta posição é compartilhada por outros pesquisadores:
“o conceito de explicação é ambíguo: para alguns o enunciado de leis gerais constitui uma explicação que
se basta a si mesma, se pelo menos essas leis estão precisamente controladas e apresentam o caráter
preditivo que se está no direito de esperar duma lei; para outros, pelo contrário, o enunciado das leis
mantém a ciência no nível descritivo, e a explicação reenvia à procura das causas (...)” (Gréco, 1976, p.
83).
psicanálise/q implica as representações da psicanálise/p. O fenômeno/q
(difusão da psicanálise) explica fenômeno/p (representações da
psicanálise), pois não-q (a não-difusão da psicanálise) não produz evento
p.
Ou:
Existe o fenômeno/q (violência concreta), relacionado com outro
fenomeno/p (representações da violência). A violência concreta/q implica
representações da violência/p, pois não-q não produz evento p.
Ou ainda:
Existe o fenômeno q (grupos fascistas), relacionado com outro
fenômeno/p (idéias fascistas). Os grupos fascistas implicam idéias
fascistas, pois não-q (grupos comunistas, anarquistas, liberais, pacifistas,
etc.) não produz p.
Este modelo “explicativo” é demasiado simplista e tem sua origem na “explicação
probabilística”, derivado da indução, e que, na verdade, é apenas uma descrição18. Dizer que os
grupos fascistas produzem idéias fascistas, ou que as representações da violência ou da psicanálise
são produtos da violência concreta e da difusão social da psicanálise não explica nada. Isto se
apresenta num nível de generalidade tão elevado e ao mesmo tempo tão limitativo que não tem
valor explicativo algum. Um estudo sobre as representações sociais começa e termina sem ir
adiante, devido ao próprio limite da pesquisa, que tem um objeto isolado e, portanto, limitado, de
estudo19.
O nível de generalidade na pesquisa de Moscovici, por exemplo, se observa em que se trata
da difusão social da psicanálise e das representações da psicanálise. Na verdade, a difusão social da
psicanálise é apenas uma condição de possibilidade das representações da psicanálise, ou seja, tal
difusão provoca a representação, mas não o seu conteúdo, ou seja, determinado tipo de
representação, além de não dizer por qual motivo foi produzido este tipo de representação. O
mesmo ocorre com o exemplo da violência concreta e representações da violência. Ora, a violência
concreta é condição de possibilidade das representações da violência, mas não explica que tipo de
18
Wagner e os demais representantes da abordagem das representações sociais se inspiram na discussão
metodológica da psicologia, já que Moscovici e a maioria dos seus colaboradores são psicólogos, e por isso
não trabalham com a explicação tal como trabalhada nas ciências sociais, especialmente por Durkheim,
Weber e Marx (Viana, 2002b).
19
Uma explicação provoca a necessidade, depois de realizada, de outra explicação ad infinitum. Isto fica
impossibilitado seja por um modelo de análise limitado, seja pela delimitação rígida de um objeto de
pesquisa, provocando seu isolamento.
representações e por qual motivo. Somente saindo do nível das afirmações genéricas e óbvias é
possível ultrapassar a descrição e realizar uma explicação.
Da mesma forma, dizer que os grupos fascistas produzem idéias fascistas não é nada mais do
que uma obviedade. É uma descrição e não uma explicação. Para chegar a uma explicação seria
necessário ultrapassar a relação limitada grupos fascistas-idéias fascistas.
Isto quer dizer que a “explicação modal”, mesmo se prendendo ao modelo monocausal da
“explicação nomológica-dedutiva” que combateu, fica, como esta, no nível da descrição20.
Spink também busca sustentar o rigor metodológico da abordagem das representações
sociais. Para isso ela discute, principalmente, a questão da objetividade:
“A crítica – ora velada, ora explícita – feita ao programa de
pesquisa que se desenvolve ao redor da noção de representações sociais
subsume a crítica mais geral feita aos métodos qualitativos como um
todo: a qualidade hermenêutica da análise; a falta de rigor dos métodos
utilizados; a impossibilidade – para não dizer indesejabilidade – de
explicações causais, em resumo, a falta de rigor e objetividade” (Spink,
1995)21.
A objetividade é “produto do consenso da comunidade científica” (Spink, 1995; Spink,
1997), regida, portanto, pelo signo da intersubjetividade. Ora, tal definição de objetividade não tem
base de sustentação a partir de uma teoria crítica da sociedade. O consenso na comunidade
científica não significa “verdade”, e, se assim fosse, não haveria mudanças na concepção de
verdade, o que ocorre na realidade. Aqui a objetividade se transforma em intersubjetividade e perde
todo o seu sentido. No sentido positivista clássico, objetividade significa “adequação da idéia ao
objeto” e no sentido marxista significa consciência correta da realidade (Lukács, 1989). Ou seja,
temos, de um lado, a redução da objetividade ao objeto (idéia = objeto) e no outro sua redução ao
sujeito (objetividade = intersubjetividade, consenso subjetivo da comunidade científica). Na
20
Moscovici parece reconhecer isto: “sejam quais forem as razões, o fato é que apenas uma descrição
cuidadosa das representações sociais, sua estrutura e sua evolução em vários campos, poderá possibilitar
sua compreensão; e uma explicação válida só poderá emanar de um estudo compreensivo destas
descrições” (apud, Spink, 1995, p. 106). Ele também coloca várias vezes em evidência a influência da
fenomenologia e sua idéia de realizar “descrição fenomenológica” deixa isto claro.
21
Esta “indesejabilidade” ou “impossibilidade” de explicação “causal” é uma constante na psicologia:
“devemos agora abordar de frente o problema central da epistemologia psicológica, que é o da explicação.
A discussão ordena-se aqui em dois debates, que se podem enunciar de maneira lapidar na forma ‘explicar
ou descrever’ e ‘procura das causas ou estabelecimento das leis’. Sabe-se que o positivismo rejeitou como
‘metafísica’ a procura das causas. Sabe-se igualmente que neste ponto o pensamento científico não o
acompanhou de modo algum, e que utiliza constantemente uma causalidade racional, que nada tem de
mágico ou metateórico” (Gréco, 1976, p. 82).
concepção marxista, temos uma visão diferente, mais complexa, temos o reconhecimento de que a
verdade só poder ser uma expressão, o que significa uma consciência, por um lado, e uma
realidade, por outro. Mas aqui não ocorre a “separação metafísica entre sujeito e objeto” tal como
criticada por Lukács (1989) e Korsch (1977). As próprias categorias de objetividade e subjetividade
são produtos desta separação metafísica e o subjetivismo e o objetivismo são, por conseguinte,
concepções metafísicas derivadas desta ideologia. A realidade, nesta concepção, é externa ao
indivíduo, mas não lhe é inacessível. A consciência humana é sua expressão, que, no entanto, pode
ser ilusória ou verdadeira. São as próprias relações sociais que provocam a consciência ilusória. A
consciência correta da realidade tem como condição de possibilidade determinadas relações sociais,
determinados interesses e valores. Ou seja, a verdade (ou “objetividade”) não é um processo de
simples adequação da idéia ao objeto e nem simples produto de consenso ou intersubjetividade e
sim um processo social no qual se impede (consciência ilusória) ou provoca (consciência correta) o
acesso ao real.
Sendo assim, a intersubjetividade, ou o consenso na comunidade científica, não podem ser
critério de verdade ou de objetividade, pois “as idéias dominantes são as idéias da classe
dominante” (Marx & Engels, 1988). Além disso, a abordagem das representações sociais não
consegue nenhum consenso no interior da comunidade científica (aliás, seria necessário descobrir
algo de consensual no interior desta...). Sendo assim, este fundamento da objetividade da
abordagem das representações sociais se torna insustentável.
Passemos, agora, para uma crítica de algumas concepções presentes na abordagem das
representações sociais. Aqui podemos colocar a contribuição de Sawaia (1995), ele mesmo um
representante desta abordagem. Segundo este autor, Moscovici elaborou o conceito de
representações sociais para colocar ênfase no sujeito que produz a representação como um ser
criativo e ativo, contrapondo-o à concepção cognitivista que o colocava com um ser passivo. No
entanto, aqui reside um problema na teoria das representações sociais:
“A teoria das representações sociais de Moscovici oferece uma
poderosa alternativa de estudo ao privilegiar os mecanismos
sociocognitivos que intervêm no processo de produção do conhecimento,
mas sua concepção de sociedade e história não explica por que tornamse hegemônicos os conhecimentos que favorecem a servidão e a
instrumentalização do ser humano, como, por exemplo, idéias que
enaltecem o ‘ter’ em detrimento do ‘ser’ e os conhecimentos fundados na
superioridade de uma raça, classe ou sexo ou no interesse de um grupo
quantitativamente minoritário” (Sawaia, 1995, p. 77).
Assim Sawaia reconhece que a abordagem das representações sociais ofusca a relação de
dominação e exploração existente na sociedade, pois toma tais representações como criações
autônomas e sem ligação com o poder. Aqui reside um problema fundamental na teoria das
representações sociais. Ela toma a sociedade como um conjunto composto por grupos diferenciados
mas que não se relacionam através do processo de dominação e exploração, pois este processo não
é nunca citado e enfatizado. Desconhecer o processo de dominação e exploração na sociedade
moderna nos faz perder de vista os elementos fundamentais da constituição e reconstituição desta
mesma sociedade e por isso tal processo deve estar presente na análise das representações que são
constituídas e reconstituídas nesta sociedade.
Outro elemento, relacionado a este, também se encontra no fato de que a abordagem das
representações sociais deixar de lado a importância explicativa das classes sociais, grupos sociais e
seus conflitos no processo de elaboração do saber cotidiano.
A teoria das representações sociais cai naquilo que Bauman (1977) critica na sociologia. Ele
destaca que a sociologia realiza uma separação com o senso comum (representações cotidianas),
colocando-o como saber popular e não-científico, mas reproduz o mesmo procedimento dele, ou
seja, toma a sociedade como algo “objetivo”, como uma “segunda natureza” e, desta forma, como
algo coisificado, tal como a idéia de fatos sociais em Durkheim. Mas ao lado desta sociologia
objetivista e reificante surge a influência da fenomenologia e existencialismo que a faz mudar de
foco e de visão sobre o senso comum, tal como no caso da sociologia de Alfred Schutz:
“Em vez de tentar, em vão, apreender a realidade social, devemos
voltar a nossa atenção para a estrutura do processo que gera a nossa
crença em tal ‘realidade’ – partindo do único conhecimento certo que
nos é dado não problematicamente, isto é, um conhecimento derivado
diretamente do mundo da vida de todos os dias. (...). Schutz não pede à
sociologia que seja crítica do seu objeto. Ele convida-a unicamente a ser
crítica do seu próprio conhecimento desse objeto e da maneira como
chegou a esse conhecimento. Na verdade, exatamente como os seus
oponentes durksonianos, Schutz impede a priori, por uma abrupta
decisão metodológica, a possibilidade mesma de uma crítica dirigida
para o objeto” (Bauman, 1977, p. 112).
A possibilidade de aplicação desta crítica à abordagem das representações sociais se torna
ainda mais visível quando se vê o reconhecimento por parte de diversos representantes dela de sua
dívida para com a fenomenologia.
“Moscovici reconhece amplamente que ao enfatizar o poder de
criação das representações sociais, acatando sua dupla face de
estruturas estruturadas e estruturas estruturantes, inscreve sua
abordagem entre as perspectivas construtivistas. Inscreve-a, bem dizer,
no movimento maior aqui denominado de desconstrução da retórica da
verdade. Aponta, inclusive, para a simultaneidade, ou até mesmo
anterioridade, de sua obra ‘Representação Social da Psicanálise’ (1961)
e da obra de Berger e Luckmann (1966) que cunhou a perspectiva
denominada de ‘construção social da realidade’”(Spink, 1997, p. 120)22.
Ora, novamente a crítica de Bauman se aplica à abordagem das representações sociais:
“O drama da construção social da realidade é, do princípio ao
fim, representado no palco intelectual. Os membros da sociedade só
aparecem neste palco como entidades epistemológicas, sendo o resto dos
seus atributos irrelevantes e, por conseguinte, não invocados como
fatores explicativos” (Bauman, 1977, p. 119).
Desta forma Bauman realiza uma crítica simultânea das representações cotidianas e da
sociologia. Ele considera que em seu lugar deve nascer uma sociologia crítica, fundada na razão
emancipadora. Tal razão emancipadora realiza a crítica do cotidiano e das representações erigidas a
partir dele. Daí a oposição entre a sociologia crítica, a razão emancipadora, e o senso comum e a
sociologia fundada na razão técnico-instrumental. Segundo ele:
“É por esta razão que a crítica destinada a emancipar o homem
está condenada a considerar o senso comum como obstáculo. O senso
comum só pode cumprir suas funções cognitivas e emocionais na medida
em que consegue fechar os olhos às ‘realidades alternativas’. Todo o
poder de convicção que o senso comum possa apresentar assenta, em
última análise, na pressuposição de que a realidade transmitida pelo
22
Uma síntese da tese de Berger e Luckmann pode ser vista na seguinte afirmação: “O mundo da vida
cotidiana não somente é tomado como uma realidade certa pelos membros ordinários da sociedade na
conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem a suas vidas, mas é um mundo que se origina no
pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles” (Berger & Luckmann,
1987, p. 36).
senso comum é a única realidade, enquanto o senso comum é o único
canal através do qual a informação acerca dele pode ser obtida: a
realidade é só uma, e o senso comum é o seu porta-voz. O senso comum,
auxiliado pela ciência tecnicamente orientada que fortalece os seus
achados em conhecimento utilitário, não se poupa, portanto, a esforços
para expor e desmascarar os ‘falsos profetas’ das realidades
alternativas. Como vimos, a linguagem técnico-científica oferece um
número razoável de categorias que têm sido cunhadas com este
propósito” (Bauman, 1978, p. 130-131).
Assim, é preciso reconsiderar o senso comum, ou as “representações sociais”, a partir de um
outro referencial teórico, que reconheça o caráter histórico das representações, não se contendo
diante delas e realizando uma análise crítica, o que nos leva a ver suas relações com a história, com
o processo de exploração e dominação. Encontramos na análise que Marx faz das representações
cotidianas os elementos teóricos capazes de superar as limitações existentes nas análises do senso
comum e das representações sociais.
Por fim, devemos analisar a concepção de representações sociais de Moscovici e compará-la
com as concepções de senso comum. A concepção positivista clássica de senso comum apontava
para a ruptura desta forma de saber com o pensamento científico. A fenomenologia e a sociologia
fenomenológica, por sua vez, passou a considerar o senso comum como saber verdadeiro.
Durkheim também aborda as representações coletivas como se fossem verdadeiras, embora com
certa ambigüidade. Já efetuamos a crítica da fenomenologia e seus desdobramentos sociológicos.
A abordagem de Durkheim e das representações sociais caem nos mesmos equívocos.
Durkheim e Moscovici compreendem as representações sociais como bloco monolítico, como
pensamento verdadeiro. O caso de Durkheim é exemplar pelo fato de sua tese será reproduzida por
antropólogos, sociólogos e por Moscovici. Iremos, aqui, acrescentar a posição do psicanalista Carl
Gustav Jung, devido à semelhança que possui com a posição de Durkheim, a fenomenologia e
Moscovici. Além disso, Jung deixa explícito o que muitos dos adeptos das representações sociais,
senso comum, etc., como formas de pensamento verdadeiro não explicitam.
Jung diz que parte do ponto de vista do “empirismo científico” e que sua psicologia é
“científica”:
“Trata-se de um ponto de vista exclusivamente científico, isto é,
tem como objeto certos fatos e dados da experiência. Em resumo, trata
de acontecimentos concretos. Sua verdade é um fato e não uma
apreciação. Quando a psicologia se refere, por exemplo, ao tema da
concepção virginal, só se ocupa da existência de tal idéia, não cuidando
de saber se ela é verdadeira ou falsa, em qualquer sentido. A idéia é
psicologicamente verdadeira, na medida em que existe. A existência
psicológica é subjetiva, porquanto uma idéia só pode ocorrer num
indivíduo. Mas é objetiva, na medida em que mediante um consensus
gentium é partilhada por um grupo maior” (Jung, 1987, p. 8).
Este, segundo Jung, é o ponto de vista das ciências naturais. A psicologia, assim, trata as
idéias como a zoologia trata dos animais. “Um elefante é verdadeiro porque existe”. Aqui Jung
utiliza argumento semelhante ao de Durkheim: uma idéia é verdadeira por existir. Ora, uma coisa é
a existência de uma idéia e outra é sua veracidade. A idéia da existência de habitantes em marte
existe, mas nem por isso é verdadeira. A idéia existe, mas não é verdadeira. Da mesma forma, uma
ilusão existe, mas nem por isso deixa de ser ilusão. Isto ocorre pelo motivo de que uma coisa é a
idéia em si, ela existe, e outra é seu conteúdo, que pode ser verdadeiro ou falso. Assim como uma
coisa é o elefante existir e outra coisa é uma idéia existir. O elefante é um ser vivo, que existe de
fato e ninguém questiona isso. Da mesma forma, ninguém pergunta se ele é falso ou verdadeiro,
pois falsidade e verdade são atributos da consciência e não da realidade. Uma realidade não pode
ser falsa ou verdadeira, mas tão somente a idéia que se faz dela. Um indivíduo acredita que sua
idéia falsa é verdadeira e nem por isso a ilusão individual se torna verdade e o mesmo ocorre com
uma ilusão coletiva, que não se torna verdade só por causa de que os seus produtores a pensam
como tal.
Outro argumento de Jung, também defendido por Moscovici, é o da eficácia:
“Se um homem imaginasse que eu sou o seu pior inimigo e me
matasse, eu estaria morto por causa de uma mera fantasia. As fantasias
existem e podem ser tão reais, nocivas e perigosas quanto os estados
físicos” (Jung, 1987, p. 14).
