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SAÚDE MENTAL: Um novo olhar
Mariestela Stamm
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RESUMO: O tema saúde mental tem ocupado novos espaços nos últimos 25 anos. No
entanto, ainda enfrentamos dificuldades pela falta de entendimento dos profissionais de saúde
em relação a doença mental. O presente estudo objetivou identificar como os profissionais
cuidam do portador de transtorno mental no seu município. Os participantes foram 34 alunos
de um curso de pós-graduação em Saúde Pública, sendo 23 enfermeiras, 2 psicólogos, 4
médicos e 5 dentistas. A pesquisa é do tipo Convergente-Assistencial, em que se utilizou a
técnica de discussão em grupos. Os resultados mostraram que os profissionais possuem
dificuldades de intervir num momento de crise e ainda permanece o medo como principal
obstáculo para o cuidado.
Palavras chaves: Cuidado, transtorno mental, saúde mental.
INTRODUÇÃO
Em 2003, comemorou-se os 25 anos do início da reforma psiquiátrica no Brasil. Nesse
ano, tivemos a oportunidade de participar do curso “Reforma psiquiátrica: inclusão social e
gestão participativa – desafios no cenário da política atual”, durante o VII congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva promovido pela ABRASCO em Brasília. Foram dois dias de
reflexões, debates, questionamentos sobre o tema, e foi desse curso que nasceu a idéia de
desenvolvermos esta pesquisa.
Temos acompanhado a evolução da história da psiquiatria e observado avanços e
retrocessos. Apesar de todas as conquistas o mito instalado de que o Portador de Transtorno
Mental - PTM, é um sujeito perigoso, difícil de ser cuidado, ainda se evidencia.
Por termos esta preocupação, surgiu o interesse de realizar o presente estudo com um
grupo de alunos de um curso de Pós-graduação em Saúde Pública. A maioria dos alunos
trabalham no programa Saúde da Família - PSF do município de origem, e saúde mental, é
uma disciplina que enfoca as questões que serão detalhadas ao longo do estudo.
Objetivo- Identificar como os profissionais de Saúde cuidam do portador de transtorno
mental no seu município.
REVISÃO DE LITERATURA
Desde os primórdios, encontramos histórias de doentes mentais que eram temidos,
ridicularizados, torturados ou lamentados, mas raramente cuidados ou tratados dignamente. O
universo da mente humana era visto como algo inatingível e portanto, os primeiros cuidadores
desta necessidade, foram os médicos, feiticeiros, por se pensar que a doença mental, era
decorrente de forças sobrenaturais, obra do demônio e maus espíritos1.
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Com o advento da industrialização, os doentes mentais, os pobres e outros que viviam
a margem da sociedade, passam a serem vistos como uma ameaça à ordem social. Para
solucionar o problema esta população foi encaminhada primeiramente para prisões e após
para asilos montados nos antigos leprosários2.
A loucura passa a ser entendida como doença com a evolução da própria civilização. A
psiquiatria demorou muito para firmar-se como parte importante da ciência médica, porque
pela perspectiva do século XIX o ser humano era um ser racional, extrovertido, influenciado
por leis naturais. Era encarado como parte de um universo maior, baseado em estruturas
anatômicas e moleculares2. Assim sendo, era de se esperar que a medicina caísse sob as
influências das ciências naturais.
Entretanto, esta mesma medicina se deparava com fenômenos que desafiavam este
consenso. Percebem que nem todos os seres humanos são racionais, não possuem liberdade
intelectual, agem estranhamente, falam incoerentemente e que o comportamento e o humor
alteram-se inexplicavelmente.
Diante disso, a psiquiatria demorou para firmar-se como parte importante da ciência
médica, pois a orientação materialística, mecanicista e racional que predominava era
compatível com a imagem dominante criada pela ciência4.
Foi também no século XIX que iniciou a psiquiatria clínica através de Kraepelin
(1856 – 1926)1. Como precursor, procurou colocar a psiquiatria dentro dos moldes da
medicina natural. Seus descobrimentos serviram como base para Sigmund Freud (1856-1929),
que com suas idéias, mudou profundamente a concepção que o ser humano tinha de sí mesmo,
criando a psicanálise4.
