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Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
LL.M. em Direito Societário e LL.M. em Direito dos Contratos
Letícia Lucas Leite
ASPECTOS SOCIETÁRIOS E CONTRATUAIS DO
CONTRATO DE MÚTUO INTERCOMPANY
São Paulo
2013
Letícia Lucas Leite
Aspectos societários e contratuais do
contrato de mútuo intercompany
Monografia apresentada aos cursos LL.M. em
Direito Societário e LL.M. em Direito dos
Contratos, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Pós-Graduação Lato
Sensu pelo Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa.
Orientador: Prof. Dr. André Antunes Soares de
Camargo
Leite, Letícia Lucas
Aspectos societários e contratuais do contrato de mútuo intercompany/ Letícia
Lucas Leite; orientador Prof. Dr. André Antunes Soares de Camargo. – São Paulo: Insper,
2013.
118 f.
Monografia (LL.M. em Direito Societário e LL.M. em Direito dos Contratos).
Programa de pós-graduação lato sensu em Direito. Área de concentração: LL.M. em Direito
Societário e LL.M. em Direito dos Contratos – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
1. Mútuo intercompany 2. Grupo de sociedades 3. Financiamento das atividades
sociais.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Letícia Lucas Leite
Aspectos societários e contratuais do contrato de mútuo intercompany
Monografia apresentada aos cursos LL.M. em
Direito Societário e LL.M. em Direito dos
Contratos, Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa, como requisito parcial para a
obtenção do título de pós-graduação lato sensu
em Direito. Área de concentração: Direito
Societário e Direito dos Contratos
Aprovada em: ______________
Banca examinadora
Prof. Dr. André Antunes Soares de Camargo
Instituição: Insper
Assinatura: __________________
__________________________
Instituição:
Assinatura: __________________
__________________________
Instituição:
Assinatura: __________________
__________________________
Instituição:
Assinatura: __________________
__________________________
Instituição:
Assinatura: __________________
Resumo
LEITE, Letícia Lucas. Título da Monografia: Aspectos societários e contratuais do
contrato de mútuo intercompany. São Paulo, 2013. 118 p. LL.M. em Direito Societário
e LL.M. em Direito dos Contratos. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
O presente estudo está restrito às operações de empréstimo em dinheiro feitas entre
sociedades pertencentes a um mesmo grupo de sociedades, que, na maioria das vezes,
caracteriza-se como um grupo de fato, e são instrumentalizadas por meio de um contrato
de mútuo comumente denominado de “intercompany loan”. Tais operações são aqui
analisadas sob a ótica da legislação brasileira pertinente. Este estudo, que tem como
foco principal o direito societário e o direito dos contratos, busca delimitar as
circunstâncias e finalidades dessas contratações, bem como seus reflexos, impactos e
riscos nas sociedades envolvidas. Por fim, conclui-se que esse tipo de operação, desde
que adequadamente utilizada, pode ser bastante vantajosa e benéfica ao grupo de
sociedades, visto que proporciona um melhor atendimento às necessidades de
desenvolvimento dos processos de produção e pesquisa, racionaliza a exploração
empresarial, diminui os custos de captação de recursos, uma vez que ocorre entre
sociedades não financeiras, aumenta os lucros, amplia os mercados de atuação, aumenta
o número de consumidores, tornando a sociedade mais competitiva e organizada. No
entanto, há que se observar para que o endividamento da sociedade, via contratos de
mútuo intercompany, não seja excessivo, tampouco o capital social seja insuficiente
para financiar as atividades sociais, pois esse desequilíbrio entre dívida e investimento
pode distorcer a real intenção da escolha por essa forma de financiamento, fazendo
parecer, num cenário de falência, que os interesses da sociedade foram sobrepostos
pelos interesses de suas sócias ou acionistas, que, com a possibilidade de antecipar o
pagamento da dívida, lastreada no mútuo, podem transferir os riscos de seus negócios
aos seus credores sociais.
Palavras-chave: Mútuo intercompany – Grupo de sociedades – Financiamento das
atividades sociais – Direito societário – Direito dos contratos.
Lista de siglas e abreviaturas
ampl.
-
Ampliada
art.
-
Artigo
arts.
