escola e justiça social: igualdade e equidade segundo

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ESCOLA E JUSTIÇA SOCIAL: IGUALDADE E EQUIDADE SEGUNDO
ENGUITA E DUBET
Marcos Vinicius Pansardi*1
Sidney Reinaldo da Silva**
Introdução
Em seu texto Escola e democracia, Saviani (2000) aponta as formas como a escola
tem sido concebida ora como instrumento de marginalização ora como instrumento
superação da marginalização. Ele denominou de teorias não-críticas as concepções que não
percebem os condicionamentos objetivos da escola, tomando-a como autônoma, e chamou
de críticas as teorias que levam em conta os condicionamentos objetivos da escola,
destacando que entre essas se encontrariam as visões críticos reprodutivistas da escola,
salientando que, numa perspectiva estruturalista, a desigualdade e a injustiça social tende a
se reproduzir em e a partir de níveis mais restritos do sistema. Estas últimas concepções da
marginalização social, ao criticarem o otimismo das teorias liberais e a denunciarem como
legitimadoras da desigualdade social, acabaram por não proporem e, mesmo restringir,
possibilidades de superação da desigualdade social via educação, vendo nesta apenas um
fator de reprodução estrita da estrutura social. Saviani critica e busca superar as referidas
teorias da marginalidade social propondo sua concepção histórico-crítica da educação. Ele
mostra que a escola, tal como a sociedade, é contraditória e pode ser tanto fator de
reprodução da desigualdade quanto fator de superação das mesmas, uma vez que por meio
da escola os dominados podem passar a dominar instrumentos monopolizados pelos
dominantes, sobretudo, o conhecimento sistematizado acumulado pela humanidade e a
capacidade política de participação e controle do governo e de gestão do trabalho, bases
1
Professor do PPGE - Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. Endereço: Rua Paranaguá,
1225, ap. 403 b. Água verde. Curitiba – PR. Tel: (041) 33458518. [email protected] ** PPGE - Mestrado
em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. Endereço: Rua. Cel Joaquim Ignácio Taborda Ribas, 893,
apto. 1103. Bairro Bigorrilho. Curitiba –PR. CEP 80710450. Fone: 41-35244640. E-mail:
[email protected] .
1
para a atividade coletiva transformadora da sociedade ruma a igualdade de condições
sociais.
É a partir desse pano de fundo da obra de Saviani que discutimos duas concepções
recentes da relação entre escola e justiça social, destacadamente, as obras de Dubet (2008) e
de Enguita (2004). O objetivo e mostrar o quanto tais obras, que partem de preocupações
semelhantes com aquelas presentes no texto Escola e democracia de Saviani, estão
comprometidas com o ideário liberal de sociedade. Ainda que tanto Dubet quanto Enquita
recusem a validade das visões não-críticas e críticas da relação entre escola e sociedade
eles acabam por retomar, por uma outra via, os “valores” políticos liberais, sobretudo
aqueles articulados com a legitimação de uma sociedade baseada no princípio da justiça
como equidade, ou seja, da justiça como igualdade de oportunidades.
A concepção de justiça como equidade
As teorias da justiça atuais derivam das obras de John Rawls, autor que cunhou a
concepção de equidade, que ficou conhecida a partir da proposição dos princípios da
justiça no livro Uma teoria da justiça, publicado em 1971. Rawls pensa a justiça a partir
de um esquema segundo o qual a discussão pública sobre as questões políticas
fundamentais podem ser razoavelmente decididas, tais como as que se referem às
questões constitucionais essenciais e de justiça básica. A concepção do campo político
opera também como dispositivo para se construir uma perspectiva partilhada capaz de
modular o consenso entre os cidadãos: “o liberalismo político é um módulo, uma
componente essencial, que se ajusta e pode ser apoiado por várias doutrinas abrangentes
razoáveis que se mantém na sociedade regulada por eles” (1993, p. 12)
Rawls destaca duas capacidades morais: a racionalidade e a razoabilidade,
respectivamente, a capacidade de conceber um bem, um projeto de vida e de buscar os
meios adequados para realizá-los e a capacidade de propor e aceitar acordos justos, de
negociar regras e normas com ponderação e reciprocidade. A primeira mantém
correlação com a razão estratégica e a segunda com a civilidade e a capacidade de
2
negociar consensos e contratos justos. A razoabilidade diz respeito a valores da esfera
política, e exige uma formação que favoreça o florescimento de virtudes políticas, sem as
quais a pessoa não poderia participar do debate público. O modo como devem ser
formadas as capacidades morais na escola exige a negociação razoável entre os
profissionais da educação. Assim, ao se decidir, na escola obrigatória, como e quais
virtudes cívicas serão ensinadas para se formar cidadãos razoáveis, exige-se
razoabilidade.
