Criação de moeda

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O Processo de criação da moeda
Nas nossas economias de papel-moeda o princípio da criação de moeda
resume-se a uma troca: são trocados activos não-monetários por dívidas que as
instituições bancárias reconhecem sobre elas próprias. O que designamos por
moeda é sempre uma dívida que uma instituição reconhece como "dívida sobre
ela própria".
O processo de reconhecimento destas dívidas pode ser feito de uma forma permanente ou temporária. Comecemos por ver a primeira. Designa-se,
por vezes, esta modalidade por criação de moeda livre, o que significa que estamos perante moeda criada de uma vez por todas. É o que acontece quando o
banco central recebe ouro ou divisas e em troca cede a sua própria moeda. Esta
troca é de imediato definitiva. A moeda nacional posta em circulação não tem
que voltar aos cofres, ou à cave, do banco central ao fim de período algum. Suponhamos que se trata de um exportador que de posse de divisas as pretende
trocar por notas. Junto de um banco ele pode obter as notas correspondentes a
essas divisas. Desta forma temos um aumento da circulação monetária, das notas de posse do sector não bancário. Quando o banco se dirige ao banco central
e em troca das divisas obtém um depósito junto deste, ou notas, ele reconstitui
as suas reservas ao nível anterior à troca realizada com o seu cliente. Daqui tendo resultado um acréscimo definitivo da quantidade de moeda na posse dos
agentes não bancários.
Uma questão próxima desta, mas de facto paralela, refere-se à maior ou
menor vontade com que os bancos trocam divisas. Estes últimos estarão mais
facilmente dispostos a trocar divisas cuja procura seja elevada e/ou cuja cota-
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ção seja menos volátil. Mas esta questão refere-se aos lucros destas instituições e
ao preço a praticar nestas operações e não à operação propriamente de criação
de moeda. Mesmo na situação limite em que o banco central esterliza os movimentos de capitais externos, ele conduzirá uma política que o levará a compensar esta operação com o exportador, e que conduziu à criação de moeda livre.
A emissão de moeda também pode ser feita de forma temporária, dando
lugar à criação de moeda de crédito. Quando uma unidade de produção se endivida junto de um banco, este último ou lhe entrega notas ou reconhece através da
criação de um depósito, que tem uma dívida para com a unidade de produção.
A operação que está subjacente a esta troca é uma operação de crédito, e portanto temos um tempo a ditar a sua vigência, findo o qual terá de ser feita a troca contrária. Isto é, ao fim de algum tempo a unidade de produção terá de entregar, reembolsar, o banco com notas, ou depósito sobre um outro banco, e assim anular a dívida que admitia ter para com este. Nesta altura temos uma destruição de moeda, uma redução da quantidade de moeda em circulação junto
dos agentes não bancários.
Ao contrário do que se passava à pouco, a criação deste tipo de moeda,
que designamos por moeda de crédito, atendendo à sua forma de criação, é
agora temporária. A sua criação tem desde logo o imperativo da sua destruição.
Claro está que isto apenas se passa para cada operação. Se virmos as coisas ao
nível global de uma economia, acabamos por verificar que a criação deste tipo
de moeda, em cada intervalo de tempo razoável, excede a sua destruição, pelo
que a nível global também esta criação de moeda acaba por ser permanente.
No relacionamento entre o banco central e os bancos, as operações de
troca de divisas dão lugar a uma posse de moeda do banco central que é defini-
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tiva, e as operações de crédito, seja por desconto ou por refinanciamento, dão
lugar a uma disponibilidade de moeda do banco central que é temporária. Portanto, aos diferentes níveis da emissão de moeda, seja ao nível do banco central
ou ao nível dos bancos, encontramos a justificação para aquela divisão em criação permanente e temporária.
Quando olhamos para os utilizadores finais da emissão de moeda e para
a forma como essa moeda é criada, vemos que temos em circulação notas e depósitos, que mais não são do que dívidas assumidas pelo banco central e pelos
bancos, e que resultam de operações com ouro e divisas e de créditos aos agentes não bancários. Neste último caso temos os créditos às unidades de produção,
às famílias e ao Tesouro. Quanto a este último é importante salientar que na
União Europeia os bancos centrais não podem conceder crédito, a descoberto,
aos respectivos Estados.
Importa ainda lembrar que apesar de dizermos que a moeda emitida é
sempre uma dívida da instituição emissora sobre ela própria, devemos distinguir
entre notas, depósitos no banco central e depósitos nos bancos. A primeira e segunda formam o que designamos por moeda banco central e a terceira o que
podemos designar por moeda privada, porque emitida por agentes que relevam
desse direito. As notas têm curso forçado. Os depósitos junto do banco central
podem ser convertidos em notas deste, e a distinção entre uma e outra é apenas
de forma. Já a moeda dos bancos está sujeita a uma restrição de convertibilidade em moeda do banco central. Em qualquer momento essa restrição pode ser
usada a pedido dos seus possuidores.
A relação quantitativa entre a moeda de um e outro tipo é captada pelo
mecanismo do "multiplicador de crédito". Não pretendemos aqui retomar esse
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mecanismo, mas antes chamar a atenção para um conjunto de condicionantes
de comportamentos, subjacentes àquele mecanismo, que será útil no estudo da
execução da política monetária por parte do banco central. A criação de moeda
de carácter temporário, ou moeda de crédito, depende da existência de uma
procura de créditos, sobretudo, por parte das unidades de produção; da existência de uma aceitável liquidez bancária; e da política que o banco central pretende prosseguir quanto à criação de moeda por parte dos bancos.
O primeiro factor de enquadramento daquela criação refere-se, nem
mais nem menos que, ao mercado do crédito bancário. Este tipo de mercado,
como sabemos, é um mercado do tipo racionado, onde os problemas de selecção adversa a isso aconselham.
Taxa de Juro
O
Oferta
r
e
r
Procura
Co Ce
Cd
Crédito
Na Figura acima o valor do crédito de equilíbrio é de Ce. O crédito que
vai ser concedido pelos bancos não corresponde a esse valor, mas antes a Co,
porque os bancos irão praticar uma taxa de juro de r. O crédito a ser
concedido, representado pela curva O, conjuntamente com a taxa de juro praticada, levam a uma procura não satisfeita de crédito do montante de Cd-Co.
Com este resultado pretendemos apenas lembrar que é normal, em qualquer situação de mercado de crédito, termos uma procura não satisfeita de créditos
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bancários e que esse desequilíbrio não resulta de uma rigidez de ajustamento do
seu preço, mas antes de características próprias do mercado.
Naquele caso, o crédito a conceder Co ditará a criação de moeda. O facto de eventualmente esse crédito não significar qualquer acréscimo do crédito a
conceder, não elimina o fenómeno referido do excesso de procura verificado.
Na análise que vamos fazer consideramos que o crédito bancário e o crédito não bancário não são substituíveis, ou pelo menos são fracamente substituíveis. Trata-se de uma hipótese que é normal ser feita, embora pouca vezes seja
claramente explicitada.
O segundo factor de enquadramento, referido acima, respeita à liquidez
bancária. A redução de longo prazo da preferência dos agentes por moeda banco central (MBC) teve repercussões ao nível do aumento da capacidade de criação de moeda de crédito. E isto porque a moeda privada dos bancos não sofre
uma restrição tão forte da regra de convertibilidade. Claro está que isto gerou
uma forte concorrência interbancária pela posse de maiores áreas de reconhecimento das suas moedas. A crescente liberdade de movimentos de capitais também permitiu que os bancos pudessem mais facilmente obter divisas e assim
obrigar a criações definitivas de MBC, o que lhes pode evitar problemas de liquidez. Ao mesmo tempo a acção do banco central pode ser vista no sentido de
fornecer a liquidez necessária aos bancos procurando evitar problemas de exiguidade de liquidez e assim de crises bancárias. Em suma, a questão da liquidez
bancária, e da restrição que ela constitui na concessão de credito, deve ser vista
num processo de dinâmica da actividade económica.