Sem dúvida, as fantasias existem mas nem por isso são verdadeiras. Uma coisa é a existência
da fantasia e outra é sua veracidade. Jung confunde também eficácia de uma idéia com sua verdade
ou realidade. Sem dúvida, a fantasia existe mas nem por isso deixa de ter fundamentos falsos. Ela
existe e provoca ações concretas, reais, mas nem por isso se torna verdadeira. Uma coisa é a
fantasia e outra é a ação que ela provoca. A fantasia e a ação provocada por ela existem, mas a
primeira é falsa e a segunda é, inclusive, conseqüência de sua falsidade23.
O que discutimos até aqui pode ser suficiente para considerarmos que uma idéia, pelo
simples fato de existir, não significa que seja verdadeira. Também o fato de uma idéia provocar
uma ação não a faz verdadeira, pois ilusões também provocam ações, tal como se vê no exemplo
do próprio Jung. Além disso, o simples fato de que uma pessoa considere sua representação
verdadeira não a faz uma verdade. A verdade é uma categoria do pensamento e não da realidade, é
um problema da consciência e não da existência. As coisas, idéias, seres, existem, mas a categoria
de verdade e ilusão só se aplica a idéias. Se as idéias fossem verdadeiras somente por existir,
estaríamos vivendo num mundo povoado por monstros, seres sobrenaturais, extraterrestres, superheróis, unicórnios, centauros e milhares de outros produtos da mente humana.
Considerar que as ilusões não existem é, do ponto de vista teórico e metodológico, jogar fora
uma parte da realidade humana, contida na esfera da consciência, e não entender milhares de
fenômenos sociais, como representações, ações derivadas de representações ilusórias, etc.
A abordagem das representações sociais cai, assim, em uma concepção ingênua do saber
cotidiano e reproduz os mesmos equívocos e procedimentos da sociologia fenomenológica.
23
Mais adiante veremos que Marx fornece um exemplo parecido com o de Jung e qualifica a representação
de ilusória, pois este nunca foi um promotor de confusão entre representação e realidade. Aliás, confusão
que realizam até na interpretação da concepção marxista de ideologia. Spink, por exemplo, afirma que a
ideologia “não pode mais ser vista como ilusão, mistificação ou falsa consciência; precisa ser vista como
instrumento de dominação” (Spink, 1997, p. 119). Tal idéia, também defendida por Rouanet (1978) quando
trabalha o imaginário na perspectiva de Althusser e Gramsci, sustenta a incompatibilidade entre a função
de dominação e o caráter ilusório de uma representação. Ora, a dominação para se sustentar, precisa da
ilusão dos dominados e, por conseguinte, não tem o menor fundamento tal tese, o fato de ser ilusório não
torna menos eficaz uma idéia, desde que ela seja tomada como verdadeira, aliás, tal como a entende a
abordagem das representações sociais.
TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS
Tendo em vista as limitações da idéia de senso comum e representações sociais, precisamos
buscar um outro conceito que expresse a complexidade do fenômeno que iremos pesquisar.
Julgamos encontrar na obra de Marx e de alguns de seus sucessores elementos fundamentais para
compreender o saber cotidiano. O termo chave que iremos utilizar é o de representações cotidianas,
tal como definiremos adiante.
Marxismo e Representações Cotidianas
O marxismo apresenta uma concepção diferenciada acerca do saber cotidiano. No entanto,
não há espaço aqui para realizarmos um histórico das contribuições dos diversos marxistas e por
isso optamos por partir da contribuição original de Marx e utilizar apenas os aprofundamentos
significativos feitos a ela. Isso se deve ao fato de que muitos marxistas posteriores se limitaram a
reproduzir
as
idéias
de
Marx
e
outros
reproduziram
alguns
elementos
e
acrescentaram/aprofundaram outros. Dentre estes, alguns realizaram desdobramentos significativos
e coerentes com a teoria original e serão estes que buscaremos utilizar aqui. Aqueles que
produziram desdobramentos pouco significativos ou incoerentes com a teoria original, deixaremos
de lado.
O surgimento do marxismo está intimamente ligado ao surgimento e desenvolvimento do
movimento operário (Korsch, 1977; Therborn, 1974; Viana, 1995)35. No entanto, o processo de
aproximação de Marx- Engels com o movimento operário na foi feito de um salto só. Marx,
inicialmente, se dedicava a realizar uma “filosofia crítica” no interior da cultura filosófica alemã. O
seu criticismo era demasiado filosófico e carecia de uma base social, embora fosse retomado
posteriormente em bases amplas e concretas. O desenvolvimento das lutas sociais, do movimento
operário, bem como suas expressões culturais (socialismo utópico, principalmente), combinado
com a erudição e amplo conhecimento da filosofia alemã, aliado ao estudo da economia política
35
“A diferença decisiva da situação social do marxismo, se o compará-lo hoje à sociologia acadêmica ou a
correntes do tipo Escola de Frankfurt foi, evidentemente, a união de seus fundadores e o movimento
operário revolucionário” (Therborn, 1974, p. 20).
inglesa, possibilitaram a Marx e Engels construírem sua teoria, mais tarde denominada marxismo
ou materialismo histórico36.
É neste contexto que irá brotar a teoria marxista da consciência e que lhe proporcionou a sua
especificidade. A partir de agora iremos abordar seus elementos que nos ajudam a compreender as
representações cotidianas.
Marx desenvolveu uma complexa teoria da consciência. Ele apresenta as bases reais da
consciência, as suas formas, sua eficácia e sua inserção na dinâmica das lutas de classes. Para Marx
e Engels, a consciência não pode ser outra coisa senão o ser consciente (Marx & Engels, 1991). Por
conseguinte, não há espaço, nesta concepção, para se pensar a consciência como algo autônomo. A
consciência não é separável do ser humano que a desenvolve e este não é um indivíduo isolado e
sim um ser social. Por conseguinte, as representações que os indivíduos elaboram são
representações sobre suas relações com os outros indivíduos ou com o meio ambiente. Segundo
suas próprias palavras:
“As
representações
que
estes
indivíduos
elaboram
são
representações a respeito de sua relação com a natureza, ou sobre suas
mútuas relações, ou a respeito de sua própria natureza. É evidente que,
em todos estes casos, estas representações são a expressão consciente –
real ou ilusória – de suas verdadeiras relações e atividades, de sua
produção, de seu intercâmbio, de sua organização política e social. A
suposição oposta é apenas possível quando se pressupõe fora do espírito
de indivíduos reais, materialmente condicionados, um outro espírito à
parte. Se a expressão consciente das relações reais deste indivíduo é
ilusória, se em suas representações põem a realidade de cabeça para
baixo, isto é conseqüência de seu modo de atividade material limitado e
das suas relações sociais limitadas que daí resultaram” (Marx & Engels,
1991, p. 36)
Aqui temos o ponto básico, fundamental, que é a base real da consciência. Ao criticar a
filosofia alemã, Marx questiona a idéia de uma consciência autônoma, imanente. Se a consciência
não é nada mais do que o ser consciente, então é preciso focalizar este ser. Segundo Marx, este ser
só pode ser os indivíduos vivos, reais, concretos:
36
Tal colocação não significa uma concordância com a concepção de Lênin sobre as “três fontes do
marxismo” (Lênin, 1985), amplamente criticada por Korsch (1977), pois consideramos que a determinação
fundamental do marxismo se encontra na experiência do movimento operário, sendo que as “fontes”
apontadas de forma “idealista” por Lênin constituem sua determinação formal (Viana, 1995).
“O fato, portanto, é o seguinte: indivíduos determinados, que
como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem
entre si relações sociais e políticas determinadas. É preciso que, em cada
caso particular, a observação empírica, coloque necessariamente em
relevo – empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação – a
conexão entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura
social e o estado nascem constantemente do processo de vida de
indivíduos determinados, mas estes indivíduos não como aparecer na
imaginação própria ou alheia, mas tal e como realmente são, isto é, tal e
como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como
desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e
condições materiais, independentes de sua vontade” (Marx & Engels,
1991)37.
Marx coloca que o “ser dos homens” só pode ser “o processo da vida real”. Por conseguinte,
a consciência, as representações, não são nada mais do que uma expressão dos indivíduos sociais,
históricos, concretos.
“A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de
início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o
intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O
representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem
aqui como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo
ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem da
política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc. de um povo.
Os homens soa os produtores de suas representações, de suas idéias, etc.
mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais
amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser
consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real” (Marx &
Engels, 1991, p. 37).
37
Nas suas Teses Sobre Feuerbach (cf. Marx & Engels, 1991), Marx diz que o indivíduo é “o conjunto das
relações sociais”.
Portanto, é na vida real, nas relações sociais concretas, que se formas as representações dos
indivíduos. É na vida cotidiana, no modo de vida dos indivíduos, que se constitui sua consciência,
suas idéias, suas representações. Abordaremos este aspecto com mais profundidade mais adiante.
Por enquanto nos basta destacar que a base real das representações se encontrada na vida real,
concreta, social, cotidiana, dos indivíduos.
Podemos, agora, discutir a relação entre a consciência e a realidade. A consciência, para
Marx, é expressão das relações sociais reais mas não é a mesma coisa que a realidade. Ela é uma
expressão da realidade. A realidade, social ou natural, é independente da consciência. A existência
da realidade independentemente da consciência é um elemento fundamental para a compreensão
das representações e é sua incompreensão por parte das filosofias “subjetivistas” (“idealistas”) que
produz diversos equívocos. A consciência é o ser consciente. Este ser, como já colocamos, é o
indivíduo real, concreto. Mas ele tem consciência de quê? De si mesmo, das relações que ele trava
com os outros seres humanos e com a natureza. No entanto, independentemente da sua consciência,
os outros seres humanos e a natureza existem e é este existente que chamamos de realidade. Por
conseguinte, a realidade não é produto da consciência ou do indivíduo. O indivíduo contribui com a
constituição da realidade (as relações sociais, o meio ambiente) mas não a constitui. A categoria da
realidade, portanto, expressa uma totalidade (um “conjunto”) independente, distinta e exterior à
consciência individual. A realidade social, no entanto, é o conjunto das relações sociais, logo, é
constituída pelo conjunto dos indivíduos associados, enquanto que a realidade natural é o conjunto
da natureza, sendo que o meio ambiente circundante é constituído pelas relações sociais e quanto
mais distante, menor é a influência humana.
No entanto, isto revela, simultaneamente, uma unidade e uma contradição entre consciência
e realidade. A unidade se revela no fato de que a consciência só pode ser consciência da realidade,
mas tal como o indivíduo a vê, o que revela sua contradição, pois ele a vê a partir de sua relação
com ela, e esta, devido à divisão social do trabalho, não é vista em sua totalidade, o que possibilita
a consciência ilusória. São as relações sociais limitadas, provocadas pela divisão social do trabalho,
que possibilitam as representações ilusórias.
É neste contexto que Marx trabalha a questão das representações reais e ilusórias. Elas são a
expressão consciente das relações sociais concretas, mas podem ser “reais” ou “ilusórias”. Isto não
quer dizer que as representações ilusórias não existam, pois elas, enquanto representações, existem,
mas seu conteúdo é ilusório, já que inverte a realidade.
As representações reais, por sua vez, também existem como representações, mas não são
“reais” por este motivo e sim por que são verdadeiras, ou seja, seu conteúdo é verdadeiro, apresenta
a realidade tal como é.
Isto produz uma posição metodológica que exige se partir da realidade para compreender as
representações e descobrir se são verdadeiras ou ilusórias.
“Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que
desce do céu à terra, aqui se ascende da terra ao céu. Ou, em outras
palavras: não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou
representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados ou
representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso;
parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida
real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos
ecos desse processo de vida. E mesmo as formações nebulosas no
cérebro dos homens são sublimações necessárias do seu processo de vida
material, empiricamente constatável e ligados a pressupostos materiais.
A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, assim como
as formas de consciência que a elas correspondem, perdem toda a
aparência de autonomia. Não têm história, nem desenvolvimento; mas os
homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio
material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os
produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a
vida que determina a consciência” (Marx & Engels, 1991, p. 37).
Desta forma, não se parte da representação para compreender a realidade e sim da realidade
para se compreender a representação. E isto se torna uma “exigência metodológica”38.
Posteriormente, Marx irá detalhar a relação entre estas representações e as classes sociais.
Iremos abordar este aspecto de forma mais aprofundada mais adiante, mas colocaremos aqui um
elemento importante para compreender as formas de representações cotidianas. Dois pensadores
marxistas contribuíram para se pensar uma outra forma de representações, além das verdadeiras e
ilusórias:
38
Para Marx, “a distância entre a existência (‘a vida’) e consciência introduz de nova esta exigência
metodológica: dar mais importância à situação real do que à consciência, muitas vezes deformada, desta
situação. Examinar mais a atividade do que a opinião” (Lapassade, 1975, p. 175).
“A classe operária cria, pois, a partir da sua situação uma
‘consciência’, insuficiente é certo, para abalar a dominação do capital
(...) mas que comporta talvez formas embrionárias ou elementos do que
se chama consciência de classe ou consciência revolucionária” (Reich,
1976, p. 14).
O que Reich coloca é que existem, na consciência da classe operária, “formas embrionárias”
de consciência revolucionária. Isto pode ser complementado com a afirmação de Gramsci:
“O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma
clara consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um
conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer,
inclusive, que a sua consciência teórica esteja historicamente em
contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas
consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita
na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na
transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita
ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica” (Gramsci,
1987, p. 20).
A idéia de uma consciência contraditória, apresentada por Gramsci em outras passagens, e a
de Reich, no permite pensar em representações contraditórias, que possuem elementos verdadeiros
e falsos, de afirmação e negação da realidade existente. Assim, podemos observar três formas de
representações: reais, ilusórias e contraditórias.
Após observarmos a existência de diversas formas de manifestação das representações
cotidianas no que se refere ao seu conteúdo (verdadeiro, falso, contraditório)39, passemos a
observar o papel das representações cotidianas na realidade concreta.
Muitos intérpretes de Marx irão afirmar que para ele a consciência é apenas um epifenômeno
da “base material”. Esta interpretação é, no entanto, equivocada. Para Marx a consciência é
simultaneamente expressão e projeção, determinada e mobilizadora. Várias afirmações de Marx e
39
Devemos abrir um parêntesis para colocar que falar em representações ilusórias não quer dizer que seja
completamente falso, mas sim que o seu núcleo e em sua maior parte é um saber falso. Se fosse totalmente
falso seria pura fantasia. O mesmo ocorre com as representações verdadeiras, pois sendo “cotidianas”, tal
como definiremos mais detalhadamente mais adiante, não são teorias e por isso não poderiam dar conta da
totalidade. Assim, tais representações são, em seu núcleo e maior parte, verdadeiras. Num caso, temos o
predomínio do caráter ilusório e noutro do caráter verdadeiro. Nas representações contraditórias temos um
equilíbrio, uma contradição interna constante, que as tornam parcialmente verdadeiras e parcialmente
falsas.
Engels confirmam isto. A consciência não é nada mais que o ser consciente, não sendo, então,
apenas “reflexo” do mundo mas um resultado da relação do ser humano com ele e nesta relação ela
se forma e se desenvolve, acomodando-se ao mundo e ao mesmo tempo assimilando-o, sendo o seu
resultado e ao mesmo tempo contribuindo para sua constituição.
No pensamento marxista, o caráter ativo e passivo da consciência foi abordado sob diversas
formas. Iremos analisar, inicialmente, o aspecto ativo das representações para posteriormente
apontar o aspecto passivo.
As representações, reais, contraditórias ou ilusórias, cumprem um papel na história. Não são
meros “epifenômenos” mas fenômenos derivados que provocam outros fenômenos. Marx enfatiza,
geralmente, o caráter passivo das representações. No entanto, ele também considera o seu caráter
ativo, formador de ações, atividades, etc. Mesmo as representações ilusórias são mobilizadoras:
“Se alguém acredita possuir 100 táleres*, se essa não é para ele
apenas uma representação arbitrária, subjetiva, se ele acredita nela,
então os 100 táleres imaginados têm para ele o mesmo valor que 100
táleres reais. Por exemplo, ele contrairá dívidas em função desse seu
dado imaginário, o qual terá uma ação efetiva: foi assim, de resto, que
toda a humanidade contraiu dívidas contando com seus deuses”(Apud.
Lukács, 1979, p. 13).
A representação ilusória, para o seu produtor, é verdadeira e, por isso, o faz agir. Este caráter
ativo não se revela apenas do domínio das idéias, mas através de sua ação sobre a própria realidade,
pois as representações, tal como deixa ver o texto citado de Marx, de um indivíduo o fazem agir de
determinada forma40.
Marx afirmou que “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos” (Marx, 1986, p. 17). As ilusões, bem como as ficções e fantasias, formas de uso
consciente das ilusões, possibilitam a ação:
“Inteiramente absorta na produção de riqueza e na concorrência
pacífica, a sociedade burguesa não mais se apercebia de que fantasmas
*
Moeda alemã da época (século 19).
“Bem enganados andaríamos se julgássemos poder circunscrever à esfera da consciência ou ao domínio
teórico, que fundamentalmente, quer em última análise, a intervenção social dos diversos ingredientes
ideológicos”; “a função ideológica é eminentemente prática. Não só porque deriva da prática e sob formas
variadas a reflete, como também é porque é no domínio da prática, encarnada segundo graus de consciência
diversos por agentes sociais, que ela visa produzir e produz efeitos” (Moura, 1978, p. 57). Aqui se coloca
uma posição que compreende a concepção de Bourdieu, segundo a qual as representações seriam
“estruturas estruturadas” e ao mesmo tempo “estrutura estruturantes”, mas indo além dela, pois também
teria um papel prático, mobilizador.