Rawls apresenta dois princípios para regular a sociedade bem-ordenada (1993, pp. 56). O primeiro princípio (o da liberdade) propõe que todas as pessoas têm igual direito a
um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos,
desde que compatível com todos os demais; em tal projeto, somente as liberdades
políticas deverão ter a garantia de eqüidade. O segundo princípio, dividido em duas
partes, estabelece que as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois
requisitos: devem estar vinculadas a posições e cargos aberto a todos, em condições de
igualdade eqüitativa de oportunidades (princípio da igualdade de oportunidades); devem
representar o maior benefício possível para os membros menos privilegiados da
sociedade (princípio da diferença).
Esses seriam os princípios fundamentais segundo os quais a constituição de um país
seria formulada, e que, a partir dela, regulariam a produção da legislação ordinária, os
atos do executivo e do judiciário. Os princípios possibilitam também o controle das
políticas sociais. O princípio da diferença seria aquele cuja observação levaria a
sociedade rumo à igualdade. Contudo, como mostra Parijs (2003, p. 210), Rawls oferece
várias razões para não se usar o princípio da diferença nas decisões a respeito da justiça
entre gerações assim como entre povos. Além do mais, o princípio da diferença não é
recomendado também para regular a conduta individual, mas apenas para as instituições
(PARIJS, p. 233).
Para Rawls, esses princípios deveriam ser aceitos por pessoas racionais e razoáveis
com sendo os alicerces éticos para se regular as estruturas básicas da sociedade, ou seja,
3
a forma como o sistema de instituições distribui benefícios e encargos numa sociedade.
Além de tais princípios da justiça serem apontados como coerentes com a cultura pública
ocidental, eles são tomados também como expressão do senso de justiça dos seres
humanos, o qual se desabrocharia com uma educação adequada.
A concepção de justiça como equidade de Rawls passou a ser resignificada nos mais
diversos contextos políticos e econômicos. Numa época de resignação moral perante o
ideário econômico, ético e político de igualdade social, a gestão da educação tem-se se
tornado, para os que procuram justificar o que se tem chamado de democracia liberal, um
desafio em busca da eqüidade. Com isso, a compreensão do sentido da gestão em seus mais
diversos âmbitos tem colocado em evidência o princípio da eqüidade como parâmetros do
que é correto em relação às instituições educacionais públicas. Nesse sentido, a concepção
de justiça como eqüidade, nos últimos anos 90, tornou-se uma estratégia para se manter a
desigualdade dentro dos limites aceitáveis socialmente, evitando, com isso, que a
estabilidade política e a administração da acumulação do capital não fossem
comprometidas na nova ordem mundial.
Perante essas novas tendências, o relatório do Banco Mundial de 1997 indica
que cabe ao Estado intervir no sentido de restabelecer o equilíbrio que afeta a
estabilidade e a legitimidade do sistema:
A eqüidade pode dar ensejo à intervenção do Estado, mesmo na
ausência de falha do mercado. Os mercados competitivos podem
distribuir a renda de maneira socialmente inaceitável. Algumas pessoas
de poucos meios podem ficar sem recursos suficientes para lograr um
padrão de vida razoável. E pode tornar-se necessária ação do governo
para proteger os grupos vulneráveis. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 26)
Para o Banco Mundial, a equidade diferencia-se de “igualdade de renda ou de
situação de saúde ou qualquer outro efeito específico”. Afirma-se que a “a busca de uma
situação na qual as oportunidades sejam iguais”, ou seja, na qual o esforço pessoal, as
preferências e a iniciativa, e não as origens familiares, casta, raça ou gênero, sejam as
únicas variáveis levadas em conta na definição das diferenças entre as realizações
econômicas das pessoas, ou seja, na produção da desigualdade social (FREITAS, 2009).
