A PROTEÇÃO JURÍDICA À RENOVAÇÃO COMPULSÓRIA PELA LEI DE LOCAÇÃO: TITULARIDADE UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ORIENTADOR: ANTÔNIO LAGO JR. ALUNA: MARCELA GODINHO DE ALMEIDA - novembro de 2005 – 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA À RENOVAÇÃO COMPULSORIA PELA LEI DE LOCAÇÃO: TITULARIDADE Marcela Godinho de Almeida Aluna do Curso de Graduação em Direito da Universidade Salvador. SUMÁRIO: Introdução - Empresário individual e a sociedade empresária - O empresário após o advento do Novo Código Civil - A situação jurídica das sociedades civis após o advento do Novo Código Civil - Atividade econômica. Relevância para a lei - O ponto comercial como elemento propulsor da atividade econômica - Os empresários que não gozam da proteção - Agentes econômicos excluídos dogmaticamente do conceito de empresário - Atividade econômica por não empresário. Proteção – Conclusão – Referências. Introdução A economia moderna está estruturada em torno da atividade econômica organizada. O exercício da atividade econômica assumiu uma vestimenta de participação econômica e social, assim, tornou-se de grande apreço na geração de riquezas, contribuindo na redução das desigualdades sociais e regionais através da geração de postos de trabalho (o que ajuda na busca pelo pleno emprego e na diminuição da criminalidade), da melhoria tecnológica que propicia à nação, da geração de renda para o Estado através do pagamento de tributos, além de auxiliar no atendimento à população através de seus produtos e serviços, assim como dos trabalhos realizados em função da responsabilidade social atribuída aos agentes econômicos. 3 Contudo, o empreendedor privado precisa vislumbrar perspectiva de lucros na exploração de sua atividade, caso contrário ele optará por dar outra destinação a seus recursos. A localização do negócio é muito importante, pois ela se dá em função do ramo de atividade e do perfil da clientela potencial, da distância entre onde se será exercida a atividade e onde está o mercado consumidor, assim como da sua localização frente à de seus fornecedores. Percebe-se que o ponto, ou seja, o local onde o agente econômico se estabelece pode ser decisivo para o sucesso da atividade desenvolvida; o que faz com que para certos gêneros de atividade o ponto se figure como um dos elementos mais valiosos do negócio. A locação desempenha uma função relevante uma vez que permite ao agente econômico a opção de liberar o capital que estaria imobilizado com bens imóveis necessários às suas instalações, e investí-los no próprio negócio sem que disso decorra maiores transtornos. Todavia, a prerrogativa de o locador retomar o imóvel a qualquer tempo é incompatível com o desenvolvimento de atividade econômica. Dentro dessa nova perspectiva, instrumentos processuais para viabilizar essa proteção concedida pela Lei de Locações de Imóveis Urbanos foram criados. A Ação Renovatória se inserem exatamente nesse contexto. A idéia de existência de uma proteção ao ponto vem da preocupação em coibir o locupletamento sem causa e o abuso de direito, observando o direito de propriedade e a viabilização do exercício da atividade econômica. A organização e coordenação realizada pelo agente econômico para o exercício de sua profissão é uma criação intelectual, o que torna indispensável sua proteção jurídica. Daí as garantias especiais da lei ao locatário de um imóvel para o exercício de atividade econômica. Entre essas garantias encontra-se, principalmente, o direito à renovação compulsória do contrato de locação, desde que preenchidas as formalidades legais, e, eventualmente, o direito à indenização caso não seja possível essa renovação. Destarte, ocorre que “a propriedade deixa de ser direito subjetivo do indivíduo e passa a ser a função social do detentor dos capitais mobiliários ou imobiliários” (BUZAID, 1988a, p.16). O poder público passa a regular a propriedade de modo que ela seja uma fonte de produção e aumento da riqueza social, visando o interesse social e o bem comum. Como dizia Alfredo Buzaid (1988a, p.23), citando Paissac, o social sobrepujou o individual não para destituí-lo, mas para salvar a dignidade da pessoa humana. 