A Criação de Microhábitats pelo Macrozoobentos

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CURSO DE OCEANOLOGIA
DISCIPLINA DE BENTOLOGIA - 2008
RELAÇÃO DO MACROZOOBENTOS COM O SUBSTRATO
Considerando o tipo de relação com o substrato pode-se dividir o macrozoobentos
em epifauna (organismos que vivem sobre o substrato) e infauna (organismos que vivem
no interior do substrato). Esta divisão pela sua amplitude, entretanto, esclarece pouco
quando se pretende uma classificação funcional da macrofauna bentônica. De modo que
é conveniente dividir os organismos epifaunais em sésseis, sedentários e de grande
mobilidade. Enquanto que os infaunais podem ser divididos em cavadores, perfurantes e
construtores de tubos.
Epifauna – Sésseis.
Organismos sésseis são aquelas espécies que vivem fixas em substratos
consolidados (fundos duros). Para os organismos sésseis é fundamental encontrar e
garantir um local em substratos duros. Talvez, devido à escassez de espaço disponível
que é comum em fundos consolidados, a maioria das formas sésseis não resolveu o
problema da fixação através de uma ampla base de aderência no substrato. Espécies de
esponjas, briozoários e cnidários, que se fixam através de formas achatadas
disponibilizando uma ampla superfície para fixação, possuem mecanismos para impedir a
epibiose.
A fase larval é de extrema importância para os organismos sésseis, pois esta fase
é a responsável pela dispersão das populações. As larvas, além de encontrar um local
para assentar, devem também garantir uma posição favorável para a obtenção do
alimento. Como a maioria dos organismos sésseis adota uma alimentação suspensívora,
que determina uma condição bastante passiva para a obtenção do alimento, um
posicionamento favorável no momento do assentamento é fundamental. Também a vida
agregada em bancos parece uma estratégia adotada por estas espécies, a fim de obter
um maior êxito durante a reprodução e proteção contra predadores. Nessas condições é
mais provável o encontro dos produtos sexuais dos machos e das fêmeas lançados na
coluna da água ou, excepcionalmente, a fecundação direta por cópula como ocorre nos
cirripédios do gênero Balanus (cracas). O assentamento em bancos aumenta também a
resistência dos organismos sésseis ao batimento das ondas, até um ponto em que a
aglomeração e a formação de estratos tornam os organismos mais suscetíveis ao
arrancamento pelo efeito da hidrodinâmica.
Como exemplos de organismos sésseis: ostras, cirripédios, esponjas, ascídias,
briozoários, poliquetas Serpullidae, anêmonas, mexilhões (os dois últimos podem realizar
certos movimentos no substrato, sendo as vezes denominados de semi-sésseis).
As esponjas são animais tipicamente sésseis, suspensívoros filtradores cuja forma
do corpo se adapta facilmente as características do substrato. Os cirripédios são o único
grupo de crustáceos sésseis. Possuem glândulas de cimento na base das primeiras
antenas. O cimento se mantém por toda a vida do cirripédio e um desprendimento parcial
pode ser refeito. Uma proteína no exoesqueleto dos indivíduos já fixados atrai as larvas
na época do assentamento (ex. Nauplius, Cypris, Cypris avançada e Balanus). A
proximidade dos exemplares é importante, pois a fecundação é por cópula e os indivíduos
são sésseis. Podem reter o estágio de nauplius dentro da carapaça em condições
desfavoráveis. Altas densidades devido ao apinhamento (“crowding”) prejudicam o
crescimento e pelo sufocamento podem matar os cirripédios nos estratos inferiores.
Densidades de até 600.000 ind./m2 de Balanus improvisus já foram registradas na
literatura.
