CURSO DE OCEANOLOGIA DISCIPLINA DE BENTOLOGIA - 2010 MODOS DE ALIMENTAÇÃO DO MACROZOOBENTOS Qualquer sistema de classificação sobre o modo de alimentação dos invertebrados bentônicos sofre a desvantagem de que os organismos são muito versáteis no modo de alimentação e no tipo de alimento que ingerem. Por exemplo, o bivalvo Macoma é tanto supensívoro como comedor de depósito; o gastrópodo Nassarius atua como comedor de depósito e necrófago; o caranguejo Neohelice granulata alimenta-se como comedor de depósito, herbívoro e macrófago carnívoro; o poliqueta Nereis diversicolor, que além de comedor de depósito pode se alimentar de material em suspensão (rede de muco), como predador ou como herbívoro ingerindo pedaços de macrolgas. Estas mudanças ocorrem devido a características das espécies (alternar o hábito carnívoro com o de comedor de depósito é muito comum entre organismos generalistas), com o desenvolvimento ontogenético do organismo, em decorrência de modificações nas condições do hábitat ou da sazonalidade, que provocam mudanças no comportamento e na atividade dos organismos. Entre os métodos para estudar o modo de alimentação dos invertebrados bentônicos: 1) a observação direta no campo: que é muitas vezes de difícil execução no meio marinho, estando limitada às espécies que ocorrem na região entremarés e ao período diurno (muitas espécies de águas rasas se alimentam a noite); existem ainda recursos através do mergulho, além da fotografia e da observação e da captura de imagens utilizando submersíveis tripulados ou robôs; 2) observar o comportamento em aquário: tem a desvantagem de não ser no ambiente natural, sendo necessário reproduzir da melhor forma possível às condições que o organismo encontra no ambiente (criando microcosmos ou mesocosmos); 3) através da análise de conteúdos alimentares, sendo esta técnica muito utilizada, mas que também possui limitações: a) o conteúdo pode estar muito decomposto, sendo neste caso necessário aumentar o no. de análises; b) o consumidor pode estar comendo apenas parte da presa (aumentar o número de análises, avaliar qual a disponibilidade da presa e comparar com a morfologia e o comportamento do consumidor); c) no caso de consumidores de grande mobilidade muitas vezes não se pode precisar onde o item foi ingerido (neste caso deve-se identificar a distribuição espaço-temporal dos itens alimentares). A situação ideal é utilizara a combinação dos três métodos. Métodos mais recentes, como a utilização de isótopos para identificação dos itens alimentares tem se mostrado bastante eficientes, mas os custos dos equipamentos e das análises muitas vezes inviabilizam sua utilização em larga escala. A classificação funcional do macrozoobentos quanto ao modo de alimentação deve considerar inicialmente a relação entre o tamanho do consumidor e do item alimentar. Assim, os consumidores podem ser classificados como macrófagos ou micrófagos. Entre os macrófagos incluem-se os organismos herbívoros e os carnívoros e entre os micrófagos os raspadores, os comedores de depósito e os suspensívoros. Herbívoros São organismos macrófagos que se alimentam diretamente de macrófitas vivas no bentos. São poucas as espécies de macroinvertebrados bentônicos herbívoros, ainda mais se forem considerados em termos exclusivos. A maior parte dos invertebrados que comem vegetais irá apresentar outro tipo de dieta como alternativa, tendo em geral um comportamento onívoro. O restrito número de organismos herbívoros pode estar relacionado com: 1) a dificuldade de digestão da celulose para a maioria dos animais 2) a sazonalidade da vegetação em médias e altas latitudes 3) a deficiência da vegetação no suprimento de nitrogênio. Nem todas as partes das plantas são igualmente refratárias e folhas jovens e brotos são mais facilmente digeríveis, como por ex. as macrófitas de marisma do gen. Spartina. Em espécies de ouriços que consomem macroalgas foram encontradas bactérias anaeróbicas no trato digestivo, as quais além de auxiliar na quebra e digestão do material refratário também serviam como alimento rico em nitrogênio para os ouriços. Em gastrópodos herbívoros e bivalvos Teredinidae que ingerem madeira são encontradas enzimas como a celulase, que podem quebrar a celulose. Estas enzimas também são encontradas nos juvenis do siri Callinectes sapidus. Entre os organismos que podem ser considerados exclusivamente herbívoros: em fundos duros, entre as