4 Contudo, o dispositivo da Lei de Locação que trata da ação renovatória faz menção apenas aos imóveis destinados ao comércio, estendendo o direito às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo. Assim, há quem defenda que a interpretação deve ser estrita, a proteção só deve ser concedida àqueles expressamente citados na lei. Ainda que se defenda essa idéia de que a tutela em questão deve ser interpretada restritamente ao texto da lei não podendo ampliar os conceitos nela presentes, abarcando apenas aqueles que estão em plena conformidade com o disposto da lei, isso seria uma usurpação do direito daqueles que desempenham atividades econômicas e não sejam personalidades empresárias, industriais ou sociedades civis. Além de que a interpretação legal se torna incompatível com o Novo Código Civil. Com o advento do Código Civil de 2002 tal disposição não faz mais sentido, pois a lei alterou a classificação das sociedades para distinguí-las apenas em sociedades empresárias e sociedades não empresárias, não havendo mais qualquer referência às sociedades civis. Essa classificação de certa forma esvazia o parágrafo 4º do artigo 51 da Lei do Inquilinato. A lei traz como destinatários da proteção à renovação os empresários (antes tratados por comerciantes) e as sociedades civis com fim lucrativo. Isto posto, torna-se necessário tratarmos um pouco dessas personalidades diante do atual ordenamento jurídico. Empresário individual e a sociedade empresária Como se sabe, existe o empresário individual e o empresário coletivo, sendo este a sociedade empresária e aquele a pessoa física que exerce a empresa individualmente. Segundo o Código Civil, pode ser empresário pessoa física, denominada empresário individual, ou pessoa jurídica, designada sociedade empresária, que deve adotar um dos tipos previstos no Código. Empresário, portanto, é a pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedades empresárias) que toma a iniciativa de organizar a empresa. Levando em consideração que o conceito de empresa não é jurídico, e sim de caráter meramente econômico, existindo muita discussão a respeito dos elementos de definição desta e, por conseqüência, da figura do empresário, adotou-se, conforme estabelece parte da doutrina, 5 empresa como sendo atividade econômica organizada, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços. O empresário individual nada mais é do que aquele que exerce, em nome próprio, atividade empresarial, ou seja, a pessoa física, capaz e não impedida, que exerce em nome próprio e profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. É importante repetir que empresário individual não é apenas aquele que explora a indústria e o comércio, mas também o que explora, profissionalmente, atividades de prestações de serviço, sendo que o Código Civil exclui desse conceito as atividades científicas, literárias ou artísticas as quais não constituem elemento de empresa. As pessoas físicas, portanto, que eram denominadas trabalhadores autônomos e que exercem profissionalmente atividades de prestação de serviços, tais como costureira, eletricista, encanador, entre outros, devem se consideradas na qualidade de empresários individuais. O empresário individual, enfim, pode ser visto como uma versão ampliada composta pelo antigo comerciante individual e pelo antigo trabalhador autônomo. Já as sociedades empresárias nascem do encontro de vontade das pessoas que têm o interesse de constituí-las. Assim, para que haja uma sociedade deve haver mais de um sócio. As sociedades empresárias podem se organizar sob diversas formas. O Código Civil (artigo 983) as classifica em sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima e sociedade em comandita por ações. Assim como o empresário individual, considera se como empresária toda sociedade que desempenha uma empresa. O empresário após o advento do Novo Código Civil Faze-se necessária uma leitura do artigo 966 do Código Civil: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. 6 Diante do exposto no artigo 966 acima, percebe-se que os elementos que caracterizam a figura do empresário são: profissionalismo, atividade econômica organizada, ou seja, articulada e concatenada, e produção ou circulação de bens ou serviços. Considera-se, portanto, de caráter meramente dogmático a determinação feita pelo legislador no parágrafo único que exclui da compreensão de empresário aqueles que exercem profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística. Profissional intelectual é a pessoa física que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de empresa. É importante notar que o próprio Código Civil determina que as atividades científicas, literárias ou artísticas também podem ser exploradas por empresário individual, desde que constitua elemento de empresa. Um médico que atende diretamente a sua clientela é considerado profissional intelectual, mesmo quando contrata auxiliares ou colaboradores como empregados (secretária, office boy, etc.). O