O último factor refere-se de forma explícita à política monetária. E aqui,
por agora, apenas colocamos questões. Que intenções tem o banco central
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quanto ao volume da massa monetária e ao valor da taxa de juro ? Que tipos
de resposta estará disposto a dar à criação de moeda induzida pelo comportamento de concessão de crédito dos bancos ? As pressões inflacionistas antecipadas pelos banco central também podem provocar comportamentos diferenciados. Da mesma forma as diferentes fases do ciclo da conjuntura económica levam a diferentes atitudes quanto à liquidez na economia e dos bancos.
A apresentação que vamos fazer dos instrumentos disponíveis para a acção da política monetária encontra-se bastante afastada da questão que dominou durante bastante tempo uma certa forma de ver a política monetária e que
consistia em partir da fórmula da multiplicação de moeda para levantar a questão da estabilidade das previsões nela assentes. Assim, de:
DM = k m $ DMBC
passávamos a considerar as duas hipóteses possíveis para as variáveis do membro direito. Se o valor do multiplicador, km, fosse estável a quantidade de moeda poderia ser controlada. Se, pelo contrário, aquele valor fosse instável, então,
não poderíamos pensar em controlar a oferta de moeda. Mas mesmo admitindo
a estabilidade do multiplicador, a previsão da oferta de moeda depende da capacidade de determinar a quantidade de MBC. No caso dessa quantidade não
ser controlada pelo banco central, podemos concluir que para fixar a quantidade da oferta de moeda é relativamente indiferente a estabilidade, ou não, do
multiplicador. Em parte, já reflectimos acima sobre estas questões.
Propomo-nos introduzir os possíveis instrumentos da política monetária
tendo em conta que o processo de criação monetária pode ser visto com um
processo dinâmico em dois tempos. Num primeiro tempo registamos a moneta-
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rização das dívidas dos agentes do sistema não bancário junto dos bancos. Num
segundo tempo os bancos defrontam a restrição de convertibilidade da sua moeda em MBC, e assim resolvem o seu problema de liquidez.
No balanço (monetário) do banco central encontramos no seu passivo as
notas emitidas (∆B) e as reservas concedidas aos bancos na sua moeda (∆R). No
lado do activo temos as rubricas correspondentes às operações que deram origem àquelas responsabilidades, ou seja, a aquisição de divisas1 e o crédito concedido aos bancos, ou refinanciamento. Assim, temos:
DDiv + D Re f = DB + DR
As variáveis através das quais o banco central pode actuar para intervir sobre a
liquidez da economia são as reservas (∆R) e o refinanciamento (∆Ref). É através
dessas variáveis que pode ser controlada a liquidez dos bancos e a partir daí o
seu comportamento de oferta de crédito e finalmente a liquidez da economia.
Dispomos assim de imediato de duas formas de fazer a política monetária que são identificadas através dos instrumentos pelos quais o banco actua: a
política de refinanciamento e a política de reservas bancárias. Em ambos os casos pretende-se usar a liquidez bancária para controlar a liquidez da economia.
A eficácia desta pretensão primeira da política depende da não inversão da relação apresentada atrás, ou seja, a relação deve "ir" da liquidez bancária "para" a
liquidez da economia, e não o contrário. A eficácia também depende da capacidade de o banco central influenciar o volume dos créditos bancários. Esta última questão sugere a eleição de uma outra forma de fazer a política monetária e
que consiste em escolher como instrumento dessa política o próprio volume dos
créditos bancários.
1
Ignoremos os movimentos de ouro.
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Em resumo, podemos classificar as formas da política monetária, como
política de refinanciamento, de reservas e de enquadramento dos créditos. Passemos seguidamente a estudar cada uma destas formas.
Política de Refinanciamento Bancário
Façamos em primeiro lugar a análise das operações conducentes a um
controlo da liquidez da economia através do montante de refinanciamento do
banco central aos bancos. Comecemos pela exposição dos princípios que guiam
uma tal política e passemos depois a analisar a eficácia da política sobre a liquidez da economia.
O princípio primeiro para uma política de refinanciamento é a presença
dos dois tipos de intervenientes nas operações de refinanciamento. Sem a presença dos bancos não pode haver operações de refinanciamento, ou seja, é necessário que estes tenham necessidade de se refinanciarem junto do banco central. Tendo os bancos necessidade de refinanciamento, o banco central irá negociar a concessão de refinanciamento (D Re f) ao preço entendido como ajustado (i Re f ) para tal operação. Como para qualquer bem em qualquer mercado,
vamos agora ter uma relação de oferta do tipo i Re f = F(D Re f, h). A um dado
preço corresponderá uma certa quantidade de refinanciamento. No entanto devemos chamar a atenção para o vector de variáveis h ali presente e que torna
aquela função de comportamento dependente de muitas outras variáveis de natureza conjuntural. A inflação esperada determinará os valores daquela taxa de
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cedência de liquidez, mas também a taxa de juro real esperada da economia assim como a fase da conjuntura em estivermos. Também numa pequena economia aberta as alterações das taxas externas têm influência sobre aqueles valores.
Assim como o próprio período de constituição de reservas obrigatórias determinará um comportamento cíclico da taxa.
Como as operações de refinanciamento envolvem uma quantidade, o
montante de refinanciamento, e um preço, a taxa de juro de refinanciamento,
podemos distinguir à partida dois efeitos na acção destas operações. Um efeito
quantidade e um efeito preço.
O efeito quantidade parte do princípio óbvio da necessidade desse refinanciamento para a concessão de crédito, D Re f h DCrédito. Como o banco
central procura controlar a liquidez da economia terá de o fazer através da
quantidade de fundos que cede aos bancos, D Re f(h Crédito) h DM. Para ceder
a quantidade desejada desses fundos, o banco central irá fixar a taxa iRef a valores compatíveis. Podemos assim dizer que o banco central utiliza como instrumento a taxa de juro de cedência de liquidez para atingir o objectivo operacional dado pelo montante de refinanciamento dos bancos.
O efeito preço deriva da acção da taxa a que a liquidez é cedida. Como
esse preço representa em primeiro lugar um custo para os bancos e pode vir a
representar um custo para os agentes não bancários, devemos dividir este efeito
preço num efeito preço directo e num efeito preço indirecto. O efeito preço directo actua como um custo para os bancos que se refinanciam. O custo de reprodução da sua estrutura de origem e aplicação de fundos torna-se agora mais
dispendiosa. Mas as conclusões deste acréscimo serão diferentes consoante os
bancos disponham ou não da possibilidade de alterar o preço a que concedem
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crédito aos seus clientes. Tomemos como primeiro caso a impossibilidade de
aumentar a taxa de juro de concessão de crédito. A substitubilidade entre activos bancários e não bancários, ou entre crédito bancário interno e externo,
pode levar a essa situação. Neste caso, o aumento da taxa de juro de refinanciamento leva a uma desvalorização dos activos bancários, uma vez que a taxa de
rentabilidade líquida desses activos diminui. O que leva os bancos a recorrerem
menos ao refinanciamento do banco central. O resultado será o inverso se a
taxa em vez de aumentar diminui. Neste último caso a procura de fundos de refinanciamento iria aumentar.
Admitamos agora a outra situação, que a taxa de juro de concessão de
crédito por parte dos bancos vai aumentar. O sector bancário é um sector com
um comportamento oligopolista pelo que esta situação é bastante mais realista.
Se por hipótese a taxa de juro das operações bancárias activas for formada por
uma regra do tipo, i a = m + i Re f , então é indiferente aos bancos que a taxa de
cedência de liquidez tenha aumentado. O acréscimo do custo de obtenção de
fundos passa directamente para os seus clientes. Podemos afirmar que esta hipótese, sendo mais realista que a anterior, peca porque afinal o valor de 'm' tende
a diminuir com os acréscimos de iRef, mas essa observação não elimina o essencial da conclusão a retirar e que é o efeito diminuto da variação da taxa de cedência de liquidez sobre o comportamento dos bancos.