espécies de gastrópodos do gen. Littorina, cuja maioria são organismos raspadores, a espécie L. obtusata alimenta-se arrancando pedaços das algas pardas gigantes “kelps” (Fucus vesiculosus); os gastrópodos Tectibranquios do gen. Aplysia consomem algas vermelhas arrancando pedaços da alga com a rádula; o caranguejo Aratus pisoni, que escala as árvores do mangue e se alimenta diretamente das folhas; o Quiton Katharina tunicata, no Pacifico Norte, arranca pedaços da macroalga parda “kelp” Hedophyllum sessile. Sob determinadas condições outros invertebrados, como os ouriços, podem atuar como herbívoros: Litechinus variegatus e Tripneustes ventricosus, que ingerem a gramínea submersa Thalassia quando ocorrem no interior das pradarias desta espermatófita no Caribe; outro ouriço regular, Strongylocentrotus droebachiensis, que consome algas no intermareal e infralitoral de costões rochosos. Trabalhos realizados por K. Mann, no intermareal de regiões temperadas, mostraram que em locais calmos S. droebachiensis consumia diretamente a macrolaga parda Laminaria sp no costão. Em áreas muito batidas, onde os ouriços eram arrancados pelas ondas, a Laminaria ficava disponível somente quando alguma parte da alga era arrancada do substrato. Estes pedaços eram então consumidos pelos ouriços em locais abrigados. O poliqueta Neanthes succinea, geralmente, se alimenta de invertebrados de pequeno porte em regiões estuarinas, mas nos molhes da barra de Rio Grande em bancos de macroalgas Ulva sp, este poliqueta apresentava pedaços da alga nos seus conteúdos alimentares. O caranguejo Cyrtograpsus angulatus alimenta-se, geralmente, de invertebrados bentônicos na região estuarina da Lagoa dos Patos, mas nos molhes foi encontrado consumindo macroalgas e no interior de pradarias de Ruppia marítima ingeriu folhas e sementes da gramínea. Esta espécie mostra um claro comportamento generalista oportunista na sua alimentação. Outros organismos alimentam-se como carnívoros e comedores de depósito, mas podem atuar como herbívoros, durante a fase inicial de vida, como os juvenis de Callinectes sapidus; nas ocasiões em que encontra a gramínea Spartina alterniflora nas marismas, como acontece com o caranguejo Neohelice granulata; situações de escassez de alimento, como o camarão Farfantepenaeus paulensis, que então irá ingerir macroalgas e espermatófitas submersas (Ruppia maritima). Raspadores - Pastadores São organismos micrófagos que efetuam a raspagem de substratos consolidados consumindo microalgas (diatomáceas, cianofíceas), esporos de macroalgas, microorganismos (bactérias, protozoários) e o assentamento das larvas da macrofauna. Típicos raspadores encontram-se entre os moluscos gastrópodos Patelliformes, Littorinideos, moluscos Polyplacophoros e os ouriços regulares. Os moluscos raspam o substrato utilizando a rádula, que possui séries transversais de fileiras de dentes (“cusps”) dispostos longitudinalmente ao longo de uma membrana. A dentição na série transversal mostra um grande dente central ou raquidiano, dentes laterais em ambos os lados, seguidos por uma série de dentes marginais. O número e a fórmula dos dentes (em base a disposição dos mesmos na fileira transversal) apresentam um caráter específico e mostram relação com a dieta e modo de alimentação do organismo. A rádula é protraída e retraída por músculos tensores que ficam na boca. A raspagem é efetuada com movimentos de avanço e recuo da rádula sobre o substrato. O movimento de recuo é o que captura a maior quantidade de alimento. A medida que os dentes da frente são gastos, eles são substituídos pelos de trás. Os Quítons tem magnetita na rádula, este óxido de ferro representa 65% do peso seco dos dentes de Molpadia sp. A magnetita possui a dureza de 6 na escala de Mohs. Os Patelliformes possuem hematita, que é tão dura como a Magnetita, porém sem as propriedades magnéticas desta última. O ferro que ocorre nos dentes da rádula é obtido na água e no alimento. Em decorrência de sua ação sobre o substrato os raspadores efetuam um verdadeiro controle sobre as comunidades bentônicas em fundos duros. O gên. Littorina com uma densidade de 3 ind./ dm2 pode manter limpo o substrato. Em costões rochosos de regiões temperadas durante o verão, no intermareal superior, as diatomáceas são controladas por fatores físicos, mas no intermareal médio o controle é pela ação dos raspadores. Patella vulgata come os zigotos de Fucus