O SIONISMO COMO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL I. EXPLICAÇÃO 1. A Herança Messiânica Sión é o sinônimo tradicional de Jerusalém (e de todo o país). Dele surgiu “sionismo”, como nome da ideologia nacional que expressa a velha nostalgia do povo judeu de retornar a seu lar histórico, Sión. Não é acidental que o movimento nacional judeu escolheu a palavra “sionismo” em vez de “nacionalismo judeu”: este pode referir-se a outros territórios, enquanto sionismo contém uma definição geográfica. Sendo assim a palavra simboliza o profundo laço entre o povo judeu e a terra de Israel. O conceito de Retorno a Sión é tão velho como o exílio1, desde que “Nos sentamos junto aos rios da Babilônia e choramos ao recordar Sión” (Salmo 137). Nem a idéia nem a prática foram incorporadas pelo sionismo moderno; este somente organizou e atualizou um movimento existente há séculos. O surgimento do movimento sionista tem raízes antigas e permanentes na nostalgia/saudades de Sión entre os judeus da Diáspora. Além disso, é uma reação diante dos milênios de sofrimento e perseguição em todo o mundo. 2. Antisemitismo e perseguição Durante séculos, os judeus da Europa e do mundo árabe viveram numa situação quase colonial. Tinham que residir em guetos e eram massacrados nos pograms2. Na Europa eram considerados inimigos de Estado, e não há lá, quase nenhum país que não tenha expulsado pelo menos uma vez a povoação judaica na sua totalidade. Os milênios de exílio judeu caracterizam-se em diferentes motivos e 1 No Museu da Diáspora (Beit Hatefutsoth) que eu fui lá na Universidade de Tel Aviv, minha guia, que era uma senhorinha carioca muito simpática, nos explicou que a diferença entre Exílio e Diáspora, é que o Exílio é quando um povo/pessoa é expulso de um país; a diáspora é a saída voluntária. Sendo assim, os judeus que hoje estão fora de Israel, estão em Diáspora e não em Exílio. Mesmo assim já encontrei em livros as duas palavras sendo usadas como sinônimos. 2 Pogrom vem do russo погром, é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus e outras minorias étnicas da Europa. razões de sua perseguição. Foram discriminados e assassinados judeus por razões religiosas, econômicas, sociais, psicológicas e nacionais. A crônica do sofrimento é longa, mas é necessária para captar a magnitude e a continuidade da perseguição antijudaica e para compreender o movimento que levou ao renascimento do Estado de Israel. Os massacres mais famosos foram os pogroms da Peste Negra na España, França, Alemanha e Áustria (1348-1349), a perseguição na Inquisição na Espanha (1942), as matanças de Chmielnicki na Ucrânia (1648), os pogroms de Petlura e Denikin durante a guerra civil russa (1918-1920), e o Holocausto na II Guerra Mundial (1939-1945).3 Centenas de massacres e pogroms “menores” marcam a História dos judeus, como os de Alexandria (66 d.e.c), Granada (1066), Renania (1492), Lucena (1107), Troyes (1288), Toledo (1355) Tolosa (1426), Brest Litovsk, Croácia e Poznan (1680-1712), Tetuán (1780), Roma (1793), Kishinev (1905-1906) e Bagdá (1941). Comunidades inteiras judias foram expulsas da Alemanha (1012, 1248, 1348), Criméia (1016, 1306), Inglaterra e Gales (1290), França (1306), Hungria (1349), Áustria (1421), Lituânia (1483), Espanha (1492), Portugal, Sicília e Sardenha (1569), Viena (1670), Rússia (1727, 1747), Moscou e São Petersburgo (1891)4. Muitos dos primeiros sionistas eram assimilacionistas liberais que, baixo o impacto das novas ondas anti-semitas e perseguições, abandonaram a crença simplista num rápido progresso humano e chegaram à conclusão sionista, que combina humanismo e realismo. Assim foi como Moisés Hess foi profundamente comovido pela calúnia do Crime Ritual de Damasco (1840). León Pinsker pelos pogroms massivos que seguiram na Rússia ao assassinato do Czar Alexandre II (1881-82) e Theodor Herzl pelo caso Dreyfus na França (1896). O sionismo quis resolver o “problema judeu”, ou seja, seu permanente status de minoria, sua falta de lar e defesa, sua discriminação, perseguição e assassinato, 3 O que eu quis dizer nesse parágrafo foi que esses países simplesmente pegavam todos os judeus e os matavam. Famílias e comunidades inteiras de judeus eram exterminadas por anos seguidos em toda a Europa sem nenhuma explicação racional, e o pior ainda, sem a oposição de nenhum país ou entidade mundial. 