-
Artigos
BACEN
-
Banco Central do Brasil
c/c
-
combinado com
CC
-
Código Civil (Lei nᵒ 10.406, de 10/1/2002)
CC/16
-
Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1/1/1916)
CCom
-
Código Comercial (Lei nᵒ 556, de 25/6/1850)
CDB
-
Certificado de Depósito Bancário
CDI
-
Certificado de Depósito Interbancário
CP
-
Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7/12/1940)
CPC
-
Comitê de Pronunciamentos Contábeis
CSLL
-
Contribuição Sobre o Lucro Líquido
CTN
-
Código Tributário Nacional (Lei nᵒ 5.172, de 25/10/1966)
DL
-
Decreto-Lei
ed.
-
Edição
IAS
-
International Accounting Standard
Iasb
-
International Accounting Standard Board
ibid
-
Idem
IFRS
-
International Financial Reporting Standard
Insper
-
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
IRPJ
-
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica
JSCP
-
Juros Sobre o Capital Próprio
LC
-
Lei Complementar
LRB
-
Lei da Reforma Bancária (Lei nº 4.595, de 31/12/1964)
LREF
-
Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nᵒ 11.101, de
09/2/2005)
LSA
-
Lei das Sociedades por Ações (Lei nᵒ 6.404, de 15/12/1976)
MP
-
Medida Provisória
nº
-
Número
nºs
-
Números
op. cit.
-
obra citada
p.
-
Página
reimpr.
-
Reimpressão
Res.
-
Resolução
REsp
-
Recurso Especial
rev.
-
Revisada
RFB
-
Receita Federal do Brasil
RIR/99
-
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto-Lei nº 3.000, de
26/3/1999)
SELIC
-
Sistema Especial de Liquidação e Custódia
STF
-
Supremo Tribunal Federal
STJ
-
Superior Tribunal de Justiça
tir.
-
Tiragem
trad.
-
Tradução
USP
-
Universidade de São Paulo
vol.
-
Volume
Sumário
Introdução..................................................................................................
9
1.
Mútuo intercompany no direito brasileiro..................................................
19
1.1.
Financiamento das atividades sociais pelas sócias ou acionistas................
31
1.1.1.
Aumento de capital social...........................................................................
35
1.1.2.
Mútuo intercompany...................................................................................
41
2.
Aspectos societários....................................................................................
57
2.1.
Relação de controle e participação societária.............................................
61
2.2.
Subcapitalização material e subcapitalização nominal...............................
65
2.3.
Impacto nos resultados das empresas envolvidas e os riscos tributários....
71
2.4.
Visão dos stakeholders................................................................................
74
2.5.
Casos práticos e jurisprudência...................................................................
77
2.6.
Conclusões parciais.....................................................................................
79
3.
Aspectos contratuais...................................................................................
82
3.1.
Remuneração do capital mutuado...............................................................
84
3.2.
Prazo de duração do contrato......................................................................
90
3.3.
Vantagens e desvantagens da operação......................................................
93
3.4.
Penalidades..................................................................................................
95
3.5.
Casos práticos e jurisprudência...................................................................
96
3.6.
Conclusões parciais.....................................................................................
100
Conclusões e propostas .............................................................................
102
Bibliografia.................................................................................................
110
9
Introdução
Nas últimas décadas, tem-se observado um fenômeno econômico e empresarial
de aglutinação de empresas unitárias em grupos de sociedades1, o qual se originou, mais
especificamente, no pós-guerra de 1939 a 1945, em decorrência das significativas
transformações sociais que deram origem à chamada “Terceira Revolução Industrial”.2
Desde então e com a posterior globalização da economia, as sociedades
passaram a se interessar, cada vez mais, em formar grupos de sociedades para melhor
atender às necessidades de desenvolvimento dos processos de produção e pesquisa,
racionalizando, assim, a exploração das atividades sociais3, baixando custos e
aumentando os lucros, o que resultou, ao longo dos anos, na ampliação dos mercados,
no aumento do número de consumidores e no acirramento da concorrência.