vesiculosus, o que determina variações temporais inversamente proporcionais entre estas espécies. Em média, uma Patella raspa o substrato com uma taxa de 1,5 cm2 /hora. O ouriço Echinus sculentus raspa com uma taxa de 2,5cm2/hora em regiões temperadas do hemisfério norte. A erosão do substrato por Patelliformes é estimada em 1,5mm ano nestas regiões. Entre as espécies de Patelliformes é comum um comportamento denominado retorno a morada “home behaviour”. Em maré baixa os exemplares de Patella ficam aderidos ao substrato sempre no mesmo local. Em maré alta, especialmente a noite, realizam incursões alimentares. As distâncias percorridas podem ser observadas pelas marcas deixadas durante a raspagem do substrato. São deixadas marcas de diâmetros distintos mais ou menos concêntricas, que variam conforme a espécie. Antes de uma nova maré baixa os gastrópodes do gen. Patella retornam exatamente ao mesmo local em que saíram na maré alta. Muitos raspadores alimentam-se ingerindo o film de microalgas sobre as folhas de macroalgas e gramíneas (comportamento comum entre Littorina spp. e espécies de anfípodos). Comedores de Material Depositado O modo de alimentação mais comumente encontrado entre os macroinvertebrados bentônicos é o dos organismos comedores de depósito. Estes consumidores micrófagos ingerem o detrito depositado em fundos moles, que é formado por material biogênico em distintas fases de decomposição microbiana. Todos os detritos orgânicos estão cobertos por microorganismos (bactérias, fungos, protozoários ciliados e flagelados). Os comedores de depósito beneficiam-se, principalmente, da ingestão dos microorganismos encontrados no detrito. O êxito da alimentação de depósito entre o macrozoobentos pode ser atribuído a determinadas características que qualificam o detrito como item alimentar: 1) o maior grau de digestibilidade do detrito em relação às macrófitas vivas; 2) a maior estabilidade temporal do detrito no meio ambiente (em regiões temperadas parte da vegetação é sazonal), que ao propiciar a estocagem dos nutrientes, confere um elevado grau de tamponamento para as regiões costeiras ricas em material detrítico; 3) a presença dos microorganismos, os quais aumentam o teor de proteína do detrito, por ex. poliquetas e sipunculidos, comedores de depósito, se beneficiam da presença de bactérias simbiontes através da fermentação de cadeias de carbohidratos e da obtenção do nitrogênio através do consumo direto das bactérias; 4) a facilidade com que o material detrítico é exportado, possibilitando o enriquecimento de zonas pobres em produção primária. Em estuários ou baias costeiras, os detritos provenientes de Spartina representam uma importante fonte de material biogênico. Como a maioria dos organismos parece não digerir Spartina, então a conversão do detrito particulado em compostos solúveis pelos microorganismos é necessária para o consumo pelos comedores de depósito. O valor nutritivo de Spartina aumenta à medida que a matéria orgânica vegetal é enriquecida por microorganismos. As folhas vivas de Spartina possuem 10% de proteína, enquanto que as folhas recém mortas contém 6% de proteína. Os fragmentos das folhas, já como detrito particulado, apresentam 24% de proteínas após 12 meses, conforme trabalhos de H. Odum na década de sessenta. Resultados similares foram encontrados em folhas de mangue que contém 6,1% de proteinas na árvore, contém 3,1% quando caem e 22% após 12 meses de decomposição no ambiente estuarino. Entre os principais problemas para os comedores de depósito podem ser considerados: a) a matéria orgânica representa apenas uma fração do sedimento; b) grande parte da matéria orgânica disponível pode ser de material refratário. Os comedores de depósito são muito dependentes das bactérias, que podem transformar o material refratário (p.e. celulose) em matéria orgânica assimilável (aminoácidos). A maioria dos comedores de depósito, pelo tipo de alimentação, ingere grandes quantidades de sedimento. Efetuam uma grande bioperturbação do substrato. Com exceção de algumas áreas muito ricas em matéria orgânica, os comedores de depósito não podem atingir densidades similares nem crescem tão rapidamente como os suspensívoros. O rendimento dos comedores de depósito não seletivos é bastante baixo, pois somente entre 5 e 10% do detrito são realmente digeríveis pelos organismos. Em fundos arenosos este valor cai para menos de 1%. O estômago e principalmente