4 Pergunto: Qual é a primeira coisa que vem à cabeça quando dizem que um judeu foi expulso do país? Obviamente você pensa num cara cheio da grana (afinal todo judeu é rico) pegando um avião e comprando uma mansão em outro país, oras! Lembre-se que um judeu nessas épocas vivia em guetos, à margem da sociedade. Não podia usufruir nenhum direito de cidadão: escolas, hospitais, universidades...Ou seja, não tinha nada de milionário. mediante o retorno ao lar histórico e ressurgimento de um Estado judeu como pátria segura. De fato, todas as grandes ondas de imigração para Israel chegaram depois de perseguições e pogroms. 3. Nacionalismo Liberal O que o sionismo pretendia, vinha ao encontro dos ideais da Revolução Francesa e dos movimentos nacional humanistas e liberais. Povo algum necessitou mais da liberação e independência nacional que as minorias judias, oprimidas e massacradas durante 2 séculos no mundo cristão-europeu e no mundo árabemuçulmano. Alguns dizem que os judeus carecem de características necessárias para uma nação, como o território e a língua comum. Essa opinião se baseia em critérios errôneos a respeito do que constitui uma nação. Hoje é evidente para todos que o povo judeu possui todos os atributos nacionais necessários. Isso porque não se pode definir “nação” com rígidos critérios como língua, religião ou origem étnica. Por exemplo, o inglês, espanhol, alemão, francês, são falados em várias nações, sendo assim, ter uma língua própria não define algum povo como uma nação. A religião pode desempenhar um papel até mau quando se define uma nação, não existe nenhum país (nação) com homogeneidade religiosa. Sendo assim, a única definição aceitável para uma nação, é o povo que possui em comum identidade, solidariedade e aspirações políticas, todas as quais podem basear-se em fatores objetivos variados. Segundo Ernerto Renan5, uma nação é um peblicito diário, uma comunidade que quer ser nação, que quer viver num Estado Soberano. O povo judeu é uma das mais antigas nações definidas pela origem comum, o idioma e o território e uma história de independência, exílio e perseguição. O sionismo quis criar um judeu novo, libertando-o das tensões psíquicas resultantes dos problemas de identidade da ausência de raízes culturais, das pressões 5 Joseph Ernest Renan (Tréguier, 28 de fevereiro de 1823 — Paris, 2 de outubro de 1892) foi um escritor, filósofo, filólogo e historiador francês. assimilatórias6, do status de minoria e do antisemitismo. Quis criar um judeu capaz de relacionar-se espontaneamente com seu entorno físico e humano, de solidarizarse naturalmente com seu povo e apegar-se profundamente à terra e à natureza. O sionismo quis como movimento nacional, assegurar a sobrevivência do povo enfatizando os aspectos seculares e nacionais do judaísmo. 4. O Sionismo e a “Questão Árabe” Existe um mito (eu mesma já ouvi várias vezes), de que o sionismo original descuidou completamente a questão árabe, e que os patriarcas sionistas raciocinaram como se o país estivesse vazio quando decidiram fazer de Israel o Estado judeu. É certo que alguns sionistas não entenderam a oposição árabe, que muitos foram exageradamente otimistas quanto às futuras relações sionistas-árabes, e não entenderam que os primeiros tumultos árabes seriam demonstração de tão longos e sangrentos enfrentamentos. Em 1891, Ajad Haam7, em seu “Verdade sobre a Terra de Israel” advertiu que o país não estava vazio e que o povo árabe local resistiria ao retorno sionista. Sendo assim, antes e depois da I Guerra Mundial, muitos dirigentes sionistas, estando profundamente preocupados com a “questão árabe”, propuseram diversas estratégias para mitigar a oposição árabe e fortalecer uma aliança árabe-judia. Entre suas propostas há sugestões de apoiar os planos de independência e unidade árabe, de oferecer ajuda e a experiência judia para o progresso dos territórios árabes, de enfatizar as raízes étnicas e culturais comuns do semitismo8 e invocar uma irmandade semita, foram partidários de um binacionalismo, além da negociarem a colonização de terras vazias, evitando áreas muito povoadas por árabes. 6 Assimilar-se quer dizer fundir-se, misturar-se a outra cultura, que não seja a sua de origem. É o que acontece com os índios no Brasil, por exemplo, que aprenderam o português e são cristãos, etc. 7 Também conhecido como Asher Ginsberg (Skvira, Ucrânia, 1856 - Palestina, 1927), foi um filósofo e ensaísta judeu. Foi um importante jornalista e associativista, e participou nas negocições do Acordo Balfour, de onde saiu a Declaração de Balfour (Carta que declarava a Inglaterra simpatizante da causa sionista). Defendia a ressurreição da nação judaica, sobre um código de valores morais - sionismo espiritual. 