Os mexilhões da Fam. Mytilidae não apresentam sifões e o pé é reduzido. A
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fixação no substrato é feita por filamentos de bisso. Os filamentos de bisso são fios
córneos, resistentes, secretados por uma glândula na base do pé dos mexilhões. A
secreção flui por um sulco do pé e com a exposição à água do mar ela endurece, sendo
então o pé retirado deixando o filamento preso no substrato. Eventualmente, os fios de
bisso podem ser retirados e o mexilhão pode encontrar uma melhor posição no substrato
(esta habilidade varia conforme a espécie). Mytilus edulis tem esta capacidade mais
desenvolvida do que Mytilus californianus, que é uma espécie mais robusta.
Nas ostras a fixação ocorre por cimentação, quando as larvas denominadas
pediveliger fixam-se no substrato com o auxílio de glândulas especializadas. As ostras
não possuem pés nem sifões. São em geral monomiárias, pois não possuem o músculo
adutor anterior (não precisam abrir a concha para movimentar o pé). A vida no epistrato
também dispensa a utilização de sifões nos bivalvos sésseis, pois a sedimentação é muito
menor do que a que ocorre com os bivalvos de fundos inconsolidados. As ostras são
espécies hermafroditas protândricas (maturam primeiro como machos e após como
fêmeas).
Epifauna – Sedentários.
Os organismos sedentários são aqueles capazes de realizar pequenos
deslocamentos (escala de metros), tanto em fundos consolidados como nos
inconsolidados. Existe uma estreita relação entre o tipo de movimentação, estrutura geral
e ecologia dos organismos. Com a possibilidade de locomoção o espectro alimentar é
maior pela capacidade de buscar ativamente o alimento, os organismos podem evitar
melhor os predadores e existe maior capacidade de variar o tipo de fecundação (maior
possibilidade de encontro entre os machos e as fêmeas, os estímulos visuais se ampliam
e o comportamento se altera).
Entre os organismos sedentários é comum o movimento de reptação. Os
equinodermas, cuja maioria das espécies é composta por organismos sedentários, reptam
utilizando pés ambulacrais, as estrelas e os ofiuros utilizam também a flexão dos braços.
Os gastrópodes movimentam-se, principalmente, através de ondas de contração muscular
que percorrem o pé ex: Acmaea, Thais. Poliquetas da fam. Nereididae reptam através de
movimentos ondulatórios do corpo efetuando a contração dos metâmeros e
movimentação dos parapódios. Espécies de Turbellarios (Platelminteos) e Nemertineos
ondulam o corpo sobre secreções mucosas.
Alguns organismos sedentários realizam movimentos semelhantes à natação,
como os poliquetas da família Nereididae durante o fenômeno da epitoquia. Nestes a
locomoção ocorre através da movimentação do corpo, parapódios e cerdas. Os bivalvos
da família Pectinidae gêneros Pecten, Chlamys, Placopecten, deslocam-se a distâncias
de até 1m através de propulsões de jatos de água obtidas a partir do rápido fechamento
das valvas. Entre os crustáceos, cujas extremidades articuladas permitem caminhar ou
saltar (ex. anfípodos família Talitridae), estão os isópodos, anfípodos, tanaidáceos.
Epifauna de Grande Mobilidade
Entre o macrozoobentos de grande mobilidade (formas vágeis) capazes de
realizar deslocamentos a grandes distâncias (escala de centenas de metros) a
distribuição numa ampla escala, além da efetuada pelas larvas, passa a ser feita também
pelos adultos. Estes organismos podem realizar migrações tróficas e reprodutivas.
Os crustáceos decápodos representam o grupo com o maior número de
integrantes do macrozoobentos de grande mobilidade. Os caranguejos das fam.
Xanthidae e Callapidae são dominados por espécies fortes e lentas que são protegidas de
seus predadores por seus exoesqueletos grandes e pesados e quelas fortes. Possuem
pereiópodos pequenos em relação ao tamanho do corpo, sendo desta forma, incapazes
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de realizar rápidos deslocamentos. Os olhos são pequenos, tem menor necessidade de
utilização, influenciado pela menor capacidade de deslocamento. Há uma restrição a
capacidade de predação, uma vez que não podem capturar presas rápidas, mas podem
capturar presas fortes e pesadas tais como bivalvos grandes.