Mas como dissemos, os efeitos preço não se esgotam nos custos sobre os
bancos, actuam também sobre o comportamento dos agentes não bancários
que procuram crédito junto bancos. Estamos assim perante um efeito de custo
do crédito às empresas. Se a política de refinanciamento actua através do custo
do crédito, podemo-nos questionar se a política de refinanciamento não passará
de uma política de taxa de juro. Pensamos que a resposta é negativa. Como te-
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mos insistido, os aspectos de "preço" e "quantidade" são indissociáveis na condução de uma política de refinanciamento. No que respeita aos agentes não
bancários, o seu comportamento irá alterar-se, ainda que perante uma variação
da taxa de refinanciamento (iRef) o comportamento dos bancos possa não se alterar. A procura de créditos vai diminuir em face do acréscimo da taxa de juro. E
por essa via a política de refinanciamento afectará a liquidez da economia.
Podíamos ainda falar num outro efeito indirecto. O aumento do preço
das operações de refinanciamento leva a que as operações de crédito interbancário a curto prazo diminuam, o que torna os bancos na sua globalidade mais
dependentes do refinanciamento do banco central.
Em suma, a política de refinanciamento procura actuar via um efeito de
quantidade e um efeito de preço sobre a liquidez da economia. Esquematicamente:
Di Re f h
D Re f h DM
Di a h DM
pelo que podemos dizer que a política de refinanciamento é tanto uma política
de taxa de juro como de quantidade; por exemplo, de reservas bancárias emprestadas.
Analisados que foram os princípios da política de refinanciamento caberá agora analisar a possível eficácia desta política. Já em cima insistimos na
ideia que para que uma política de refinanciamento possa ser executada é necessário que os "bancos estejam no banco", ou sejam, que os bancos dependam
do banco central para continuarem com a sua actividade de crédito. Se os bancos se encontram em situação de folgada liquidez, não dependem do banco
central e portanto não poderá haver uma política de refinanciamento eficaz.
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Quando no final dos anos oitenta se preparou em Portugal a passagem da política de controle directo dos créditos bancários par uma política de controle indirecto, em que a política de refinanciamento teria um importante papel a desempenhar, foi feita uma operação que durou bastantes meses de "secagem da liquidez". As autoridades monetárias procuraram eliminar o excesso de liquidez que
dispunham os bancos, através da venda de títulos de dívida pública e de depósitos remunerados junto do banco central, para posteriormente poderem actuar
sobre o refinanciamento dos bancos.
A actual situação de perfeita mobilidade internacional de capitais nos
países europeus, e nos mais desenvolvidos do mundo, leva a que os bancos possam refinanciar-se em mercados internacionais sempre que nestes as taxas sejam mais baixas que as praticadas pelos respectivos bancos centrais.
Uma outra forma de ineficácia surge nos casos de inflação crescente em
que a liquidez bancária se torna elevada dificultando a intervenção do banco
central. Esta intervenção pretenderá reduzir a liquidez na economia quando os
bancos têm posições liquidas suficientes para alimentar o fluxo de créditos. E
num processo inflacionista em que os bancos fiquem sem liquidez o banco central não pode utilizar essa posição dos bancos para combater directamente a inflação sob pena de poder provocar uma forte instabilidade no sector bancário.
Algumas outras razões que impedem a ligação do refinanciamento ao
crédito bancário devem merecer a nossa atenção. A procura de liquidez por
parte dos bancos pode não depende do nível das taxas de refinanciamento. Já
vimos algumas das razões para que isso possa acontecer, pretendemos agora
apenas chamar a atenção que por vezes as taxas de refinanciamento que levariam a impor uma penalização no comportamento dos bancos, de forma a que
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estes o alterassem, podem ser tão elevadas que o banco central evita a sua utilização. A razão porque o faz prende-se com o facto de as taxas de cedência de
liquidez serem um dos indicadores fundamentais da política monetária e não
apenas uma taxa de um mercado restrito, entre o banco central e os bancos.
Outra das razões que podem levar à ineficácia da acção do banco central sobre a liquidez da economia resulta da inelasticidade da procura de crédito
à taxa de juro desse crédito. Se tal acontecer, a quantidade procurada de crédito continuará a ser feita e os bancos continuarão a refinanciar-se para alimentar
esse fluxo de crédito. A procura de crédito bancário pode ser inelástica à taxa
de juro porque outras variáveis podem ser mais importantes na explicação dessa procura, ou porque os custos financeiros das unidades de produção não são
muito importantes, ou ainda porque numa prática de mark-up as unidades de
produção passam esses custos acrescidos para os preços finais. Finalmente uma
razão de peso para este comportamento resulta da possível confusão que podemos fazer entre taxas nominais e reais. É natural que as unidades de produção
reajam a variações das taxas reais e não nominais. As taxas reais esperadas variam ao longo do ciclo de negócios e têm um comportamento efectivo dependente de uma certa rigidez das taxas nominais. Na Figura em baixo procurámos
ilustrar o que pretendemos dizer.
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A taxa de juro nominal reage com uma certa lentidão à evolução da inflação, pelo que ao longo da história da inflação as taxas de juro reais têm uma
história própria. No período em que é mais óbvio o crescimento da taxa de juro
nominal a taxa de juro real é negativa, porque aquela não acompanha o movimento da inflação. Pelo que é natural que encontremos as taxas nominais a aumentarem e o crédito a aumentar também.
Por tudo o que temos vindo a dizer, acabamos por encontrar na política
de refinanciamento um efeito preço, mas nem sempre um efeito de quantidade.
Havíamos também sugerido, mais acima, que esta política poderia ser
dominada por efeitos perversos. Vejamos alguns desses efeitos. Num mundo de
perfeita liberdade de capitais a política de refinanciamento restritiva de um banco central pode ser compensada, e por isso anulada, pela obtenção de créditos
no exterior. A uma subida da taxa de refinanciamento aumenta a entrada de
capitais externos, (i) para investimentos financeiros, que acabarão por reforçar a
posição de liquidez dos bancos, ou (ii) por efeito de empréstimos no exterior dos
próprios bancos. Um efeito que dominou a entrada da Espanha no mecanismo
de taxas de câmbio do SME acabou também por se aplicar, mais tarde, a Portugal. A entrada da peseta numa zona de câmbios quase fixos e estáveis levou
ao efeito "lua-de-mel" que fez valorizar a peseta face às outras moedas. Como a
taxa de inflação em Espanha era mais elevada que na zona do marco, as autoridades espanholas faziam uma política monetária restritiva que levava a taxas de
juro elevadas. Estas taxas incentivavam a entrada de capitais que sustinham a
valorização da peseta. Os bancos estavam assim em situação de abundante liquidez quando o banco central procurava fazer uma política monetária restritiva. Esta situação acabou por acontecer também em Portugal. Num segundo
momento a manutenção dos valores nominais das taxas de câmbio empurra
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para cima as taxas de juro que acabarão por impedir futuras desvalorizações
das moedas. No caso português, e num período de restrições de movimentos de
capitais internacionais, os bancos portugueses actuavam através da praça offshore da Madeira endividam-se junto de bancos alemães, que apresentavam as
taxas de crédito mais reduzidas, e compravam títulos da dívida pública portuguesa com taxas de juro bem superiores. O negócio não comportava riscos para
os bancos portugueses e assim a margem era garantida. Esta situação só terminou quando o Banco de Portugal impôs a constituição de reservas para esses
empréstimos no montante de 90%.
As dificuldades sentidas com a aplicação da política de refinanciamento
levaram algumas autoridades monetárias a optar pela introdução de várias taxas de refinanciamento. Assim, pretendia-se incentivar o investimento e a capacidade de oferta de alguns sectores produtivos ao estabelecer taxas de refinanciamento aplicadas a fundos que teriam esse destino. Esta forma de actuar é de
difícil controlo e de eficácia duvidosa, por isso caiu em desuso.
A evolução dos mercados de capitais e a adaptação feita pelos bancos
acabou também por fazer reduzir a eficácia desta política. Os bancos foram
evoluindo de forma a retirarem as suas principais actividades do activo do crédito directo a unidades de produção e a adquirirem títulos negociáveis. Ao mesmo tempo reduziram as suas actividade de balanço desenvolvendo actividades
financeiras prestadoras de serviços, que embora envolvam responsabilidades
não surgem de imediato contabilizadas.
