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A PROTEÇÃO JURÍDICA À RENOVAÇÃO
COMPULSÓRIA PELA LEI DE LOCAÇÃO:
TITULARIDADE
UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
ORIENTADOR: ANTÔNIO LAGO JR.
ALUNA: MARCELA GODINHO DE ALMEIDA
- novembro de 2005 –
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A PROTEÇÃO JURÍDICA À RENOVAÇÃO COMPULSORIA PELA LEI
DE LOCAÇÃO: TITULARIDADE
Marcela Godinho de Almeida
Aluna do Curso de Graduação em Direito da Universidade Salvador.
SUMÁRIO:
Introdução - Empresário individual e a sociedade
empresária - O empresário após o advento do Novo Código Civil - A
situação jurídica das sociedades civis após o advento do Novo Código
Civil - Atividade econômica.
Relevância para a lei - O ponto
comercial como elemento propulsor da atividade econômica - Os
empresários que não gozam da proteção - Agentes econômicos
excluídos dogmaticamente do conceito de empresário - Atividade
econômica por não empresário. Proteção – Conclusão – Referências.
Introdução
A economia moderna está estruturada em torno da atividade econômica organizada. O exercício
da atividade econômica assumiu uma vestimenta de participação econômica e social, assim,
tornou-se de grande apreço na geração de riquezas, contribuindo na redução das desigualdades
sociais e regionais através da geração de postos de trabalho (o que ajuda na busca pelo pleno
emprego e na diminuição da criminalidade), da melhoria tecnológica que propicia à nação, da
geração de renda para o Estado através do pagamento de tributos, além de auxiliar no
atendimento à população através de seus produtos e serviços, assim como dos trabalhos
realizados em função da responsabilidade social atribuída aos agentes econômicos.
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Contudo, o empreendedor privado precisa vislumbrar perspectiva de lucros na exploração de sua
atividade, caso contrário ele optará por dar outra destinação a seus recursos.
A localização do negócio é muito importante, pois ela se dá em função do ramo de atividade e do
perfil da clientela potencial, da distância entre onde se será exercida a atividade e onde está o
mercado consumidor, assim como da sua localização frente à de seus fornecedores.
Percebe-se que o ponto, ou seja, o local onde o agente econômico se estabelece pode ser decisivo
para o sucesso da atividade desenvolvida; o que faz com que para certos gêneros de atividade o
ponto se figure como um dos elementos mais valiosos do negócio.
A locação desempenha uma função relevante uma vez que permite ao agente econômico a opção
de liberar o capital que estaria imobilizado com bens imóveis necessários às suas instalações, e
investí-los no próprio negócio sem que disso decorra maiores transtornos. Todavia, a prerrogativa
de o locador retomar o imóvel a qualquer tempo é incompatível com o desenvolvimento de
atividade econômica.
Dentro dessa nova perspectiva, instrumentos processuais para viabilizar essa proteção concedida
pela Lei de Locações de Imóveis Urbanos foram criados. A Ação Renovatória se inserem
exatamente nesse contexto. A idéia de existência de uma proteção ao ponto vem da preocupação
em coibir o locupletamento sem causa e o abuso de direito, observando o direito de propriedade e
a viabilização do exercício da atividade econômica. A organização e coordenação realizada pelo
agente econômico para o exercício de sua profissão é uma criação intelectual, o que torna
indispensável sua proteção jurídica.
Daí as garantias especiais da lei ao locatário de um imóvel para o exercício de atividade
econômica. Entre essas garantias encontra-se, principalmente, o direito à renovação compulsória
do contrato de locação, desde que preenchidas as formalidades legais, e, eventualmente, o direito
à indenização caso não seja possível essa renovação.
Destarte, ocorre que “a propriedade deixa de ser direito subjetivo do indivíduo e passa a ser a
função social do detentor dos capitais mobiliários ou imobiliários” (BUZAID, 1988a, p.16). O
poder público passa a regular a propriedade de modo que ela seja uma fonte de produção e
aumento da riqueza social, visando o interesse social e o bem comum. Como dizia Alfredo
Buzaid (1988a, p.23), citando Paissac, o social sobrepujou o individual não para destituí-lo, mas
para salvar a dignidade da pessoa humana.