No Brasil foi na passagem do período colonial para o republicano que a loucura passa
a ser objeto da medicina. Desde sua organização como especialidade médica, a psiquiatria tem
estado em pauta para importantes discussões, para um entendimento do processo saúde e
doença mental. A reforma psiquiátrica tem se organizado nos pressupostos da Reforma
Sanitária
e
da
Psiquiatria
Democrática
italiana,
tendo
como
base
a
dimensão
Quando falamos em desinstitucionalização, entendemos que trata-se
de um
desinstitucionalizante desses movimentos2.4.
movimento de desconstrução do modelo manicomial para dar ao ser humano o cuidado que
lhe foi negado ao longo dos anos. Entendemos também que o pensamento deve convergir para
um modelo de atenção à saúde mental, que tenha resolutividade nas questões que envolvam o
doente mental, propiciando a estes uma oportunidade de reabilitação no contexto cultural e
familiar que pertencem5. Ficar a margem sem poder partilhar da mesma racionalidade dos
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considerados "normais" está sendo combatida. Já não se aceita, ou pelo menos pensa-se que
não se aceita discursos como:" insensato, o louco não é sujeito de direito; irresponsável, não
pode ser objeto de sanções; incapaz de trabalhar ou de ´servir´, não entra no circuito regulado
das trocas, essa `livre´ circulação de mercadorias e de homens à qual a nova legalidade
burguesa serve de matriz. Núcleo de desordem, ele deve [...] ser reprimido [...]. Ilha de
irracionalidade, ele deve ser administrado, porém, segundo as normas diferentes das que
designam às pessoas `normais´ e as sujeitam a tarefas em uma sociedade racional" 5:19.
METODOLOGIA
O presente estudo foi realizado no mês de outubro de 2003, durante a disciplina de
saúde mental com 34 alunos de um curso de pós-graduação em Saúde Pública em uma
Universidade do Oeste catarinense. Os participantes são profissionais de saúde, constituído
por 23 enfermeiras, 4 médicos, 2 psicólogos e 5 dentistas. Os sujeitos da pesquisa eram
provenientes de 12 municípios dos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Trata-se de uma
pesquisa convergente assistencial (PCA)7. Esta modalidade de
pesquisa busca a conexão entre método e cuidado. É “aquela que mantém, durante todo o seu
processo uma estreita relação com a situação social, com a intencionalidade de encontrar
solução para os problemas, realizar mudanças e introduzir inovações na situação social”
7:26
.
Ao mesmo tempo em que visávamos coletar dados, incluímos atividades de educação no
processo, tendo em mente que na PCA, a investigação não se consubstancia somente como
ato de cuidar ou de educar7. Então, o presente estudo, não se constitui em um relato de
experiência da prática mas de uma ação-reflexão-ação sobre o processo que envolveu
pesquisadores e pesquisados. As informações colhidas é que deram sustentação para ampliar
as discussões com os grupos.
Para tanto, foram observados os critérios éticos com base na Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde8. Foi explicado de forma completa e detalhada sobre a natureza
do estudo, objetivo, métodos e benefícios previstos. Asseguramos o direito de decidirem pela
participação do mesmo e da possibilidade de desistência se assim desejassem. Foi lhes
assegurado o anonimato. Após o esclarecimento, assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido, conforme preconiza os princípios éticos inerentes à pesquisa desta natureza.
A pesquisa foi conduzida da seguinte forma: Aula expositiva sobre a história da
loucura, e da reforma psiquiátrica. Pontuamos questões que caracterizam mitos, estigma e
preconceito em relação a doença mental. Após, dividimos os participantes por município de
origem, formando assim 12 grupos. Em sala de aula, cada grupo descreveu o porte
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populacional do município, serviços existentes na área da saúde e ONGs conveniados com as
Secretarias Municipais de Saúde. Este conteúdo foi desenvolvido nas primeiras 15 horas/aula.