Até aqui vimos a política de refinanciamento através de operações de
crédito num mercado que envolve o banco central e os bancos, mas devemos
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chamar a atenção para um outra forma de refinanciamento. A que é feita através de desconto de efeitos comerciais. Esta política de refinanciamento era afinal a preponderante em países não anglo-saxónicos até há alguns atrás. Hoje, a
prática do desconto coexiste com a das operações do mercado monetário. Acaba por ter um papel supletivo para situações marginais. A taxa aplicada nestas
operações é em geral superior à do mercado monetário e tem, com facilmente
se percebe, um carácter administrativo. A taxa é alterada com frequência muito
diminuta, reflectindo por vezes alterações de valor que já estavam consumadas
nos valores praticados nas outras operações de refinanciamento. A desvantagem
do desconto relativamente ao refinanciamento deve-se fundamentalmente ao
facto de o primeiro ter um carácter administrativo enquanto o segundo tem um
carácter contratual. Um está aquém do mercado, o outro está inserido no próprio mercado monetário. O desconto pode funcionar como uma vávula de escape. Se um banco tem necessidad de mais fundos do que os que obteve no
mercado de refinanciamento, pode consegui-los, mas uma preço bem mais elevado.
Finalmente, pretendemos chamar a atenção para a utilidade desta política de refinanciamento. Já dissemos que poderia ser uma política eficaz no controlo da liquidez da economia, mas também que o seu sucesso poderia ser reduzido, e eventualmente nulo. Resta acrescentar que a sua importância advém-lhe
hoje da posição que ocupa como indicador de intenções dos responsáveis da política económica, e monetária em particular. As suas alterações são um importante sinal dado aos bancos e agentes não bancários das intenções da autoridade monetária. Desta forma contribui de forma importante para moldar as antecipações dos agentes económicos.
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Política de Reservas Obrigatórias
A política de reservas obrigatórias continua a ser uma política dirigida à
liquidez dos bancos. Ao obrigar os bancos a manterem obrigatoriamente certos
níveis de liquidez, ela acaba por ser independente do montante de refinanciamento obtido por estes e existe como restrição de liquidez previamente a qualquer operação de crédito.
Tomemos a fórmula geral do multiplicador de crédito:
DM = k $ DMBC
onde MBC representa a moeda do banco central de posse dos bancos e,
1
k = r$(1−b)+b
Como 'k' é uma função da taxa de reservas (r), podemos fazer 'k(r)' e chamar a
atenção para a relação negativa entre 'k' e 'r'. Haverá tendência para se dizer
que essa relação fundamenta uma política de reservas. Mas essa influência, apesar de negativa não é muito importante. No quadro em baixo representámos a
situação em que a taxa de preferência por moeda do banco central (b) é de 22%
e a taxa de reservas obrigatórias que era de 2% passou para 3%.
b
r
k
Quadro ?:
0,22
0,20
4,24
Diferentes valores do multiplicador
de crédito.
0,22
0,30
4,21
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Como podemos constatar o valor do multiplicador passa de 4,24 para
4,21, o que é um decréscimo diminuto em face de uma variação de 50% na
taxa de reservas. Mas o efeito mais importante deste acréscimo da taxa de reservas não se faz sentir através do valor do multiplicador. Em Maio de 1996 os
Depósitos no sector bancário em Portugal atingiam 10 354 600 milhares de
contos e em Junho passaram a ser de 10 469 500. Se a taxa de reservas bancárias tivesse crescido mais 1%, tivesse passado de 2% para 3%, por exemplo, os
bancos teriam de imobilizar mais 1.149 mil contos, correspondente a 1% do
acréscimo de depósitos então registado (10 469 500 - 10 354 600). O que significaria uma redução de igual montante no crédito a conceder. Mas vejamos o
que entretanto também passou a ser exigido aos bancos. Estes deverão acrescer,
em Junho, as suas reservas no montante de 104 695 milhares de contos, valor
correspondente a 1% das suas responsabilidades totais em depósitos. Como vemos, o valor de imobilização do activo, em moeda do banco central, é consideravelmente superior àquele outro valor. É este último valor que corresponde ao
acréscimo das reservas de acordo com o novo valor da taxa de reservas.
Esquematicamente podemos representar o mecanismo descrito:
k o x MBC o M o
rmx
MBC o M o
Com este esquema chamamos a atenção para aqueles dois caminhos de
redução da liquidez bancária. Através dele podemos representar os diferentes
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efeitos que uma subida da taxa de reservas comporta para a liquidez da economia.
O efeito que ali é realçado é obviamente o efeito quantidade. Através da
redução da liquidez do sector bancário, seja como resultado do multiplicador
ou da formação das novas reservas, a quantidade de crédito irá ser afectada e
por essa via também a liquidez da economia.
Mas se existe um efeito quantidade também deverá existir um efeito preço. Este efeito é agora o resultado de um decréscimo da oferta de créditos, que
levará a pressionar a taxa de juro para a subida. Esta provável subida da taxa
de juro depende da concorrência interbancária e da forma como os bancos encaram o problema da selecção adversa na oferta de créditos.
A política de reservas também acarreta um outro efeito preço que actua
através dos custos do exercício da actividade creditícia. Como temos vindo a insistir, a subida da taxa de reservas obriga a uma imobilização correspondente
ao valor das responsabilidades assumidas em depósitos, pelo que o acréscimo
total dos valores que terão de ser imobilizados acaba por ter um efeito importante em termos de custos. Estes custos correspondem a uma desvalorização do
activo bancário, pelo que haverá um tendência para fazer passar esse custo mais
elevado para os clientes elevando assim as taxas de juro de concessão de
crédito.
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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Na Figura em baixo procurámos representar esta situação.
i
Figura ?
Efeitos possíveis de uma subida
da taxa de reservas quando não
há racionamento do crédito.
i2
i1
i0
Procura
de Crédito
Oferta de
Crédito
Crédito
C2 C1 C0
O crédito concedido era de C0 antes da subida da taxa de reservas.
Como resultado da subida desta taxa, por mera actuação mecânica do multiplicador, o crédito a ser concedido passa a ser de C1. Mas a redução dos activos líquidos leva a que de facto o crédito oferecido passa a ser de C2, ao qual corresponde uma taxa de juro bastante mais elevada que na situação de partida.
Uma das possíveis fugas a esta actuação sobre a liquidez bancária consiste em obter depósitos em moeda estrangeira quando estes depósitos são favorecidos em termos de taxa de reservas. Por isso em situações de políticas restritivas
também as taxas de reservas destes depósitos aumentam, e por vezes até aumentam mais quando a política restritiva tem efeitos sobre a valorização externa da moeda nacional. Também a obtenção de créditos no exterior pode eliminar os efeitos de uma política deste tipo, sobretudo se em período de relativa
instabilidade cambial, as taxas internas forem mais elevadas que as externas2.
Parece-nos que podemos concluir da política de reservas que um dos
seus efeitos é a subida das taxas de juro das operações activas como resultado de
Já atrás fizemos referência ao período em que os bancos portugueses se endividavam junto
dos bancos alemães e adquiriam títulos da nossa dívida pública através da praça off-shore da
Madeira.
2
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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um efeito que é em primeiro lugar um efeito de quantidade e apenas de forma
derivada um efeito preço e sobretudo de um efeito custo. As diferenças que
apresenta com a política de refinanciamento são várias. Como havíamos constatado, a política de refinanciamento é em primeiro lugar um política com um
efeito preço e apenas depois uma política com um efeito quantidade. Justamente o inverso da política de reservas. Do ponto de vista da continuidade também
existem diferenças. A política de refinanciamento é uma política contratual, ao
passo que a de reservas é uma política regulamentada. A primeira exerce-se
através do mercado e a segunda de uma forma administrativa. Enquanto que
aquela actua permanentemente, desde que exista necessidade de financiamento
por parte do sector bancário, e pode evoluir de forma continuada, a última não
pode ser utilizada com frequência pela acção brutal que acarreta sobre os activos bancários. A política de refinanciamento também actua apenas sobre aqueles que precisam de liquidez e por isso têm de recorrer ao banco central ao passo que a política de reservas aplica-se sobre todos de forma indiscriminada. Por
este último motivo, a política restritiva de reservas ao actuar sobre todas os bancos tem por vezes de ser compensada através de um política de refinanciamento
de sentido expansionista, sob pena de provocar forte instabilidade no sector
bancário.