40
dos tempos de Roma haviam velado seu berço. Mas, por menos heróica
que se mostre hoje esta sociedade, foi não obstante necessário heroísmo,
sacrifício, terror, guerra civil e batalhas de povos para torná-la uma
realidade. E nas tradições classicamente austeras da república romana,
seus gladiadores encontraram os ideais e as formas de arte, as ilusões de
que necessitavam para esconderem de si próprios as limitações
burguesas do conteúdo de suas lutas manterem seu entusiasmo no alto
nível da grande tragédia histórica. Do mesmo modo, em outro estágio de
desenvolvimento, um século antes, Cromwell e o povo inglês haviam
tomado emprestado a linguagem, as paixões e as ilusões do Velho
Testamento para sua revolução burguesa. Uma vez alcançado o objetivo
real, uma realizada a transformação burguesa da sociedade inglesa,
Locke suplantou Habucuc. A ressurreição dos mortos nessas revoluções
tinham, portanto, a finalidade de glorificar as novas lutas e não a de
parodiar as passadas; de engrandecer na imaginação a tarefa a cumprir,
e não de fugir de sua solução na realidade; de encontrar novamente o
espírito da revolução e não de fazer o seu espectro caminhar outra vez”
(Marx, 1986, p. 19).
Sem dúvida, as representações ilusórias, mesmo tendo fundamento nas necessidades práticas,
são forças propulsoras, motores da ação social, luta prática. O sentido da luta pode ser a
conservação ou a transformação, mas o que é preciso destacar é que as representações produzem
ações, e não apenas outras representações, ou interpretação da realidade. Estas teses de Marx serão
desenvolvidas, de maneiras e com ênfases diferentes, por diversos marxistas ou influenciados pelo
marxismo, sendo que destacaremos cinco: Georges Sorel, Antonio Gramsci, Ernst Bloch, Karl
Korsch e Bertrand.
Sorel compreendia a capacidade mobilizadora das idéias e via nelas uma força propulsora da
luta revolucionária. Ele a partir desta idéia concentrou sua tese política no mito da greve geral,
compreendendo o mito como mobilizador e a idéia de greve geral o caminho para o proletariado
realizar sua emancipação.
“Devemos interrogar os homens que tomam uma parte muito ativa
no movimento realmente revolucionário no seio do proletariado, que não
aspiram em nada a subir na burguesia e cujo espírito não é dominado
por preconceitos corporativos. Esses homens podem se enganar sobre
uma infinidade de questões de política, de economia ou de moral; mas
seu testemunho é decisivo, soberano e irreformável quando se trata de
saber quais são as representações que agem sobre eles e seus camaradas
da maneira mais eficaz, que possuem, no mais alto grau, a faculdade de
se identificar com sua concepção socialista, e graças às quais a razão, as
esperanças e a percepção dos fatos particulares parecem não constituir
senão uma única e indivisível realidade. Graças a eles, sabemos que a
greve geral é exatamente o que eu digo: o mito no qual o socialismo se
fecha por inteiro, isto é, uma organização de imagens capazes de evocar
instintivamente todos os sentimentos que correspondem às diversas
manifestações da guerra empreendida pelo socialismo contra a
sociedade moderna. As greves geraram no proletariado os sentimentos
mais nobres, mais profundos e instigadores que ele possui; a greve geral
os reúne todos num quadro de conjunto e pela aproximação deles dá a
cada um o máximo de intensidade; apelando para lembranças muito
vivas de conflitos particulares, ela colore com intensa vida todos os
detalhes da composição apresentada à consciência. Obtemos assim essa
intuição do socialismo que a linguagem não poderia dar de maneira
perfeitamente
clara
–
e
a
obtemos
num conjunto
percebido
instantaneamente” (Sorel, 1993, p. 107-108).
Ernst Bloch também irá trabalhar a força propulsora das representações. Bloch irá destacar a
importância da utopia como força propulsora da transformação. Bloch distingue os “sonhos
noturnos”, analisador por Freud, dos “sonhos diurnos”, as fantasias conscientes dos seres humanos
quando acordados. É neste último que ele verá a utopia, o desejo de uma nova vida, que tem um
papel fundamental na própria constituição da possibilidade de uma nova realidade. No entanto,
visando se afastar de confusões a respeito de sua teoria41, ele destaca a existência de representações
mistificadoras, voltadas para o passado e sua repetibilidade no futuro, que não constituem forças
transformadoras e as utopias, formas do ainda-não-existente. Mas ele também identifica as “utopias
41
“Para o próprio Bloch, estava claro que sua teoria da antecipação, como também o conceito de função
utópica, corriam perigo de ser mal entendidos ou confundidos com representações mistificadoras.
Exatamente por isso, ele tenta se distanciar mais ainda de superstições, situações de vidência e
charlatanices psíquicas de qualquer espécie. O ponto de diferenciação entre uma representação
antecipadora autêntica e uma falsa é, aqui também, a presença do novo, ou seja, que a fantasia contenha um
conteúdo novo” (Bicca, 1987, p. 85)
abstratas” das “utopias concretas”42, sendo as primeiras mobilizadoras mas geralmente ineficazes,
pois sua concretização não está de acordo com as condições históricas existentes na época de sua
produção, e as segundas são possibilidades concretas que possuem uma força mobilizadora
concretizável. Assim, a função do pensamento utópico é a transformação social:
“Depois de ter visto a primeira função do pensamento utópico
(manifestar aos outros a existência do possível através das tendências do
real) e a segunda (permitir à inteligência visualizar o real de maneira a
descobrir as perspectivas da sua transformação), chegamos à terceira
função do pensamento utópico: introduzir a exigência de radicalidade.
Ao tornarmo-nos conscientes das imperfeições deste mundo, a utopia
concreta aponta e chama a atenção para uma realidade transformável.
(...). A utopia nos devolve ao presente, mas com o ímpeto da esperança,
isto é de uma fé no novo possível. A utopia não é mais um jogo
intelectual, um sonho, uma obra de arte. É uma idéia-força que provoca
o nosso entusiasmo; excita as nossas aspirações e nos faz voltar para
uma ação eficaz, comprometida, audaciosa” (Furter, 1974, p. 150).
A utopia concreta, portanto, possui um papel no processo de transformação social. No
entanto, se pode pensar que isto é um papel de uma concepção política e não como Bloch via as
utopias existentes e seu papel social. Bloch considerava não apenas a utopia concreta como força
propulsora das transformações, mas todas as formas de utopias sociais. É o que se vê, por exemplo,
em seu estudo sobre Thomas Münzer e guerra camponesa na Alemanha. Para ele, é preciso superar
o “economicismo” de certas análises marxistas e ver o papel das idéias, do ardente desejo de viver
numa sociedade na qual o “homem não seja o lobo do homem” (num “Império Fraternal”), tal como
o próprio Marx percebeu (Bloch, 1973, p. 48). Para Bloch, a consciência da carência humana “não
se esgota em si mesma; impulsiona para o movimento de busca de satisfação da carência”
(Albornoz, 1985, p. 22).
42
“O exemplo de muitas utopias sociais mostra exatamente como, também numa utopia abstrata, a função
utópica está presente, mas de modo imaturo, acrítico, quando se salienta o aspecto de sua capacidade de
realização em relação à época de sua concepção. Por outro lado, entretanto, isso nunca impediu que elas
manifestassem suas respectivas ‘incumbências do futuro’, isto é, que esboçassem com nitidez, dentro de
sua especulação entusiástica, verdadeiros traços, dimensões e características de etapas social-históricas
ainda por vir. Bloch insiste sobre o fato de que o caráter abstrato de tais utopias sociais baseiam-se em sua
falta de percepção do realmente possível, porque apenas através da ‘ciência da tendência’, inaugurada por
Marx, a utopia é capaz – para efeito mesmo de sua realização – de colocar-se concretamente à altura de seu
tempo” (Bicca, 1987, p. 85).
Gramsci também irá conceber o papel ativo das representações. As representações servem
tanto para conservar quanto para transformar a realidade. A idéia de hegemonia e de ideologia
como “cimento da vida social” coloca o papel das idéias e representações no processo de
constituição e reconstituição do real. Gramsci não só coloca teoricamente43 o papel das
representações mas também historicamente. Ele destaca o papel do cristianismo (“ingênuo” e não o
“jesuitizado”) que, com suas crenças na imortalidade da alma e paraíso, foi a “mola propulsora” de
um intenso trabalho de “aperfeiçoamento interno” e “elevação espiritual”, sendo o verdadeiro
impulso para o individualismo.
“Mas o calvinismo, com a sua férrea concepção da predestinação
e da graça, que determina uma vasta expansão do espírito de iniciativa
(ou torna-se a forma deste movimento), é ainda mais expressiva e
significativa” (Gramsci, 1987, p. 25).
Karl Korsch (1977), por sua vez, irá apresentar uma crítica às concepções pretensamente
marxistas da Segunda Internacional e, posteriormente, da Terceira Internacional. Korsch rompe
com o economicismo, e tal como Lukács (1989), irá destacar a importância da totalidade histórica e
social, em contraposição ao economicismo do marxismo vulgar.
“Nas Teses Sobre Feuerbach, o jovem Marx opôs o seu novo
materialismo não só ao idealismo filosófico, mas também, como o mesmo
vigor, a todo o materialismo precedente; da mesma forma, também Marx
e Engels acentuaram em todas as suas obras posteriores a oposição entre
o seu materialismo dialético e o materialismo vulgar, abstrato e nãodialético, e tiveram, em particular, sempre consciência de que é
precisamente para a interpretação teórica e tratamento prático das
chamadas realidades espirituais (ideológicas) que esta oposição assume
uma importância especialmente grande. ‘É efetivamente muito mais
fácil’, diz Marx a propósito das representações intelectuais em geral e do
método de uma história da religião verdadeiramente crítica em
particular, ‘descobrir por meio da análise o núcleo terreno das
concepções nebulosas das religiões do que, inversamente, revelar, a
partir das condições reais de vida, as formas etéreas que estas revestem.
43
Gramsci realiza sua análise a partir da distinção atribuída à Marx entre “estrutura” e “superestrutura”,
buscando contestar o economicismo. Daí Gramsci valorar a ideologia (expressão que não tem o mesmo
sentido que em Marx, tal como colocaremos adiante) e analisá-la de acordo com sua eficácia. “A ideologia
contribui para ‘cimentar e unificar’ o bloco social” (Hall, Lumley & McLennan, 1983, p. 63).
Este último método é o único materialista e, por conseguinte, científico’.
Ora, uma prática revolucionária que se limitasse a uma ação direta
contra o núcleo terreno das concepções nebulosas da ideologia e já não
se quisesse preocupar minimamente com a revolução e superação destas
próprias ideologias seria naturalmente tão abstrata e antidialética como
um tal método teórico de pensamento que se contenta, à boa maneira de
Feuerbach, com reconduzir todas as representações ideológicas ao seu
núcleo concreto e material” (Korsch, 1977, p. 113-114).
Ao destacar a importância da totalidade, Korsch coloca que as idéias são parte da realidade, o
que implica uma revaloração da filosofia, das ideologias, da teoria, etc., pois elas atuam sobre a
realidade, e estão intimamente ligadas a ela. Ele afirma que muitos marxistas vulgares “nem sequer
in abstracto reconhecem, até hoje, a realidade das formas de consciência sociais, da vida
intelectual” (Korsch, 1977, p. 116-117). Korsch coloca, ao mesmo tempo, a necessidade de
superação destas realidades espirituais, o que foi omitido pela crítica burguesa a seu livro
Marxismo e Filosofia:
“Em vez de expor concretamente e criticar o resultado global
efetivo, revolucionário tanto na teoria quanto na prática, cujo
desenvolvimento e fundamentação todas as análises desta obra visam, ela
realçou unilateralmente o lado supostamente ‘bom’ para o ponto de vista
burguês – o reconhecimento das realidades espirituais – em detrimento
do lado efetivamente mau para esse ponto de vista – a proclamação da
total destruição e superação destas realidades espirituais e da sua base
material pela ação prática e teórica, a um tempo material e espiritual, da
classe revolucionária – e saudou este resultado parcial como um
progresso científico” (Korsch, 1977, p. 13-14).
A grande contribuição de Korsch reside em retomar a concepção marxista de que o mundo
das idéias é parte da realidade e, devido a isto, possui uma força e eficácia prática, bem como a
necessidade de superar as idéias historicamente constituídas pela sociedade capitalista.
O que todos estes pensadores fazem é combater uma versão empobrecida do marxismo,
chamada “economicismo” e que teve no processo de expansão do marxismo, acompanhado por sua
vulgarização, desde fins do século 19 até o início do século 20, no qual se tornou a versão
predominante do marxismo (graças aos partidos social-democratas e a intelectuais como Kautsky,
Bernstein, entre outros, e depois o bolchevismo e a bolchevização dos partidos comunistas, com a
consolidação do stalinismo) e que se reproduziu em concepções posteriores e também pelos seus
críticos, que preferiam a versão empobrecida por ser mais facilmente refutada. Todos eles colocam
a força ativa das representações, independentemente do fato de serem ilusórias ou verdadeiras.
M. Bertrand irá realizar um estudo interessante sobre as formas como as representações
ilusórias, o imaginário, atua sobre a sociedade. A questão colocada é o da eficácia e força de
determinadas idéias sobre a realidade44. Nas lutas sociais, os seres humanos realizam investimentos,
buscam realizar desejos, concretizar projetos. Obviamente, isto tudo se fundamenta no processo
social real dos indivíduos mas é preciso compreender como as representações ilusórias agem em
determinados momentos históricos. Assim, Bertrand contribui com uma análise de como Marx
abordava os modos de ação das representações ilusórias. Ele apresenta três modos: a idealização, a
identificação e a projeção.
“A idealização é a adesão a um grande ideal: projeto histórico,
luta nobre, cuja implicação deve exceder aos interesses privados –
mesmo se os engloba – e cuja duração deve exceder àquela das
existências particulares. É que nos permite compreender a economia do
sacrifício dos indivíduos por uma grande causa cujo triunfo não verão.
Um ideal dá ao sujeito uma imagem engrandecida, enaltecida de si
mesmo; contém a promessa de uma realização, de uma restauração, que
vai muito além da satisfação de reivindicações, certamente legítimas,
mas limitadas” (Bertrand, 1989, p. 25).
Assim, Bertrand cita os textos de Marx sobre as lutas de classes na Alemanha e França, e o
processo de idealização por detrás delas. Quando uma classe social busca o poder, se apóia em
símbolos, mitos, etc. que “transfigura seus objetivos privados”. A idealização eleva estes objetivos
privados em “universais”, tornando-os nobres não somente aos seus olhos como também aos olhos
de outras classes sociais.
44
“Embora se possa colocar em evidência certas relações entre os processos sociais e as representações, isto
não permite dizer por que, entre tantos sistemas simbólicos compatíveis com estas relações, alguns
puderam, num determinado momento, conhecer um sucesso histórico e outros não” (Bertrand, 1989, p. 22).
A resposta é a seguinte: “as representações, para serem socialmente eficientes, devem também ser
subjetivamente eficientes” (Bertrand, 1989, p. 22). Sem dúvida, algumas idéias de Bertrand são
incompatíveis com as teses de Marx e são muito pouco esclarecedoras, mas iremos tomar aqui apenas os
modos de ação das representações ilusórias apontados em seu texto, o que não significa concordância com
outros elementos presentes em sua abordagem. Também nos parece evidente que tais teses se aplicam a
momentos de efervescência política, já que são extraídas de momentos em que uma classe suplanta outra,
de acordo com o contexto da afirmação de Marx, embora tendem a se realizar de forma amena em períodos
de estabilidade social.
A identificação é conseqüência desta idealização, pois é ela que permite a união de outras
classes em torno de seus objetivos. A projeção significa colocar em outro grupo, classe, como o
“mal absoluto”, o “inimigo imaginário” ao qual todos devem combater. Todos estes elementos,
estas representações ilusórias, fazem os indivíduos agirem e lutarem45.
Assim, observamos que para Marx e alguns marxistas as representações são ativas, pois são
o ser consciente, e o ser humano é ativo, sendo que sua consciência é a forma dele decidir o que
fazer. Mas além da ação prática, existe o caráter ativo da consciência que se caracteriza pela criação
intelectual. O ser humano cria utopias, fantasias, mundos fictícios; cria métodos para se
aperfeiçoar46; cria outras idéias; interpreta e transforma idéias existentes. Todo este processo
criativo intelectual é ativo, sendo projeções do indivíduo que fornece novas formas e conteúdos ao
processo do pensamento. Desta forma, as representações são ativas, não meramente passivas,
epifenômenos da realidade. São parte da realidade e, sendo verdadeiras ou falsas, influenciam no
desenrolar desta.
Mas não as representações não são somente ativas, podendo também ser passivas. Em nossa
sociedade, veremos a emergência do fetichismo da mercadoria e da consciência coisificada, que se
generaliza por toda a sociedade. Esta forma de consciência apresenta o predomínio da acomodação
sobre a assimilação e se caracteriza por ser receptiva e tomar as relações sociais como sendo coisas,
ou seja, de forma reificada. Mais adiante veremos a importância da consciência coisificada47 para a
teoria marxista da consciência na sociedade capitalista. Aqui faremos apenas algumas breves
observações sobre o caráter passivo da consciência coisificada, fetichista, reificada.
Marx ironiza as representações das coisas como se tivessem vida própria, tal como “mesas
que se movem com suas próprias pernas” (Marx, 1988). O fetichismo da mercadoria consiste
45
Na verdade, apesar do autor citar diversos textos de Marx, estas idéias foram expostas originalmente e
sinteticamente em sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Marx, 1978), quando ele
analisa a revolução burguesa, que lança “grandes ideais” (liberdade, igualdade, fraternidade) e assim se
apresenta como “representante universal”, buscando o apoio das outras classes sociais, contra a classe
reacionária, feudal, na qual se “concentra todo o mal”. No entanto, o que Bertrand se esquece é que Marx
distingue esta fabricação de ilusões pela burguesia da constituição proletária de representações, que não são
ilusórias, pois no caso da revolução proletária, não se trata de uma idealização discursiva mas prática, pois
o proletariado, ao se libertar, realiza a abolição das classes sociais e, por conseguinte, a emancipação
humana, o que é um interesse universal e um “ideal nobre”, bem como a identificação, para as outras
classes e indivíduos, não é ilusória, já que a libertação será de toda a humanidade e, por fim, a “projeção”
do mal no oposto ocorre no que se refere à burguesia, que é o sustentáculo do modo de produção
capitalista, o que significa, novamente, não uma fabricação ilusória.
