Corioangioma da placenta

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Appleton C, Clode N, Marques JP, Mendes-da-Graça L
Caso Clínico/Case Report
Corioangioma da placenta: um caso clínico
Chorioangioma of the placenta: a case report
Cláudia Appleton*, Nuno Clode**, João Paulo Marques**, Luís Mendes-da-Graça***
Maternus
ABSTRACT
We report the case of a 31-year old pregnant woman, in whom a solid vascularized mass, bulging on
the fetal surface of the placenta was identified by ultrasound at 22 weeks of gestation, suggesting
the possibility of a placental chorioangioma. Despite progressive growth of the mass, normality of
fetal surveillance results allowed a vaginal delivery at term, with no obstetrical or neonatal
complications. Histological evaluation confirmed the diagnosis of placental chorioangioma.
INTRODUÇÃO
Corioangioma é o termo utilizado para descrever a
proliferação anómala de vasos provenientes do tecido
coriónico1,2 , cuja incidência rara (1% do total das
placentas analisadas histologicamente) é condicionada
pela dificuldade do diagnóstico pré natal (1:3,5001:9,000), tendo em conta que só os tumores com
diâmetros superiores a 4cm têm dimensões suficientes
para que possam ser identificados ecograficamente3.
Apesar de poderem decorrer sem qualquer tipo de
intercorrências4, a importância clínica dos corioangiomas
reside no espectro e gravidade das complicações
obstétricas e neonatais possíveis, desde a pré-eclâmpsia,
*Interna Complementar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital
de Santa Maria
**Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Ginecologia e
Obstetrícia do Hospital de Santa Maria
***Director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de
Santa Maria /Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de
Lisboa
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o hidrâmnios e o parto pré-termo, à anemia, insuficiência
cardíaca congestiva, hidrópsia, restrição do crescimento
intra-uterino e morte fetal, fenómenos cuja origem
etiopatogénica se pensa ser devida à existência de
anastomoses vasculares feto placentárias, com sequestração de eritrócitos e plaquetas fetais pela massa tumoral,
e consequentes alterações hemodinâmicas e cardiovasculares1,2,5. O caso que descrevemos, apesar de se
tratar de um coriangioma de dimensões significativas, não
se associou a qualquer complicação obstétrica ou neonatal.
CASO CLÍNICO
Grávida de 31 anos, segunda gesta, com anterior interrupção médica da gravidez por feto com cromossomopatia (trissomia 21), razão pela qual, na gravidez
em estudo, foi submetida a amniocentese para
diagnóstico pré-natal às 14/15 semanas. Na ecografia
das 22 semanas, foi identificada uma formação
hipoecogénica da espessura da placenta fazendo proci-
Acta Obstet Ginecol Port 2008;2(1):38-41
dência para dentro da cavidade amniótica junto à inserção
do cordão, e cuja vascularização exuberante era
compatível com o diagnóstico de corioangioma da
placenta. A massa tumoral tinha 43x38x33 mm; o exame
morfológico fetal não evidenciou qualquer alteração e o
volume líquido amniótico era normal. À 25ª semana, a
reavaliação ecográfica efectuada confirmou a suspeição
do exame anterior, com a formação tumoral atingindo os
102x72 mm de diâmetros (Fig.1). O crescimento fetal
era adequado para a idade gestacional, assim como o
Fig. 1 - 25 semanas: formação hipoecogénica da espessura placentar junto à inserção do cordão: a aplicação do Doppler colorido revela
a existência de vascularização abundante: Corioangioma placenta com 102x72 mm.
Fig. 2 - Corioangioma da placenta com 117 mm, ás 32 semanas de gestação. Observa-se uma formação vascular da placenta com
crescimento significativo, fazendo protrusão para dentro da cavidade amniótica.
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Fig 3 – Face fetal da placenta onde se pode observar uma formação vascularizada (seta) com 12 cm de maior diâmetro.
volume de liquido amniótico e a avaliação Doppler da
circulação fetal. Não eram evidentes alterações
morfológicas, cardíacas ou outras.
O estudo dos parâmetros de crescimento e bem estar
fetal e do volume de líquido amniótico, revelaram-se
normais a cada 3 semanas em que esta avaliação foi
feita, verificando-se uma estabilização do crescimento
do coriangioma às 32 semanas, com 117x80 mm (fig.2).