Como sugerimos acima, a política de reservas pode ser uma política de
eficácia brutal. Por esse motivo ela é utilizada em circunstâncias muito especiais
em que seja necessário um esforço muito grande de absorção de liquidez do sistema bancário. Situações deste tipo correspondem a choques inflacionistas, em
que a acção desta política pode ser um passo importante para conduzir a liquidez a níveis mais compatíveis com a estabilidade do próprio processo inflacionista.
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
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Porque esta política actua sobre os custos de actividade bancária podemos encontrar efeitos simétricos na sua actuação. Se estivermos perante uma
redução da taxa de reservas, os bancos ficam de imediato independentes do
banco central e podem acrescer o volume de créditos contribuindo assim para o
crescimento da quantidade de moeda na economia, se a procura de créditos absorver aquela variação da oferta. Se a taxa de reserva aumentar, temos de admitir duas hipóteses de partida. Ou os bancos estão dependentes do banco central na obtenção de liquidez ou então estão independentes. Um primeiro efeito
poderá ser o de colocar todos os bancos na dependência de refinanciamento do
banco central. E desta forma, mesmo para aqueles que à partida estavam independentes do banco central, a política de refinanciamento pode passar a exercer
os seus efeitos. No caso dos que já estavam em situação de dependência, é natural que, para algumas destas instituições, o banco central tenha de conceder
créditos, que não puderam ser obtidos junto das suas congéneres, se pretender
assegurar a estabilidade financeira do sistema bancário.
Uma última observação sobre este procedimento da política monetária.
As taxas de reservas foram utilizadas no passado de uma forma bastante complexa. A ausência de rácios de solvabilidade e de indicadores de exposição ao
risco, que tivessem de ser respeitadas pelos bancos, levava a que a política de reservas fizesse também parte da política de supervisão do sistema bancário por
parte do Banco Central. Ao mesmo tempo, a definição de valores seguros em
que as reservas fossem representadas dependia da política de financiamento do
Tesouro. Apenas no final da década de setenta a definição de reservas, e a sua
representação em balanço, começaram a ser simplificadas. As rácios e outros
indicadores definidos em Basileia e que se aplicam aos bancos portugueses e eu-
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
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ropeus, a impossibilidade de concessão de créditos a descoberto aos governos e
o ambiente fortemente concorrencial que caracteriza a actividade bancária internacional, acabaram por desvalorizar a importância das reservas e reduzir a
margem de manobra das autoridades monetárias na sua utilização.
Política de Enquadramento de Crédito
Vimos já que a política que visa atingir a quantidade de crédito a ser
concedido pelo sector bancário e que age através da liquidez dos bancos pode
ter a forma de política de refinanciamento ou de reservas bancárias. No primeiro caso, o instrumento da política é constituído pelas operações do mercado livre, do mercado interbancário de títulos, que são feitas pelo banco central; no
segundo o instrumento é constituído pela taxa de reservas bancárias ou pela estrutura de taxas de reservas a serem impostas pelo banco central.
Mas existe uma outra forma de conduzir a política de controlo do crédito bancário e que consiste em utilizar a própria variável objectivo como variável
instrumento. Ou seja, a política é definida em termos de controlo da própria
quantidade de crédito a ser concedido pelos bancos: política de enquadramento
do crédito. Trata-se assim de uma política extremamente intervencionista e autoritária, porque vai dizer aos bancos quanto podem emprestar.
Esta política tem-se justificado sobretudo por dois motivos: por ineficácia
das outras políticas, que pode ser o resultado de condições de natureza macroeconómica ou institucionais que impedem a aplicação com sucesso dessas políti-
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
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cas; ou porque a situação em termos de inflação é considerada tão grave que
esta forma de intervencionismo é justificada.
Vimos já que a subida da taxa de refinanciamento pode não ter quaisquer efeitos de quantidade sobre a concessão do crédito, porque afinal a procura de crédito pode ser inelástica à taxa de juro. Os contextos inflacionistas são
mais propícios que outros ao aparecimento desta situação. As taxas de juro que
afectariam a procura de crédito seriam de tal forma elevadas, que se o banco
central as impusesse, elas não só teriam repercussões negativas na actividade
bancária como na actividade propriamente financeira, podendo no limite paralisar esta última. Para além disso, a procura de crédito deslocar-se-ia para o curto prazo, na esperança fundamentada de um decréscimo futuro das taxas de
juro.
A política de reservas pode actuar neste caso pelo seu efeito quantidade.
Mas ao actuar de uma forma indiscriminada sobre o sector bancário leva à necessidade de uma política de refinanciamento discricionária de forma a garantir
a estabilidade do sistema bancário. O seu efeito sobre a rentabilidade dos activos bancários levam-na sempre a ser utilizada de forma mitigada e numa situação de inflação crescente não será a forma mais adequada até porque se pretende que a oferta real dos créditos venha a diminuir, o que afecta também a rentabilidade do sector bancário.
A política de refinanciamento e de reservas acaba assim por comportar
um desvio expansionista perante processos inflacionistas importantes. Donde, a
tentação da actuação sobre a própria distribuição dos créditos fixando os seus
quantitativos. Esta forma de actuação é directa, no sentido em que não existem
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desfasamentos de actuação e não gera necessidades de intervenção contraditórias, como acontece com a política de reservas bancárias.
Na Figura em baixo representámos uma hipotética situação de crédito
em que à partida não existe racionamento do crédito.
i
i1
Figura ?:
A política de enquadramento
permite reduzir a oferta de crédito
sem aumentar a taxa de juro.
Procura
de Crédito
i0
C1
C0
C
A passagem do nível de crédito de C0 para C1 obrigaria a uma subida da
taxa de juro de i0 para i1. Com uma política de enquadramento do crédito é
pois possível reduzir a oferta deste de C0 para C1 e manter a taxa de juro ao nível anterior de i0. Como resultado imediato também temos uma procura excedentária de crédito de C0-C1.
Esta política não tem efeitos de preços, porque não é necessário elevar as
taxas de juro, o que acaba por poder ter efeitos positivos, num primeiro momento, como política anti-inflacionista. Os efeitos de propagação de custos financeiros mais elevados sobre os preços da produção não existirão. No entanto,
as taxas de juro não poderão afastar-se permanentemente dos seus valores reais
de equilíbrio sob pena de toda a afectação de recursos ser enviesada. Como as
taxas de juro não sobem, e a quantidade de crédito se encontra restringida, os
bancos passam a executar uma política de créditos seguros. O que significa que
a inovação ao nível da produção não é favorecida, ou até mesmo contemplada,
porque envolverá certamente riscos mais elevados de reembolso de crédito.
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A actuação da política de enquadramento do crédito resulta de imediato
num efeito quantidade. É por isso natural que os bancos procurem fugas ao sistema de controlo da quantidade de crédito, o que tende a fazer surgir conjuntos
de normas regulamentares para a concessão do crédito, para os seus registos e
para a sua fiscalização. O desejo de uma maior eficácia deste tipo de política
leva a que a concessão de crédito deva ser feita privilegiando sectores de actividades dinâmicos, ou que se pretende que o venham a ser, e também leva a que
as autoridades monetárias estabeleçam taxas de juro preferenciais para o financiamento de algumas formas de actividade económica. A existência de maiores
disponibilidades de crédito assim como a redução do custo de financiamento
para certo tipo de actividades gera o aparecimento de falsas declarações sobre o
destino dos créditos. Podemos pois dizer que estas taxas levam naturalmente à
necessidade de maior fiscalização por parte da autoridade monetária, sendo impossível assegurar a total eficácia das suas medidas.
Como já foi dito atrás, uma política monetária restritiva entra em conflito com as necessidades de financiamento da economia. Uma política de enquadramento do crédito é sempre uma política restritiva. E é uma política que coloca o seu ónus num único agente, o banco central, e em sistemas de banca central dependente do governo o ónus acaba finalmente por cair no próprio governo. O comportamento do sector bancário leva à identificação do governo como
responsável pelas restrições de crédito a que se encontra sujeito e que o obriga a
negar a concessão de crédito a muitas empresas, suas clientes, que o solicitam.