o intestino destes organismos costuma ser alongado. Espécies seletivas, que ingerem somente diatomáceas (estão limitadas a regiões fitais) podem obter uma maior eficiência de assimilação podendo digerir cerca de 70% do material ingerido. Ao contrário dos raspadores, que consomem quase que exclusivamente material vivo, para os comedores de depósito o alimento encontra-se misturado entre as partes orgânica e inorgânica do sedimento. A quantidade de sedimento ingerido junto com o detrito depositado irá depender do grau de especialização das estruturas utilizadas na obtenção do alimento. Considerando o modo de obtenção do alimento os comedores de depósito podem ser divididos em quatro categorias: 1) os que transportam as partículas até a boca por meio de tratos ciliares, por ex. poliquetas Terebellidae, escafópodes do gên. Dentalium, bivalvos protobranquios do gên. Yoldia, Nucula; 2) os que aspiram o material depositado utilizando sifões como bivalvos do gên. Macoma, Tellina, Scrobicularia; 4) os que ingerem diretamente a matéria orgânica junto com o sedimento, apresentando um volume elevado de sedimento no trato digestivo, que é comum entre poliquetas da Arenicola, Heteromastus, Clymenella. 1) Organismos que transportam as partículas até a boca por meio de tratos ciliares: os poliquetas Terebellidae possuem tentáculos que funcionam como o principal órgão de coleta de alimento. Os tentáculos possuem canais ciliados por onde o alimento é transportado até a boca. Durante a alimentação os tentáculos são retraídos pelos músculos longitudinais, enquanto que os músculos transversais e oblíquos são os responsáveis pelo rolamento dos tentáculos sobre a superfície do substrato. Após um determinado grau de extensão dos tentáculos, uma região próxima da ponta do tentáculo torna-se achatada, pela contração dos músculos transversais, secretando um muco que ancora o tentáculo. As partículas finas são transportadas até a boca pelo canal ciliado do tentáculo. Enquanto que as partículas mais grosseiras são carregadas até a boca pela retração dos tentáculos. Os protobranquios dos gens. Nucula, Yoldia estendem seus palpos labiais sobre a superfície do sedimento e canais ciliados levam as partículas alimentares até a boca. Este comportamento alimentar é combinado com filtração pelos cílios dos ctenídeos que conduzem as partículas alimentares mais finas até a boca e as mais grosseiras aos palpos. 2) Os que aspiram o material depositado tais como os bivalvos do gên. Macoma, Tellina, Scrobicularia, os quais não apresentam sifões fusionados como os suspensívoros, e possuem o inalante bastante alongado. As branquias também apresentam modificações para receber uma maior quantidade de sedimento. A forma do estômago também é característica do grupo. Macoma em maré baixa atua como comedor de depósito e em maré alta como um suspensívoro. 3) Os que selecionam ativamente a matéria orgânica utilizando estruturas especializadas: como os apêndices bucais dos crustáceos, ex. caranguejos do gen. Uca que coletam com as quelas e levam até a boca o material depositado. Maxilas e maxilípedes selecionam a parte orgânica da inorgânica, que é rejeitada na forma de bolas de sedimento. Os anfípodes gên. Corophium coletam material com os gnatópodos e as maxilas e maxilípedes fazem a seleção do material grosseiro e fino. Os cumáceos Dyastilis sp. cavam superficialmente em fundos moles ingerindo detritos e microorganismos. Estes crustáceos possuem cerdas em suas maxilas e maxilípedes, que funcionam como filtros, que separam a parte orgânica da inorgânica. A parte inorgânica é rejeitada em forma de bolas de areia. 4) Organismos que ingerem diretamente a matéria orgânica junto com o sedimento, apresentando um volume elevado de sedimento no trato digestivo. Exemplo o poliqueta Arenicola marina, que é pouco seletivo na sua alimentação. A espécie habita praias protegidas, com pouca hidrodinâmica, onde escavam tubos em forma de U. Uma parte do tubo é revestida com muco para evitar o desmoronamento. Na parte não revestida, Arenicola provoca um constante desmoronamento do sedimento a partir de movimentos de contração e distensão do corpo. Nesta parte da toca o poliqueta ingere o sedimento juntamente com a matéria orgânica, enquanto que a passagem da água na outra extremidade da toca vai oxigenar as branquias na região mediana do corpo. A espécie tem uma resistência considerável para condições