46
O próprio método dialético, segundo Korsch, um instrumento heurístico (1977), é uma produção mental
que visa seu próprio aperfeiçoamento visando o processo de análise da realidade.
47
A consciência coisificada é um conceito utilizado por Adorno (1986) e é um desenvolvimento da idéia de
reificação de Lukács, embora Marx tenha sido o primeiro a desenvolver a idéia de fetichismo.
exatamente em transformar o mundo das coisas em mundo humano e o mundo humano em mundo
das coisas, criando uma inversão, no qual o criador se torna criatura e a criatura se torna o criador.
Erich Fromm (1988) irá comparar o fetichismo com a idolatria. O idólatra produz seus ídolos e
depois passa a adorá-los como se fossem entes reais, forças vivas. Lukács (1989) irá tratar do
caráter contemplativo do sujeito na sociedade capitalista, pois cabe à consciência e ao calculo
racional conhecer e prever as leis do desenvolvimento econômico. Adorno (1986) desenvolve um
raciocínio análogo:
“Eu emiti o conceito de uma consciência coisificada. Trata-se
porém de um consciente que rejeita tudo que é conseqüência, todo o
conhecimento do próprio condicionamento, e aceita incondicionalmente
o que está dado” (Adorno, 1986, p. 41).
Este processo de reificação da consciência é mais amplo do que o simples caráter
contemplativo em relação ao mundo concreto, sendo também relativo ao mundo das idéias. A
consciência fetichista também toma as idéias, as representações, como algo objetivo, autônomo,
possuindo vida própria. Utilizando e ressignificando os termos piagetianos de assimilação e
acomodação, podemos compreender o significado disto:
“A concepção piagetiana do desenvolvimento intelectual da
criança parte do pressuposto de que, quanto mais se for ‘objetivo’ e se
desenvolve o pensamento formal, mais desenvolvido é o seu estágio
intelectual. A ‘acomodação’, a palavra em si mesma já é sugestiva,
significa um processo de adaptação da mente humana ao mundo
‘objetivo’, o que significa que o querer, a finalidade, é substituído pela
adaptação. A consciência perde o seu atributo humano que é o seu
caráter ativo e teleológico e torna-se contemplativo, reprodutivo. Isto foi
possibilitado pela separação entre o afetivo e o intelectual realizada por
Piaget. As conseqüências disto para o lado ‘intelectual’ é bastante
evidente: os processos mentais elaborados para analisar a realidade
tornam-se esquemas de adaptação a ela, buscando reproduzi-la como
uma fotografia. Outra conseqüência reside na dificuldade de que esta
forma de pensamento encontra para pensar o novo. Por fim, o querer é
abolido e em seu lugar surge a ‘neutralidade’ e a ‘objetividade’ e assim
aparece a identificação entre ‘inteligência’ e o desinteresse, a
adaptação, a passividade, enfim, com a acomodação” (Viana, 2000, p.
167).
Este processo de acomodação diante da realidade cria um processo semelhante ao mundo da
cultura, fazendo com que se torne uma contemplação das idéias e representações, deixando de ser
objetivação para se tornar alienação. Assim, as representações podem ser ativas e passivas.
Também observamos sua força quando são ativas, pois não só proporcionam criações culturais
como também ações sociais, transformação da realidade.
Modo de Vida e Representações Cotidianas
Já apontamos alguns elementos das representações cotidianas e de seu processo de formação.
Iremos, aqui, aprofundar o processo de formação das representações cotidianas no interior da
sociedade.
Aqui o conceito fundamental é o de modo de vida. Sem dúvida, este conceito foi utilizado
por Marx não como conceito, enquanto elemento conjuntural do seu discurso, mas abre
perspectivas que, juntamente com os desdobramentos oferecidos por outros autores, permitem
compreender sua importância para se compreender as representações cotidianas.
O conceito de modo de produção é muito mais amplo do que as concepções economicistas
deixam transparecer. Tal como coloca Harrington, Marx considerava o modo de produção
capitalista “não como um constructo econômico determinista, mas como um modo de vida”
(Harrington, 1977, p. 102). O conceito de modo de produção se refere ao modo de vida, a um
conjunto específico de relações sociais:
“O modo pelo qual os homens produzem seus meio de vida
depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e
que têm que reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de
um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos
indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade
dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado
modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida,
assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção,
tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os
indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua
produção” (Marx & Engels, 1991, p. 28).
Esta é a base real sob o qual se ergue a análise marxista da sociedade (Marx & Engels, 1991;
Granou, 1975) e das representações. O capitalismo, por exemplo, constitui um verdadeiro modo de
vida, determinadas formas de atividade, de produzir e reproduzir a existência e um conjunto de
elementos derivados daí. O modo de produção é um modo de vida, o que não quer dizer que o
modo de vida é um modo de produção. O modo de produção é uma parte da sociedade e uma parte
da vida das pessoas, uma parte do modo de vida, portanto. Sendo assim, o modo de vida é um
conceito mais amplo do que o de modo de produção48. O modo de produção não é apenas relação
“econômica” e este é o papel esclarecedor do uso da expressão modo de vida. O modo de vida
constitui a cotidianidade dos indivíduos, e, por conseguinte, fonte de suas representações.
O que é o cotidiano? A vida em sua totalidade. Mas a vida social em sua totalidade não é
vivida pelos indivíduos, que vivem apenas as relações sociais que os circundam, na esfera do
trabalho, dos estudos, do lazer, etc. Vários pesquisadores influenciados pelo marxismo abordaram a
questão do cotidiano (Kosik, 1986; Lefebvre, 1991; Neto & Falcão, 1987; Heller, 1985).
Devemos, primeiramente, entender o que é a vida cotidiana e depois observar suas
características para poder perceber sua relação com as representações cotidianas. O cotidiano é a
totalidade da vida social:
“A vida cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob
vários aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação
ou importância de nossos tipos de atividade. São partes orgânicas da
vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e
o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a
purificação” (Heller, 1985, p. 18).
Mas quais são as características da vida cotidiana? Netto retoma “as determinações da vida
cotidiana”, tal como apresentadas por Lukács: a) heterogeneidade, um conjunto de atividades
heterogêneas; b) imediaticidade, o indivíduo deve responder ativamente e diariamente, instaurando
uma conduta imediata; c) superficialidade extensiva, o cotidiano, mobiliza as forças e atenção do
indivíduo, mas não pode mobilizar todas as suas forças e atenção, o que faz com que ele atenda a
uma soma dos fenômenos sem observar suas relações.
48
Parte da população não está ligada ao modo de produção dominante (ou aos modos de produção
subordinados), vivendo numa esfera de atividades não ligadas ao processo de produção e reprodução da
vida material, tal como as formas jurídicas, políticas, ideológicas, etc. da sociedade.
“Estas determinações fundamentais da cotidianidade – mais
exatamente: estes componentes ontológico-estruturais da vida cotidiana
– ganham uma importância primária na escala em que, segundo Lukács,
a vida cotidiana é o alfa e o ômega da existência de todo e cada
indivíduo. Nenhuma existência individual cancela a cotidianidade. Daí
que esta imponha aos indivíduos um padrão de comportamento que
apresenta modos típicos de realização, assentados em características
específicas que cristalizam uma modalidade de ser do ser social no
cotidiano” (Netto, 1987, p. 66).
Sem dúvida, a heterogeneidade está presente na vida cotidiana (Netto, 1987; Heller, 1985).
Mas não é este um dos seus elementos mais importantes. A imediaticidade é sem dúvida um
elemento importante da cotidianidade. O imediato impede a reflexão, o pensamento abstrato, a
análise. Ninguém realiza análise, reflexões, cotidianamente. É por isso que na vida cotidiana reina
uma “atmosfera natural”:
“A cotidianidade não significa a vida privada em oposição à vida
pública. Não é tampouco a chamada vida profana em oposição ao mais
nobre mundo oficial: na cotidianidade viva tanto o escriturário como o
imperador. Gerações inteiras e milhões de pessoas viveram e vivem na
cotidianidade como em uma atmosfera natural sem que lhes ocorra à
mente, nem de longe, a idéia de indagarem qual o sentido dessa
cotidianidade” (Kosik, 1986, p. 68).
Assim, temos um primeiro elemento fundamental da vida cotidiana: a naturalização. A vida
cotidiana aparece como natural. Mas o outro elemento apontado por Lukács também se constitui
como elemento fundamental da cotidianidade: a superficialidade. Mas ao invés de superficialidade
preferimos pensar em simplicidade. Como resultado da naturalização e do não questionamento que
lhe acompanha, temos a simplicidade, ou seja, há um processo de simplificação, no qual tudo se
torna simples, sem exigir grandes reflexões e aprofundamentos, sem explicações complexas, sem
trazer a necessidade de ir além do cotidiano.
Um quarto elemento, não presente nas três determinações apontadas por Lukács, se encontra
na regularidade. O cotidiano é o mundo das relações e ações regulares do indivíduo.
“A vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos
de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades
caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das
crianças, fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, jantar, tomar
a cerveja, a pinga ou o vinho, ver televisão, praticar um esporte de
sempre, ler o jornal, sair para um ‘papo’ de sempre, etc. ... Nessas
atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as dirige que a
consciência” (Falcão, 1987, p. 22).
É esta regularidade que vai gerar o pragmatismo apontado por Heller (1985). A ação humana
na vida cotidiana é pragmática, no qual a exigência de respostas constantes produz uma
naturalização, a simplificação e a automação das ações (regularidade).
Assim, podemos dizer que a vida cotidiana se caracteriza como um processo marcado pela
regularidade, naturalidade e simplicidade. Mas resta ainda discutir alguns pontos: como se
constitui, se forma, a vida cotidiana, em uma determinada sociedade? Aqui assume importância a
categoria de totalidade (Lukács, 1989; Korsch, 1977; Marx, 1983), o que nos faz inserir a discussão
sobre a vida cotidiana na totalidade que é a realidade social, uma determinada forma de sociedade.
A cotidianidade é a totalidade da vida social vivida pelos indivíduos.
Isto nos remete à discussão sobre a formação histórica da cotidianidade, e sua relação com a
realidade social que lhe engloba. O que tratamos até aqui foram as características gerais da
cotidianidade. Resta trabalhar isto concretamente, em sociedades concretas, bem como entender o
processo de produção e reprodução da vida cotidiana. “Em cada época histórica os ritmos e as
regularidades da vida cotidiana se distinguem, se tornam diferenciáveis” (Falcão, 1987, p. 23).
Assim, cada sociedade constitui sua forma de cotidianidade. O cotidiano na sociedade
moderna, assim como o de qualquer outra sociedade, é marcado pela naturalização, simplificação e
regularidade. No entanto, cada sociedade possui um cotidiano que lhe é próprio e a naturalização,
simplificação e regularidade são de formas diferentes de relações sociais. Mesmo em uma mesma
sociedade, podemos pensar que o cotidiano não é exatamente o mesmo. “A vivência e experiência
da cotidianidade também é diferenciável segundo os grupos ou classes sociais a que os indivíduos
pertencem e em cada modelo societário existente” (Falcão, 1987, p. 23).
No entanto, não é nosso objetivo discutir a cotidianidade na sociedade moderna de forma
aprofundada. No decorrer do trabalho iremos realizar alguns apontamentos, mas tão somente
quando for relevante aos nossos objetivos.
Pretendemos aqui tão-somente recuperar o conteúdo da vida cotidiana, revelar o seu caráter
concreto, determinado. Anteriormente havíamos dito que o modo de produção é um modo de vida,
um “conjunto específico de relações sociais”, uma “parte da cotidianidade”. O que isto significa?
Significa que o modo de produção não é a totalidade da cotidianidade, o que nos leva a buscar
compreender qual é esta parte ausente da cotidianidade que não está incluído no modo de produção.
O modo de produção é um conceito ligado ao conjunto das relações sociais específicas
ligadas ao processo de produção e reprodução da vida material, incluindo o que e como os seres
humanos produzem e reproduzem sua existência. Assim, as relações de trabalho, as relações de
distribuição, as relações de propriedade, o processo social e cultural incluído aí, e, nas sociedades
de classes, a luta e o conflito, são estas relações sociais específicas que constituem o modo de
produção. As demais relações sociais que não se incluem neste processo são derivadas delas, são o
que Marx denominou “formas jurídicas, políticas, ideológicas, etc.” que possuem como
determinação fundamental o modo de produção. O conjunto das relações sociais constituídas nesta
esfera das formas de regularização da vida social (“superestrutura”) também faz parte da
cotidianidade, mas não faz parte do modo de produção, mas também constitui valores, interesses,
atividades, etc. Este conjunto de relações sociais caracteriza o que podemos denominar
sociabilidade, tal como o fez a psicologia social de Maisonneuve (1967).
A vida cotidiana não se caracteriza apenas por seus aspectos formais (naturalização,
simplificação e regularidade), pois ele não só se realiza desta forma mas ocorre num sentido
determinado. A sociabilidade, o mundo das relações sociais não ligadas à esfera da produção,
constitui representações, valores, interesses, sentimentos, costumes, ou, em uma palavra, uma
determinada forma de cotidianidade, seu “conteúdo concreto”.
Assim, a vida cotidiana é a base real sob a qual se erguem as representações cotidianas.
Nada mais natural, portanto, que as representações cotidianas estejam impregnadas de
cotidianidade e suas características. As três características da cotidianidade que apontamos
anteriormente estão também presentes nas representações oriundas desta cotidianidade:
naturalização, simplificação e regularidade.
A naturalização é uma característica amplamente reconhecida nas representações cotidianas.
Para alguns, aliás, esta é a sua característica fundamental, pois elas tomam o mundo como natural
(Bauman, 1977). Moscovici no capítulo final de seu livro discute o “pensamento natural” ao invés
de usar o termo “representações sociais” e fala de “lógica natural” (Moscovici, 1978). O que
significa dizer que as representações cotidianas realizam o processo de naturalização?
“O reino da não-liberdade é o único significado imutável da
‘natureza’ que está enraizado na experiência humana. Todas as outras
características inerentes ao conceito se encontram pelo menos uma vez –
ou mais de uma vez – afastadas ‘do que é dado diretamente’, que é, por
sua vez, o resultado do processamento teórico da experiência elementar.
Por exemplo, a natureza é o oposto da cultura, na medida em que a
cultura é a esfera da criatividade humana e o seu desígnio; a natureza é
‘inumana’, na medida em que ‘ser humano’ implica estabelecer objetivos
e padrões ideais; a natureza é desprovida de sentido, na medida em que
dar sentido a uma coisa é um ato de vontade e a verdadeira essência da
liberdade; a natureza é determinada, na medida em que a liberdade
consiste em por a determinação de lado” (Bauman, 1977, p. 9-10).
A cotidianidade e sua regularidade permitem o processo de naturalização, posto que a
reflexão aprofundada sobre a realidade cotidiana é obliterada. Assim, no mundo das representações
cotidianas, a vida social se torna algo “natural”, desprovido de sentido humano, aparecendo como
um produto das “leis da natureza”, da “vontade divina”, do “acaso”, da “essência maligna ou
benigna” dos seres, etc.
Outro elemento presente nas representações cotidianas se encontra na simplicidade. As
representações cotidianas são representações simples. A simplicidade está intimamente relacionada
com a naturalização. Ao contrário do pensamento complexo, as representações cotidianas não se
caracterizam por uma reflexão profunda sobre o mundo, sobre a realidade. No entanto, elas são
constrangidas a dar respostas, explicações. As explicações fornecidas pelas representações
cotidianas são “simples” ao contrário das explicações fornecidas pelo pensamento complexo:
“Aqui podemos colocar uma distinção entre explicações
complexas
e
explicações
simples.
As
complexas
são
aquelas
fundamentadas em teorias ou ideologias (as explicações científicas e
filosóficas se pretendem complexas) e as simples são aquelas que não se
fundamentam em teorias ou ideologias mas em representações
cotidianas. Assim, se pode dizer que o Brasil perdeu a copa de 86 porque
o técnico da seleção era incompetente, e isto é uma explicação simples.
Uma explicação complexa irá se fundamentar em métodos e teorias que
fornecem um quadro global do fenômeno, buscando reconstituir o
conjunto das determinações do fenômeno, sendo que a “incompetência
do técnico” pode ou não ser uma das determinações do fenômeno (aliás,
os comentaristas de futebol vivem geralmente, salvo raras exceções, no
nível
das
explicações
simples,
ou
seja,
se
fundamentam
em
representações cotidianas, isto é, no “senso comum”) (Viana, 2002b, p.
128).
Desta forma, as explicações fornecidas com base nas representações cotidianas, satisfazem a
necessidade de dar respostas e de compreensão no cotidiano sem provocar pesquisas, explicações e
reflexões profundas, sem ter que apelar para o saber científico, filosófico, etc. (a não ser que este
seja “simplificado”). O simples aqui se contrapõe ao complexo. O complexo é o que possui uma
diversidade de elementos e aspectos relacionados de forma coerente e formando um conjunto. O
simples é constituído também como um conjunto de elementos, que, no entanto, tem como
diferença em relação ao complexo o fato de que os seus elementos constituintes são de uma
diversidade bem menor, bem como sua coerência interna é apenas parcial, residindo apenas no seu
núcleo.
O terceiro aspecto da cotidianidade presente nas representações cotidianas é a regularidade.
A regularidade da vida cotidiana se reproduz nas representações cotidianas, pois elas também são
marcadas pela repetição e fixação de idéias, explicações, raciocínios. Sem dúvida, a improvisação e
o provisório estão presentes nas representações cotidianas (tal como na própria vida cotidiana) mas
o seu núcleo é regular, permanente. A regularidade da vida cotidiana é traduzida nas representações
cotidianas pela repetição, tal como coloca Moscovici: “a existência e o emprego de um estoque de
lugares-comuns, de juízos e expressões que traduzem a confiança nas fórmulas consagradas (...)”
(Moscovici, 1978, p. 257).