Isto significa que por razões de popularidade política esta forma de actuação
acaba por se tornar numa política que dificilmente será muito restritiva.
Mas não são apenas os quantitativos para certas actividades e as taxas
preferenciais que são escolhidas com o intuito de aumentar a eficácia de actua-
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ção desta política, também se criam excepções ao enquadramento com o mesmo propósito. Estas excepções surgem mais facilmente em economias em que
os problemas de inflação coexistem com problemas de desequilíbrios externos,
levando por isso as autoridades monetárias a desenquadrar, por exemplo, o crédito ao sector exportador.
O interesse em não afectar negativamente sectores em dificuldades ou
em apoiar sectores em franco progresso pode levar à escolha de "plafonds" menos restritivos e a taxas de juro mais baixas que para o restante crédito
bancário. Surge assim também o fenómeno das bonificações de certas operações de crédito.
A redução dos créditos a conceder pelo sector bancário leva ao aparecimento de novos circuitos de crédito. Assim podemos assistir ao desenvolvimento
de mercados financeiros para a obtenção de créditos a longo prazo, como aconteceu entre nós com o mercado obrigacionista. E também assistimos ao desenvolvimento do crédito comercial e à alteração de hábitos de pagamento. Não se
trata apenas do desenvolvimento dos cheques pre-datados, mas também do
alongar dos prazos de pagamentos normais entre empresas. Parece-nos natural
aplaudir o desenvolvimento do mercado financeiro, mas o mesmo não pode ser
dito dos dois últimos mecanismos citados.
A concorrência entre bancos é seriamente afectada por uma política deste tipo. De notar que se a distribuição dos quantitativos de crédito a conceder
obedecesse a uma qualquer forma de proporcionalidade, os bancos menos dinâmicos estariam em condições de emprestar aos mais dinâmicos gerando-se uma
perfeita inversão das finalidades do mercado de concorrência. Por essa razão as
autoridades procuram através de critérios previamente estabelecidos incentivar
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formas de concorrência entre os bancos, cujos resultados levam à distribuição
desigual do total de crédito a ser concedido.
Mas a política de enquadramento de crédito ainda tem um outro aspecto
crítico. Numa economia aberta apenas os que se têm de limitar ao mercado interno do crédito são realmente afectados por esta política, todos os outros podem financiar-se no exterior. Mesmo que existam restrições a movimentos de
capitais as empresas podem fugir aos seus efeitos através das importações e das
exportações. Chamemos a atenção que no caso português foi a própria autoridade monetária a levar as empresas públicas a contraírem empréstimos no exterior, porque dessa forma as reservas cambiais do país aumentavam. O "preço"
desta política para essas empresas foi elevado devido à desvalorização do Escudo e ao controlo dos preços da sua produção no mercado interno.
Regulamentos, actividade fiscalizadora, critérios de preferências de taxas
e desenquadramento são muitas vezes a forma de reagir aos efeitos mais penosos da política de enquadramento do crédito. E também são em geral o seu fim.
Com o tempo, a desagregação começa a ser grande e os conflitos entre o banco
central e os outros bancos aumentam em número e em intensidade. Pelo que,
em geral, podemos dizer que sendo uma política restritiva eficaz não tem características para durar muito tempo. Continuará a ser uma política de excepção,
ainda que essa "excepção" possa durar anos. Na ausência de um mercado monetário operacional e na ausência de formas alternativas de aplicação de poupança aos tradicionais depósitos bancários -que levam os bancos a ficarem fora
do poder de controlo do Banco Central- ainda é uma política a ser bastante
considerada em períodos de processos inflacionistas.
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Uma última palavra sobre o tipo de intervencionismo que pressupõe.
Devemos chamar a atenção que são muitos os economistas que pretendem excluir esta forma de actuação dentro das possibilidades de política monetária
pelo que ela implica sobre a concorrência no sector bancário. Trata-se para estes autores de um intervencionismo destruidor da regulação automática a que o
mercado deve conduzir.
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Independência do Banco Central e Estabilidade de Preços
A independência dos bancos centrais é hoje analisada de diferentes pontos de vista. Eles corresponderam a uma necessidade de classificar os diversos
graus em que a independência pode ser medida. Por isso correpondem a uma
forma de “retalhar” aspectos de comportamentos que nos ajudam a essa medição. A (in)dependência institucional refere-se à liberdade de tomada de decisões
por parte do banco central. A (in)dependência pessoal respeita ao mandato dos
governador, ou governadores, e à possibilidade da sua destituição ou substituição antes do termo do mandato. Entende-se por (in)dependência funcional a
possibilidade de estarem definidas em lei as atribuições da instituição e assim
depender, ou não, de objectivos escolhidos pelos governos. Finalmente a (in)dependência financeira, refere-se à possibilidade de ter rendimentos próprios que
lhe permitam prosseguir a sua actividade, e ainda à obrigação, ou proibição,
como casos extremos, de financiar défices.
No que se segue vamos procurar reflectir sobre o significado da independência dos bancos centrais do ponto de vista da estabilidade dos preços. A organização da nossa reflexão é sobretudo motivada pela associação negativa entre
independência e estabilidade que é defendida pela generalidade do economistas
que são adeptos da independência dos bancos centrais do poder político.
Veremos o significado da independência dos bancos centrais por referência às respostas que podemos dar a dois pontos envolvidos na análise do contexto de actuação dos bancos centrais: (1) a neutralidade das políticas e (2) a relação entre independência e taxa de inflação. Julgamos que é útil fazer a separação destes dois pontos para uma análise mais completa do tema em apreciação.
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Comecemos pelo primeiro ponto. Um banco independente poderá fazer
uma política monetária neutra nos seus efeitos reais ? Esta questão não se esgota
no problema da neutralidade da moeda. Mas por agora retenhamos as duas hipóteses seguintes: i) a moeda é neutra nos seus efeitos sobre as variáveis reais da
economia; e ii) a moeda não é neutra.
Se aceitarmos a primeira hipótese, então a acção do banco central não
terá efeitos sobre a produção e outras importantes variáveis da economia, apenas actuará sobre valores nominais. Desta forma não haverá razão alguma para
avaliar nem proveitos nem custos da política monetária. Talvez identifiquemos
um custo, que poderá ser menor mas que existe. O custo de nos adaptarmos a
denominações nominais que podem alterar-se. Neste sentido, o desejável é ter
uma política que impeça a existência de inflação. Se o pressuposto 2, acima
apontado, nos indicar que a independência favorece a ausência de inflação, então a independência será a melhor opção a tomar.
Se aceitarmos a segunda hipótese, que admite que a moeda não seja
neutra, então devemos ainda esclarecer se acreditamos que: (a) a inflação é um
processo dinâmico que gera ineficiências que se traduzem em perdas de bem estar e em redução do ritmo de actividade económica; ou (b) a política de estabilização de preços desincentiva o crescimento da economia. A segunda destas posições surge tanto de forma positiva, defendendo a existência de inflação, como
em forma de negação da primeira. Vejamos estas posições nos seus efeitos sobre
a desejável (ou não) independência dos bancos centrais. Tomemos (a) como correcta. Sendo a inflação nefasta e havendo uma relação de causalidade entre independência e inflação, então a independência é desejável. No caso de (b) as
coisas são mais complexas. Este caso é tomado com frequência pelos que não
advogam a independência dos bancos centrais. A defesa da não independência
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baseia-se na necessidade de execução de políticas activas que devem ser dirigidas para a estabilização e crescimento do produto. Mas mesmo assim haverá
que perguntar se para se atingir esse objectivo o governo é mais eficiente que
uma instituição independente como um banco central. Sobretudo são dois os
argumentos contraditórios que nos merecem reflexão. Sendo o governo proveniente de um processo eleitoral democrático, nada nos garante que os objectivos
a prosseguir sejam temporalmente coerentes, mesmo do ponto de vista de uma
política de emprego. Neste sentido talvez fosse preferível que uma instituição
como o banco central executasse aquela política. O outro argumento diz-nos
que é preferível ser o governo a executar a política monetária porque também é
ele que executa a política orçamental, e a policy-mix monetária e orçamental, no
mínimo, não deve ser contraditória.