negócio, entretanto, pode expandir e impor ao médico a contratação de outros médicos para atender uma clientela cada vez maior. A tendência é o afastamento do médico (dono do consultório) do exercício da sua atividade específica. Paulatinamente, ele vai deixando de ser médico para ser empresário, na medida em que passa a organizar a exploração da atividade na forma de empresa, tendo como finalidade o lucro advindo da organização empresária. Quando isso ocorre, o profissional intelectual, de fato, transformou-se em empresário e fica sujeito às disposições da lei referente à matéria empresarial. Mesmo os escritórios de advocacia funcionam hoje como verdadeiras sociedades empresárias, sem prejuízos, antes em benefício, do serviço que oferecem. Ou seja, uma sociedade de advogados, titular de um grande escritório de advocacia, com muitos empregados, com muitos computadores em rede, máquinas de xerox, acesso rápido à Internet, bibliotecas, enfim, com uma grande estrutura, reúne todas as definições teóricas do caput do art. 966 do novo Código Civil, devendo ser reconhecida como sociedade empresária. O que não ocorre única e exclusivamente por uma opção legal, não do Código Civil, pois, acredita-se que aí ele estaria em plena conformidade com a ressalva do parágrafo único do mesmo artigo, mas do Estatuto da Advocacia. 7 Entretanto, isso não seria motivo suficiente para retirar dessas pessoas, físicas ou jurídicas (sociedades simples), a proteção ao ponto que construíram e seja relevante ao exercício de suas atividades. Já que, se o parágrafo único, que se refere à profissão intelectual, for tomado como excepcionador da regra do caput, significará dizer que a atividade de prestação de serviços intelectuais realizada por uma grande organização não seria empresarial, o que não se justifica. Segundo a opinião de Vinícius José Marques Gontijo (2004, p.77) “O Direito Empresarial tem dentre os seus princípios o individualismo e a onerosidade presumidos nas relações. Isso gera no empresário uma mentalidade, uma ética, um estado de espírito e atitudes diversas daquelas do cidadão comum.” Isto posto, imagina-se que o legislador julga que esses profissionais necessitam de uma ética, com atitude, maneira de pensar e agir diversa daquela que o empresário presumidamente possui. Já para Maria Helena Diniz (2004, p.672), o motivo da exclusão de tais profissionais se deve a uma suposta falta da organização empresarial para obtenção de lucro, não havendo interferência exterior de fatores de produção (trabalho e capital) uma vez que “o esforço se implanta na própria mente do autor, de onde advém aquele bem ou serviço.” De tal forma que, para ela, se o profissional intelectual investir capital e contar com o apoio de colaboradores e auxiliares para o exercício de sua profissão, deverá ele ser considerado empresário. A situação jurídica das sociedades civis após o advento do Novo Código Civil Com as mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002, as sociedades civis (exceto as que exercem atividades científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de empresa) passam a compor, juntamente com as sociedades comerciais, o conjunto que hoje se denomina sociedades empresárias, e os profissionais autônomos (exceto os que exercem profissão intelectual, de naturezas científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de empresa) passam a compor, juntamente com o comerciante individual, o conjunto o qual se denomina empresário individual. Destarte, algumas das sociedades civis se tornaram sociedades empresárias, enquanto que outras (as que exercem atividades científica, literária ou artística, cujo exercício não constitui elemento de empresa) se tornaram sociedades simples, e, portanto, não empresárias. Deveriam as sociedades que já possuíam a devida proteção passar a não mais possuir? Acredita-se que não, 8 logo aquelas sociedades anteriormente consideradas sociedades civis continuam a gozar do direito à renovação compulsória da locação. Atividade econômica. Relevância para a lei. Para a proteção legal o que há de ser levado em conta é a finalidade, a destinação dada ao uso do imóvel, abrangendo qualquer locação em que ao imóvel se atribua o uso para o exercício da uma atividade econômica organizada. A afirmativa acima se deve ao fato de que a função social atribuída à empresa se estende a todas as atividades econômicas. Não é exclusivamente a empresa que é responsável pela geração de empregos, tributos, enfim, todas as benesses advindas do exercício de atividade econômica, conforme estipulação da