Os caranguejos da fam. Majidae com patas longas e fortes são espécies
marchadoras, capazes de realizar deslocamentos por longas distâncias. Os caranguejos
da fam. Portunidae realizam movimento natatório próximo ao fundo, auxiliados pelo último
par de apêndices toráxicos em forma de remo e pela hidrodinâmica do corpo. Os
camarões Penaeidae e Caridae nadam com grande eficiência utilizando o movimento dos
pleópodos, que são auxiliados pelos pereiópodos.
Existem espécies capazes de realizar rápidos deslocamentos como os
caranguejos corredores Ocypode spp. (fam. Ocypodidae), que possuem um exoesqueleto
leve, as patas longas e olhos grandes com visão bem desenvolvida. Podem correr em
todas as direções com velocidade superior a 2m/s, sendo este comportamento mais
utilizado para fugir dos predadores (gaivotas) do que para capturar suas presas. Os
caranguejos deslocam-se do supralitoral para a zona de varrido em praias arenosas,
especialmente a noite para comer desde moluscos e crustáceos até detritos lançados na
praia.
Entre os gastrópodes, os Nudibranquios (comedores de pólipos de corais) e os
Tectibranquios do gênero Aplysia nadam através de ondulações do corpo. Outra espécie
de mobilidade são os cephalopodos bentônicos do gen. Octopus, que vivem escondidos
entre as rochas e reptam sobre o substrato, mas podem também deslocar-se através da
propulsão por jatos de água.
Observa-se que mesmo as formas com maior mobilidade não prescindem da
proteção do substrato, obtida através de esconderijos ou pela escavação. Caranguejos de
marismas (Neohelice granulata, Uca uruguayensis) e de mangues (Cardisoma guanhumi,
Ucides cordatus, Aratus pisoni), apesar de passarem grandes períodos do dia em suas
tocas não são considerados formas infaunais.
Infauna – Cavadores.
Após o assentamento os organismos cavadores passam sua vida quase que,
exclusivamente, no interior do sedimento, construindo tubos, tocas ou galerias. A vida no
interior do substrato favorece os cavadores, pelo tamponamento do estresse físicoquímico do meio ambiente e pela proteção contra os predadores. A movimentação de
apêndices como o pé em bivalvos, a probóscide em poliquetas e as patas em crustáceos
são fundamentais para a escavação ao aumentar a fluidez do substrato. Bivalvos e
poliquetas exigem uma determinada quantidade de umidade do sedimento (cerca de 25%
de teor de água) para a escavação. Para estes cavadores a concentração de fluídos da
hemocele, na probóscide ou no pé, permite a ancoragem dos animais no substrato,
possibilitando que o corpo seja “puxado” para o interior do sedimento durante a
escavação. Os crustáceos, por outro lado, pela possibilidade de utilizar seus apêndices
articulados para a escavação, são menos dependentes do grau de umidade para escavar
o sedimento.
Ocorrem cavadores num grande número de famílias de bivalvos, poliquetas e em
vários outros grupos de invertebrados bentônicos. Os poliquetas cavadores da fam.
Nephtyidae, Glyceridae e Arenicolidae cavam utilizando a faringe e contrações do corpo.
A faringe incha como um balão e ancora o animal, então o corpo é puxado. O mesmo
ocorre em Echiuridos e Priapulidos.
Os bivalvos utilizam o pé para escavar e através da dilatação da base do pé no
interior do sedimento ocorre a ancoragem no substrato, a partir das qual os músculos
contratores puxam o corpo do bivalvo. Os anfípodos Corophium e Bathyporeiapus cavam
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superficialmente o substrato utilizando suas patas articuladas.
Cavadores superficiais como Emerita e Donax e cavadores profundos como
Mesodesma, realizam migrações mareais aproveitando a dinâmica de praias arenosas.
Em ambientes protegidos como enseadas ou baías costeiras o bivalvo Tagelus plebeius,
que escava profundamente no substrato (mais de 50 cm de prof.) em fundos dominados
por sedimentos finos, possui o manto “selado” para evitar a entrada de lama no interior do
corpo.