Desta forma, fica mais fácil entender por qual motivo denominamos estas representações
como sendo cotidianas, pois são a expressão consciente da vida cotidiana, a manifestação das
atividades cotidianas dos indivíduos não apenas em seu repertório temático (determinado por uma
forma concreta de sociabilidade) mas também em sua forma de expressão, marcada pela
naturalização, simplificação e regularidade. No entanto, as representações cotidianas também
possuem outros elementos formais, dos quais trataremos adiante. Por enquanto, deixamos claro que
as representações são a manifestação do ser consciente e este vive no cotidiano, expressando-o. As
representações cotidianas expressam o cotidiano. No entanto, tal como colocamos anteriormente, o
cotidiano não é o mesmo em sociedades, épocas, classes e grupos sociais diferentes. Este é o nosso
próximo tema.
Representações Cotidianas e Consciência de Classe
Por fim, resta relacionarmos representações cotidianas e consciência de classe. A consciência
de classe é a mesma coisa que representações cotidianas? Não, pois, em primeiro lugar, a
consciência de classe pode se manifestar tanto como representações cotidianas quanto como
“pensamento complexo”; em segundo lugar, a consciência de classe é sempre consciência de uma
determinada classe, ou seja, a divisão social está explícita neste termo; em terceiro lugar, a idéia de
consciência de classe já traz em si determinados interesses e valores portados por ela. Tudo isto
entra em contradição com as representações cotidianas, que não nos remete imediatamente ao
problema da divisão social de classes nem remete imediatamente a valores e interesses.
Porém, isto não quer dizer que as representações cotidianas não estejam ligadas à
consciência de classe. Na verdade, temos aqui mais um ponto de divergência entre a concepção
marxista e a idéia de senso comum e a de representações sociais. As representações cotidianas são
formas de consciência de classe não complexas e por isso podem ser reais, contraditórias ou
ilusórias, tal como já colocamos. Assim, toda representação cotidiana é consciência de classe mas
nem toda consciência de classe é representação cotidiana. Além disso, as representações cotidianas
trazem em si valores e interesses e expressam a divisão social de classes, mas isto não é
imediatamente visível, a não ser que se coloque que são representações de uma ou outra classe
social.
Assim, o conceito fundamental para o nosso trabalho é o de representações cotidianas, que é
a expressão equivalente ao fenômeno expresso pelo termo de senso comum e pela noção de
representações sociais.
A análise de Marx e de seus continuadores sobre as representações cotidianas coloca dois
elementos importantes para nossa análise. O primeiro é sua relação com o pensamento complexo, a
ideologia. O segundo é sua relação com as classes sociais. Trataremos, agora, de forma mais
detalhada, da relação entre representações cotidianas e consciência de classe e, posteriormente, de
sua relação com o pensamento complexo. Mas antes de começar cabe alertar que iremos abordar a
relação entre representações cotidianas e consciência de classe no contexto de uma sociedade
concreta, a sociedade capitalista. Iremos colocar, inicialmente, a questão de um ponto de vista
genérico, e posteriormente, devido ao fato de que foi ao desenvolvimento da consciência de classe
na sociedade moderna que se voltou a atenção das análises de Marx e seus continuadores,
focalizaremos esta relação no contexto específico do capitalismo.
Vimos anteriormente que as representações cotidianas podem ser reais (verdadeiras),
contraditórias ou ilusórias e as limitações destas representações são derivadas da limitação de suas
relações sociais e com o meio ambiente. Relações sociais limitadas com outros indivíduos e com o
meio ambiente provocam representações limitadas, ilusórias.
Esta falsa consciência é produto das relações sociais limitadas entre os seres humanos e deles
com o meio ambiente. De onde vem essas relações sociais limitadas? Da divisão social do trabalho
(e, no caso da relação com o meio ambiente, da dependência em relação à natureza), pois esta
produz atividades sociais limitadas que os seres humanos terão que reproduzir. A posição do
indivíduo na divisão social do trabalho proporciona-lhe atividades limitadas e conseqüentemente
uma consciência limitada. Estas atividades limitadas constituem modos de vida limitados, um
cotidiano limitado. Mas o cotidiano é diferente em classes sociais diferentes. Cada classe social
possui um modo de vida específico, que, obviamente, possui elementos comuns com o modo de
vida de outras classes, mas também elementos particulares, específicos. Acrescente-se a isso que os
elementos comuns com o modo de vida de outras classes são vividos de forma diferente49. Assim,
podemos dizer que existe um modo de vida geral, uma cotidianidade comum, ao lado de modos de
vidas particulares, cotidianos específicos de cada classe social.
Mas é preciso acrescentar que a posição do indivíduo na divisão social do trabalho também
lhe confere determinados interesses, hábitos, valores etc. que são correspondentes ao da classe
social à qual pertence e que possui determinado lugar da divisão social do trabalho. Portanto, a
consciência individual é, simultaneamente, consciência de classe.
O modo de vida particular de uma classe social lhe proporciona um conjunto de
características próprias. Isto está ligado em sua posição na divisão social do trabalho. É devido a
sua posição da divisão social do trabalho que se constitui um modo de vida particular. A divisão
social do trabalho não é apenas divisão, é relação. Relação entre classes sociais, no qual há o
processo de trabalho e tudo que deriva daí50.
A divisão social do trabalho na sociedade constitui as classes sociais e cria uma consciência
de classe limitada em todas elas. Porém, Marx confere um papel especial à consciência de classe do
proletariado. A consciência de classe do proletariado é também uma consciência limitada. O
proletariado, devido ao fato de não desenvolver todas as atividades sociais mas apenas aquelas que
49
Isto pode ser visto, por exemplo, no desejo de consumo, que para as classes privilegiadas se vê geralmente
satisfeito enquanto que, em que pese o mesmo desejo existir nos setores mais empobrecidos, mas não sua
realização.
50
“O controle social do sistema ocupacional é da maior importância porque é o emprego que decide o que
uma pessoa pode fazer na maior parte da sua vida – de quais associações ele poderá tornar-se membro,
quem serão seus amigos e onde poderá morar” (Berger, 1986, p. 89).
a divisão social do trabalho lhe permite, também possui uma consciência limitada, mas que, graças
à sua posição específica na divisão social do trabalho, é mais desenvolvida do que a de qualquer
outra classe social. Isto ocorre devido ao fato de que junto com a limitação de suas atividades existe
a exploração e dominação às quais o proletariado está submetido e daí seu interesse em superá-las e
desta forma poder realizar a “crítica desapiedada do existente” (Marx, 1979).
A divisão social do trabalho e o interesse derivado dela é o elemento fundamental na
determinação social da consciência para Marx. É por isso que Marx irá colocar que a condição de
possibilidade de uma consciência correta da realidade é partir da perspectiva do proletariado
(Viana, 1998; Lukács, 1989; Korsch, 1977). Porém, o peso das limitações continua pesando sobre a
cabeça dos proletários. É por isso que a consciência de classe do proletariado é, num primeiro
momento, consciência de classe contraditória (Gramsci, 1989; Reich, 1976), que se torna
consciência de classe revolucionária (e, portanto, consciência correta da realidade) com o
desenvolvimento das lutas de classes (Marx, 1989).
A passagem da consciência de classe contraditória para consciência de classe revolucionária,
foi desenvolvida por Karl Marx e alguns pensadores posteriores. Marx abordou isto utilizando
linguagem hegeliana, abordando a questão da passagem de “classe em si” à “classe para si”.
Segundo Marx é através da associação ou “coalizão” da classe operária que se realiza esta
passagem.
“A grande indústria aglomera num mesmo local uma multidão de
pessoas que não se conhecem. A concorrência divide os seus interesses.
Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o seu
patrão, os reúne num mesmo pensamento de resistência – a coalizão. A
coalizão, pois, tem sempre um duplo objetivo: fazer cessar entre elas a
concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se
o primeiro objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário, à
medida que os capitalistas, por seu turno, se reúnem em um mesmo
pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente isoladas, agrupamse e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação
torna-se para elas mais importante do que o salário. Isto é tão
verdadeiro que os economistas ingleses assombram-se ao ver que os
operários sacrificam uma boa parte do salário em defesa das associações
que, aos olhos destes economistas, só existem em defesa do salário. Nesta
luta – verdadeira guerra civil – reúnem-se e se desenvolvem todos os
elementos necessários a uma batalha futura. Uma vez chegada a este
ponto, a associação adquire um caráter político” (Marx, 1989, p. 159).
Assim, a associação, derivada da luta de classes, permite a elevação da consciência de classe
a um nível superior, tornando-se consciência de classe revolucionária:
“As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa
do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa
uma situação comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao
capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que
assinalamos algumas fases, esta massa se reúne, se constitui em classe
para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe”
(Marx, 1989, p. 159).
Esta tese de Marx foi desenvolvida por outros pensadores, incluindo Georg Lukács em seu
escrito de juventude História e Consciência de Classe. Nesta obra, Lukács, apesar de algumas
ambigüidades que se desdobraram em sua futura autocrítica pergunta, em seu ensaio A Consciência
de Classe, como ocorre a passagem da “consciência psicológica” para a consciência de classe. Ele
alerta de que não se trata da passagem em “indivíduos extraordinários”, tal como no caso de Marx,
mas no que diz respeito à totalidade da classe operária. Lukács observa que tal passagem de
consciência psicológica para consciência de classe ocorre através da emergência no órgão de luta
do proletariado, isto é, nos conselhos operários:
“Seria catastrófico alimentar ilusões sobre a extensão do caminho
ideológico que o proletariado tem que percorrer. Seria, no entanto,
igualmente catastrófico não ver as forças que, no seio do proletariado,
atuam no sentido de uma superação ideológica do capitalismo. O simples
fato de cada revolução proletária ter, por exemplo, produzido – de uma
forma cada vez mais intensa e mais consciente – o órgão de luta do
conjunto do proletariado, que se torna órgão estatal, o conselho
operário, é um sinal de que a consciência de classe do proletariado está
em vias de ultrapassar vitoriosamente a mentalidade burguesa da sua
camada dirigente” (Lukács, 1989, p. 95).
Assim, a passagem da consciência de classe cotidiana para a consciência revolucionária
ocorre através do desenvolvimento das lutas de classes e da formação da associação operária, dos
conselhos operários.
“O conselho operário revolucionário, que há que não confundir
com a sua caricatura oportunista, é uma das formas por que a
consciência do proletariado lutou incansavelmente desde o seu
nascimento. A sua existência e o seu contínuo desenvolvimento mostram
que o proletariado está já no limiar da sua própria consciência e, por
conseguinte, no limitar da vitória, por que o conselho operário é a
superação econômica e política da reificação capitalista” (Lukács, 1989,
p. 95)
A burguesia, por sua vez, devido à sua posição na divisão social do trabalho, também possui
uma consciência limitada e um interesse em manter esta limitação para não revelar a existência da
dominação e a exploração. A consciência burguesa é visão da realidade social vista de sua
perspectiva e é por isso que ela é uma deformação desta realidade, pois a toma como sendo eterna e
universal, ou seja, naturaliza e eterniza relações sociais históricas e transitórias, tese que é retomada
por Bauman (1977)51.
Devemos, aqui, inserir a discussão posta por Goldmann (1972) sobre a distinção entre
consciência real e consciência possível:
“Quando procuramos estudar os fatos de consciência coletiva, e
mais precisamente o grau de adequação à realidade da consciência dos
diferentes grupos que constituem uma sociedade, temos que começar pela
distinção primordial entre a consciência real, com o seu conteúdo rico e
múltiplo, e a consciência possível, o máximo de adequação que o grupo
poderia alcançar sem com isso modificar sua natureza” (Goldmann,
1972, p. 106).
51
Lukács fez um extenso estudo sobre os limites da consciência burguesa. Ele destaca o caráter a-histórico do
pensamento burguês e discute a relação entre classe dominante e falsa consciência, destacando o caso da
burguesia. Ele coloca que a classe dominante possui uma falsa consciência, incluindo a burguesia. “Esta
situação manifesta-se com uma evidência ainda maior na burguesia atual que, originariamente, ao iniciar a
luta contra a sociedade absolutista e feudal, conseguiu aceder ao conhecimento das interdependências
econômicas, mas foi totalmente incapaz de levar até o fim essa ciência que era originariamente sua, essa
ciência de classe que lhe era absolutamente própria; tinha forçosamente que fracassar, também,
teoricamente, perante a teoria das crises. E não lhe vale mesmo de nada, neste caso, que a solução teórica
esteja cientificamente ao seu alcance. Com efeito, aceitar, ainda que teoricamente, tal solução, equivaleria a
deixar de considerar os fenômenos da sociedade do ponto de vista da burguesia e disso nenhuma classe é
capaz, ou teria que renunciar voluntariamente à sua dominação. A barreira que faz da consciência de classe
da burguesia uma ‘falsa consciência’ é, pois, objetiva; é a própria situação de classe” (Lukács, 1989, p. 68).
O problema é a relação entre consciência real e consciência possível varia de acordo com a
classe social52. Marx considerava que a consciência burguesa possuía “limites intransponíveis”
(Marx, 1988), devido a sua necessidade de ocultar o processo de exploração e dominação, o que
significa que sua consciência possível coincide com sua consciência real53. O mesmo não ocorre
com o proletariado, tal como colocamos anteriormente, sendo que sua consciência real é
contraditória, e somente com o desenvolvimento das lutas de classes é que se torna consciência
revolucionária, isto é, somente neste contexto sua consciência possível se torna sua consciência
real.
Assim, as representações cotidianas são formas de consciência de classe. Sem dúvida, esta
formulação é correta mas incompleta. As representações cotidianas possuem um elemento geral,
que perpassa todas as classes sociais, e também elementos particulares, pertencentes a classes
sociais específicas. Em períodos de transformação social, este elemento global acaba se diluindo
nas divergências e antagonismos que se acirram.
Como é possível haver um elemento geral nas representações cotidianas de todas as classes
sociais? Pelo simples motivo de viver numa mesma sociedade, embora marcada pela divisão e
conflito, e possuir uma cotidianidade formalmente semelhante (naturalização, simplificação e
regularidade), bem como uma sociabilidade geral comum a todas as classes sociais.
Além disso, Marx e Engels destacaram o domínio das idéias da classe dominante num
determinado período histórico:
“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias
dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe
que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao
mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela
sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos
quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada
mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as
relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a
expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante;
52
Obviamente que, na sociedade capitalista, existem outras classes sociais além da capitalista e proletária
(camponeses, burocratas, etc.), mas para a nossa análise nos limitaremos aqui a estas duas classes, que,
segundo a teoria marxista, são as classes sociais fundamentais da sociedade capitalista.
53
“(...) O pensamento burguês, deparará forçosamente com uma barreira instransponível, já que o seu ponto
de partida e o seu fim são sempre, mesmo inconscientemente, a apologia da ordem existente das coisas ou,
pelo menos, a demonstração de sua imutabilidade” (Lukács, 1989, p. 61).
portanto, as idéias de sua dominação. Os indivíduos que constituem a
classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e,
por isso, pensam na medida em que dominam como classe e determinam
todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda
sua extensão e, conseqüentemente, entre outras coisas, dominem também
como pensadores, como produtores de idéias; que regulem a produção e
a distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por isso
mesmo, as idéias dominantes da época” (Marx & Engels, 1991, p. 72).
As representações cotidianas estão perpassadas por todos estes aspectos e possui um caráter
genérico e outro particular. As representações cotidianas são formas assumidas pela consciência
das diversas classes sociais, embora nem sempre a consciência de classe se manifeste como
representação cotidiana, pois elas também podem se manifestar como pensamento complexo
(filosofia, ciência, teologia, etc.), tal como abordaremos a seguir.
Representações Cotidianas e Pensamento Complexo
As representações cotidianas, formas de consciência espontânea, convivem com outras
formas expressas em visões de mundo articuladas, tal como no caso da teologia, da filosofia, da
ciência etc. É por isso que Marx irá colocar que cada classe social produz seus representantes
intelectuais e políticos (Marx, 1989; Korsch, 1977; Viana, 1995), idéia retomada posteriormente
por Korsch (1977), Lukács (1989) e Gramsci (1987).
Tais representantes fornecem coerência e elevam a um nível superior a consciência de classe
da classe social que representam. Neste sentido, eles desenvolvem a consciência de classe
articulando-a ou sistematizando-a, elevando-a ao nível de uma teoria ou de uma ideologia. A
relação entre estes representantes e a classe que representam se encontra no fato de que eles não
conseguem ultrapassar idealmente os limites que a classe que representam não superam em sua
vida. Tais representantes apontam para os mesmos problemas e soluções que a classe que
representam apontam, não sendo, necessariamente, pertencentes a estas classes54.
54
Isto significa que a filosofia, as idéias, as concepções de mundo, são todas perpassadas por um caráter de
classe. Evidentemente, isto também se aplica ao marxismo. Como as idéias de uma classe são produzidas?
Qual é o papel dos ideólogos e teóricos neste processo? Tal como colocou Marx, todas as classes criam os
seus próprios representantes políticos e literários. Marx (1989) diz que a relação entre estes representantes
e a classe que representam é expressa pelo fato deles não ultrapassarem mentalmente os limites que a sua
classe não ultrapassa na vida e assim são impelidos, conseqüentemente, para se voltarem teoricamente para
os mesmos problemas e soluções que o interesse material e a posição social da classe que representam.
Porém, existe uma tendência de que o representante expresse o ponto de vista da classe ao
qual pertence, embora a diversidade de classes sociais na sociedade capitalista provoque uma
situação complexa, na qual se desenvolve um conjunto de especialistas na produção intelectual que
não são pertencentes nem à burguesia e nem ao proletariado, constituindo uma das classes
auxiliares da burguesia.
É neste momento que se pode falar do fenômeno da ideologia, pois, tal como Marx colocou,
ela surge com o aparecimento da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Os ideólogos,
trabalhadores intelectuais, sistematizam a representações cotidianas da classe dominante em um
sistema coerente e unitário. Eles são os representantes intelectuais da classe dominante. Esta
ideologia se torna ideologia dominante em determinada sociedade, pois ela corresponde aos
interesses da classe dominante, que é a proprietária não só dos meios de produção material como
também dos meios de produção intelectual.