Como segunda etapa, foi distribuído um questionário com quatro perguntas dirigidas,
para os participantes pesquisarem em seus municípios. Os resultados foram trazidos,
discutidos e analisados no grande grupo no último encontro, perfazendo um total de 30
horas/aula.
As discussões foram gravadas em fitas K7 e os questionários recolhidos e analisados
pelas pesquisadoras. Quatro etapas foram respeitadas:
a) criteriosa leitura dos questionários;
b) transcrição das fitas com repetida leitura das mesmas;
c) extração dos principais temas e estudo detalhado dos mesmos;
d) agregação dos temas com a elaboração da síntese das discussões.
RESULTADOS
O porte populacional descrito é variável. O menor município possui 2.800 habitantes e
o maior 90 mil. O número maior prevaleceu entre 12 a 20 mil habitantes. Os serviços
municipais na área da saúde que se destacaram foram saúde da mulher, criança e idoso. Em
todos os municípios existem grupos de idosos, clube de mães, nos quais é dispensado atenção
especial a Saúde dos participantes.
Na maioria dos municípios também estão formadas as associações de moradores que
servem de apoio/suporte para os programas existentes. As entidades assistenciais que se
destacaram foram o Rotary, Lion e Alcoólicos Anônimos.
Do levantamento realizado com as questões dirigidas tivemos o seguinte resultado:
1) Quem são as pessoas que necessitam de cuidados e atenção psicossocial?
Cada município trouxe números e faixa-etária diferentes, o que era previsível pela
discrepância do porte populacional. Os resultados mostraram que as pessoas mais
necessitadas de atenção psicossocial são mulheres na faixa etária de 40 a 50 anos. Um
resultado significativo, foi a surpresa dos próprios profissionais com o número existente de
pessoas que estão recebendo tratamento e que necessitam de cuidados especiais na área da
saúde mental. A surpresa ficou caracterizada nas falas: “eu sabia que tínhamos doentes
mentais, mas não sabia que era tanto” (Dentista) "Eu sabia, mas achava que cuidar fosse
função da equipe de saúde mental” (Enfermeiro), “Atendo diariamente pessoas com sinais de
depressão ou então pessoas com queixas físicas mas que escondem um problema emocional”
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(Médico), “ No nosso município o número está aumentando assustadoramente(...) e não há
idade prevalente. Existem crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos” (Psicóloga).
Se os próprios profissionais possuem dificuldades para entender e se envolver com o
Portador de Transtorno Mental, o que podemos esperar da população em geral e da família
que se supõe estar menos informada? Perece-nos que o movimento do cuidado ao Portador de
Transtorno Mental deve constituir-se num campo de forças articuladas entre profissionais,
famílias, comunidade, lideranças e serviços públicos.
2) Existem internações freqüentes de uma mesma pessoa?
A resposta da segunda questão mostrou que em todos os municípios existem pessoas
que internam freqüentemente por distúrbio mental. Nos municípios menores o número é
menor, mas quando comparado com os municípios de maior porte, a média observada para
todos ficou em 5% da população. Isso vem ao encontro do que é defendido sobre a clientela
de atenção contínua9. Estes exigem uma articulação de serviços, uma pré-disposição em
superar obstáculos e um cuidado para não massificar, padronizar e burocratizar a efetivação
dos serviços prestados.
3) Onde ficam estas pessoas antes e após a internação?
“ Geralmente perambulando pela rua” (enfermeira). “Quando muito agressivos são
detidos na prisão até iniciar o tratamento e após é encaminhado para a família” (enfermeira).
Desta resposta surgiu um amplo debate a cerca do papel da família. Questionamos
sobre “como” é deixada na família e o grupo assim manifestou-se: “ é difícil, a família não
está preparada para cuidar do doente mental, pelo menos no nosso município não está”
(psicóloga). “ No meu município nós fazemos um acompanhamento na família, realizamos um
trabalho em conjunto. O resultado é muito bom” (Enfermeira).
Na nossa prática profissional, percebe-se esta dificuldade, mas concordamos com o
último relato feito.
O profissional investe nas potencialidades da família e identifica o
cuidado familiar como meio para o cuidado global.
4) Quando há uma crise a ser intervida, quem faz e como é feita?