anaeróbicas, sendo capaz de sobreviver por cerca de 9 dias na ausência de oxigênio. As fezes são colocadas na superfície do sedimento ao redor da extremidade revestida de muco. A presença de microorganismos nas fezes do animal serve para enriquecer a água circundante e favorece a alimentação do poliqueta. O poliqueta Laeonereis acuta ingere uma considerável quantidade de sedimento durante sua alimentação, na qual predominam diatomáceas e detritos. Nos conteúdos do poliqueta Heteromastus similis predominam sedimentos finos, dos quais a espécie aproveita a matéria orgânica. Em fundos mistos, matacões até areia, os gastrópodes do gen. Strombus consomem pedaços de macroalgas, mas também pode consumir o microfitobentos através da ingestão de partículas de sedimento que é então regurgitado após a remoção das algas pelas enzimas digestivas. Atua como herbívoro e como comedor de depósito. Suspensívoros São organismos micrófagos que ingerem o material em suspensão na coluna da água. Como a maioria das espécies que adotam este tipo de alimentação é de organismos sésseis ou cavadores de pouca mobilidade, o posicionamento próximo a locais com maior movimentação de água, parece essencial para os suspensívoros. Mexilhões, por exemplo, atingem altas densidades em áreas protegidas se as mesmas forem eutróficas (baias, estuários) ou em locais oligotróficos, mas com suficiente exposição e aporte de ondas como em alguns costões rochosos. É comum a formação de bancos com altas densidades de organismos suspensívoros. A vida em bancos oferece uma maior proteção contra os predadores, uma vez que os indivíduos no interior do banco ficam menos expostos aos ataques. Alguns organismos combinaram a presença de estruturas de filtração com algo parecido a um cesto, onde geram uma corrente de filtração através do batimento de cílios. Ex.Briozoários, Hydrozoários, Ophiuros e poliquetas Sabellidae e Serpullidae. Nestes grupos a água entra no cesto pelo topo e escorre até sua base onde fica a boca. Outros suspensívoros geram uma forte corrente inalante devido a uma superfície ciliada bem desenvolvida e uma estreita abertura inalante. A água então passa para as branquias onde o alimento fica retido, sendo a água então lançada pelo sifão exalante. Neste grupo destacam-se as ascídias e os bivalvos como ativos filtradores do material em suspensão, nos quais o volume de água filtrado por hora atinge de 50 a 100x o volume dos indivíduos. Isto resulta numa verdadeira depuração da água circundante. A matéria em suspensão é recolhida pelos organismos e as fezes fazem a reciclagem dos nutrientes. Alguns organismos utilizam a energia das ondas para auxiliar na filtração. Os crustáceos do gen. Emerita (tatuíra) coloca-se na areia de modo a expor as antenas para a filtração da água somente na maré vazante. O crustáceo passa a antena na boca para se alimentar. Utiliza a 1a antena para respiração e a 2a antena para alimentação. Uma outra tatuíra, Blepharipoda sp. (comum no litoral de Santa Catarina) adota uma posição paralela a praia e através de modificações na disposição das antenas pode filtrar em ambos sentidos da maré. Para os suspensívoros tem grande importância o tamanho e a concentração das partículas de alimento. A presença de cílios e do muco seleciona os tamanhos de partícula. A atividade para ingestão aumenta com a concentração das partículas até um platô em que a atividade diminui. Em concentrações muito altas ocorre a saturação dos órgãos coletores e a espécie cessa sua atividade. A seleção do alimento pelos suspensívoros é mais pelo tamanho da partícula do que pelo tipo do alimento. A grande flutuação na concentração de vários tipos de partículas alimentares favorece uma estratégia generalista na obtenção do alimento. Mesmo em águas eutróficas a variabilidade na composição e a sucessão populacional do fitoplancton causam flutuações na qualidade e quantidade do alimento disponível para os suspensívoros. As principais fontes de alimento dos suspensívoros são: 1. fitoplancton entre flagelados de poucas micra até diatomáceas com centenas de micra; 2. bactérias e microorganismos em partículas inorgânicas e no detrito orgânico particulado trazido por correntes; 3. bactérias e microorganismos oriundos de material ressuspenso do fundo; 4. microzooplancton (comum entre cnidarios) Macrófagos Carnívoros São predadores que caçam seletivamente presas vivas. Classificar os macrófagos carnívoros é bastante