As classes exploradas também produzem seus representantes intelectuais e sua concepção de
mundo ou representações cotidianas de forma articulada. Nas sociedades pré-capitalistas isto ocorre
sob a forma de utopia55. As ideologias e as utopias, por sua vez, podem assumir diversas formas e
isto reforça a constatação da complexidade e diversidade das formas de consciência. A teoria
marxista da consciência possui diversos outros elementos que, por questão de espaço, não serão
aqui colocados. Basta concluirmos que é o surgimento dos representantes intelectuais das classes
sociais que marca a possibilidade do surgimento do pensamento complexo, o que nos permite
continuar nossa caminhada.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer na relação entre representações cotidianas e
pensamento complexo suas reais diferenças. Para Marx, as representações cotidianas são uma coisa
e o pensamento complexo outro, embora ele não utilize este último termo, mas coloca os termos de
ideologia, teoria, ciência, filosofia etc. que expressam um pensamento diferente das representações
que realizamos cotidianamente. As representações cotidianas podem ser reproduzidas pelo
pensamento complexo, seja científico, filosófico etc. Se tais representações são ilusórias, se
pertencem ao mundo do imaginário, a sua sistematização as transforma em uma ideologia. É o que
Marx aborda quando trata da “economia política vulgar”:
“É (...) igualmente natural que os agentes reais da produção se
sintam completamente à vontade nessas formas alienadas e irracionais
55
Marx apresentou, tal como Engels, alguns apontamentos sobre isto, mas tal idéia foi desenvolvida por Karl
Mannheim (1988) e principalmente Ernst Bloch (Furter, 1984; Münster, 1993; Albornoz, 1985; Furter,
1974; Bicca, 1987).
de capital – juros, terra – renda, trabalho – salário, pois elas são
exatamente as configurações da aparência em que eles se movimentam e
com as quais lidam cada dia. Por isso é igualmente natural que a
Economia vulgar, que não é nada mais do que uma tradução didática,
mais ou menos doutrinária, das concepções cotidianas dos agentes reais
da produção, nas quais introduz certa ordem compreensível, encontre,
exatamente nessa trindade em que todo o nexo interno está desfeito, a
base natural e sublime, acima de toda e qualquer dúvida, de sua
jactância superficial. Ao mesmo tempo, essa fórmula corresponde ao
interesse da classe dominante, à medida que ela proclama e eleva a
dogma a necessidade natural e legitimação eterna de suas fontes e
rendimentos” (Marx, 1988B, p. 262).
A partir destas reflexões de Marx podemos colocar a questão do processo de relação do
indivíduo com o pensamento complexo (ideologia e teoria, sob a forma de ciência, filosofia,
teologia, concepção política etc.). Os indivíduos nascem envolvidos em torno de representações
cotidianas e pensam a partir deste universo que lhes envolve. O acesso ao pensamento complexo,
em nossa sociedade, ocorre via um processo de socialização específico, a socialização escolar, que
possui níveis e graduações diferentes. Através deste processo, parte da população, passa a produzir
e/ou reproduzir o pensamento complexo.
Mesmo aqueles que se dedicam exclusivamente ao trabalho intelectual, ou seja, aqueles que
foram socializados e preparados para trabalhar com o pensamento complexo, reproduzem, em parte
do seu cotidiano, as representações cotidianas. Tal como coloca Gramsci:
“Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um
determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que
partilham de um mesmo modo de pensar e de agir. Somos todos
conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou
homens-coletivos” (Gramsci, 1987, p. 12).
Assim, o indivíduo adquire um pensamento complexo através de sua inserção em
determinadas relações sociais, o que é um processo histórico no desenvolvimento do indivíduo.
Deixando de lado a relação do indivíduo com as representações cotidianas e com o pensamento
complexo e vendo o processo histórico de engendramento de ambos, percebemos que as
representações cotidianas sempre estiveram presentes na história da humanidade mas que o
pensamento complexo surge em um momento histórico preciso – que é o do surgimento da divisão
social do trabalho entre trabalho intelectual e manual, momento em que surgem as primeiras
formações ideológicas (filosofia, teologia) e com o desenvolvimento histórico se complexifica cada
vez mais (filosofia, ciência).
Assim, o pensamento complexo realiza uma sistematização/articulação das representações
cotidianas. No entanto, uma vez existindo, o pensamento complexo passa a se difundir e influenciar
a população, isto é, aos indivíduos que vivem no mundo das representações cotidianas. Moscovici
fez um estudo sobre a difusão da psicanálise e isto pode contribuir com a compreensão desta
relação. A análise da difusão da psicanálise demonstra as várias formas de contato entre os
indivíduos que não são psicanalistas com ela: estudos, literatura, meios de comunicação de massas
(rádio, imprensa, espetáculos), conversação, sendo que cada item é mais forte em determinados
grupos sociais. Por exemplo, a pesquisa feita por Moscovici aponta que os operários sabem da
psicanálise através dos meios de comunicação de massas (70%) e de conversação (40%) e não
tiveram contato com ela através dos estudos (0%). Ao contrário, estudantes e profissionais liberais,
que possuem mais contato com o pensamento complexo, obtiveram seu conhecimento da
psicanálise através dos estudos (40% e 45% respectivamente). Segundo Moscovici,
“Cada população tem seus modos dominantes de comunicação em
relação com a sua situação social e o seu grau de instrução. O rádio é
raramente citado, e sempre por pessoas pertencentes às classes médias.
A imprensa e os espetáculos são uma fonte de iniciação à psicanálise
para os operários e as classes médias, mas permanecem inteiramente
secundários para os alunos de escolas técnicas, os intelectuais e os
estudantes. Estes últimos citam sempre as fontes de informação
institucionais (os estudos), enquanto que os intelectuais e as classes
médias extraem seus conhecimentos, na maior parte, da literatura
(comunicação direcional e não-institucional que parece ocupar lugar
menos importante nas outras populações). Existe uma relação de
hierarquia dos grupos profissionais e a das fontes de informação. No
topo, os estudantes e os membros de profissões liberais abordaram a
psicanálise através de seus estudos, suas leituras ou no decorrer de
conversas privadas. Os alunos de escolas técnicas aproximam-se dos
grupos ‘intelectuais’ porque receberam suas noções elementares de
psicanálise na escola; também citam a conversação como fonte de
conhecimento. Nas classes médias, a literatura é citada com uma
freqüência vizinha daquela dos profissionais liberais, mas a conversação,
a radio e a imprensa desempenham o mesmo papel que entre os
operários” (Moscovici, 1977, p. 94).
Moscovici coloca que a psicanálise se torna objeto do “senso comum”. Isto provoca sua
naturalização. As representações da psicanálise realizam um “salto imaginário” e provoca nela uma
mudança de status, naturalizando-a56. Isto significa que a psicanálise se transforma em
representação cotidiana. Moscovici demonstra o processo em que a teoria psicanalítica tem
conservado os aspectos que podem ser assimilados pelas representações cotidianas e, por isso, a
teoria da sexualidade elaborada por Freud é citada apenas por 1% dos sujeitos pesquisados, apesar
de sua importância fundamental no esquema explicativo freudiano57.
“Sem a teoria da sexualidade, a psicanálise torna-se socialmente
aceitável e, descartado esse princípio fundamental, o grupo efetua uma
reorganização da topografia dos conceitos na base que mais lhe convém,
podendo agora cada uma das relações conhecidas ser ‘manipulada’,
admitida ou rejeitada sem levar em conta a sua unidade nem a sua ordem
originais” (Moscovici, 1977, p. 122).
Apesar dos limites de algumas de suas afirmações, Moscovici nos traz informações que
permitem perceber o processo de assimilação do pensamento complexo pelo pensamento comum.
Assim, observamos que as representações cotidianas podem ser “traduzidas” pelo pensamento
complexo (se tais representações são ilusórias, tal produção cria ideologias e, se forem
representações reais, criam teorias) e o pensamento complexo (científico, filosófico, teológico etc.)
também é “traduzido” pelas representações cotidianas, perdendo o seu caráter complexo,
sistemático, articulado, organizado, coerente.
Mas para compreender esta relação entre pensamento complexo e representações cotidianas é
necessário esclarecer qual a diferença entre estas duas formas de saber. As representações
cotidianas podem ser reais, contraditórias e ilusórias e o pensamento complexo também. Por
conseguinte, não é na divisão realizada pelo positivismo clássico ou fenomenológico entre saber
verdadeiro (ciência) e saber falso (senso comum) que reside a diferença entre estas duas formas de
56
“Depois do aparecimento da psicanálise, já não se diz apenas que um indivíduo é teimoso ou brigão; diz-se
também que é agressivo e recalcado. As categorias do normal e do patológico mudaram” (Moscovici, 1977,
p. 113).
57
A pesquisa de Moscovici é passível de muitas críticas, a começar pela sua interpretação da psicanálise e
das respostas dos entrevistados. Na época em que foi realizada, já haviam se difundido as escolas
culturalistas e outras tendências revisionistas da psicanálise e a pergunta não era sobre Freud
especificamente e sim sobre a psicanálise, o que faz esta observação carecer de sentido.
consciência. Das três características formais das representações cotidianas que apontamos
anteriormente (naturalização, simplificação e regularidade), todas também podem ser reproduzidas
pelo pensamento complexo, com exceção da simplificação. Aqui reside a distinção entre o
pensamento simples e o pensamento complexo.
As representações cotidianas se distinguem do pensamento complexo pela simplicidade. A
simplicidade se revela nas suas explicações simples e na sua pouca profundidade de reflexão e
análise. O pensamento complexo, ao contrário, apresenta a complexidade como característica
diferenciadora das demais formas de consciência. É um discurso elaborado, um conjunto coerente e
diverso de elementos. As representações simples também formam um conjunto mas apenas o seu
“núcleo racional” (Gramsci, 1987) é que possui coerência, além do que sua diversidade de
elementos ser bem menor. É claro que aqui se poderia perguntar da naturalização e regularidade,
mas estes elementos também podem estar presentes no pensamento complexo. Aqui não se trata de
definir as representações cotidianas pelo pensamento complexo, tal como faz o positivismo, não se
trata de uma construção, de uma criação arbitrária do “outro-não-eu”, como se a definição e
existência de um outro discurso fosse dependente de sua relação com o nosso discurso.
As representações cotidianas surgiram antes do pensamento complexo e não foi em função
dele. Sem dúvida, dependendo de qual pensamento complexo se trata (filosofia, ciência, teologia),
o quantum de diferenças e seu tipo variam, mas não é necessário, para os nossos objetivos delimitar
a diferença relativa a cada pensamento complexo.
Assim, a assimilação do pensamento complexo pelas representações cotidianas significa o
seu processo de simplificação e a assimilação das representações cotidianas pelo pensamento
complexo significa sua complexificação. O simples simplifica o complexo e o complexo
complexifica o simples.
Marx abordou a assimilação das representações cotidianas pelo pensamento complexo e
Moscovici a assimilação do pensamento complexo pelas representações cotidianas. Sem dúvida,
estas relações entre representações cotidianas e pensamento complexo variam historicamente e no
capitalismo apresenta algumas características próprias. O amplo desenvolvimento científico e sua
influência cada vez maior, bem como o processo de crescente racionalização da vida cotidiana, faz
com que cada vez mais se desenvolva o contato entre representações cotidianas e pensamento
complexo. Este busca cada vez mais se afastar das representações cotidianas, se tornar cada vez
mais complexo (mesmo que na maioria dos casos isto ocorra apenas formalmente), se erguendo,
cada vez mais, sobre a tradição científica elaborada no passado, enquanto que as representações
cotidianas buscam cada vez mais se aproximar do pensamento complexo, pois a vida cotidiana cria
esta necessidade. Daí a importância crescente da relação entre ambas as formas de consciência.
Aspecto Formal das Representações Cotidianas
Iremos, agora, abordar brevemente o aspecto formal das representações cotidianas. Já
apontamos que o seu conteúdo pode ser real, contraditório ou ilusório, bem como já delimitamos
alguns aspectos formais que as caracterizam (simplificação, naturalização, regularidade). No
entanto, restam alguns aspectos que devem ser tratados para complementar sua caracterização e
possibilitar uma análise mais profunda desta forma de consciência.
As representações cotidianas (independentemente do nome que se lhe dê) são, geralmente,
consideradas contraditórias, dispersas, incoerentes. No entanto, alguns psicólogos colocam que o
ser humano tem a necessidade e a tendência de abolir a contradição, a incoerência, a “dissonância”.
É isto que nos coloca a “teoria da dissonância cognitiva” (Festinger, 1975). A dissonância ocorre
quando dois elementos relevantes não se ajustam entre si na consciência de um indivíduo. Mas ao
surgir a dissonância, surge, simultaneamente, a tendência para superá-la.
“A presença da dissonância dá azo a pressões para reduzi-la ou
eliminá-la. A força das pressões para reduzir a dissonância é uma função
da magnitude da dissonância. Por outras palavras, a dissonância atua da
mesma forma que um estado de impulso, necessidade ou tensão. A
presença de dissonância leva à ação para reduzi-la, tal como a presença
da fome, por exemplo, conduz à ação para reduzir a fome. Semelhante à
ação de um impulso, também quanto maior for a dissonância maior será
a intensidade da ação para reduzir a dissonância e maior a evitação de
situações que aumentaria a dissonância” (Festinger, 1975, p. 25).
Assim, existe uma tendência à redução da dissonância58, o que significa que todo indivíduo
busca reduzir sua dissonância. Isto, evidentemente, se manifesta em suas representações. Sendo
assim, a tendência das representações é abolir as contradições, incoerências (a não ser que estes não
sejam percebidos). Existem, entretanto, contradições e incoerências não percebidas, bem como
dissonâncias irrelevantes. Isto permite a contradição e a incoerência. Desta forma, as
58
“A alma humana tem aversão à dúvida e à incerteza (...)” (Le Bon, 1957, p. 10).
representações cotidianas possuem realmente um quantum de contradição59. No entanto, se
percebermos, se distinguirmos, um núcleo nas representações cotidianas, veremos que aí não se
manifesta, ou em casos individuais raros, se manifesta a contradição, a incoerência.
Aqui temos que discutir duas coisas. Uma já é bastante discutida, a questão da lógica nas
representações cotidianas. A outra é a questão do núcleo das representações cotidianas60. Estas duas
questões são complementares e permitem responder a questão da contradição no interior das
representações cotidianas.
Mas, antes de prosseguirmos, convém discutir a questão de que a referência a um “núcleo
das representações cotidianas” pode parecer uma retomada de uma determinada concepção que é
um desdobramento da abordagem das representações sociais, a do “núcleo central”. No entanto, em
que pese formalmente haver semelhança, no qual se postula a existência de um núcleo e sistemas
periféricos, há também diferenças substanciais. O núcleo central, para esta abordagem, é marcado
pela rigidez, estabilidade, consensualidade e os sistemas periféricos, seriam marcados pela
mutabilidade, flexibilidade, individualidade.
“A teoria de Abric atribui aos elementos cognitivos do núcleo
central as características de estabilidade/rigidez/consensualidade e aos
59
É preciso esclarecer aqui que estamos tratando da contradição enquanto característica de todas as
representações cotidianas, enquanto componente existente em todas elas. Não se trata, portanto, de uma
discussão sobre as representações contraditórias, pois estas são contraditórias no que se refere ao seu
conteúdo, fornecendo elementos verdadeiros e falsos, críticos e conservadores, mas que possuem uma
unidade coerente. Em outras palavras, as representações cotidianas contraditórias expressam a contradição
no seu conteúdo mas uma coerência na sua forma e o que discutimos aqui é a contradição na forma e não
no conteúdo.
60
Aqui se poderia pensar em um certo desenvolvimento da abordagem das representações sociais, a do
“núcleo central”. No entanto, em que pese formalmente haver semelhança, no qual se postula a existência
de um núcleo e sistemas periféricos, há também diferenças substanciais. O núcleo central, para esta
abordagem, é marcado pela rigidez, estabilidade, consensualidade e os sistemas periféricos, seriam
marcados pela mutabilidade, flexibilidade, individualidade. “A teoria de Abric atribui aos elementos
cognitivos do núcleo central as características de estabilidade/rigidez/consensualidade e aos elementos
periféricos um caráter mutável/flexível/individualizado, de modo que o primeiro proporciona o significado
global da representação e organiza os segundos, os quais, por seu turno, asseguram a interface com as
situações e práticas concretas da população. Com isso, a teoria foi capaz de conciliar aquelas aparentes
contradições em um todo estruturado e dinâmico” (Sá, 1998, p. 77). Sem dúvida, também se poderia
postular a semelhança com a concepção de Moscovici, que nos parece inspirar a concepção do núcleo
central, da relação entre um “metassistema” e um “sistema operatório”, tal como colocamos anteriormente.
Realmente, a nossa concepção coincide com as duas no aspecto de conceber duas partes componentes das
representações cotidianas, tal como discutiremos adiante, bem como no papel fundamental apontado para
um destes componentes, mas a diferença reside no fato que as concepções de Moscovici e Abrinc se
voltarem para o aspecto chamado “cognitivo” e sua constituição à semelhança do saber científico, tomando
o saber cotidiano como uma espécie de projeção simplificada da ciência, procedimento criticado por Le
Bon (1959). Ao contrário, apelando para a contribuição psicanalítica, compreendemos que o fundamental
se encontra não em elementos “cognitivos” e sim nos sentimentos, crenças, etc., constituídos socialmente.
elementos periféricos um caráter mutável/flexível/individualizado, de
modo que o primeiro proporciona o significado global da representação
e organiza os segundos, os quais, por seu turno, asseguram a interface
com as situações e práticas concretas da população. Com isso, a teoria
foi capaz de conciliar aquelas aparentes contradições em um todo
estruturado e dinâmico” (Sá, 1998, p. 77).