Às 38 semanas ocorreu rotura de membranas. O parto
foi eutócico, com expulsão de um feto vivo com 2695g e
Índices de Apgar de 9 e 10 ao 1º e 5º minutos, respectivamente. A avaliação macroscópica da placenta evidenciou
formação tumoral com cerca de 12 cm de diâmetro e de
natureza vascular, tendo o exame histológico confirmado
o diagnóstico de corioangioma placentário (Fig. 3).
DISCUSSÃO
A primeira descrição ecográfica de um corioangioma
da placenta data de 1978, por Asokan e colaboradores6.
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Trata-se de uma lesão circunscrita, de ecogenicidade
diferente da do restante tecido placentário, de dimensões
e formas variadas, fazendo frequentemente protrusão
para dentro da cavidade amniótica junto ao ponto de
inserção do cordão, como no caso descrito. A aplicação
do Doppler colorido revela a origem vascular do tumor7,8,
permitindo o diagnóstico diferencial com o hematoma
placentário7.
Apesar de ser o tumor benigno mais frequente da
placenta, a rara incidência do coriangioma e as
limitações do diagnóstico ecográfico (apenas tumores
de dimensões superiores a 4cm são facilmente
identificáveis) tornam o diagnóstico pré-natal difícil.
Os desfechos obstétricos e perinatais associados a esta
entidade fazem com que seja importante o seu
diagnóstico precoce e a instituição de uma vigilância
obstétrica adequada9. As escassas séries reportadas
(casos isolados ou pequenas séries, que revelam uma
incidência de complicações de cerca de 50% dos casos
- principalmente parto pré-termo, hidrâmnios e restrição
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do crescimento intrauterino4,10) e a limitada prática terapêutica existente, condicionam a instituição de protocolos
de vigilância e conduta.
De acordo com o publicado na literatura4,11, a
existência de complicações associadas ao corioangioma é mais frequente no final do 2º trimestre: Se a
realização do parto não for uma opção, é preconizada
a execução de medidas que visam diminuir as manifestações clínicas do corioangioma, como a amniodrenagem para o hidrâmnios e a transfusão fetal intrauterina para a anemia. A experiência com técnicas
fetoscópicas de ablação do leito vascular tumoral
(laser, «coil embolization» e quimioesclerose do leito
vascular tumoral), não permitiu estabelecer taxas de
sucesso, sendo portanto uma técnica, ainda, experimental4,11; Quando a maturidade pulmonar fetal está
assegurada e se dispõe de cuidados neonatais
diferenciados, a presença de complicações próximo
do termo da gestação preconiza a programação do
parto e a interrupção da gravidez. Na ausência de
complicações, a vigilância obstétrica e ecográfica com
estudo Doppler fetal é fundamental para detectar
precocemente os primeiros sinais de descompensação
hemodinâmica, e a instituir as medidas adequadas.
Neste sentido, a avaliação do pico da velocidade
sistólica na artéria cerebral média tem sido recentemente aplicada ao estudo da anemia fetal, salientando
a importância do Doppler tanto no diagnóstico, como
na monitorização das complicações do corioangioma11.
No nosso caso, o corioangioma foi detectado às 22
semanas como uma formação vascular com 4 cm de
maior diâmetro, fazendo protrusão para dentro da
cavidade amniótica. Não sendo detectadas outras
alterações estruturais e dinâmicas fetais, o controlo
da massa tumoral foi efectuado de 3 em 3 semanas,
revelando esta um crescimento significativo (117 mm
às 32 semanas). Apesar do postulado por Quintero12,
de que um corioangioma superior a 4 cm se associa a
um risco aproximado de 40% de morte fetal, e o risco
de complicações estar ainda relacionado com o
tamanho tumoral e a sua proximidade com o ponto de
inserção do cordão na placenta 10 , no caso presente,
o rápido crescimento da formação placentária não
condicionou as alterações hemodinâmicas e
cardiovasculares fetais previstas por Yaron 9, e a
necessidade de antecipar o parto não foi colocada.
Deste modo, preconiza-se, tal como descrito na
restante literatura, uma vigilância frequente do
crescimento fetal e das características da massa
tumoral, e monitorização dos primeiros sinais de
descompensação hemodinâmica com estudo Doppler
da circulação fetoplacentária. Na ausência de
complicações, tal como no caso presente, o desempenho neonatal é favorável.
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