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Contudo, o dispositivo da Lei de Locação que trata da ação renovatória faz menção apenas aos
imóveis destinados ao comércio, estendendo o direito às locações celebradas por indústrias e
sociedades civis com fim lucrativo. Assim, há quem defenda que a interpretação deve ser estrita,
a proteção só deve ser concedida àqueles expressamente citados na lei.
Ainda que se defenda essa idéia de que a tutela em questão deve ser interpretada restritamente ao
texto da lei não podendo ampliar os conceitos nela presentes, abarcando apenas aqueles que estão
em plena conformidade com o disposto da lei, isso seria uma usurpação do direito daqueles que
desempenham atividades econômicas e não sejam personalidades empresárias, industriais ou
sociedades civis. Além de que a interpretação legal se torna incompatível com o Novo Código
Civil.
Com o advento do Código Civil de 2002 tal disposição não faz mais sentido, pois a lei alterou a
classificação das sociedades para distinguí-las apenas em sociedades empresárias e sociedades
não empresárias, não havendo mais qualquer referência às sociedades civis. Essa classificação de
certa forma esvazia o parágrafo 4º do artigo 51 da Lei do Inquilinato.
A lei traz como destinatários da proteção à renovação os empresários (antes tratados por
comerciantes) e as sociedades civis com fim lucrativo. Isto posto, torna-se necessário tratarmos
um pouco dessas personalidades diante do atual ordenamento jurídico.
Empresário individual e a sociedade empresária
Como se sabe, existe o empresário individual e o empresário coletivo, sendo este a sociedade
empresária e aquele a pessoa física que exerce a empresa individualmente.
Segundo o Código Civil, pode ser empresário pessoa física, denominada empresário individual,
ou pessoa jurídica, designada sociedade empresária, que deve adotar um dos tipos previstos no
Código. Empresário, portanto, é a pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedades
empresárias) que toma a iniciativa de organizar a empresa.
Levando em consideração que o conceito de empresa não é jurídico, e sim de caráter meramente
econômico, existindo muita discussão a respeito dos elementos de definição desta e, por
conseqüência, da figura do empresário, adotou-se, conforme estabelece parte da doutrina,
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empresa como sendo atividade econômica organizada, cuja marca essencial é a obtenção de
lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços.
O empresário individual nada mais é do que aquele que exerce, em nome próprio, atividade
empresarial, ou seja, a pessoa física, capaz e não impedida, que exerce em nome próprio e
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços.
É importante repetir que empresário individual não é apenas aquele que explora a indústria e o
comércio, mas também o que explora, profissionalmente, atividades de prestações de serviço,
sendo que o Código Civil exclui desse conceito as atividades científicas, literárias ou artísticas as
quais não constituem elemento de empresa. As pessoas físicas, portanto, que eram denominadas
trabalhadores autônomos e que exercem profissionalmente atividades de prestação de serviços,
tais como costureira, eletricista, encanador, entre outros, devem se consideradas na qualidade de
empresários individuais.
O empresário individual, enfim, pode ser visto como uma versão
ampliada composta pelo antigo comerciante individual e pelo antigo trabalhador autônomo.
Já as sociedades empresárias nascem do encontro de vontade das pessoas que têm o interesse de
constituí-las. Assim, para que haja uma sociedade deve haver mais de um sócio.
As sociedades empresárias podem se organizar sob diversas formas. O Código Civil (artigo 983)
as classifica em sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade
limitada, sociedade anônima e sociedade em comandita por ações.
Assim como o empresário individual, considera se como empresária toda sociedade que
desempenha uma empresa.
O empresário após o advento do Novo Código Civil
Faze-se necessária uma leitura do artigo 966 do Código Civil:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
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Diante do exposto no artigo 966 acima, percebe-se que os elementos que caracterizam a figura do
empresário são: profissionalismo, atividade econômica organizada, ou seja, articulada e
concatenada, e produção ou circulação de bens ou serviços.
Considera-se, portanto, de caráter meramente dogmático a determinação feita pelo legislador no
parágrafo único que exclui da compreensão de empresário aqueles que exercem profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística.
Profissional intelectual é a pessoa física que exerce profissão intelectual, de natureza científica,
literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de empresa.
É importante notar que o próprio Código Civil determina que as atividades científicas, literárias
ou artísticas também podem ser exploradas por empresário individual, desde que constitua
elemento de empresa.