difícil dado a versatilidade no modo de alimentação. Esta versatilidade relaciona-se com a capacidade de locomoção, tamanho, estruturas apreensoras e a visão bem desenvolvida. Estas características possibilitam um grande espectro de presas e um elevado oportunismo. Predadores generalistas e seletivos. Ex. de seletivos a estrela Hippasterias spinosa e o Nudibranquio Hermissenda, que consomem somente o coral Pennatulaceo Ptilosarcus no Pacífico. Um exemplo de versatilidade na alimentação é dado pela estrela Mediaster aequalis do Pacifico Norte, que atua como carnívora, mas pode também alimentar-se como herbivora, comedora de depósito ou suspensívora. Outro exemplo de generalista é o siri azul Callinectes sapidus, que pode atuar como macrófago carnívoro, comedor de depósito e até herbívoro, na sua fase juvenil. Em geral o aumento das presas aumenta com o tamanho dos predadores. Assim um animal de grande porte irá, em geral, selecionar presas maiores. Presas maiores são, entretanto mais difíceis de encontrar e demandam um maior tempo de busca e consumo. Parece vantajoso uma espécie levar mais tempo consumindo uma presa maior do que a busca aleatória de presas menores. A maioria dos carnívoros atua também como necrófagos na presença de cadáveres. Entre os necrófagos exclusivos, os gastrópodes dos gen. Nassa e Nassarium, através do sifão que aspira a água para a respiração, efetuam também a percepção química sensitiva da presença de cadáveres. Estas espécies são comuns no intermareal e ocorrem em elevado número na presença de cadáveres. Os isópodos do gen. Excirolana são necrófagos. Os isópodes profundos gen. Bathinomus e os anfípodes Lysianassideos também alimentam-se como necrófagos. Entre os cnidários as anemonas são carnívoras capturando presas utilizando tentáculos armados com nematocistos. A anemona Anthopleura xanthogramica pode consumir e digerir bivalvos de grande tamanho. Os Nemertineos são excepcionais predadores. Capturam suas presas através de uma probóscide eversivel que pode ejetar secreções glandulares ou venenosas que imobilizam ou matam suas presas, principalmente poliquetas. O tamanho das probóscides varia de alguns mm até metros, como em Cerebratulus lacteris. Os Platelminteos Turbellarios capturam suas presas, microcrustáceos, nematodos e protozoários utilizando uma faringe musculosa. Os Turbellarios Stylochus e Pseudostylochus penetram em ostras e cirripédios e ingerem as partes moles. Diversos poliquetas são carnívoros, alguns alteram a alimentação carnívora com a de depósito, ex. Nephtys. A alimentação carnívora com a herbívora como Neanthes succinea ou Nereis sp. Uma espécie carnívora voraz é Glycera, que vive num sistema de galerias com várias conexões com a superfície, através das quais o poliqueta percebe a presença química sensitiva das presas. O poliqueta possui uma probóscide armada com 4 mandíbulas que possuem glândulas de veneno na base. Cada mandíbula possui um canal por onde passa o veneno. Capturam outros poliquetas e pequenos crustáceos. O poliqueta intermareal do gen. Diopatra possui quimiorreceptores que vigiam a corrente de água que passa pelo tubo. Quando uma presa se aproxima o poliqueta emerge parcialmente da abertura do tubo e agarra a presa com os dentes faringeanos. Gastrópodes Prosobranquios das fam. Muricidae (Murex, Urosalpinx) e Thaiidae (Thais) perfuram a concha de moluscos e a carapaça de cirripédios em costões rochosos. Estas espécies são capazes de sentir as presas através da atração química. Urosalpinx perfura a concha de ostras com uma rádula quitinosa auxiliada por secreções glandulares, que destroem o periostraco e a parte orgânica da matriz calcárea. Um Urosalpinx leva cerca de 8 horas para perfurar 2mm, tendo sido encontrado perfurações em conchas de até 5mm de espessura. A combinação da posição no costão (níveis superiores do intermareal), a ocorrência no interior do banco e o tamanho de ostras e mexilhões resultam em refúgios a predação. Um dos problemas na criação de ostras é que cultivos monoespecíficos não oferecem presas alternativas aos predadores. Em fundos moles, os gastrópodos Buccinum, Busycon prendem bivalvos com o pé e com o auxilio da borda da concha abrem as valvas inserem a probóscide e sugam as partes moles. Ollivancilaria esmaga e sufoca bivalvos (Donax) e crustáceos (Emerita) com o pé e suga suas partes moles com a probóscide. O gastrópodo Natica envolve bivalvos (Tellina) com