A globalização da economia foi e continua sendo um elemento fundamental
“para a concentração econômica e a criação da grande empresa, das sociedades satélites,
das coligadas4, dos grupos de sociedades, das holdings5 e de suas filiais, das
1
“A vinculação de duas ou mais sociedades por relações de participação dá origem a uma estrutura de
sociedades, e quando essa estrutura é hierarquizada (ou seja, uma sociedade tem o poder de controlar as
outras), é designada ‘grupo de sociedades’, que pode ser ‘de fato’ (baseado apenas nas relações de
participação societária e de controle) ou ‘de direito’ (se, além disso, é regulado por uma convenção de
grupo acordada entre as sociedades).” PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Acordo de acionistas sobre
controle de grupo de sociedades. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da
Arbitragem, São Paulo, n. 15, p. 226, 2002
2
Conforme: ARAÚJO NETO, Nabor Batista de. Os grupos econômicos: aspectos fáticos e legais do
moderno fenômeno empresarial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16 (/revista/edicoes/2011), n. 2795
(/revista/edicoes/2011/2/25), 25 (/revista/edicoes/2011/2/25) fev. (/revista/edicoes/2011/2) 2011
(/revista/edicoes/2011). Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/18571>. Acesso em: 11 dez.
2012.
3
“O conceito de atividade foi apropriado pelo Código Civil italiano, há cerca de trinta anos, como
‘conjunto de atos de direito privado unificado sob o plano funcional da unicidade do objetivo’... A
atividade traduzida em comportamento devido impõe o ordenamento jurídico uma disciplina que assume
relevo particular quando o conjunto dos atos tem finalidade econômica. Os que exercem tal atividade,
principalmente nos setores básicos da economia, devem comportar-se consoante disposições normativas
que restringem a liberdade de ação e impõem deveres positivos.” GOMES, Orlando. Em tema de
sociedade anônima. In: WALD, Arnoldo (org.). Direito empresarial: sociedades anônimas. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 3. p. 103-104.
4
Art. 243, LSA – “§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência
significativa.” Art. 1.097, CC – “Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital,
são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes.”
5
“As Holdings (ou Controladoras) são sociedades formadas com o intuito de participar do capital de
outras sociedades, geralmente tendo o controle através de cotas ou ações. A holding não se dedica
10
multinacionais e dos conglomerados”6, ou seja, de várias sociedades sob controle
comum, visto que essa configuração proporciona uma atuação empresarial mais
competitiva e organizada, tanto no aspecto financeiro quanto tecnológico.
O escopo deste estudo destaca no Subcapítulo 1.1. o aspecto financeiro, ou seja,
a forma como a sociedade financia suas atividades sociais e quais são as razões que
levam uma sociedade optar pela contratação de mútuo intercompany e não pelo
tradicional aumento de capital social7, considerando que o capital social é a “mola
propulsora”8 para a realização das atividades sociais.
Busca-se demonstrar os prós e contras dessa opção de financiamento, como
ponto positivo, a rápida alavancagem das atividades sociais por meio de ingresso de
capital para um fim específico, sem, com isso, aumentar a responsabilidade das sócias
ou acionistas9 perante aos credores sociais, e, como ponto negativo, o endividamento
excessivo da sociedade, transferindo o risco, num cenário de falência, aos credores
sociais.
Isso porque, no curso de um processo de falência, esse endividamento excessivo,
proveniente das negociações entre as sociedades do grupo, em contraposição a um
investimento insuficiente para financiar as atividades sociais pode evidenciar a chamada
geralmente à produção de bens e serviços, constituindo-se para manter o controle das diversas empresas
produtoras, conhecidas por subsidiárias.” ASSAF NETO, Alexandre. Estrutura e análise de balanços:
um enfoque econômico financeiro. 8. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 33.
6
WALD, Arnoldo. Caracterização do grupo econômico de fato e suas consequências quanto à
remuneração dos dirigentes de suas diversas sociedades componentes. In: WALD, Arnoldo (org.).
Direito empresarial: sociedades anônimas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 3. p. 338.
7
Art. 170, LSA. “Depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a companhia pode
aumentá-lo mediante subscrição pública ou particular de ações. ... § 5º No aumento de capital observarse-á, se mediante subscrição pública, o disposto no artigo 82, e se mediante subscrição particular, o que a
respeito for deliberado pela assembleia-geral ou pelo conselho de administração, conforme dispuser o
estatuto. § 6º Ao aumento de capital aplica-se, no que couber, o disposto sobre a constituição da
companhia, exceto na parte final do § 2º do artigo 82. § 7º A proposta de aumento do capital deverá
esclarecer qual o critério adotado, nos termos do § 1º deste artigo, justificando pormenorizadamente os
aspectos econômicos que determinaram a sua escolha.”