Um médico que atende diretamente a sua clientela é considerado profissional intelectual, mesmo
quando contrata auxiliares ou colaboradores como empregados (secretária, office boy, etc.). O
negócio, entretanto, pode expandir e impor ao médico a contratação de outros médicos para
atender uma clientela cada vez maior.
A tendência é o afastamento do médico (dono do
consultório) do exercício da sua atividade específica. Paulatinamente, ele vai deixando de ser
médico para ser empresário, na medida em que passa a organizar a exploração da atividade na
forma de empresa, tendo como finalidade o lucro advindo da organização empresária. Quando
isso ocorre, o profissional intelectual, de fato, transformou-se em empresário e fica sujeito às
disposições da lei referente à matéria empresarial.
Mesmo os escritórios de advocacia funcionam hoje como verdadeiras sociedades empresárias,
sem prejuízos, antes em benefício, do serviço que oferecem.
Ou seja, uma sociedade de
advogados, titular de um grande escritório de advocacia, com muitos empregados, com muitos
computadores em rede, máquinas de xerox, acesso rápido à Internet, bibliotecas, enfim, com uma
grande estrutura, reúne todas as definições teóricas do caput do art. 966 do novo Código Civil,
devendo ser reconhecida como sociedade empresária. O que não ocorre única e exclusivamente
por uma opção legal, não do Código Civil, pois, acredita-se que aí ele estaria em plena
conformidade com a ressalva do parágrafo único do mesmo artigo, mas do Estatuto da
Advocacia.
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Entretanto, isso não seria motivo suficiente para retirar dessas pessoas, físicas ou jurídicas
(sociedades simples), a proteção ao ponto que construíram e seja relevante ao exercício de suas
atividades. Já que, se o parágrafo único, que se refere à profissão intelectual, for tomado como
excepcionador da regra do caput, significará dizer que a atividade de prestação de serviços
intelectuais realizada por uma grande organização não seria empresarial, o que não se justifica.
Segundo a opinião de Vinícius José Marques Gontijo (2004, p.77) “O Direito Empresarial tem
dentre os seus princípios o individualismo e a onerosidade presumidos nas relações. Isso gera no
empresário uma mentalidade, uma ética, um estado de espírito e atitudes diversas daquelas do
cidadão comum.”
Isto posto, imagina-se que o legislador julga que esses profissionais
necessitam de uma ética, com atitude, maneira de pensar e agir diversa daquela que o empresário
presumidamente possui.
Já para Maria Helena Diniz (2004, p.672), o motivo da exclusão de tais profissionais se deve a
uma suposta falta da organização empresarial para obtenção de lucro, não havendo interferência
exterior de fatores de produção (trabalho e capital) uma vez que “o esforço se implanta na própria
mente do autor, de onde advém aquele bem ou serviço.” De tal forma que, para ela, se o
profissional intelectual investir capital e contar com o apoio de colaboradores e auxiliares para o
exercício de sua profissão, deverá ele ser considerado empresário.
A situação jurídica das sociedades civis após o advento do Novo Código Civil
Com as mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002, as sociedades civis (exceto as que
exercem atividades científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de
empresa) passam a compor, juntamente com as sociedades comerciais, o conjunto que hoje se
denomina sociedades empresárias, e os profissionais autônomos (exceto os que exercem
profissão intelectual, de naturezas científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui
elemento de empresa) passam a compor, juntamente com o comerciante individual, o conjunto o
qual se denomina empresário individual.
Destarte, algumas das sociedades civis se tornaram sociedades empresárias, enquanto que outras
(as que exercem atividades científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento
de empresa)
se tornaram sociedades simples, e, portanto, não empresárias. Deveriam as
sociedades que já possuíam a devida proteção passar a não mais possuir? Acredita-se que não,
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logo aquelas sociedades anteriormente consideradas sociedades civis continuam a gozar do
direito à renovação compulsória da locação.
Atividade econômica. Relevância para a lei.
Para a proteção legal o que há de ser levado em conta é a finalidade, a destinação dada ao uso do
imóvel, abrangendo qualquer locação em que ao imóvel se atribua o uso para o exercício da uma
atividade econômica organizada.