Sem dúvida, também se poderia postular a semelhança com a concepção de Moscovici, que
nos parece inspirar a concepção do núcleo central, da relação entre um “metassistema” e um
“sistema operatório”, tal como colocamos anteriormente. Realmente, a nossa concepção coincide
com as duas no aspecto de conceber duas partes componentes das representações cotidianas, tal
como discutiremos adiante, bem como no papel fundamental apontado para um destes
componentes, mas a diferença reside no fato que as concepções de Moscovici e Abrinc se voltarem
para o aspecto chamado “cognitivo” e sua constituição à semelhança do saber científico, tomando o
saber cotidiano como uma espécie de projeção simplificada da ciência. Ao contrário, apelando para
a contribuição psicanalítica, compreendemos que o fundamental se encontra não em elementos
“cognitivos” e sim nos sentimentos, crenças, etc., constituídos socialmente. Assim, demarcamos a
diferença realmente existente, embora ela tenha outros elementos derivados.
Passemos a tratar da questão da lógica no saber cotidiano. Existem, quando se aborda a
questão da lógica nas representações cotidianas, aqueles que partem de uma visão externa e aqueles
que buscam partir de uma visão interna. A visão externa e acusa o saber cotidiano de ser
contraditório, incoerente. A visão interna busca encontrar uma lógica própria no saber cotidiano.
A visão externa toma como parâmetro a lógica formal como critério de julgamento das
representações cotidianas. Assim, partindo desta lógica, a = a e não pode ser não-a. Ela traz em si o
princípio da identidade, da não-contradição. Ao analisar o saber cotidiano, esta regra aponta a sua
ilogicidade, tal como expresso explicitamente por Lévy-Bruhl e sua tese das mentalidades prélógicas.
“De acordo com ele, a mentalidade das ‘sociedades inferiores’
pode ser qualificada ao mesmo tempo de mística, se considerarmos o
conteúdo das representações, e de pré-lógica, se nos voltarmos para as
ligações entre elas. (...). Além de mística, a mentalidade primitiva é
também pré-lógica, não no sentido de ser anterior à aparição do
pensamento lógico, nem tampouco antilógica ou alógica, mas unicamente
no sentido ‘de que ele não se adstringe exclusivamente, como faz o nosso
pensamento, a abster-se da contradição’” (Cuvillier, 1975, p. 83).
Esta concepção, no entanto, é equivocada, pois parte de uma lógica como modelo normativo
do pensamento61. A lógica formal é um produto histórico-social (Fromm, 1979) e como tal não
pode ser erigida como modelo de pensamento. Muitos perceberam que tal lógica não é “universal”
e por isso buscaram apreender a lógica própria do saber cotidiano. Tarde, por exemplo, fala em
“lógica natural”, que é retomada por Moscovici (1978) e Le Bon fala de “lógica coletiva” e “lógica
afetiva” (Le Bon, 1957). A visão de que existe uma organização no interior do saber cotidiano força
os pesquisadores a postular a existência de uma coerência no seu interior, a entender que ele
mesmo é uma “lógica popular” (Alves, 2002). O que todas estas concepções buscam revelar é a
existência de uma articulação própria e coerente no saber cotidiano, distinta da existente no
pensamento complexo e na lógica formal.
Esta posição nos parece a mais adequada. No entanto, nenhuma de suas tentativas de explicar
este processo conseguiu fornecer respostas satisfatórias. O motivo disto certamente se encontra na
não distinção entre um núcleo das representações cotidianas e seus elementos periféricos.
Consideramos que a distinção realizada por Erich Fromm e Michael Maccoby (1972) entre
convicção e opinião nos ajuda a compreender a coerência interna das representações cotidianas.
Estes autores colocam que as opiniões são “pouco dignas de confiança” e se alteram com as
mudanças das circunstâncias. “Uma opinião por si mesma nada mais é que a aceitação de um
padrão de pensamento compartilhado pela sociedade em geral ou por determinado grupo” e que
somente as “opiniões arraigadas na estrutura do caráter duma pessoa – se forem, por assim dizer,
‘opiniões entranhadas’ – constituem motivações possantes para agir” (Fromm & Maccoby, 1972, p.
45).
“No caso duma opinião com raízes na estrutura do caráter, devese falar de uma convicção, ao invés de uma opinião. Convicções de
raízes profundas são, com efeito, as motivações mais pujantes para a
ação desde que as possibilidades para esta tenham surgido (isso se
aplica a qualquer gênero de convicção, quer seja racional ou irracional,
boa ou má, certa ou errada)” (Fromm & Maccoby, 1972, p. 45).
61
Le Bon afirma que o fracasso dos psicólogos e historiadores em compreender as crenças deriva do fato de
utilizarem a lógica racional, não percebendo que elas possuem uma “lógica própria” (Le Bon, 1957).
As representações cotidianas são compostas por tanto por convicções quanto por opiniões.
As convicções formam o núcleo das representações cotidianas62. Na esfera da convicção, não é
possível uma contradição ou incoerência duradoura, pois a relevância de uma contradição nesta
esfera é elevada e por isso a pressão psíquica para superá-la também. Existe, no entanto,
contradição entre as opiniões e/ou de algumas destas em relação à convicção. A convicção, por sua
vez, mantém uma coerência interna, que não é exclusivamente “racional”, no sentido de ser
fundamentada na análise ou em prova racional.
Qual é o conteúdo da convicção que forma o núcleo de uma representação cotidiana? Esta
discussão não foi realizada de forma aprofundada por Marx. Segundo Gramsci, “referências ao
senso comum e à solidez de suas crenças, encontram-se freqüentemente me Marx”. Mas não se
compreende o conteúdo desta frase sem passar para a frase seguinte: “Contudo, trata-se de
referências não à validez do conteúdo de tais crenças, mas sim à sua solidez formal e,
conseqüentemente, à sua imperatividade quando produzem normas de conduta” (Gramsci, 1987, p.
148). Marx colocou em várias passagens a eficácia e normatividade do saber cotidiano, mas quanto
à sua “solidez formal” já não é tão visível assim. Claro que esta interpretação de Gramsci, sem
referência a nenhum texto em particular, é questionável, mas realmente contribui,
independentemente se a tese é de Marx ou uma atribuição a ele por parte de Gramsci, para
compreender a convicção por detrás das representações cotidianas.
Quais são as determinações das convicções presentes nas representações cotidianas? A
determinação fundamental se encontra na mentalidade ou, segundo expressão de Erich Fromm, no
“caráter social” (Fromm, 1972; Fromm, 1961; Fromm, 1976)63. A mentalidade é o que faz o
indivíduo agir tal como exigido pela sociedade.
“O conceito de caráter social explica como a energia psíquica em
geral transforma-se na forma específica de energia que cada sociedade
precisa para aplicar em seu próprio funcionamento. A fim de apreciar
este fato, deve-se considerar que não há ‘sociedade’ em geral, porém
somente estruturas sociais específicas; cada sociedade e cada classe
demandam diferentes tipos de funções por parte de seus membros. (...).
As exigências do seu papel social devem transformar-se em ‘segunda
62
embora este núcleo não seja sempre, com pensa Gramsci (1987), “racional”, pois isto depende de qual
representação cotidiana concreta se trata.
63
“Segundo Fromm, a estrutura social constitui determinado ‘caráter social’ e este, por sua vez, é a base que
irá estruturar determinadas idéias. Disto podemos concluir que a mentalidade (‘caráter social’) é a base das
ideologias. Mas, tal como ressalta Fromm, ela é dinâmica (se altera historicamente) e pode variar em
classes e grupos sociais diferentes” (Viana, 2001, p. 48).
natureza’, isto é, uma pessoa deve querer fazer aquilo que tem de fazer. A
sociedade deve produzir não só ferramentas e máquinas como
igualmente o tipo de personalidade que utilize voluntariamente energia
para o desempenho de um dado papel social. Este processo de
transformar a energia psíquica geral em energia psicossocial específica
é conseguido por intermédio do caráter social” (Fromm, 1972, p. 35-36).
Assim, a mentalidade expressa valores, desejos, sentimentos, etc. socialmente constituídos,
sendo fonte de idéias, representações, ideologias (ou seja, tanto pensamento complexo quanto
representações cotidianas). É justamente nesta esfera que se constitui as convicções de um
indivíduo e, portanto, o núcleo das representações cotidianas.
A convicção pode se manifestar sob a forma de crenças, tradições, sentimentos, valores, etc.
A mentalidade é constituída socialmente, mas a sua expressão consciente é formada no
desenvolvimento histórico e social, e sua forma também varia histórica e socialmente. Nas
sociedades tradicionais, a força da razão não tem o peso que tem numa sociedade racionalizada
como a capitalista. As tradições, portanto, são um elemento fundamental na mentalidade dos
indivíduos desta sociedade.
Assim, a fé e a confiança que Heller (1985) aponta no “pensamento cotidiano” se enquadram
na esfera da convicção. Nesta esfera, raramente ocorre a contradição, a incoerência. Mas se trata
aqui de uma ordenação própria, não necessariamente a mesma do discurso científico, pois isto
depende do indivíduo, grupo social, etc. Podemos, assim, falar de uma “lógica convictiva”, para
utilizar um neologismo. A convicção tem sua “lógica” própria. Porém, a expressão lógica é
equívoca, é uma transposição ilegítima. Ela tema função de, metaforicamente, transmitir uma idéia
a respeito da convicção que seria análoga à da lógica formal ou racional64. Mas para o objetivo do
presente trabalho é suficiente afirmar que a convicção, e cada uma de suas formas, possui uma
estrutura e dinâmica própria, ou “lógica própria”. No entanto, dependendo de sua origem, ela é
diferente. Caso sua origem esteja fundada em crença ou na tradição, sua estrutura dinâmica será
diferente.
Le Bon ofereceu uma contribuição interessante ao estudo das crenças. Segundo ele, o
problema da crença é distinto do problema do conhecimento. “Saber e crer são coisas diferentes,
que não têm a mesma gênese” (Le Bon, 1957, p. 5).
64
Curiosamente, este procedimento, realizado por diversos intelectuais e pesquisadores, realiza uma
reprodução de um procedimento acusado de ser comum no saber cotidiano, a analogia (Moscovici, 1978;
Heller, 1985; Godelier, 1978).
“Saber e crer permanecerão sempre como coisas distintas. Ao
passo que a aquisição da menor verdade científica exige enorme labor, a
posse de uma certeza baseada unicamente na fé não pede nenhum
trabalho” (Le Bon, 1957, p. 9).
O termo crença, segundo Belmont (1971), possui uma estrutura presa em si mesma,
“cristalizada, estática”. A crença popular, não é suscetível de uma narração, pois se esgota num
enunciado só, embora se possa reconstituí-la numa serie de enunciados que produz um sentido
latente.
“O ‘sentido’ de uma crença popular (...) só pode ser descoberto se
a colocarmos dentro de um encadeamento: o contexto que constitui a
cultura da qual foi extraída, ou seja, um conjunto sintagmático
semelhante ao relato” (Belmont, 1971, p. 98).
Não cabe aqui reconstituir a estrutura dinâmica das crenças tal como apresentadas por
Belmont, nem voltar às análise de Le Bon sobre o assunto. Devemos acrescentar alguns elementos
que permitem compreender as crenças enquanto convicção. A crença possui uma origem que não é
reflexiva (Le Bon, 1957), isto é, não se fundamenta em análises profundas. Ela está ligada ao
processo de naturalização, simplicidade e regularidade que constitui as representações cotidianas.
Ela toma um determinado enunciado como “natural”, “óbvio”, e, portanto, se caracteriza pela
naturalização. A resposta fornecida pela crença é imediata e simples, o que caracteriza o processo
de simplificação. É também regular, repetitiva65. Mas qual a origem da crença? Ela é produto de um
enrijecimento de idéias (religiosas, místicas etc.) originadas numa situação cultural e predisposição
individual geradas por determinadas relações sociais. A religião, as doutrinas místicas, etc. são as
fontes das crenças. Mas não são a mesma coisa, pois as crenças são produtos relativamente
desarticulados enquanto que a religião, doutrinas místicas, etc. forma um conjunto mais ou menos
organizado. Seu exemplo mais comum se encontra em certas crenças religiosas, que produzem uma
exasperação e ampliação, transformando-a em um sistema de crenças e lhe dando uma certa
complexidade, no qual a oposição entre o bem e o mal, Deus e o Diabo, acabam servindo de
explicação simples para os fenômenos e acontecimentos.
A tradição também pode ser a fonte de convicção. Sua força se revela com mais firmeza em
sociedades pré-capitalistas e na sociedade moderna perde cada vez mais o seu poder. Ginsberg
(1966) ofereceu a seguinte definição de tradição: “Entendemos por tradição a soma de todas as
65
A crença “pode ser formulada em uma ou várias frases, e sempre consiste, em todo caso, em um só
enunciado” (Belmont, 1971, p. 97).
idéias, hábitos e costumes que pertencem a um povo e são transmitidos de geração a geração”
(Ginsberg, 1966, p. 114). Assim, a tradição, para certas comunidades e indivíduos, funcionam
como convicção, fornecendo a dinâmica de suas representações cotidianas. Sua origem se encontra
na persistência do passado, em relações afetivas (principalmente familiares) que marcam a
formação da mentalidade dos indivíduos. Ela carrega em si o processo de naturalização,
simplificação e regularidade, tal como as crenças.
A sociedade moderna, no entanto, estas formas de convicção, ou de manifestação da
mentalidade, diminuíram muito sua influência. A mentalidade continua se manifestando sob a
forma de crenças, tradições, mas o seu espaço foi bastante reduzido. Em seu lugar aparecem as
doutrinas políticas, as idéias pseudocientíficas, as misturas de concepções (ciência-religião, por
exemplo), as concepções artísticas, etc. Isto significa que a convicção tende a ter caráter “racional”,
ou seja, busca fundamentar-se em um discurso supostamente racional, em elaborações intelectuais,
misturadas, geralmente, com resquícios de crenças, religiões, etc.
Mas as representações cotidianas não são apenas o seu núcleo, pois também constituem uma
totalidade. Além das convicções, que formam o seu núcleo, as representações cotidianas também
possuem outros elementos que denominamos opiniões. Gabriel Tarde apresentou a seguinte
definição de opinião:
“A opinião, diremos, é um grupo momentâneo e mais ou menos
lógico de juízos, os quais, respondendo a problemas atualmente
colocados, acham-se reproduzidos em numerosos exemplares em pessoas
do mesmo país, da mesma época, da mesma sociedade” (Tarde, 1992, p.
83).
Tarde, assim, coloca o caráter momentâneo e não totalmente lógico (mais ou menos lógico...)
e sua ligação não com questões fundamentais para os indivíduos (neste caso se criam convicções e
não opiniões) reproduzidos por inúmeras pessoas. Assim, a momentaneidade das opiniões, bem
como suas possíveis contradições, estão evidenciadas. No entanto, é preciso discutir um pouco a
questão das “inúmeras pessoas” e sua relação com a opinião.
A opinião, segundo Maisonneuve (1977), nas sociedades tradicionais, se aproximava do
consenso, devido à intensa “pressão social”. Mas na sociedade atual, os meios de comunicação de
massas, que instituem relações indiretas, provocam reações diversas, segundo seus interesses e
aspirações. A isto se soma a integração social “mais frouxa”, o que cria indivíduos com opiniões
isoladas. Maisonneuve alerta, no entanto, para não se exagerar a distinção entre sociedade
tradicional e moderna, pois as opiniões continuam sujeitas à “pressão social”, só que em menor
grau.
Aqui temos a diferenciação entre convicção e opinião, o que explica a existência de
contradições e incoerências no interior das representações cotidianas, que só ocorrem no nível da
opinião em relação à convicção ou em relação a outras opiniões. No interior da convicção não há
incoerência e sim uma dinâmica própria que nem sempre pode ser compreendida com o uso do
modelo da lógica formal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão dos fenômenos do saber popular necessita de uma base teórica e explicativa
que não são oferecidas pelos termos senso comum e representações sociais. Este foi o ponto de
partida de nosso trabalho. Mas não basta dizer que tais termos e as abordagens que estão por detrás
deles são insuficientes. É preciso comprovar tal afirmação. Daí fizemos um trabalho de análise
crítica das concepções de senso comum e representações sociais, que justificaram uma nova
proposta de análise das representações, desligadas das concepções positivistas e ideológicas dos
fenômenos culturais.
Partindo da contribuição de Marx e outros pensadores, buscamos reconsiderar o saber
popular, a cultura popular. A idéia de representações cotidianas se torna o guia deste tipo de análise
que buscamos efetuar. A sua base explicativa, teórica e metodológica, abre um amplo espaço para
pesquisas sobre as inúmeras manifestações de representações cotidianas.
A teoria das representações cotidianas abre espaço para se refletir criticamente sobre o saber
popular e ao mesmo tempo supera a mera descrição e a ingenuidade epistemológica presente nas
pesquisas sociais referentes a este fenômeno. A passagem de uma abordagem descritiva, acrítica,
para uma abordagem crítica e explicativa é uma necessidade teórica e prática para a pesquisa social
e os pesquisadores. O ponto de partida é uma análise teórica, aqui esboçada, e posteriormente o
desenvolvimento de um conjunto de pesquisas que apontam para a realidade concreta das
representações, sua gênese, sua essência e suas mutações, envolvidas nas lutas sociais, na dinâmica
histórica.
Sem dúvida, o presente trabalho tem também um interesse epistemológico, pois a crítica das
concepções de senso comum e representações sociais partem de uma análise da emergência
histórica de determinados construtos e teses, suas determinações sociais, nada aleatórias, neutras ou
inocentes, como para certa epistemologia ingênua, e de sua inserção em determinadas abordagens
ideológicas. A necessidade de fazer um inventário da gênese e significado dos construtos e teses
científicas é hoje tarefa do pensamento crítico e abre espaço para um amplo programa de pesquisa
igualmente relevante.
Assim, temos duas promessas ao término deste trabalho: a ampliação de pesquisas sobre
representações cotidianas e a possibilidade de desenvolvimento de uma teoria da ciência que
aborde as origens históricas e sociais, bem como o significado, dos construtos e teses científicas.
Assim, do presente livro podem nascer dois programas de pesquisa e assim ele cumpre o papel de
incentivar o processo de ampliação dos horizontes da pesquisa social nestas duas áreas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor. A Educação Após Auschewitz. In: COHN, Gabriel (org.). Adorno. Col.