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Dessa forma seriam toleráveis e mesmo incentiváveis políticas públicas para a correção e
legitimação do sistema:
A fim de aumentar a equidade nos países em desenvolvimento, o Banco
Mundial propõe a elaboração de políticas destinadas a corrigir as
persistentes desigualdades de oportunidades. Essas políticas devem
oferecer chances econômicas e políticas iguais. Muitas dessas políticas
também aumentarão a eficiência econômica e corrigirão falhas de
mercado. (FREITAS, 2009, p. 1)
A estabilidade do ajuste está comprometida, diz Draibe (1993, p. 93), quando os
piores desequilíbrios não são eliminados, antes mesmos de se transformar em
desequilíbrios políticos. Isso exige estratégias de modernização conservadora, com políticas
de criação de emprego, tal como propõe a CEPAL. A educação também passa a ser
reconhecida como fundamental para manter o equilíbrio social. Na modernização
conservadora, a educação é destacada, sobretudo, como forma de se apoiar o
desenvolvimento da capacidade lógico-abstrata para decodificar instruções, calcular,
programar e gerenciar processos, sem o que uma sociedade não se adaptaria às contínuas e
rápidas inovações tecnológicas. A educação torna-se chave para a adequação dos
indivíduos ao “globalizado” mundo dos negócios. Segundo o ideário liberal, a justiça social
resultaria da livre iniciativa e da competência dos indivíduos em avaliar oportunidades e
riscos no mercado, visto como esquema procedimental segundo o qual os resultados das
escolhas seriam sempre justo, desde elas obedecessem as regras da livre interação. Nesse
sentido fala-se da educação como capital humano, como agregação de valores,
competências e habilidades para se integrar de forma competente do mercado, ou como
capital social, conjunto de virtudes cívicas capazes de formar cidadãos comprometidos com
a democracia liberal, a promoção da equidade social, ou seja, com a soberania do mercado
enquanto princípio regulador da vida política e das instituições sociais, inclusive a escola,
que passa a ser vista também como um campo a ser administrado segundo a lógica do
capital, expressa na qualidade total, na cultura do desempenho e no gerencialismo.
5
As concepções de justiça no campo educacional segundo Dubet e Enguita
O tema destes autores, Dubet e Enguita, é sobre a escola justa, ou melhor, o tema
proposto é sobre o papel da escola na construção da justiça social no capitalismo
contemporâneo. Os dois autores aqui estudados, apesar de suas diferenças teóricas,
procuram abordar o tema na perspectiva dos “de baixo”, se colocando numa perspectiva
reformista-progressista2. O interesse para o nosso trabalho se dá exatamente pela tentativa
de pensar os temas da justiça social, igualdade, equidade e sua relação com a escola dentro
dessa perspectiva política.
Segundo Enguita (2001) a idéia de justiça social, como também a de igualdade, se
tornou quase uma obviedade na educação, contudo, o seu significado, ao longo do tempo,
foi concebido de variadas maneiras. Mesmo que se critique os objetivos igualitários da
escola como pouco claros e muitas vezes pretensiosos, não se pode prescindir da idéia de
que a igualdade continua sendo a referência indispensável para a educação.
Contudo, reconhece que os alunos das classes menos privilegiadas não se
identificam com os valores disseminados pela escola. Se for verdade que esta ainda é um
espaço de ascensão social individual, no entanto, não resolve o problema de toda a classe,
não há lugar para todos.
O tema da justiça social é também uma preocupação de François Dubet desde os
seus primeiros escritos, voltados para o estudo dos jovens marginalizados de periferia, até
seus estudos mais recentes focados na instituição escolar. Em realidade, os três temas estão
entrelaçados na obra de Dubet, pois seus estudos demonstraram que a escola não é mais
vista pelos jovens como sendo capaz de mudar suas vidas, estes não vêm sentido naquilo
que a escola lhes oferece.
Esta visão foi reforçada por uma experiência vivida pelo autor que, na década
passada, atuou como professor de escolas secundárias na França, como forma de
2
Usar o termo esquerda para designar os autores não seria de todo errado se concebermos este termo de uma
maneira ampla. Enguita possivelmente se coloca como um social-democrata da terceira via, enquanto Dubet
deveria ser visto como um liberal progressista.
6
compreender o cotidiano dos professores e da própria escola3. Foi a partir desta experiência
que Dubet compreendeu a encruzilhada em que se colocou a escola moderna, pois seus
próprios alunos não acreditam mais que os diplomas vão lhe permitir abandonar sua origem
social; muitos alunos têm a impressão que a escola não serve para nada.