A afirmativa acima se deve ao fato de que a função social atribuída à empresa se estende a todas
as atividades econômicas. Não é exclusivamente a empresa que é responsável pela geração de
empregos, tributos, enfim, todas as benesses advindas do exercício de atividade econômica,
conforme estipulação da própria Constituição. Todo e qualquer agente econômico, seja ele
empresário ou não, é responsável pela repercussão social de suas atividades. A Carta Magna
sequer faz qualquer distinção entre a natureza dos agentes econômicos ao tratar da ordem
econômica e seus princípios.
O ponto como elemento propulsor da atividade econômica
A Lei de Locação traz como finalidade da lei a proteção ao fundo de comércio, também
conhecido como estabelecimento.
O Código Civil traz o estabelecimento como sendo um
atributo exclusivo do empresário e da sociedade empresária no exercício de sua empresa. Nada
obstante, percebe-se que a renovatória não objetiva proteger o estabelecimento, mas sim um de
seus elementos analisado individualmente. O ponto é apenas um dos tantos elementos que
compõem o estabelecimento, e como os demais elementos pode ter existência própria, ou seja,
sua existência não depende da configuração do estabelecimento, podendo ele existir independente
deste. Este, nada mais é do que o conjunto de bens, corpóreos (mercadorias, mobiliários,
utensílios, máquinas, veículos) e incorpóreos (bens industriais, o nome empresarial e seus
acessórios, como o título de estabelecimento), utilizados pelo empresário no exercício de sua
empresa.
Porém, o ponto, diferentemente do estabelecimento, não é peculiar àqueles que exercem uma
empresa. Pode ele ser constituído por todo e qualquer agente econômico, desde que este se valha
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da localização como componente atuante no desempenho de sua atividade. O que determina a
sua existência é a notoriedade, o reconhecimento do local onde é desenvolvida a atividade.
Notoriedade essa alcançada pelos esforços realizados por aquele que exerce atividade econômica
no local.
De tal modo, passa-se a admitir no exercício da atividade econômica organizada como um todo a
existência do ponto, fator que a dita lei veio proteger, de sorte que a proteção legal em questão se
aplicaria a todos que exercem atividade econômica e não apenas às atividades empresariais, já
que o que está em jogo é o ponto constituído e sua relevância.
A proteção ao ponto se deve à necessidade de garantir ao que exerce atividade econômica a
clientela angariada ao longo de seu trabalho, a ponto de outorgar ao locatário, em determinadas
circunstâncias, quase que um direito real sobre um imóvel que não é de sua propriedade.
“Quase” porque não é objetivo da lei atribuir um direito real ao locatário, mas apenas regular a
relação jurídica locativa conforme o princípio da equidade, de maneira a ampliar os poderes do
locatário e limitar os do locador, visando o equilíbrio da relação. “O objetivo da lei não é assim a
composição de um conflito entre duas propriedades – a imobiliária e a comercial; e sim a
composição de duas pretensões, a do locador e a do locatário” (BUZAID, 1988a, p.135).
Visa-se a estabilidade do locatário com a proteção do ponto ou seja, assegurar a tranqüilidade do
locatário, a continuidade no aproveitamento do imóvel, a estabilidade nas relações.
A renovação visa garantir nada mais do que o ponto. Para Alfredo Buzaid (1988a, p.80) o
fundamento da ação renovatória está no bem comum, na utilização da propriedade em benefício
de interesses e conveniências gerais (Constituição Federal artigo 170, III).
Quando a Lei de Locações protege a permanência no ponto ela tutela não apenas os transtornos e
despesas com as mudanças, mas, principalmente, visa proteger a continuidade da atividade
econômica nas mesmas condições que ela vinha sendo praticada, reduzindo a possibilidade de
prejuízos ou redução no faturamento em função da mudança de localização do negócio, ou seja, a
perda da clientela. Fábio Ulhoa Coelho (2002, p.103) denomina esse direito de permanência do
empresário no local onde se encontra de “direito de inerência ao ponto”.
O ponto se destaca da propriedade do imóvel, pois o ponto pertence ao agente econômico
locatário.