própria Constituição. Todo e qualquer agente econômico, seja ele empresário ou não, é responsável pela repercussão social de suas atividades. A Carta Magna sequer faz qualquer distinção entre a natureza dos agentes econômicos ao tratar da ordem econômica e seus princípios. O ponto como elemento propulsor da atividade econômica A Lei de Locação traz como finalidade da lei a proteção ao fundo de comércio, também conhecido como estabelecimento. O Código Civil traz o estabelecimento como sendo um atributo exclusivo do empresário e da sociedade empresária no exercício de sua empresa. Nada obstante, percebe-se que a renovatória não objetiva proteger o estabelecimento, mas sim um de seus elementos analisado individualmente. O ponto é apenas um dos tantos elementos que compõem o estabelecimento, e como os demais elementos pode ter existência própria, ou seja, sua existência não depende da configuração do estabelecimento, podendo ele existir independente deste. Este, nada mais é do que o conjunto de bens, corpóreos (mercadorias, mobiliários, utensílios, máquinas, veículos) e incorpóreos (bens industriais, o nome empresarial e seus acessórios, como o título de estabelecimento), utilizados pelo empresário no exercício de sua empresa. Porém, o ponto, diferentemente do estabelecimento, não é peculiar àqueles que exercem uma empresa. Pode ele ser constituído por todo e qualquer agente econômico, desde que este se valha 9 da localização como componente atuante no desempenho de sua atividade. O que determina a sua existência é a notoriedade, o reconhecimento do local onde é desenvolvida a atividade. Notoriedade essa alcançada pelos esforços realizados por aquele que exerce atividade econômica no local. De tal modo, passa-se a admitir no exercício da atividade econômica organizada como um todo a existência do ponto, fator que a dita lei veio proteger, de sorte que a proteção legal em questão se aplicaria a todos que exercem atividade econômica e não apenas às atividades empresariais, já que o que está em jogo é o ponto constituído e sua relevância. A proteção ao ponto se deve à necessidade de garantir ao que exerce atividade econômica a clientela angariada ao longo de seu trabalho, a ponto de outorgar ao locatário, em determinadas circunstâncias, quase que um direito real sobre um imóvel que não é de sua propriedade. “Quase” porque não é objetivo da lei atribuir um direito real ao locatário, mas apenas regular a relação jurídica locativa conforme o princípio da equidade, de maneira a ampliar os poderes do locatário e limitar os do locador, visando o equilíbrio da relação. “O objetivo da lei não é assim a composição de um conflito entre duas propriedades – a imobiliária e a comercial; e sim a composição de duas pretensões, a do locador e a do locatário” (BUZAID, 1988a, p.135). Visa-se a estabilidade do locatário com a proteção do ponto ou seja, assegurar a tranqüilidade do locatário, a continuidade no aproveitamento do imóvel, a estabilidade nas relações. A renovação visa garantir nada mais do que o ponto. Para Alfredo Buzaid (1988a, p.80) o fundamento da ação renovatória está no bem comum, na utilização da propriedade em benefício de interesses e conveniências gerais (Constituição Federal artigo 170, III). Quando a Lei de Locações protege a permanência no ponto ela tutela não apenas os transtornos e despesas com as mudanças, mas, principalmente, visa proteger a continuidade da atividade econômica nas mesmas condições que ela vinha sendo praticada, reduzindo a possibilidade de prejuízos ou redução no faturamento em função da mudança de localização do negócio, ou seja, a perda da clientela. Fábio Ulhoa Coelho (2002, p.103) denomina esse direito de permanência do empresário no local onde se encontra de “direito de inerência ao ponto”. O ponto se destaca da propriedade do imóvel, pois o ponto pertence ao agente econômico locatário. Ocorria que depois de investirem grandes somas na adaptação do prédio e em propaganda, e após um trabalho árduo para a formação de uma clientela, o que valorizava o 10 ponto, os agentes econômicos eram surpreendidos pelos locadores que para renovar a locação faziam exigências absurdas, tendo os locatários que se dobrar às exigências daqueles para não perder o imóvel, assim o locador e o proprietário do imóvel se beneficiam do trabalho do locatário, não sendo justo atribuir ao locador tal quota de enriquecimento em prejuízo daquele que criou o sobrevalor do imóvel (o locatário). Havia um verdadeiro enriquecimento sem causa do locador, às custas do trabalho e dos investimentos do locatário, além