Infauna – Construtores de Tubos.
São considerados construtores de tubos (“Tube builders”) os organismos cujos
tubos sobressaem na superfície do sedimento. Ex. poliquetas Diopatra, Eunice,
Clymenella. Diferenciam-se dos cavadores pela função ecológica de seus tubos que, em
densas concentrações, alteram a circulação da água, modificam a sedimentação
aumentando a deposição de finos, criam microhábitats em volta dos tubos, onde são
atraídas bactérias, integrantes da meiofauna além de comedores de depósito e
predadores pertencentes a macrofauna.
Infauna - Organismos Perfurantes.
Perfurantes de Material Inorgânico
Após o assentamento vivem exclusivamente no interior de fundos consolidados.
Entre os perfurantes de rochas calcáreas, lama endurecida e arenitos predominam os
moluscos da fam. Pholadidae. Os bivalvos perfurantes iniciam a escavação após o
assentamento larval e vão aumentando suas tocas a medida que crescem. A perfuração
do substrato se dá a partir de movimentos rotatórios das valvas. Estes organismos ficam
enterrados de modo permanente, caso sejam retirados não conseguem escavar uma
outra toca. São espécies que se alimentam de fitoplancton utilizando sifões para filtrar o
material em suspensão.
Os principais bivalvos perfurantes de material inorgânico pertencem aos gens.
Pholas, Barnea, Zirfaea, Petricola, Cyrtopleura, Lithofaga (Mytilidae). Outros grupos de
perfurantes de material inorgânico encontram-se entre os poliquetas do gen. Polydora e
as esponjas do gen. Clyona. Estas emitem pseudópodos que introduzidos no substrato
calcáreo (pode ser concha de moluscos) liberam enzimas com elevada acidez com pH
semelhante ao ácido clorídrico. Causam grandes prejuízos aos criadores de ostras.
Perfurantes de Madeira.
Os perfurantes podem utilizar a madeira como abrigo e também como alimento.
Entre os crustáceos os isópodos do gen. Limnoria e anfípodos do gen Chelura são
perfurantes. Estes peracáridos realizam uma escavação superficial da madeira não
causando prejuízos econômicos significativos. Os bivalvos perfurantes, por outro lado,
tem um efeito devastador sobre madeiras submersas. Existem registros de ataques de
perfurantes 350 A. C. por Theophrastus. Colombo na sua 4o. viagem perdeu todos seus
navios devido aos perfurantes da fam. Teredinidae. Em 1730 houve a invasão dos diques
Holandeses pelos perfurantes desta família. Em 1914 os Teredinidae invadiram a baia de
São Francisco e causaram sérios prejuízos. O ataque dos perfurantes é intenso nas
regiões tropicais, especialmente, em países asiáticos (no Japão é proibido jogar madeira
no mar para não oferecer substrato aos Teredinidae).
Entre os bivalvos a perfuração constitui-se num processo mecânico e os extremos
anteriores das valvas funcionam como superfícies abrasivas. Todos os bivalvos
perfurantes iniciam a perfuração após o assentamento da larva e vão aprofundando a
escavação à medida que crescem. Na fam. Pholadidae os gens. Martesia e Lygnopholas
perfuram, mas não consomem madeira. Nesta família quem perfura e alimenta-se da
madeira é o gen. Xylophaga.
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O gen. Martesia possui ampla distribuição em mares tropicais e temperados
quentes. A espécie de maior poder de escavação é cosmopolita, Martesia striata, que
ocorre desde o ambiente marinho mar até locais com salinidade 6. Esta espécie não se
alimenta de madeira, consome apenas o fitoplancton. Ocorre na costa brasileira em
regiões tropicais e subtropicais. Martesia fragilis ocorre no estado do R.S. distribuindo-se
até a costa do Uruguai, sendo as vezes encontrada em material flutuante.