o pé e perfura a concha com a rádula. Leva cerca de 4 horas para perfurar a concha e cerca de 2:30’ para sugar as partes moles de uma Tellina fabula (concha fina). Conus sp. possui uma longa probóscide extensível, com uma rádula que tem apenas um dente em forma de arpão. Através da rádula Conus injeta uma neurotoxina na presa (moluscos, peixes e poliquetas). Muitas das espécies de Conus podem ferir seriamente ou até matar seres humanos. Entre os equinodermas as estrelas e os ofiuróides são tipicamente predadores. Estrelas que habitam fundos duros alimentam-se evertendo o estômago sobre suas presas, a maioria bivalvos. As estrelas prendem a concha dos bivalvos com as ventosas dos pés ambulacrais e abrem as valvas com tirões sucessivos. Muitas vezes a estrela coloca a abertura bucal entre as valvas e mesmo sem abri-las, através dos bordos imperfeitamente selados, everte o estômago e introduz as enzimas digestivas. Uma abertura de 0,1mm é suficiente para a inserção. O suco gástrico além de atuar na digestão auxilia também para relaxar os músculos adutores do bivalvo. As estrelas do gen. Patiria são espécies onívoras. O gen. Asterias ocorre no Atlântico, são vorazes predadoras de mexilhões e outros bivalvos. Crossaster paposus preda sobre outros equinodermas, principalmente, estrelas. Pode ser interessante sua presença em locais de cultivo de mexilhões e ostras. Solaster dawsoni da costa noroeste dos USA, alimenta-se principalmente de Solaster stimpsoni que ingere pepinos do mar. Nesta região Pycnopodia helianthoides, estrela de 20 braços do Pacifico, é generalista, mas tem preferência por ouriços do mar. A estrela Pisaster ochraceus é uma voraz predadora de mexilhões. É uma predadora de topo, sendo considerada uma espécie chave pelo controle que exerce sobre as populações de mexilhão Mytilus californianus, que é um competidor dominante nos costões rochosos da costa noroeste dos USA. A estrela Acanthaster sp. se alimenta de pólipos de corais. Preda sobre corais no Pacífico e tem posto em risco a existência dos arrecifes e das ilhas próximas. Os gastrópodes do gen. Trochus consomem estas estrelas, mas os mesmos estão submetidos a uma severa pressão de consumo pelo homem na região. Diversas espécies de Ofiuróides e as estrelas de fundos moles Astropecten e Luidia possuem braços rígidos, os pés ambulacrais não apresentam ventosas e não possuem ânus. Nestes equinodermas a presa é ingerida inteira, ainda que a parede estomacal deva estar em contato com os tecidos que estão sendo digeridos. As conchas e outros materiais não digeríveis são expulsos pela boca. O aparato digestivo está revestido de um epitélio ciliado e os cílios dos cecos pilóricos criam correntes de entrada e saída de líquidos. Efeitos da Predação sobre as Comunidades Bentônicas. A predação pode ser considerada como um tipo de interação negativa através do qual um consumidor macrófago caça seletivamente suas presas. De um modo geral a coexistência de uma relação presa predador “por um longo período” deve pressupor algum tipo de refúgio para a presa. Um exemplo de refúgio é quando a presa posicionase num local de difícil acesso ao predador ou quando a presa atinge um tamanho inacessível ao predador. Sob estas condições o fato de um predador ingerir uma determinada espécie ou conjunto de populações num determinado hábitat não significa, necessariamente, que este consumidor irá exercer um efeito significativo sobre a população ou comunidade (associação). Um dos melhores meios de se observar o papel que os predadores exercem sobre uma população ou comunidade é excluí-los temporariamente do seu hábitat. O mais comum é a exclusão utilizando gaiolas ou algum outro artefato em experimentos de campo, tanto em costões rochosos como em fundos inconsolidados. Um estudo de caso realizado em fundos moles entre 10 e 50m de prof. em Pudget Sound, Washington, costa oeste dos USA, ilustra a importância da predação na estrutura de uma associação macrozoobentônica. O Cnidário Pennatulaceo Ptilosarcus gurneyi é a espécie dominante e de grande importância trófica na área em estudo. Este cnidário pedunculado é o alimento principal de sete espécies de predadores: quatro estrelas Hippasterias spinosa, Dermasterias imbricata, Crossaster papposus, Mediaster aequalis e três espécies de moluscos nudibranquios Armina californica, Tritonia festiva, Hermisenda crassicornis. Ptilosarcus tem uma vida média de 15 anos, leva