de dar margem ao abuso de direito. Os empresários que não gozam da proteção A casuística no tratamento do tema em questão é muito importante, pois visto que a proteção se deve à existência de um ponto, torna-se necessário uma aferição da relevância do ponto no exercício da atividade. Conforme pensamento de Fernando A. Albino de Oliveira (PINTO; OLIVEIRA, 1991, p.63): o direito ao ponto só deve ser objeto de proteção jurídica quando se chega à conclusão que a clientela do comerciante está a ele ligada, em maio ou menor grau. Se é ele um elemento determinante para captar clientela, deve ser bem protegido. Caso contrário, ainda que o ponto constitua um elemento integrante do fundo de comércio, não deve ser objeto de proteção específica para dar direito ao comerciante à renovação automática de um contrato de locação, por se entender que não está ali o elemento fundamental que capta a clientela do comerciante e que, portanto, é necessário para a continuidade, em igualdade de condições, da sua atividade comercial. Exemplo comum da irrelevância do ponto é o das lojas virtuais em que sequer é dado ao consumidor o conhecimento da localização da loja. Não seria sensato dispensar tal proteção, limitando, inclusive o direito de propriedade alheio, uma vez que a localização do negócio não é essencial ao bom desempenho de suas atividades. Sendo que a proteção só se justifica se por algum motivo o ponto está ligado ao resultado obtido no exercício de sua atividade. É importante que não se deixe de lado princípios tão relevantes como o da igualdade, o da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas e o da justiça. Agentes econômicos excluídos dogmaticamente do conceito de empresário 11 De acordo com o Código Civil, a atividade de produção ou circulação de bens ou serviços pode ser exercida por empresário e por não-empresário. Considera-se que o não-empresário pode ser pessoa física, designada profissional intelectual ou empresário rural, ou pessoa jurídica (as sociedade simples, cooperativa, a associação e a fundação). Desta forma, repito que o exercício da atividade de produção ou circulação de bens ou serviços não está adstrito apenas à iniciativa do empresário (sociedades empresárias e empresário individual). Ainda que a sociedade empresária seja a pessoa de maior vulto na organização da produção ou circulação de bens ou serviços, não se pode menosprezar ou diminuir a importância das cooperativas, sociedades simples, fundações e associações, posto que essas pessoas jurídicas possuem movimento econômico considerável e exercem atividades que geram milhões de empregos. Ademais, a estrutura organizacional dessas pessoas jurídicas não se difere da estrutura empresarial e, embora não constituam empresa, muitas delas atuam no mesmo ramo de atividade do empresário, razão pela qual são exigidas maiores reflexões dos operadores do Direito sobre o regime jurídico dessas pessoas consideradas não-empresários. O legislador excluiu expressamente da compreensão do que seja empresário pessoas que estariam compreendidas como tal, apesar de possuírem todos os atributos necessários à tipologia. De maneira que a análise da proteção jurídica destinada ao locatário que exerce de atividade econômica não deve seguir a classificação dogmática imposta pelo Código Civil. Algumas atividades de produção ou circulação de bens ou serviços podem ser exercidas por diferentes pessoas (física ou jurídica), sejam elas empresárias ou não. Portanto, não deve o profissional intelectual, apenas porque o Código Civil não considera empresário "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa" (artigo 966, parágrafo único, Código Civil), deixar de fazer jus a uma tutela legal que se relaciona ao exercício de uma atividade econômica cujo ponto é relevante. 12 Atividade econômica por não empresário. Proteção. A atividade econômica, conforme já visto, pode ser exercida por não empresários, seja na forma de sociedades simples (cooperativa e sociedade simples), associação, fundação, ou ainda na figura do profissional liberal autônomo (pessoa física individual). Entende-se que a lei considera simples a sociedade a qual tem por objeto o exercício de atividade que não é própria de empresário, portanto, simples é a sociedade que tem por objeto o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística. Quanto ao profissional liberal, sua proteção está contida na finalidade da Lei uma vez que possui o profissional liberal o elemento que justifica essa proteção, o ponto. Nada impede que o trabalho autônomo seja exercido de maneira organizada e visando