Os integrantes do gen. Xylophaga são hermafroditas, protândricos, cosmopolitas
em águas profundas e em águas rasas de altas latitudes. Já foram encontrados em
profundidades de até 3000m em painéis de madeira. Alimentam-se de madeira e
fitoplancton, possuem bactérias celulolíticas no ceco.
Os bivalvos perfurantes de madeira mais agressivos pertencem a família
Teredinidae (Sub Famílias Teredininae e Bankiinae). Logo que assentam como larva
pediveliger sobre estruturas de madeira, os Teredinidae iniciam a raspagem da superfície
do substrato utilizando duas pequenas valvas. Nesta família a concha está reduzida a
duas valvas anteriores pequenas. O corte da madeira é efetuado por um golpe inicial das
valvas, enquanto que o extremo anterior do corpo é fixado na cova através do pequeno
pé. A medida que o juvenil se desenvolve, vai penetrando para o interior das estruturas de
madeira, da qual utiliza a celulose para alimentação. O manto, que compreende a maior
parte do corpo atrás das valvas, produz um revestimento calcário no túnel. Os
Teredinidae possuem sifões longos e finos que sobressaem na superfície da madeira,
sendo a entrada da toca fechada pelas paletas quando os sifões se retraem. O estômago
possui nestes casos um ceco para o armazenamento da celulose e uma seção da
glândula digestiva está especializada para tratar partículas de madeira. A importância da
celulose e do fitoplancton na alimentação reflete-se no tamanho do ceco e das brânquias
nos diversos grupos desta família. Bactérias que digerem celulose ocorrem no trato
digestivo dos Teredinidae. As espécies de biologia melhor conhecida são Teredo navalis,
Lyrodus pedicellatus, Bankia gouldi, B. setacea e B. indica.
O glicogênio formado através do açúcar degradado da celulose representa mais
de 50% das substâncias secas de um Teredo (No homem o glicogênio constitui 5% do
fígado e em algumas ostras até 30%). Graças a reserva de glicogênio estes perfurantes
podem sobreviver anaerobicamente por um longo período. O animal é capaz de retirar
energia do glicogênio na ausência de O2. É necessário manter a espécie por semanas
exposta ao ar para a extinção dos organismos. De modo que o controle dos Teredinidae,
tanto em termos de eficiência como de economia, deve ser feito durante a vida larval.
Para evitar as infestações são utilizadas pinturas com tintas tóxicas, que vão
lentamente liberando substâncias tóxicas na água e, evidentemente, irão contaminar o
ambiente aquático. O estudo da biologia da espécie torna o controle do assentamento
mais econômico e menos prejudicial ao meio ambiente. É importante conhecer quais são
as espécies infestantes, qual o efeito das mesmas, a taxa de crescimento, a época da
reprodução, a duração da vida larval, a profundidade de maior ataque, a face de maior
infestação e a cor do substrato (fototaxia da larva).
A partir de uma infestação registrada no verão de 2005, a região estuarina da
Lagoa dos Patos foi invadida pelo Teredinidae Bankia fimbriatula, espécie que causou
sérios prejuízos aos pescadores artezanais devido a infestação e destruição de trapiches
e do fundo das embarcações. A colonização de B. fimbriatula coincidiu com a intensa
salinização registrada na região estuarina da Lagoa dos Patos, decorrente da estiagem
que ocorreu no Rio Grande do Sul no verão de 2005. Esta espécie seguiu ocorrendo em
grande número e causando prejuízos durante 2006 e 2007, havendo localidades
habitadas por pescadores, como a Torotama, em que 100% dos calões dos trapiches e
50% do fundo das embarcações tiveram que ser trocados devido às perfurações de B.
fimbriatula (que é denominada de “broca” pelos pescadores artesanais). A infestação por
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B, fimbriatula diminuiu sua severidade e as perfurações causaram menores prejuízos em
2008-2009.
As Características do Substrato.