O que é a escola para Dubet? Qual sua função na sociedade moderna? Para ele esta
instituição se insere no campo da cultura, ou seja, tem o papel de fundamentar a identidade
dos indivíduos, carrega uma moral em si mesma e tem um papel fundamental na garantia da
ordem4.
Para o autor, a sociedade da pós-modernidade perdeu seu caráter integrador, se
tornou fragmentada, plural e multicêntrica. Em realidade, como foi concebida pela
sociologia clássica, a sociedade deixou de existir, passou a ser uma representação, um tipoideal, uma metáfora, uma imagem. Desta forma a escola passou a ter um papel
fundamental, construindo uma noção especifica de sociedade, um ideal que não existe: o
ideal de justiça, de integração e de legitimação social.
Mas como desempenhar este papel se a sociedade pós-moderna se constituiu sobre o
esgotamento das duas temáticas que a fundaram, ou seja, as classes sociais e as instituições:
entre elas a família, a religião e a própria escola.
Quanto mais a sociedade se desinstitucionaliza, mais o sujeito se torna responsável
pela sua própria historia, devendo produzir ao mesmo tempo sua ação e o sentido de sua
vida. Assim, a experiência social da pós-modernidade se caracteriza, não apenas pela
pluralidade das lógicas de ação, mas fundamentalmente pela exigência de individualização,
em contraposição à homogeneidade funcional e à institucionalização das condutas,
característica da sociedade moderna.
3
Experiência relatada na entrevista de François Dubet, entitulada: “Quando o sociólogo quer saber o que é
ser professor”, concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Disponível em:
http://pedagogia.incubadora.fapesp.br/portal/SOCEDI2007semestre1Elie%20Ghanem/DUBETFran_c3_a7oisQuandoOSoci_c3_b3logoQuerSaberOQue_c3_a9SerProfessorEntrev
istaComFran_c3_a7oisDubetS_c3_a3oPauloRevistaBrasileiraDeEduca_c3_a7_c3_a3oN5MaioAgo1997P222
31. Acessado em 10 de abril de 2001.
4
As análises de Dubet sobre a sociedade contemporânea podem ser vistas no texto de A. M. Wautier, Para
uma Sociologia da Experiência. Uma leitura contemporânea: François Dubet.
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A desinstitucionalização coloca assim o indivíduo frente a reprovações socialmente
definidas, a afirmação da individualidade potencializa o sentimento de culpa porque, em
caso de fracasso, o único responsável é o próprio indivíduo.
Dubet compreende que a individualização e a desinstitucionalização da nossa época
coloca a escola um duplo desafio: lidar com o fracasso escolar não mais como um problema
coletivo, das minorias sociais ou dos pobres, e sim como uma questão do indivíduo e, ao
mesmo tempo, com a perda das referencias sociais, de classe, nacionais ou familiares. A
escola tem que dar conta de tudo isso no exato momento em que ela também enfraquece
sua posição social.
A realidade contemporânea enfraqueceu, ou eliminou, os projetos coletivistas,
reafirmando o individualismo competitivo do liberalismo clássico. Para Dubet, a única
justiça possível nesta sociedade é a igualdade meritocrática de oportunidades, é a igualdade
possível no capitalismo, de ontem e de hoje.
As análises de Enguita (2004) também se encaminham no sentido de reconhecer a
perda da centralidade dos conceitos coletivos, em particular a centralidade do conceito de
classe. Para esse autor o enfraquecimento político das instituições fundamentais da classe
operária, como o partido e o sindicato, por volta dos anos 70 e 80, significou o crescimento
das preocupações sobre as desigualdades étnicas e de gênero.
Para este autor a individualização das questões sociais se dá inclusive quando
falamos das desigualdades de classe, que são vistas como problemas individuais e não
coletivos:
(...) quando criticamos as desigualdades de classe, se é que o fazemos,
opomo-nos às conseqüências, ou a algumas delas, de atos que pessoas
fazem por si mesmas e livremente (...) pois, por mais que relacionemos o
empobrecimento de alguns com o enriquecimento de outros, o que é
bastante sensato, continua-se tratando de atos pessoais, não obrigatórios.
(...) trata-se também, das oportunidades iniciais das pessoas, não dos seus
destinos finais (2004, p. 78).