Ocorria que depois de investirem grandes somas na adaptação do prédio e em
propaganda, e após um trabalho árduo para a formação de uma clientela, o que valorizava o
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ponto, os agentes econômicos eram surpreendidos pelos locadores que para renovar a locação
faziam exigências absurdas, tendo os locatários que se dobrar às exigências daqueles para não
perder o imóvel, assim o locador e o proprietário do imóvel se beneficiam do trabalho do
locatário, não sendo justo atribuir ao locador tal quota de enriquecimento em prejuízo daquele
que criou o sobrevalor do imóvel (o locatário). Havia um verdadeiro enriquecimento sem causa
do locador, às custas do trabalho e dos investimentos do locatário, além de dar margem ao abuso
de direito.
Os empresários que não gozam da proteção
A casuística no tratamento do tema em questão é muito importante, pois visto que a proteção se
deve à existência de um ponto, torna-se necessário uma aferição da relevância do ponto no
exercício da atividade.
Conforme pensamento de Fernando A. Albino de Oliveira (PINTO; OLIVEIRA, 1991, p.63):
o direito ao ponto só deve ser objeto de proteção jurídica quando se chega à conclusão
que a clientela do comerciante está a ele ligada, em maio ou menor grau. Se é ele um
elemento determinante para captar clientela, deve ser bem protegido. Caso contrário,
ainda que o ponto constitua um elemento integrante do fundo de comércio, não deve ser
objeto de proteção específica para dar direito ao comerciante à renovação automática de
um contrato de locação, por se entender que não está ali o elemento fundamental que
capta a clientela do comerciante e que, portanto, é necessário para a continuidade, em
igualdade de condições, da sua atividade comercial.
Exemplo comum da irrelevância do ponto é o das lojas virtuais em que sequer é dado ao
consumidor o conhecimento da localização da loja. Não seria sensato dispensar tal proteção,
limitando, inclusive o direito de propriedade alheio, uma vez que a localização do negócio não é
essencial ao bom desempenho de suas atividades. Sendo que a proteção só se justifica se por
algum motivo o ponto está ligado ao resultado obtido no exercício de sua atividade.
É importante que não se deixe de lado princípios tão relevantes como o da igualdade, o da
funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas e o da justiça.
Agentes econômicos excluídos dogmaticamente do conceito de empresário
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De acordo com o Código Civil, a atividade de produção ou circulação de bens ou serviços pode
ser exercida por empresário e por não-empresário.
Considera-se que o não-empresário pode ser pessoa física, designada profissional intelectual ou
empresário rural, ou pessoa jurídica (as sociedade simples, cooperativa, a associação e a
fundação).
Desta forma, repito que o exercício da atividade de produção ou circulação de bens ou serviços
não está adstrito apenas à iniciativa do empresário (sociedades empresárias e empresário
individual).
Ainda que a sociedade empresária seja a pessoa de maior vulto na organização da produção ou
circulação de bens ou serviços, não se pode menosprezar ou diminuir a importância das
cooperativas, sociedades simples, fundações e associações, posto que essas pessoas jurídicas
possuem movimento econômico considerável e exercem atividades que geram milhões de
empregos.
Ademais, a estrutura organizacional dessas pessoas jurídicas não se difere da estrutura
empresarial e, embora não constituam empresa, muitas delas atuam no mesmo ramo de atividade
do empresário, razão pela qual são exigidas maiores reflexões dos operadores do Direito sobre o
regime jurídico dessas pessoas consideradas não-empresários.
O legislador excluiu expressamente da compreensão do que seja empresário pessoas que estariam
compreendidas como tal, apesar de possuírem todos os atributos necessários à tipologia. De
maneira que a análise da proteção jurídica destinada ao locatário que exerce de atividade
econômica não deve seguir a classificação dogmática imposta pelo Código Civil.
Algumas atividades de produção ou circulação de bens ou serviços podem ser exercidas por
diferentes pessoas (física ou jurídica), sejam elas empresárias ou não.
Portanto, não deve o profissional intelectual, apenas porque o Código Civil não considera
empresário "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda
com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir
elemento de empresa" (artigo 966, parágrafo único, Código Civil), deixar de fazer jus a uma
tutela legal que se relaciona ao exercício de uma atividade econômica cujo ponto é relevante.
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Atividade econômica por não empresário. Proteção.
A atividade econômica, conforme já visto, pode ser exercida por não empresários, seja na forma
de sociedades simples (cooperativa e sociedade simples), associação, fundação, ou ainda na
figura do profissional liberal autônomo (pessoa física individual).