Num determinado hábitat ou paisagem podem ser reconhecidos dois componentes
que determinam o seu grau de complexidade: 1) o grau de heterogeneidade do hábitat ou
paisagem, isto é, o mosaico formado pelas distintas unidades de hábitat ao longo de uma
paisagem; e, 2) a estrutura do hábitat, entendido como o componente físico ou a
arquitetura das unidades de hábitat dentro desse mosaico. De modo que uma paisagem
complexa consistirá de várias unidades de hábitat formando um mosaico, cada parte
deste mosaico com a sua própria estrutura física.
A ação do meio ambiente ao longo do tempo pode provocar um aumento da
complexidade do hábitat, a partir da alteração da estrutura ou arquitetura em rochas no
intermareal inferior. Alterações na estrutura do hábitat originam diversos microhábitats,
aumentando a proteção contra o estresse físico e o refúgio contra predadores potenciais.
Mesmo em fundos não consolidados uma maior variedade de tipos de sedimentos,
resultantes de distintas condições hidrodinâmicas, proporcionam substratos mais
complexos com uma maior diversidade de guildas do macrozoobentos. De um modo
geral, o aumento na complexidade ou heterogeneidade do hábitat resulta numa maior
diversidade de organismos.
Influência da Hidrodinâmica sobre as Características do Sedimento
O sedimento é uma mistura de partículas inorgânicas, orgânicas e água intersticial.
Os organismos bentônicos são fortemente afetados pela variação de qualquer um destes
constituintes. A granulometria reflete a hidrodinâmica do local e influencia tanto o tipo de
organismo capaz de escavar o substrato, como as características físico-químicas do fundo
(temperatura, salinidade, teor de O2). A identificação das frações de silte e argila, que
incluem partículas menores do que 0,064mm (na argila as partículas são menores do que
0,004mm), é de grande importância para a caracterização das propriedades do sedimento
relevantes para o zoobentos.
Áreas com fortes correntes, além da maior granulometria, também removem as
partículas ocasionando a erosão do substrato. Neste tipo de ambiente os organismos tem
que se adaptar a constantes alterações no substrato, o que inclui a reescavação e o
reposicionamento no interior do sedimento. Áreas com pouca hidrodinâmica possuem
partículas de pequeno tamanho, que atraem comedores de depósito devido a maior
deposição de matéria orgânica e a maior facilidade para ingestão do alimento.
Um sedimento é pobremente selecionado quando a maioria das partículas distribuise ao longo de um amplo gradiente de classes de tamanho. Num sedimento bem
selecionado a maioria dos tamanhos dos grãos encontra-se numas poucas classes de
tamanho formando picos bem definidos. Um sedimento bem selecionado ocorre num
ambiente com hidrodinâmica bastante constante. Um sedimento pobremente selecionado
reflete uma maior heterogeneidade no processo de sedimentação. Alguns sedimentos mal
selecionados podem apresentar mais de um pico modal, o que reflete distintas condições
hidrodinâmicas.
A ação das correntes sobre fundos com um elevado teor de finos pode ocasionar
um aumento da instabilidade de substratos e causar um efeito negativo na eficiência de
alimentação, crescimento e sobrevivência de organismos suspensívoros. Um alto
conteúdo de partículas em suspensão pode entupir as brânquias dos suspensívoros. Em
estuários, por exemplo, este fenômeno pode ocorrer em situações em que coincide uma
alta concentração de material em suspensão com processos de floculação.
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Influência da Infauna nas Propriedades Físicas do Sedimento.
A infauna cavadora, durante sua locomoção ou alimentação, provoca a seleção e a
transferência das partículas de sedimento, o que facilita a ressuspensão e erosão do
sustarto. Entre as espécies que desestabilizam o sedimento estão os bivalvos comedores de
depósito Nucula, Macoma, Yoldia e a holoturia Molpadia oolitica.
Estas espécies cavadoras e de tamanho considerável durante o deslocamento e
alimentação removem partículas, aumentam a quantidade de água no interior do sedimento
e instabilizam o substrato. Também a peletização, na camada superficial, provoca um
aumento no espaço entre as partículas reduzindo o contato entre as mesmas, o que diminui
a força de coesão da matriz orgânica e facilita a ressuspensão do sedimento.