Para Dubet, esta sua proposta não é de esquerda ou de direita, é pragmática não
ideológica. Verdade seja dita que o autor não se coloca numa neutralidade positivista, seu
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ponto de vista, ele afirma categoricamente é o dos vencidos, dos derrotados, dos
fracassados. Por outro lado, com o fim da história e a vitória da democracia e do
capitalismo cabe aos pensadores a tarefa de buscar a solução dos problemas reais e buscar o
melhor dentro dos limites do possível.
Aceitar um mundo dividido entre ganhadores e perdedores é a primeira lição da
escola justa de Dubet, não se pretende postular outra realidade, propor alguma utopia
igualitária, criticar a sociedade existente, ela é injusta, mas não há alternativas possíveis a
ela. O realismo do autor se clareia na busca, não da escola justa, mas da escola menos
injusta possível (Dubet, 2008, p. 09). Nenhuma concessão aos idealistas ou aos radicais,
pequenas reformas são melhor do que nada, nos ensina ele.
Dubet não se abstém de colocar o dedo na ferida. Reconhece-se que a escola
sozinha não consegue alterar as desigualdades que se formam na sociedade, ao contrário ela
reforça esta desigualdade. Em todos os lugares são os alunos de se originam de famílias
abastadas economicamente, que dispõe de capital cultural e social elevado, que
posteriormente ocuparão os postos mais prestigiados e de maior remuneração na sociedade.
A escola não parece se distinguir dos padrões da sociedade desigual, mesmo quando
ela busca ser a mais neutra e objetiva possível. A redução das desigualdades sociais é ainda
o meio mais eficaz de promover o igualitarismo.
Parte-se do principio de que não é apenas a sociedade que produz a desigualdade,
mas é também e, principalmente, a escola que reproduz e reforça esta desigualdade. São os
próprios mecanismos escolares que potencializam as menores desigualdades que já foram
produzidas anteriormente pela sociedade. O discurso que busca legitimar a desigualdade vai
depositar nos próprios alunos e no seu desempenho escolar a culpa pelo seu fracasso.
Não é diferente a visão de Enguita (2004, p. 83), pois apesar de reconhecer o
poderoso papel de redutor das desigualdades sociais, não nega que a escola tem também um
caráter reprodutivista, legitimando as desigualdades sociais ao recobri-las com um caráter
acadêmico e meritocrático. A escola, portanto, não só acaba reforçando muitas vezes a
desigualdade social como também falha ao tentar contrapor-se aos determinantes negativos
da classe social.
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A questão de fundo que se coloca é dar conta de uma contradição fundamental da
sociedade moderna. Pelo princípio democrático todos são iguais, mas a desigualdade
econômica é aceita como justa. Como garantir a legitimidade do sistema, garantir a ordem e
ao mesmo tempo definir as posições e funções sociais necessárias para o bom
funcionamento da sociedade. Assim, o princípio da igualdade de oportunidades e a
meritocracia são a maneira mais racional de usar as capacidades e competências de cada um
para melhor uso da sociedade.
Dubet usa o exemplo do plano Langevin-Wallon - plano este que instituiu a
igualdade meritocrática formal no sistema educacional francês – que, segundo ele, foi feito
por militantes de esquerda, inclusive próximos ao Partido Comunista Francês (PCF), para
alegar que a concepção da igualdade meritocrática de oportunidades não é uma ideologia de
direita e sim é fruto de uma concepção universalista de justiça, fruto de uma sociedade
fundada sobre o princípio da igualdade jurídica e democrática, mas ao mesmo tempo, de
uma sociedade industrial baseada no princípio oposto da divisão social do trabalho.
Também Enguita procura desideologizar o debate enfatizando que uma concepção
igualitário-meritocratizante se harmoniza tanto às visões da esquerda como da direita. O
trabalho é uma categoria central, seja no liberalismo como no marxismo. A distribuição da
riqueza social deve ter como base o esforço de cada um, ou seja, uma combinação de
critérios de igualdade e equidade (2004, p. 85).
Esta contradição deve ser resolvida pela escola, pois esta é vista como o local onde
a desigualdade é produzida legitimamente, pois é fruto do desempenho pessoal, e gerada
em condições de perfeita igualdade de serviços ofertada a todos seus usuários. O ideal de
Dubet é a mesma igualdade que se verifica nas competições esportivas, onde a
desigualdade é vista como justa.