Grandes Cientistas Sociais. São Paulo, Ática, 1986.
ALBORNOZ, Suzana. Ética e Utopia. Ensaio sobre Ernst Bloch. Porto Alegre, Movimento, 1985.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 5a edição, Rio de Janeiro, Graal, 1989.
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. 3a edição, Rio de Janeiro, Graal, 1991.
ALVES, Jean Paraízo. Religiosidade e Lógica Popular. in: VIEIRA, Renato & VIANA, Nildo.
Educação, Cultura e Sociedade. Abordagens Críticas da Escola. Goiânia, Edições Germinal,
2002.
APOSTEL, Leo. Observaciones Sobre la Noción de la Explicación. In: PIAGET, Jean (org.). La
Explicación en las Ciências. Barcelona, Martinez Roca, 1977.
BACHELARD, Gaston. O Racionalismo Aplicado. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
BAKHTN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 5a edição, São Paulo, Hucitec, 1990.
BAUMAN, Zigmut. Por Uma Sociologia Crítica. Um Ensaio Sobre Senso Comum e Emancipação.
Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
BELMONT, Nicole. Las Creencias Populares como Relato Mitológico. In: VERÓN, Eliseo (org.).
El Proceso Ideológico. Buenos Aires, Tiempo Contemporaneo, 1971.
BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade. 7a edição.
Petrópolis, Vozes, 1987.
BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. 7a edição, Petrópolis, Vozes, 1986.
BERTRAND, Michele. O Homem Clivado — A Crença e o Imaginário. In: Silveira, Paulo &
DORAY, Bernard (orgs.). Elementos para uma Teoria Marxista da Subjetividade. São
Paulo, Vértice, 1989.
BICCA, Luiz. Marxismo e Liberdade. São Paulo, Edições Loyola, 1987.
BLOCH, Emst. Thomas Münzer, Teólogo da Revolução. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1973.
BOUGLÉ, Celeste. Prefácio. In: DURKHEIM, Emile. Sociologia e Filosofia. São Paulo, Forense,
1978.
BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução Elementos Para Uma Teoria do
Sistema de Ensino. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982.
BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: Ortiz, Renato (org.). Bourdieu. Col. Grandes
Cientistas Sociais. 2a edição, São Paulo, Ática, 1994.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo, Difel, 1989.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 6a edição, Campinas,
Unicamp, 1997.
CAPALBO, C. Fenomenologia e Ciências Humanas. São Paulo, J. Ozon, 1977.
CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. 31a edição, São Paulo, Brasiliense, 1990.
COSER, Lewis. Las Funciones del Conflicto Social. México, Fondo de Cultura Económica, 1961.
COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas, Papirus, 1995b.
COULON, Alain. Etnometodologia. Petrópolis, Vozes, 1995.
CUVILLIER, Armand. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo, Nacional, 1969.
CUVILLIER, Armand. Sociologia da Cultura. Porto Alegre, Globo, 1975.
DAL ROSSO, Sadi & GONZALES, Elbio. O Ponto de Partida da Pesquisa Sociológica. Brasília,
UNB, 1994.
DARTIGUES, A. O Que é a Fenomenologia? São Paulo, Eldorado, 1973.
DOBB, Maurice. Evolução do Capitalismo. 7a edição, Rio de Janeiro, Guanabara, 1987.
DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo, Martins Fontes, 1996.
DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. 2a edição, São Paulo, Nacional, 1974.
DURKHEIM, Emile. Representações Individuais e Representações Coletivas. In: Sociologia e
Filosofia. São Paulo, Forense, 1978.
DUVIGNAUD, Jean. Durkheim. Lisboa, Edições 70, 1982.
FALCÃO, Maria do Carmo. O Conhecimento da Vida Cotidiana: A Base Necessária à Prática
Social. In: NETTO, José Paulo & FALCÃO, Maria do Carmo. Cotidiano: Conhecimento e
Crítica. São Paulo, Cortez, 1987.
FARR, Robert. Representações Sociais: A Teoria e Sua História. in: GUARESCHI, Pedrinho &
JOVCHELOVITCH, Sandra. (orgs.). Textos em Representações Sociais. 3a edição,
Petrópolis, Vozes, 1997.
FESTINGER, Leon. Teoria da Dissonância Cognitiva. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
FROMM, Erich. A Crise da Psicanálise. Freud, Marx e a Psicologia Social. 2a edição, Rio de
Janeiro, Zahar, 1977.
FROMM, Erich & MACCOBY, Michael. Caráter Social de uma Aldeia. Um Estudo
Sociopsicanalítico. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
FROMM, Erich. Análise do Homem. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1961.
FROMM, Erich. O Conceito Marxista do Homem. 8a Edição, RJ: Zahar, 1983.
FROMM, Erich. O Coração do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1965.
FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. 13a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
FROMM, Erich. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
FURTER, Pierre. Dialética da Esperança. Uma Interpretação do Pensamento Utópico de Ernst
Bloch. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.
GINSBERG, Morris. Psicologia da Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 1966.
GODELIER, Maurice. Horizontes da Antropologia. Lisboa, Edições 70, 1978.
GOLDMANN, Lucien. Consciência Possível e Comunicação. In: COHN, Gabriel (org.).
Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo, Nacional, 1977.
GOLDMANN, Lucien. Dialectica e Ciências Humanas. Vol. 1. Lisboa, Presença, 1972.
GORMAN, Robert. A Visão Dual — Alfred Schutz e o Mito da Ciência Social Fenomenológica.
Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História. 7a edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1987.
GRANOU, André. Capitalismo e Modo de Vida. Porto, Afrontamento, 1975.
GRÉCO, Pierre. Epistemologia da Psicologia. Porto, Nova Crítica, 1976.
GREIMAS, A. J. Semiótica do Discurso Cientifico. Da Modalidade. São Paulo, Difel, 1976.
GUARESCHI, Pedrinho & JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs.). Textos em Representações
Sociais. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1997.
GUARESCHI, Pedrinho. “Sem Dinheiro não há Salvação: Ancorando o Bem e o Mal entre os
Neopentencostais” In: GUARESCHI, Pedrinho & JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs.).
Textos em Representações Sociais. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1997.
HAGUETTE, Tereza M. F. Metodologias Qualitativas em Sociologia. 4a edição, Petrópolis,
Vozes, 1995.
HALL, Stuart; LUMLEY, Bob; MCLENNAN, Gregory. Política e Ideologia: Gramsci. In:
CENTRE FOR CONTEMP0RARY CULTURAL STUDIES (org.). Da Ideologia. 2a edição,
Rio de Janeiro, Zahar, 1983.
HARRINGTON, Michael. O Crepúsculo do Capitalismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1977.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. 2a edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
HOLTON, Gerald. A Imaginação Cientifica. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas. Introdução à Fenomenologia. Lisboa, Rés, 1987.
JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis, Vozes, 1978.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. 6a edição, Petrópolis, Vozes, 1989.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Religião. Petrópolis, Vozes, 1987.
KNELLER, George F. A Ciência como Atividade Humana. Rio de Janeiro/São Paulo, Zahar/Edusp,
1980.
KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1970.
KORSCH, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto, Afrontamento, 1977.
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 4a Edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra 1986.
LE BON, Gustave. As Opiniões e as Crenças. São Paulo, CDB, 1957.
LEFEBVRE, Henri. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo, Ática, 1991.
LEME, Maria Alice V. S. O Impacto da Teoria das Representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane.
(org.). O Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na Perspectiva da
Psicologia Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
LÊNIN, W. As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo. 2a edição, São Paulo,
Global, 1985.
LETTIERI, Antonio. A Fábrica e a Escola. In: GORZ, André (org.). Crítica da Divisão do
Trabalho. 2a edição, São Paulo, Martins Fontes, 1989.
LORENZ, Konrad. A Agressão. São Paulo, Martins Fontes, 1973.
LORENZ, Konrad. Evolução e Modificação do Comportamento. Rio de Janeiro, Interciência, 1986
LORENZ, Konrad. Os Oito Pecados do Homem Civilizado. 2a edição, São Paulo, Brasiliense,
1991.
LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx Contra o Barão de Münchausen. Marxismo e
Positivismo na Sociologia do Conhecimento. 2a edição, Rio de Janeiro, Busca Vida, 1989.
LÖWY, Michael. Ideologia e Ciências Sociais. São Paulo, Cortez, 1987.
LÖWY, Michael. Método Dialético e Teoria Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. 2a edição, Rio de Janeiro, Elfos, 1989.
LUKÁCS, Georg. Ontologia do Ser Social. Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx. São
Paulo, Lech, 1979.
MACLNTYRE, Alaisdar. As Idéias de Marcuse. São Paulo, Cultrix, 1970.
MAISONNEUVE, Jean. A Psicologia Social. São Paulo, Difel, 1967.
MAISONNEUVE, Jean. Introdução à Psicossociologia. São Paulo, Nacional, 1977.
MANN, Peter. Métodos de Investigação Sociológica. 3a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro, Guanabara, 1988.
MARCO, Nélio. O Que é Darwinismo. São Paulo, Brasiliense, 1987.
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2a Edição, São Paulo, Global, 1985.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 8a edição, São Paulo,
Hucitec, 1991.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Sagrada Família. Lisboa, Estampa, 1979.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 7a edição, São Paulo,
Global, 1988.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2a edição, São Paulo, Martins Fontes,
1983.
MARX, Karl. Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: MARX, Karl. A Questão
Judaica. São Paulo, Moraes, 1978.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 1,38 edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 5. 3a edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988b.
MARX, Karl. O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989.
MICHAUD, Yves. A Violência. São Paulo, Ática, 1989.
MINAYO, Maria Cecília. O Conceito de Representações Sociais dentro da Sociologia Clássica. In:
GUARESCHI, Pedrinho & JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs.). Textos em Representações
Sociais. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1995.
MOORE, Henrietta. Antropologia y Feminismo. Madrid, Ediciones Cátedra, 1991.
MORAES FILHO, Evaristo (org.). Simmel. Col. Grandes Cientistas Sociais. São Paulo, Ática,
1983.
MOSCOVICI, Serge & FAUCHEX, Claude. Observações Críticas sobre a “Questão MicroSocial”. Cultura & Liberdade, ano 1, no 1, Abril de 2001.
MOSCOVICI, Serge. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
MOURA, José Barata. Ideologia e Prática. Lisboa, Caminho, 1978.
MUNSTER, Arno. Ernst Bloch — Filosofia da Práxis e Utopia Concreta. São Paulo, Unesp, 1983.
MUUSS, Rolf. Teorias da Adolescência. 4a edição, Belo Horizonte, Interlivros, 1974.
NETTO, José Paulo & FALCÃO, Maria do Carmo. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo,
Cortez, 1987.
NETTO, José Paulo. Para a Crítica da Vida Cotidiana. In: NETTO, José Paulo & FALCÃO,
Maria do Carmo. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. São Paulo, Cortez, 1987.
OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1984.
OIZERMAN, Teodor. O Existencialismo e a Sociedade. In: OIZERMAN, Teodor; SÈVE, Lucien;
GEDOE, Andreas. Problemas Filosóficos. 2a edição, Lisboa, Prelo, 1974.
OLIVEIRA, Fátima & WERBA, Graziela. Representações Sociais. In: JACQUES, Maria G. C.
Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis, Vozes, 1998.
PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Federalistas. São Paulo, Abril Cultural, 1979.
PEIXOTO, Maria Angélica. A Violência na Obra Literária de Patrícia Meio: Uma Leitura
Sociológica. Brasília, UnB, 2001 (Dissertação de Mestrado).
PERINE, Marcelo. Filosofia e Violência. Sentido e Intenção da Filosofia de Éric Weil. São Paulo,
Edições Loyola, 1987.
PLATÃO. A República. São Paulo, Hemus, 1970.
RABUSKE, E. Epistemologia das Ciências Humanas. Caxias do Sul, Educs, 1987.
REICH, Wilhelm. O Que é a Consciência de Classe? Lisboa, Textos Exemplares, 1976.
ROUANET, Sérgio Paulo. Imaginário e Dominação. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978.
SÁ, Celso Pereira de. A Construção do Objeto em Pesquisa em Representações Sociais. Rio de
Janeiro, Eduerj, 1998.
SÁ, Celso Pereira de. Psicologia do Controle Social. Rio de Janeiro, Achiamé, 1979.
SÁ, Celso Pereira. Representações Sociais: O Conceito e o Estado Atual da Teoria. In: SPINK,
Mary Jane. O Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na Perspectiva da
Psicologia Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
SACKS, Oliver. Escotoma: Esquecimento e Negligência em Ciência. In: SILVERS, Robert (org.).
Histórias Esquecidas da Ciência. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à Uma Ciência Pós-Moderna. 4a edição, Porto,
Afrontamento, 1995.
SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método. 2a edição, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967.
SAWAIA, Bader Burihan. Representação e Ideologia — O Encontro Desfetichizador. In: SPINK,
Mary Jane (org.). O Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na Perspectiva
da Psicologia Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
SEGAL, Hanna. As Idéias de Melanie Klein. São Paulo, Cultrix, 1983.
SOREL, Georges. Reflexões Sobre a Violência. Petrópolis, Vozes, 1993.
SOUSA FILHO, Edson A. Análise de Representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane. (org.). O
Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na Perspectiva da Psicologia
Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
SPINK, Mary Jane. (org.). O Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na
Perspectiva da Psicologia Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
SPINK, Mary Jane. Desvendando as Teorias Implícitas: Uma Metodologia de Análise das
Representações Sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho & JOVCHELOVITCH, Sandra
(orgs.).Textos em Representações Sociais. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1997.
SPINK, Mary Jane. Estudo Empírico das Representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane. (org.). O
Conhecimento no Cotidiano. As Representações Sociais na Perspectiva da Psicologia
Social. São Paulo, Brasiliense, 1995.
SWEEZY, Paul. Propaganda Comercial e Propaganda Ideológica. In: COHN, Gabriel (org.). A
Indústria Cultural. São Paulo, Pioneira, 1978.
SZASZ, Thomas. A Ideologia e Doença Mental. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
SZASZ, Thomas. O Mito da Doença Mental. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
TARDE, Gabriel. A Opinião e as Massas. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
TECGLEN, E. A Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro, Salvat, 1980.
THERBORN, Göran. La Clase Obrera e el Nacimiento del Marxismo. In: THERBORN, Göran &
JONES, Gareth Stedman. Ideologia Y Lucha de Clases. Barcelona. Anagrama, 1974.
THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquête Operária. 5a edição,
São Paulo, Polis, 1987.
TOURAINE, Alan. Os Movimentos Sociais. In: MARTINS, José de Sousa e FORACCHI,
Marialice (orgs.). Sociologia e Sociedade. Leituras Sociológicas. São Paulo, LTC, 1978.
VIANA, Nildo. A Explicação nas Ciências Sociais. Fragmentos de Cultura — UCG. Vol. 12, no 05, set/out.
2002a.
VIANA, Nildo. A Filosofia e Sua Sombra. Goiânia, Edições Germinal, 2000.
VIANA, Nildo. A Questão da Causalidade nas Ciências Sociais. Goiânia, Edições Germinal,
2001c.
VIANA, Nildo. Cérebro e Ideologia. Estudos — Revista da Universidade Católica de Goiás. Vol.
29, no 03, maio/jun. 2002f.
VIANA, Nildo. Darwin e a Competição na Comunidade Científica. Fragmentos de Cultura—
UCG, vol. 13, no 01, Jan./Fev. 2003a.
VIANA, Nildo. Darwinismo e Ideologia. Pós- Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. UnB, Ano V, no 05, 200la.
VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia, Edições Germinal, 1998.
VIANA, Nildo. Inconsciente Coletivo e Materialismo Histórico. Goiânia, Edições Germinal,
2002b.
VIANA, Nildo. Inspeção do Trabalho e Trabalho Precoce. Brasília, UNB, 1999b (Dissertação de
Mestrado/Sociologia).
VIANA, Nildo. Inspeção do Trabalho e Violência nas Relações de Trabalho. ln: DAL Rosso, Sadi;
SILVA, José Fernando; LIMA, Ricardo. (orgs.). Violência e Trabalho no Brasil. Goiânia,
Editora UFG, 2001d.
VIANA, Nildo. Marxismo e Proletariado. Em Busca de Uma Definição Ontológica. Goiânia,
Universidade Federal de Goiás, 1995 (Dissertação de Mestrado).
VIANA, Nildo. Sobre as Ciências Sociais. Estudos – Revista da Universidade Católica de Goiás.
Vol. 27, no 04, out./dez.2000b.
VIANA, Nildo. Trabalho Precoce e Capitalismo. Uniciência — Revista da Universidade Estadual
de Goiás. Vol. 8, no 01 e 02, 2001b.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. in: QUINET, Antonio; LIMA,
Raymundo; PEIXOTO, Maria Angélica e VIANA, Nildo. Psicanálise, Capitalismo e
Cotidiano. Goiânia, Edições Germinal, 2002e.
VIANA, Nildo. Violência e Escola. In: VIEIRA, Renato & VIÁNA, Nildo. Educação, Cultura e
Sociedade. Abordagens Críticas da Escola. Goiânia, Edições Germinal, 2002d.
VIANA, Nildo. Violência Urbana: A Cidade como Espaço Gerador de Violência. Goiânia, Edições
Germinal, 2002c.
VIANA, Nildo. Violência, Conflito e Controle. In: SANTOS, Sales e outros (orgs.). 50 Anos
Depois. Relações Raciais e Grupos Socialmente Segregados. Brasília, MNDH, 1999a.
WAGNER, Wolfgang. Descrição, Explicação e Método na Pesquisa das Representações Sociais.
In:
GUARESCHI,
Pedrinho
& JOVCHELOVITCH,
Sandra (orgs.). Textos
em
Representações Sociais. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1997.
YOUNG, Michael. Uma abordagem do Estudo dos programas enquanto fenômenos do
conhecimento socialmente organizado. In: GRACIO & STORR, S. Sociologia da Educação
II. Lisboa, Horizonte, 1982.
Download