8 Muita gente só ouviu falar da palavra anti-semistimo e a entende como um movimento anti-judeu, na realidade, semitas segundo a Bíblia são os descendentes de Sem, filho de Noé, onde se enquadram tanto o povo árabe como o hebreu. Sim! Judeus e árabes tem uma origem comum. II. PERGUNTAS E RESPOSTAS 1. Beleza! Tudo isso é muito bonito! Coitados dos judeus! eles precisam mesmo de um país... Mas e aí? Esse tal de Sionismo resolveu ou não o problema dos judeus? Resposta: Não. Nem todos os objetivos sionistas foram alcançados. A existência do Estado de Israel não resolveu o problema do antisemitismo, que hoje se expressa freqüentemente como ódio a Israel. Mas Israel resolveu definitivamente os problemas de perseguição de muitas comunidades judaicas na Polônia, Yemen, Bulgária, Egito, etc. Israel faz possível hoje, que os judeus ameaçados exerçam seu direito de autodefesa de maneira efetiva: no exílio os judeus careciam desse direito. Israel reviveu a cultura judaica e proporcionou aos judeus um novo sentido de identidade, unidade e dignidade. 2. Os sionistas parecem agir como os antisemitas, querem tirar todos os judeus que estão na diáspora e botar tudo em Israel. Assim como faziam os antisemitas na Europa que expulsavam os judeus ou os colocavam em guetos. Não é isso? Resposta: Não. O sionismo é uma reação frente ao antisemitismo. Da mesma maneira que a libertação nacional de um povo está para a opressão a um povo. Os sionistas proclamaram a reunião dos dispersos porque pensavam que só numa pátria judia, os judeus encontrariam a liberdade, a paz e a segurança que permitiria desenvolver plenamente sua identidade cultural e sua criatividade. Os antisemitas querem livrar-se dos judeus, mediante emigração, expulsão ou a destruição. 3. Isso de Sionismo como movimento religioso, não parece como muito reacionário e fora de época? Tipo...parece alguém gritando: “Viva o comunismo!!!” “Morte ao capitalismo!!” Resposta: O sionismo é, em princípio, um movimento nacional laico9, e inicialmente boa parte deste se incorporou ao movimento e formou a ala religiosa nacional. Mas o Sionismo Religioso é só uma parte do movimento, que inclui também segmentos liberais, conservadores, social-democratas, socialistas e até marxistas. Mesmo assim não 9 O laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Não deve ser confundida com o ateísmo de Estado. há razão pra negar a complexidade de relação entre religião e nacionalidade dentro do judaísmo, e a dificuldade de separá-los nitidamente. Mas o mesmo acontece como todos os movimentos nacionais modernos: é quase impossível separar o arabismo do Islã, a identidade nacional grega da Igreja Ortodoxa, o sentimento nacional irlandês, croata, francês, espanhol ou italiano do catolicismo e o japonês do xintoísmo. A lista podia ser muito maior e incluir os chineses, hindus e paquistaneses, turcos e russos, latino americanos e suecos... 4. Ok, ok...se o Sionismo tem tudo isso de bonitinho, por que cargas d’água, sionistas como Theodor Herzl foram procurar cooperação de países colonialistas para conseguir seus propósitos? Eu sei que ele pediu ajuda pra Grã Bretanha, por exemplo, a mesma que massacrou um monte de africano, nas suas colônias e tal... Resposta: É verdade que o movimento sionista tentou mobilizar para seu apoio a alguns poderes coloniais. Isto explica os argumentos de que o Estado Judeu seria um “avanço da Europa”, ajudaria aos britânicos ou resgataria o tesouro otomano. Ao usar esse tipo de argumentos o sionismo tratava de ajudar a si mesmo e a ninguém mais. Foi um recurso tático e não um objetivo estratégico. Os judeus estavam obrigados a apelar a Grandes Potências porque careciam de potencial militar e político. Outros movimentos nacionais fizeram o mesmo. A França ajudou os EUA contra a Inglaterra na Guerra da Independência, a Grã Bretanha apoiou os árabes contra o Império Otomano e contra a França durante e depois da I Guerra Mundial; os japoneses combateram com os birmaneses contra a Grã Bretanha na II Guerra Mundial, a URSS ajudou os africanos da Angola contra Portugal, etc. O ocorrido recentemente com vascos, curdos, sudaneses, tibetanos, tchecos etc, demonstra o que ocorre com os autênticos movimentos de libertação nacional que não conseguem obter o apoio de poderes significativos. ■