Existem também invertebrados que estabilizam o substrato, entre os quais
destacam-se os construtores de tubos (poliquetas Diopatra, Eunice, Owenia e espécies de
Ceriantharios,) que reduzem a movimentação de água, incrementam a sedimentação,
diminuem a ressuspensão do sedimento, aumentam a estabilidade do substrato, enriquecem
a matriz orgânica pela atração de microorganismos, predadores e algas a deriva.
Espécies infaunais de pequeno porte que constroem tubos de pequeno tamanho na
camada superficial do sedimento também podem estabilizar o substrato, como ocorre com
alguns anfípodos e tanaidáceos. Estes organismos, através da atividade de filtração e
produção de fezes sobre a superfície, estimulam a presença de um maior número de
microorganismos no epistrato e enriquecem a matriz orgânica. Este processo aumenta a
força de coesão das partículas reduzindo a força de cizalhamento das correntes de fundo
conferindo uma maior estabilidade ao substrato.
Influência da Infauna nas Propriedades Químicas do Sedimento.
A escavação no sedimento mostra num primeiro estrato uma coloração marrom
clara, após segue-se uma coloração cinzenta e por fim uma camada de cor negra que exala
um cheiro de gás sulfídrico. As alterações de coloração e de odor indicam modificações nas
características químicas do substrato. A camada marrom claro contém água intersticial com
oxigênio dissolvido, a zona mais escura não apresenta oxigênio e a camada cinza mostra
características intermediárias. A zonação entre as camadas oxidadas e reduzidas resulta do
balanço entre o aporte e o consumo de oxigênio na água intersticial. O limite entre as zonas
oxidada e reduzida é conhecido como a descontinuidade do potencial redox RDP. Esta
camada localiza-se desde algumas dezenas de cm de profundidade em praias arenosas
expostas, até somente uns poucos milímetros no interior do substrato em ambientes
protegidos com predomínio de sedimentos finos.
A escavação da infauna aumenta a profundidade da camada aeróbica no substrato.
A camada de descontinuidade do potencial de oxi-redução (“RDP layer”) aprofunda-se no
sedimento a partir do incremento do potencial de oxidação (Eh). A maior oxigenação ao
redor dos tubos e tocas dos cavadores é evidenciada pelo contraste entre a cor marrom
avermelhada do sedimento oxidado, que contorna estas estruturas, com a coloração mais
escura do sedimento reduzido. Devido à ação dos cavadores a RDP não se distribui de
forma paralela a superfície do fundo, mas sofre descontinuidades verticais que ocorrem
paralelas aos tubos e tocas da infauna.
Interações entre Suspensívoros e Comedores de Depósito
Sedimentos com maiores teores de finos são geralmente dominados por
comedores de depósito, enquanto que em fundos arenosos predominam organismos
suspensívoros. Estes dois grupos tendem a não ocorrer em conjunto. No período da
primavera muitas diatomáceas desenvolvem-se em fundos dominados por sedimentos
finos. Este tipo de substrato possui uma considerável proporção de sedimentos finos e um
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teor relativamente alto de matéria orgânica, o que favorece os comedores de depósito.
Enquanto que os suspensívoros preferem fundos arenosos bem selecionados. As
correntes mais intensas neste tipo de substrato proporcionam um maior aporte de material
em suspensão, o que favorece os suspensívoros. Uma vez estabelecidos, os
suspensívoros podem excluir os comedores de depósito pela filtração de suas larvas na
coluna d’água.
A atividade de alimentação e escavação dos comedores de depósito aumenta o
conteúdo de água do sedimento, adiciona “pellets fecais” e instabiliza a camada
superficial do sedimento. Rhoads & Young, na década de 70, foram os primeiros a
relacionar este tipo de bioperturbação do substrato com a atividade de alimentação dos
comedores de depósito: Nucula proxima, Macoma tenta e Yoldia limatula. Estes autores
propuseram a teoria do “trophic group amensalism”, na qual as atividades de alimentação
e escavação dos comedores de depósito aumentariam a quantidade de água do
sedimento, o que facilitaria sua ressuspensão. Este processo causava o entupimento do
aparato filtrador dos adultos dos bivalvos suspensívoros e o sufocamento dos
assentamentos. Este tipo de bioperturbação não pode ser desconsiderado, mas seu efeito
muitas vezes restringe-se a determinados períodos ou circunstâncias e restrito a uma
determinada escala espacial.