Em suma, encontramos diferentes argumentos para a defesa da independência do banco central e encontramos também razões para que o não seja.
Neste último caso encontramos a defesa de uma política activa de emprego
como um atributo a ser desenvolvido e aplicado pelos governos. Mas voltando
aos últimos comentários, vejamos mais precisamente o que poderíamos esperar
de um banco central independente executando uma política de emprego. Como
dissemos, tal situação seria desejável se atendêssemos à sua capacidade técnica e
à possibilidade de coerência temporal das suas medidas. Mas a questão principal a colocar neste caso é a seguinte: poderá um banco central executar uma
política de emprego ? Como se articula essa política com a política de estabilização financeira ? Como podem ser a estabilidade nos mercados de crédito, de
curto e longo prazos, compatíveis com o prosseguimento prioritário dessa política de emprego ? Quando colocamos estas questões somos levados a concluir
que o melhor é não fazer misturas. E assim, entendemos que é preferível que
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seja o governo a gerir a política de emprego. Mas também resulta daqui que a
não independência do banco central deverá ser uma não independência e uma
dependência de política. A primazia vai para a política de emprego e a política
do banco central, seja ela qual for, submete-se a esta última. Mas é interessante
notar que tudo se passaria sem grandes problemas se a política de emprego não
agisse sobre o comportamento monetário e financeiro da economia. Ou seja, se
a política virada para o sector real da economia fosse neutra do ponto de vista
monetário. E parece-nos que esse é um pressuposto tomado por alguns economistas que advogam a não independência.
Afinal como podemos resumir estas questões quando defendemos que a
política monetária não é neutra para o sector real da economia e a política de
emprego não é neutra para o sector monetário ? i) O emprego é importante e
para o aumentar devemos ter uma economia com estabilidade de preços: o
banco central poderá ser independente se a tal conduzir (2). ii) A moeda é neutra, pelo que os custos da política monetária justificam que o banco central seja
independente. iii) O emprego é importante e a inflação não tem custos sociais,
ou tendo-os são menos importantes que os do não emprego: o banco central
não deverá ser independente. iv) O emprego é importante e a inflação não tem
necessariamente de ser provocada por essa política (neutralidade da política de
emprego), é pois natural que o banco central não seja independente.
Normalmente quem defende a independência do banco central situa-se
na posição i) e quem defende a sua não independência encontra-se em iv).
Através dos argumentos avançados para o ponto (1), sobre a neutralidade das políticas económicas pudemos constatar a dependência da opinião sobre
o estatuto do banco central em função de critérios analíticos. Procurámos tam-
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bém chamar a atenção que do ponto de vista da neutralidade não se trata apenas de discutir a neutralidade da moeda no estudo dos fenómenos reais, mas
também a neutralidade de políticas directamente viradas para o sector real sobre o sector monetário. Porque se o primeiro tipo de neutralidade faz parte da
nossa herança como economistas, uma vez que esteve tantas vezes presente nas
polémicas que envolveram os economistas, o segundo tipo parece-nos que é
mais recente. E não só é mais recente, como se apresenta de forma implícita em
discussões entre economistas e não de forma explícita. A sua manifestação mais
óbvia verifica-se na negação de uma ligação entre políticas expansionistas da
procura, inflação e subidas de taxas de juro; ou ainda na ligação baixas das taxas de juro, desvalorização cambial e queda na base monetária.
Contextuarmos a questão da dependência ou independência do banco
central não significa à partida que sejamos levados a ter uma posição inequívoca. Mesmo que com base nalguns dos argumentos anteriores fossemos simpáticos à independência dos bancos centrais, significaria isso que estávamos a tomar
tal posição com base numa resposta ao nosso segundo ponto (2) ? Ou seja, estaríamos a supor que existe uma relação de implicação da independência para a
estabilidade dos preços ?
Passemos pois a analisar este ponto para que estejamos em condições de
compreender o significado de tal relação de implicação.
Os estudos que apontam para uma relação entre maior independência e
menor taxa de inflação baseiam-se em estudos que envolvem uma taxa média
de inflação e uma medida da independência dos bancos centrais envolvidos.
Normalmente esses estudos aplicam-se a economias desenvolvidas.
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A relação econométrica entre independência (IBC) e estabilidade dos
preços (EP) que é deduzida dos estudos acima referidos, levando à exclusão da
hipótese de ausência de relação e associando um coeficiente negativo a IBC,
leva os seus autores a defender não apenas a associação entre aquelas variáveis
mas também os conduz a reter uma causalidade de IBC para EP. Se a primeira
é um problema de mera leitura estatística, a segunda dedução merece que lhe
dediquemos alguma reflexão.
Em primeiro lugar aqueles estudos não envolvem variáveis definidas
temporalmente, mas são apenas estudos do tipo cross-section, pelo que a relação
de causalidade não pode ser retirada da relação econométrica estimada. A única informação a reter destes estudos é a primeira: existe uma relação negativa
entre aquelas duas variáveis. E é tudo ! A deduzirmos alguma relação de causalidade, ela deverá ser feita, ou a partir de estudos de time-series, ou da análise
económica -não sendo estes dois "caminhos" exclusivos um do outro-. Não esqueçamos que ainda que num estudo time-series a causalidade empírica deduzida
fosse da IBC para EP, apenas a análise económica nos poderia assegurar que
não se tratava de uma causalidade invertida, como Granger nos advertiu. Suponhamos que a estabilidade dos preços vai de par com a estabilidade a nível da
repartição de rendimentos o que por sua vez anda de par com a estabilidade
das instituições, o que permite que a influência do poder político sobre as instituições apareça diluído. Neste caso, haver causalidade ela vai da EP para IBC.
Mas a relação de causalidade pode ser de natureza muito complexa.
Procuremos ver o que acontece entre nós. Antes da nacionalização do Banco de
Portugal, e durante a ditadura de Salazar, quem punha e dispunha na direcção
do Banco era o próprio "chefe de estado" apesar da natureza privada do banco.
A nossa taxa de inflação fazia, no entanto, a inveja de muitos dos economistas
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europeus e americanos (que sabiam que existíamos). A política do Banco Central ganha mais autonomia no período subsequente, o que coincidiu com uma
inflação crescente. Nestes períodos não podemos associar IBC com EP. Mas no
período mais próximo de nós, em que a política cambial e monetária foram
executadas de forma a contribuírem para a redução da inflação, estas políticas
foram executadas porque correspondiam a objectivos económicos do próprio
governo. E à medida que a inflação veio sendo controlada e reduzida foram
também publicadas alterações legislativas que tornaram o Banco de Portugal
cada vez mais independente. Para este último período não faz sentido associar
as variáveis IBC e EP. Mais, leiam-se a penúltima e antepenúltima Leis Orgânicas para vermos como o respeito do Banco Central pelo Ministério das Finanças era inquestionável. E justamente a penúltima coincide com a redução da
taxa de inflação e a outra com o seu aumento. Para o conjunto da nossa
história, dos últimos cinquenta anos, não faz sentido associar a independência
do banco central com a estabilidade dos preços.
Mas a associação entre IBC e EP não se limita a estes aspectos funcionais
e do que deles podemos retirar. Sabemos o que pretendemos dizer com IBC, e
a partir daí podemos, com dificuldade é certo, obter um índice que ordene os
diferentes bancos centrais a estudar, ou o mesmo ao longo do tempo. Podemos
fazer o mesmo com a EP ? Sabemos sem duvida como medi-la. Mas não dispomos nós de uma teoria que a explique ? Será porque não a sabemos explicar
que andamos desesperadamente à procura de uma variável como IBC que a
possa explicar ? Felizmente não é nada disto. Temos mesmo teorias que competem entre si para explicar a inflação. Ficamos mesmo com vontade de perguntar: que lhes fizemos para que estejam esquecidas ?