o lucro. A única distinção que poderia ser feita entre a clientela do profissional liberal e a de uma pessoa jurídica se deve ao caráter de confiança pessoal da relação, no caso do profissional liberal, o que faz com que a maioria da doutrina se posicione no sentido de não estender essa proteção a estes. Apesar de a clientela não constituir um elemento do estabelecimento, pois não há como ela ser objeto de direito, resta claro que ela está sendo protegida e garantida através da proteção ao ponto, entre outras. Aliás, ela é a principal razão da tutela ao ponto. A clientela é quem propicia o exercício de qualquer atividade econômica com fins lucrativos. Daí sua importância Todavia, convém uma reflexão, pois o caráter pessoal das relações tem se reduzido a cada dia, tornando as relações cada vez mais impessoais. Exemplo comum é o que tem ocorrido com os médicos conveniados a Planos de Saúde; com os convênios médicos os paciente passam a escolher seus médicos em função de sua localização através dos catálogos de profissionais credenciados, escolhendo assim aquele que se encontram mais acessíveis em termo de localização. Portanto, acredita-se, em virtude dessa redução na confiança pessoal, que deve ser feita uma análise mais particularizada da relevância do ponto no exercício da atividade desses profissionais. (SOUZA, 2001). Conforme Sylvio Capanema de Souza (2001, p.337), inclusive, “a lei perdeu excelente oportunidade para se modernizar, ampliando aos profissionais liberais a mesma proteção, desde que presentes as condições do art. 51.” 13 Sugere-se que o melhor critério a ser adotado para a concessão do direito em discussão passa a ser o da existência de uma atividade econômica e do ponto, que conforme visto é o objeto de proteção da lei, tirando a relevância da natureza da sociedade. Conclusão Diante do exposto, pode-se perceber que O alvo da lei é o ponto. Portanto, essa proteção acaba por açambarcar o estabelecimento já que o ponto faz parte dele. Diante da importância do instrumento jurídico da locação na vida dos negócios, fez-se necessária uma regulamentação especial para esse tipo de locação. Por meio da tutela ao ponto, muitas vezes crucial para o sucesso do negócio, busca-se proteger o não apenas o estabelecimento, mas também a clientela e o trabalho do locatário. A localização reflete, em alguns casos, na própria sobrevivência da atividade. Ademais, há que se coibir o enriquecimento ilícito e o abuso de direito por parte do locador. È notório que a economia moderna está moldada em torno da atividade econômica, baseada nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. A atividade econômica passa a exercer relevante função social já que é através dela que se permite alcançar alguns princípios constitucionais como o pleno emprego, redução das desigualdades, através de uma maior circulação das riquezas e geração de renda para o Estado através dos tributos arrecadados. Por isso a importância de uma tutela especial ao exercício da atividade econômica, com a preservação desta e não apenas da empresa. Embora a atividade empresarial seja a de maior vulto na ordem econômica, não se pode perder de vista que mesmo a legislação determina que a atividade de produção ou circulação de bens ou serviços pode ser exercida por empresário e por não-empresário. Não existindo elemento que justifique tratamento diferenciado entre eles, há que prevalecer princípios capitais como o da igualdade, o da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas e o da justiça. Destarte, propõe-se que o tratamento jurídico dispensado pela Lei de Locação deve ser analisado através de uma interpretação mais finalista, partindo de uma concepção a respeito do que o legislador visou proteger por meio da renovatória, atendendo o sentido social da norma jurídica. 14 Posto que o que condiciona essa proteção é a configuração do ponto (e não do estabelecimento), a casuística é indispensável a uma melhor análise para concessão da renovação compulsória do contrato de locação. Configurado o ponto deve ser protegido independente da natureza do agente econômico Não sendo o ponto determinante, não há que se falar de proteção a este, ainda que a atividade seja exercida por empresário. 15 REFERÊNCIAS AGHIARIAN, Hércules. Curso de Direito Imobiliário. 4 ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003. BARBOSA, Mário Figueiredo. Valor da clientela no fundo de comércio. 2 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: RCJ Edições Jurídicas, 1999. BARRETO FILHO, Oscar. 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