A Criação de Microhábitats pelo Macrozoobentos
A complexidade do hábitat pode aumentar também a partir de estruturas
biogênicas em fundos consolidados. Um exemplo é a ocorrência de bancos de mexilhões
em locais com intensa pastagem de ouriços ou pouca intensidade de luz, o que pode
evitar o desenvolvimento de densos bancos de algas em regiões temperadas.
Bancos de mexilhões influenciam na estrutura da comunidade bentônica através
do incremento da estrutura física criando microhábitats, providenciando refúgio contra
predadores e contra o estresse físico, como o banco é constantemente submetido a
perturbações, especialmente durante temporais, algas, cirripédios e outros invertebrados
podem ocupar os espaços abertos no substrato. Os mexilhões proporcionam substrato
secundário para o assentamento de organismos epibiontes (flora e fauna), criando
interstícios que servem de abrigo contra predadores e o estresse físico. Pequenos
invertebrados sedentários (anfípodos, poliquetas) protegem-se do dessecamento no
interior do banco em maré baixa e saem com a maré alta em busca do alimento. Ouriços
raspam ao redor e no topo do banco mantendo-o livre de algas e outras espécies
incrustantes. Na base do banco o sedimento fino retido fornece alimento para espécies
comedoras de depósito, as quais dificilmente são encontradas em costões rochosos.
A formação de estruturas biogênicas também ocorre em fundos moles com a
formação de microhábitats, devido à abertura das tocas e das elevações causadas pelos
organismos cavadores. Estas feições mais a presença de bactérias nos pellets fecais da
macrofauna condicionam a formação de agregações em micro ou mesoescala. Entre as
espécies da infauna o decápodo Talassinídeo Calianassa californiensis constrói
complexas galerias de até 1 m de profundidade em fundos lamosos. Os Talassinídeos
geram correntes para ventilação e alimentação através do batimento dos pleópodos. O
alimento trazido pela circulação d’água e os rejeitos do Talassinídeo são utilizados pelos
seus comensais o bivalvo Cryptomia californica, o poliqueta Hesperonae adventor e o
caranguejo Scleroplax granulata. Outro integrante do macrozoobentos cavador é o
equiúro Urechis caupo, que habita um tubo em forma de “U” por onde bombeia a água e
captura o alimento em suspensão. Urechis secreta uma rede mucosa que adere a parede
do tubo. Através de movimentos peristálticos do corpo a água é bombeada (1L /hora).
Quando cheia de alimento, a rede é ingerida. Nas tocas de Urechis ocorrem as mesmas
espécies de comensais que habitam as galerias de C. californiensis
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Estruturas ainda mais evidentes são formadas por poliquetas construtores de
tubos como Diopatra, Eunice e Clymenella. Densas concentrações destas estruturas
determinam a formação de microhábitats, que incrementam a diversidade de organismos
pela presença da estrutura física, cria refúgios e altera as características físico-químicas
do sedimento. Estas estruturas reduzem o movimento da água, dificultam a ação de
certos predadores, atraem bactérias, algas a deriva, várias espécies da meiofauna,
também de anfípodos, isópodos e copépodos, afetam o recrutamento de diversas
espécies da macrofauna, promovem a sedimentação de finos e reduzem a ressuspensão
do sedimento.
Literatura Complementar
ACIESP, 1997. Glossário de Ecologia. Publicação da Academia de Ciências do Estado de
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Pereira, R.C. & Soares-Gomes, A. 2009. Biologia Marinha. Segunda Edição. Editora
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Ruppert, E.E. & Barnes, R.D. 1994. Zoologia de Invertebrados, Sexta Edição, Editora
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