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A resposta a esta questão é clara. A relação entre IBC e EP não pode ignorar as teorias da inflação. Não vamos agora passar em revista essas teorias e o
seu papel naquela relação. Limitamo-nos a lembrar o papel que alguns factores
podem desempenhar naquela relação. Comecemos pelos factores de natureza
monetária, passemos ao papel do mercado do trabalho e finalmente da importância dos factores externos à nossa economia.
Se os factores monetários, como a taxa de crescimento da base monetária ou a taxa de cedência de liquidez ao sistema bancário, forem determinantes
na explicação da inflação, então a importância do comportamento dos bancos
centrais na explicação da inflação é primordial. E neste caso a responsabilidade
destes é óbvia, ajam eles com independência ou de acordo com a política ditada
pelos governos. Assim, se a inflação for explicada por factores monetários, é de
crer que um banco central independente, que tenha como responsabilidade primeira a estabilidade dos preços, seja bastante mais eficaz nessa política que um
banco dependente das diferentes políticas governamentais e portanto ele próprio dependente de um ciclo político eleitoral.
Mas se os aspectos relacionados com os comportamento no mercado do
trabalho forem importantes na explicação das variações de preços, então o papel do comportamento do banco central no que respeita à inflação, muda substancialmente. E para além do mercado de trabalho poderíamos referir a rigidez
de preços que caracterizam os comportamentos dos diferentes mercados nas
economias. As negociações salariais apresentam características diferentes de
economia para economia, e dentro de cada economia evoluem. Veja-se o caso
português. De uma forma corporativa, ditada pela ditadura, passámos para negociações descentralizadas por sindicatos e mais tarde regressámos a um grau
de corporativismo elevado através da "concertação social". A passagem a esta
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forma mais corporativa de negociação coincidiu com a redução da taxa de inflação. O que é aliás frequente acontecer: as formas descentralizadas, em países
de forte movimento sindical, provocam crescimentos de preços mais elevados
que as formas mais corporativas. A própria opinião pública portuguesa passou a
conhecer as variações salariais propostas e aceites a nível da "concertação
social" e ignora tenazmente as negociações parcelares de salários3. A propósito
do ponto seguinte avançaremos com uma ilustração que também se aplica neste
caso.
A abertura das economias ao exterior também traz características particulares aos processos inflacionistas. Em regime de câmbios fixos, como o que tivemos desde o final da Segunda Guerra Mundial até praticamente 1973, as
economias tenderão a ter a taxa de inflação ditada pelo crescimento da massa
monetária do país cuja moeda é reserva internacional. Haverá uma margem de
manobra ditada sobretudo pela ausência de liberdade de movimentos de capitais, mas em tendência é aquilo que se passa. Em regime de câmbios flexíveis a
política monetária adquire a sua independência e o valor da taxa de câmbio é
determinado endogenamente. Assim, com câmbios fixos a questão de uma relação de causalidade entre IBC e EP não faz sentido ser colocada e com câmbios
flexíveis já tal relação poderá fazer sentido. Mas tenha-se em conta que a determinação do valor externo de uma moeda é um atributo do governo. Em economias muito abertas, e relativamente grandes, as autoridades económicas poderão ter de optar entre a estabilidade interna dos preços ou a estabilidade do valor externo da moeda. O facto de o banco central ser independente ou dependente nada acrescentará àquela escolha.
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Como por exemplo as sistemáticas greves dos máquinistas da CP.
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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Em economias fortemente integradas com uma política de estabilidade
de taxas de câmbio entre elas, como aconteceu, e ainda acontece, com o SME,
as diferentes economias tendem a ter taxas de inflação que acompanham a taxa
de inflação da economia de moeda dominante. Ou seja, nos últimos anos assistimos a uma convergência dos valores das taxas de inflação das diferentes economias europeias para os valores da taxa de inflação alemã. E tudo isto aconteceu independentemente do grau de independência dos diferentes bancos centrais. O facto de a integração monetária ter progredido com a atribuição de
maior independência aos bancos centrais para que se atinja o sistema europeu
de bancos centrais não deve ser confundido com a causa da redução da taxa de
inflação. Talvez seja mesmo mais correcto dizer justamente o contrário.
A propósito da importância do mercado do trabalho e de choques externos façamos um pouco de reflexão sobre a situação registada em 1974 e 1975
no seguimento da crise dos preços do petróleo. Tomemos como exemplo a economia inglesa e a nossa economia. No caso inglês a taxa de crescimento dos
preços implícitos na "absorção" havia sido de 7,8% em 19724. Em 1974 e 1975
essa taxa passou para 19% e 24%. Ao mesmo tempo o crescimento da "absorção" em termos nominais foi de 16% e 22%. Estes valores correspondem a um
crescimento real da "absorção" de -3% e -2%. Se admitirmos que toda esta revolução nominal foi motivada pela dependência do banco central que foi incapaz de manter uma política de estabilidade dos preços e que deveria ter-se comportado por forma a manter uma taxa de crescimento nominal da "absorção"
de 5% (por exemplo), então o crescimento real da "absorção" teria sido de
-12% e -16%. No caso português estes últimos valores teriam sido de -15% e
-13%.
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Em Portugal o valor foi de 7%.
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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Inglaterra
1973
1974
1975
Absorção
PrImplícit
TxCr_A
TxCr_PI
TxCr_R_A
TxCr_R_A
TxCr_A=0,05
75,86
87,86
107,4
22,8
27,1
33,7
0,16
0,22
0,19
0,24
-0,03
-0,02
-0,12
-0,16
302,00
391,00
424,00
7,30
9,00
10,80
0,29
0,08
0,23
0,20
0,05
-0,10
-0,15
-0,13
Portugal
1973
1974
1975
A absorção está medida em milhares de milhões de Libras e em milhares de milhões de escudos; TxCr_A, TxCr_PI e TxCr_R_A significam taxa de crescimento da absorção, dos sues
preços implícitos e dos seus valores reais, respectivamente.
Julgamos que não é preciso mais para que saibamos contextuar os cenários económicos em que fará sentido falar do grau de independência dos bancos
centrais, uma vez que os fenómenos inflacionistas em muito extravasam as responsabilidade estrita destes.
Levantemos ainda uma outra questão que não se relaciona com as teorias da inflação, mas que é importante para o comportamento dos bancos centrais. Pela sua natureza, os bancos centrais são chamados a terem responsabilidades de supervisão e a serem responsáveis pela estabilidade do sistema bancário em geral. Uma política monetária fortemente restritiva entra certamente em
conflito com aquela sua função de zelo pela estabilidade do sector bancário. Por
esse motivo é possível encontrar uma relação positiva entre a dimensão das suas responsabilidades e a própria taxa de inflação. É que afinal a independência
dos bancos centrais não tem apenas um significado a montante, com o governo,
mas também a jusante, com o sector bancário. E a falta de independência a jusante afecta a sua capacidade de executar políticas restritivas e portanto também tem influência sobre a estabilidade dos preços na economia.
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Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99
João Sousa Andrade
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Estudar a independência dos bancos centrais tendo apenas em atenção a
estabilidade do nível geral de preços corresponde a uma análise limitada e que
pode afastar-nos da compreensão do papel dos bancos, do governo e do fenómeno da inflação. E que sendo feita com séries temporais nos impede qualquer
dedução de causalidade temporal. Concretamente a relação IBC(EP) peca pela
omissão de inúmeras variáveis, o que retira validade à análise empírica correntemente feita e, mais importante, leva-nos a discutir uma relação que do ponto
de vista da estabilização e da inflação, talvez seja das que menor interesse tenha
para os economistas.
Esta nossa conclusão sobre o ponto (2) poderá parecer um pouco exagerada e esconder uma opinião desfavorável à independência dos bancos centrais.
Mas não é disso que se trata. Julgamos que a discussão não faz sentido ao nível
empírico a que alguns economistas a apresentaram, como pensamos ter provado. Mas a questão da independência, mesmo que não possamos provar uma relação de causalidade dessa independência para a estabilidade dos preços, ainda
faz sentido. Ela deve ser discutida ao nível das diferentes preferências temporais
que podem caracterizar um banco central e um ministro das finanças e por isso
ao nível da coerências das políticas que uns e outros podem executar.
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