A igualdade de oportunidades certamente é uma ficção, mas uma ficção necessária,
pois não há outro critério de justiça que possa justificar a desigualdade nas sociedades
modernas. Sem a idéia de igualdade de oportunidades como acreditar que existe algum tipo
de igualdade em nossa sociedade, como acreditar que temos algum domínio sobre a nossa
própria vida, de que o estudo nos possibilita achar o nosso espaço na sociedade. Temos a
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liberdade de escolha, o supremo direito, segundo Dubet, de medir nossa força com os
outros.
Sua proposta não vai ao caminho de uma escola mais igualitária e sim no sentido de
uma maior equidade, valor supremo da justiça neoliberal. O pecado da democracia, diria
Dubet em sua entrevista, é considerar que todos os alunos são iguais, tem o mesmo valor.
Suas performances são diferentes e esse sim é o princípio fundamental. Tratar os desiguais
como desiguais, proteger os mais fracos, mas também permitir o livre desenvolvimento das
potencialidades individuais. Igualdade e eqüidade assim não devem ser excludentes. A
igualdade, para o autor só é legitima se permite o exercício da liberdade. A equidade (as
diferenças de potencialidades, ou meritocracia) deve produzir a igualdade de maneira
voluntária, ou seja, não deve ser feita pelo Estado, mas sim pelos próprios indivíduos.
A conseqüência desta concepção se revela na posição do autor contra a idéia das
cotas, pois estas estariam vinculadas a interesses coletivos, as minorias étnicas, de gênero,
os pobres. Para Dubet a ação pública deve se voltar para as desigualdades individuais,
independente das desigualdades coletivas.
Também para Enguita não se deve contrapor a luta pela redução das desigualdades
sociais à defesa das políticas eqüitativas, os dois conceitos são complementares. O erro
estaria tanto à esquerda, quando se busca a igualdade absoluta (igualdade de resultados e
não de oportunidades), que a história provou ser impossível, quanto à direita, a defesa da
meritocracia (eqüidade) acima da igualdade (2004, p. 85).
Considerações finais
A conclusão final não deixa de ser decepcionante, apesar de defenderem o papel,
ainda que limitado, da escola na construção de uma sociedade mais igualitária-equitativa,
os dois autores demonstram todo o ceticismo (recoberto sob a alcunha do realismo) que
caracteriza o reformismo progressista em tempos neoliberais. Para Dubet, à escola caberia
o papel fundamental de proteger os vencidos da humilhação social, de não serem
eliminados pelos vencedores. Para Enguita, à escola deve ser reservado o papel de antecipar
para os alunos a vivencia da organização social adulta, cabe à esta um papel adaptativo. Ao
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professor não cabe nenhuma atitude transgressora-crítica e sim, apenas reproduzir os
valores aceitos pela sociedade, reproduzir os conceitos sociais dominantes de justiça social.
Nesse sentido tais autores se inscrevem numa tendência de crítica as teorias não-críticas e
Às teorias críticas reprodutivistas, tal como Saviani as caracterizou, contudo eles propõem
uma abordagem da teoria da justiça próxima a tradição liberal estabelecida por John Rawls,
ou seja, apostam numa possibilidade de ajustes ou de reformas da sociedade capitalistas. É
em tal sentido que falam de escola justa, em igualdade e eqüidade em educação.
Referências
DRAIBE,
Sônia.
"As
políticas
sociais
e
o
neoliberalismo".
Liberalismo/Neoliberalismo. Revista USP, no 17, mar./abr./maio 1993.
Dossiê
DUBET, F. O que é uma escola justa? A escola de oportunidades. São Paulo: Cortez, 2008.
FREITAS, N. Equidade e desenvolvimento. Disponível em:
http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=218 . Acessado em 05/05/06
ENGUITA, M. F.. Educar em tempos incertos. P. Alegre: Artmed, 2004.
ENGUITA, M. F. Igualdad, equidad, solidariedad. Educação & Sociedade. v.22, n.76.
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PARIJS, Phelipe. “Difference Principles”. In: The Cambridge Companion to Rawls.
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RAWLS, John. A Theory of Justice. Revised Edition. Cambridge, Massachusetts: The
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SAVIANI, D Escola e democracia. Campinas: autores Associados, 2000.
WAUTIER, A. M. Para uma Sociologia da Experiência. Uma leitura contemporânea:
François Dubet. Sociologias. Nº 09, Porto Alegre, Jan./June 2003. Acessado em 10 de abril
de 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/soc/n9/n9a07.pdf.
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