Entende-se que a lei considera simples a sociedade a qual tem por objeto o exercício de atividade
que não é própria de empresário, portanto, simples é a sociedade que tem por objeto o exercício
de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística.
Quanto ao profissional liberal, sua proteção está contida na finalidade da Lei uma vez que possui
o profissional liberal o elemento que justifica essa proteção, o ponto. Nada impede que o
trabalho autônomo seja exercido de maneira organizada e visando o lucro.
A única distinção que poderia ser feita entre a clientela do profissional liberal e a de uma pessoa
jurídica se deve ao caráter de confiança pessoal da relação, no caso do profissional liberal, o que
faz com que a maioria da doutrina se posicione no sentido de não estender essa proteção a estes.
Apesar de a clientela não constituir um elemento do estabelecimento, pois não há como ela ser
objeto de direito, resta claro que ela está sendo protegida e garantida através da proteção ao
ponto, entre outras. Aliás, ela é a principal razão da tutela ao ponto. A clientela é quem propicia
o exercício de qualquer atividade econômica com fins lucrativos. Daí sua importância
Todavia, convém uma reflexão, pois o caráter pessoal das relações tem se reduzido a cada dia,
tornando as relações cada vez mais impessoais. Exemplo comum é o que tem ocorrido com os
médicos conveniados a Planos de Saúde; com os convênios médicos os paciente passam a
escolher seus médicos em função de sua localização através dos catálogos de profissionais
credenciados, escolhendo assim aquele que se encontram mais acessíveis em termo de
localização. Portanto, acredita-se, em virtude dessa redução na confiança pessoal, que deve ser
feita uma análise mais particularizada da relevância do ponto no exercício da atividade desses
profissionais. (SOUZA, 2001).
Conforme Sylvio Capanema de Souza (2001, p.337), inclusive, “a lei perdeu excelente
oportunidade para se modernizar, ampliando aos profissionais liberais a mesma proteção, desde
que presentes as condições do art. 51.”
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Sugere-se que o melhor critério a ser adotado para a concessão do direito em discussão passa a
ser o da existência de uma atividade econômica e do ponto, que conforme visto é o objeto de
proteção da lei, tirando a relevância da natureza da sociedade.
Conclusão
Diante do exposto, pode-se perceber que O alvo da lei é o ponto. Portanto, essa proteção acaba
por açambarcar o estabelecimento já que o ponto faz parte dele.
Diante da importância do instrumento jurídico da locação na vida dos negócios, fez-se necessária
uma regulamentação especial para esse tipo de locação. Por meio da tutela ao ponto, muitas
vezes crucial para o sucesso do negócio, busca-se proteger o não apenas o estabelecimento, mas
também a clientela e o trabalho do locatário. A localização reflete, em alguns casos, na própria
sobrevivência da atividade. Ademais, há que se coibir o enriquecimento ilícito e o abuso de
direito por parte do locador.
È notório que a economia moderna está moldada em torno da atividade econômica, baseada nos
princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. A atividade econômica passa a exercer
relevante função social já que é através dela que se permite alcançar alguns princípios
constitucionais como o pleno emprego, redução das desigualdades, através de uma maior
circulação das riquezas e geração de renda para o Estado através dos tributos arrecadados. Por
isso a importância de uma tutela especial ao exercício da atividade econômica, com a preservação
desta e não apenas da empresa.
Embora a atividade empresarial seja a de maior vulto na ordem econômica, não se pode perder de
vista que mesmo a legislação determina que a atividade de produção ou circulação de bens ou
serviços pode ser exercida por empresário e por não-empresário. Não existindo elemento que
justifique tratamento diferenciado entre eles, há que prevalecer princípios capitais como o da
igualdade, o da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas
e o da justiça.
Destarte, propõe-se que o tratamento jurídico dispensado pela Lei de Locação deve ser analisado
através de uma interpretação mais finalista, partindo de uma concepção a respeito do que o
legislador visou proteger por meio da renovatória, atendendo o sentido social da norma jurídica.
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Posto que o que condiciona essa proteção é a configuração do ponto (e não do estabelecimento), a
casuística é indispensável a uma melhor análise para concessão da renovação compulsória do
contrato de locação. Configurado o ponto deve ser protegido independente da natureza do agente
econômico Não sendo o ponto determinante, não há que se falar de proteção a este, ainda que a
atividade seja exercida por empresário.
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16
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