vários anos para atingir a maturidade sexual, possui recrutamentos irregulares de baixa previsibilidade e nunca atinge um tamanho que sirva como refúgio a predação. Nesta associação (comunidade) Armina e Hippasterias são especialistas predando unicamente sobre Ptilosarcus. Enquanto que Dermasterias, Crossaster, Mediaster são mais generalistas, predando também sobre outros invertebrados. Seria esperado que os generalistas controlassem a população de Ptilosarcus até um ponto tal que os especialistas não teriam mais como se alimentar. Por que isto não ocorre nesta comunidade? A resposta está na presença de um predador de topo, Solaster dawsoni que preda sobre Dermasterias, Crossaster, Mediaster e Tritonia, controlando a densidade destas espécies de modo que não ocorra a exclusão dos predadores especialistas. O conceito de “espécie chave” foi proposto por R.T. Paine a partir de experimentos de exclusão da estrela Phisaster ochraceus no intermareal de costões rochosos no norte do Pacifico no estado de Washington, USA. Espécie chave “keystone specie” foi considerado um organismo com um elevado status trófico, tal como um predador de topo, que com sua atividade exerce uma grande influência na estrutura da comunidade bentônica. A importância da espécie chave é mais evidente naquelas comunidades em que o competidor dominante, que monopoliza os recursos básicos, tem sua abundância regulada pela predação da espécie chave. Este foi o caso descrito por Paine a respeito da interação da estrela Phisaster ochraceus e sua presa preferencial o mexilhão Mytilus californianus, no Pacifico norte. Os limites superior e inferior de M. californianus no costão são fixados pela dessecação e por Phisaster, respectivamente. A retirada de Phisaster do costão permitiu ao banco de Mytilus aprofundar cerca de 2m num período de três anos. O movimento foi uma combinação entre o lento deslocamento do banco de adultos e o recrutamento do mexilhão. Experimentos de campo em fundos moles em que foram excluídos os predadores epifaunais (p.e. peixes e crustáceos decápodos) de locais rasos em baías, estuários e lagunas tem mostrado um significativo incremento da infauna no interior de gaiolas de exclusão. Nesses experimentos ficou evidente o severo impacto que os juvenis de peixes e decápodos exercem sobre as associações de fundos moles, especialmente, sobre os recrutamentos do macrozoobentos. Peixes e crustáceos decápodos de grande porte não predam, entretanto, apenas sobre um nível trófico, mas sobre vários níveis, incluindo: 1- as categorias de maior tamanho de comedores de depósito e suspensívoros; 2- predadores infaunais como poliquetas e nemertineos; 3- pequenos predadores epifaunais como camarões e caranguejos. Na ação dos predadores deve ser considerada também a bioperturbação do sedimento que estes organismos realizam na busca de suas presas através da escavação do substrato. Sob condições de densidades elevadas predadores pertencentes a infauna, principalmente poliquetas e nemertineos, podem exercer uma predação significativa sobre os integrantes da infauna não predadora. Através de experimentos de campo tem sido verificado o impacto causado pelo nível trófico intermediário (entre os predadores epifaunais e a infauna não predadora), integrado pelos predadores infaunais, sobre a estrutura das associações de macroinvertebrados em fundos moles de ambientes costeiros. Estas interações determinam um elevado grau de complexidade na trama trófica de fundos moles, com várias interações ocorrendo no interior do sedimento, além das que ocorrem sobre o substrato. LITERATURA COMPLEMENTAR Gray, J. S. & Elliott, M. 2009. Ecology of Marine Sediments. 2nd. Edition. Oxford University Press, Oxford, 225p. Knox, G. A 2001. The Ecology of Seashores. CRC Press, Boca Raton, 557p. Lalli, C.M. & Parsons, T.R. 1993. Biological Oceanography: an Introduction. Butterworth & Heinemann, Oxford, 301p. Levinton, J.S. 1995. Marine Biology. Function, Biodiversity, Ecology. Oxford University Press, New York, 420p. Pereira, R.C. & Soares-Gomes, A. 2009. Biologia Marinha. Segunda Edição. Editora Interciência, Rio de Janeiro, 631p. Ruppert, E.E.; Fox, R.S. & Barnes, R.D. 2005. Zoologia dos Invertebrados, Sétima Edição, Editora Roca Ltda., São Paulo, Brasil, 1145p. Seeliger, U; Odebrecht, C. & Castello, J. P. 1998. Os Ecossistemas Costeiro e Marinho do Extremo Sul do Brasil, Editora Ecoscientia, Rio Grande, 326p.