“Chamamos a polícia” (10 respostas).
“Chamamos os bombeiros” (10 respostas).
“Avisamos o programa de saúde mental para que providenciem a intervenção" (14 respostas)
Percebe-se que os sujeitos da pesquisa não se sentem aptos para intervir e buscam
ajuda externa. Considerando que a
maioria trabalha no programa Saúde da Família,
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entendemos que estes deveriam estar preparados para intervirem nessa situação. Encaminhar
ou “delegar” as funções pode ser uma forma velada de preconceito, despreparo ou então,
negligência. Ao
verbalizarmos nossa percepção, os participantes admitiram que não se
sentem preparados e que o medo é o principal obstáculo. As seguintes falas corroboram com
o observado. " tenho medo, não consigo manter um diálogo com o doente" (Enfermeira). "
Acho que vou ser agredida tenho medo de apanhar, não sei o que fazer e o que dizer"(
Enfermeira). " Faço qualquer trabalho, menos enfrentar um doente mental" (Dentista). " O
medo é a minha principal dificuldade. Fico `travada´ diante do doente mental" (Enfermeira)
CONCLUSÃO
Durante a exposição dos trabalhos, fomos percebendo que os próprios participantes
davam-se conta de suas limitações ao admitirem que não se sentem capazes de assumir o
cuidado ao Portador de Transtorno Mental, tendo como principal fator o medo de não saber
fazer, e também, por considerarem um trabalho específico para pessoas habilitadas nesta área.
Retomando a discussão expusemos que como membros da equipe da saúde existe uma
falha a ser corrigida. Primeiramente sugerimos um trabalho voltado a prevenção à saúde
mental, independente da faixa etária. Após, fizemos um trabalho de esclarecimento do papel
do profissional de saúde diante da doença mental. Não concordamos com o des-preparo que é
mencionado mas sim, com a falta de compromisso, empenho, envolvimento do profissional
em aprender a olhar o Portador de Transtorno Mental como qualquer outro doente.
Esta pesquisa mostrou o quão pouco avançamos nestes 25 anos de reforma
psiquiátrica. Consideramos fundamental que o profissional esteja sensibilizado e pré-disposto
a compreender como cuidar do doente bem como apoiar a família envolvida. Percebeu-se que
os sujeitos da pesquisa ainda possuem dificuldades para cuidar do doente mental.
Desta forma, insistimos em dizer que o profissional deve investir nas suas
potencialidades. Poderá valer-se além dos recursos próprios, dos disponíveis na comunidade,
como serviço de Saúde Mental, Associação de Moradores, Entidades Assistenciais (ONGs),
enfim toda a ampla rede social de apoio. Os mitos precisam ser revistos e repensados. O
Portador de Transtorno Mental pode apresentar comportamentos bizarros, diferente, mas por
trás de sua doença existe um ser humano sedento de apoio e cuidado.
Concluímos então, que nossas objetivos foram alcançados e que foi gratificante
realizar este estudo. Percebemos que o grupo no encerramento da aula, mostrava-se mais
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confiante, e principalmente, entendendo que o Portador de Transtorno Mental é um ser
humano que necessita de amor e cuidados especiais. Que em cada município deve existir o
cliente que necessita de atenção contínua na área de saúde mental, tanto quanto o portador de
hipertensão ou qualquer outra doença crônica, e que, a equipe de saúde não deve fazer
distinções de cuidado. Acreditamos que um novo caminho se deslumbra com estes 34
participantes. Saímos dos encontros com a esperança que algo mudou nesses profissionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2001.
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Amarante P., organizador. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro:
Fiocruz; 1994, p. 73-84.
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organizadora. Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo: Hucitec; 1996. P. 19-26.
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6- Castel R. A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal;
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7- Trentini M, Paim l. Pesquisa em
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8- Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução nº 196/96 de 10 de outubro de 1996.
Dispõe sobre as diretrizes e normas regulares de pesquisa envolvendo seres humanos.
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9- Vasconcelos EM. Do hospício à comunidade: mudança sim, negligência não. Belo
Horizonte: Segrac; 1992.
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