8
COSTA, Patrícia Barbi. Os mútuos dos sócios e acionistas na falência das sociedades limitadas e
anônimas. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von (Coord.). Temas de direito societário e empresarial
contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 671.
9
Neste estudo, as sócias ou acionistas são, exclusivamente, pessoas jurídicas, mais especificamente
sociedades pertencentes ao mesmo grupo de sociedades, por isso são citadas no gênero feminino.
11
“subcapitalização nominal”10 ou “subcapitalização qualificada”11, formando a convicção
de que a subscrição e a integralização12 de capital social, ora em cheque, é fraudulenta
ou dolosamente insuficiente para a realização das atividades sociais.
Nesse cenário de falência, abrir-se-á uma investigação a fim de se apurar as
razões pelas quais o capital social é insuficiente à realização das atividades sociais,
apurando-se, ainda, a responsabilidade dos administradores13, cujo dever é, entre outros,
o de zelar para que nas operações que envolvam contratações com suas sócias ou
acionistas ou até mesmo com outras sociedades pertencentes ao grupo, sejam
observadas condições estritamente comutativas ou com pagamento compensatório
adequado, conforme estabelece o art. 245 da LSA.14 Tal regra tem por objetivo fazer
com que sejam respeitados os padrões de mercado, evitar a transferência indiscriminada
10
“A subcapitalização nominal ocorre quando a sociedade possui os meios necessários ao exercício da
sua atividade, os quais, contudo, não advêm de seu capital social, tampouco de novas contribuições de
seus sócios ou acionistas mediante aumento de capital social, mas, sim, de mútuos que os próprios sócios
ou acionistas concedem à sociedade. Os sócios e acionistas assumem, nesses casos, a posição de credores
– na qualidade de terceiros – perante a sociedade.” COSTA, op. cit., p. 670.
11
“(...) quando o capital inicial é claramente insuficiente ao cumprimento dos objetivos e da atividade
social e consequentemente o perigo criado pelo(s) sócio(s) no exercício do comércio é suficiente para
caracterizar a responsabilidade.” SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 3. ed.
reformulada. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 186.
12
“A integralização pelos acionistas pode ser feita em direito ou em bens.” ASSAF NETO, op. cit., p. 79.
13
“...a condição de administrador decorre, não de um contrato com a sociedade, mas de um ato jurídico
unilateral, por via do qual se lhe atribui, com os respectivos poderes, a qualidade de órgão da pessoa
jurídica. Conquanto esse ato unilateral, denominado nomeação, tenha a sua eficácia condicionada à
aceitação do nomeado, nem por isso se torna contratual, por quanto ela é simples condição de eficácia.
Desta qualificação técnica resulta que o ato de nomeação pode ser revogado, sem que o nomeado tenha
direito a agir contra a sociedade como se ela fora responsável por inexecução contratual. ... O
administrador, realmente, não se vincula à sociedade pelo contrato de mandato, ou qualquer outro vínculo
de natureza contratual. Não tem responsabilidade, portanto seu fundamento numa relação desse teor,
embora o administrador só se torne responsável quando viole deveres ou obrigações preexistentes. A
violação, consistindo, porém, na infração de dever funcional, deve ser sancionada como se consistisse na
prática de um ilícito civil, e não de uma infração contratual. Até porque, com a posição que ocupa, muitas
infrações do dever funcional constituem delitos dos quais não se pode desinteressar a sociedade, atenta à
circunstância de que sua estrutura econômica descansa fundamentalmente nas sociedades anônimas.”
GOMES, op. cit., p. 109.
14
Art. 245, LSA – “Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer sociedade
coligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre as sociedades, se
houver, observem condições estritamente comutativas, ou com pagamento compensatório adequado; e
respondem perante a companhia pelas perdas e danos resultantes de atos praticados com infração ao
disposto neste artigo.” “A preocupação com os administradores deriva do simples fato de eles terem o
poder de direcionar o negócio. São eles os responsáveis pela conduta diária do negócio, o que fazem por
meio da aplicação de amplos conhecimentos técnicos e um pouco de ‘senso de negócios’ (que envolve
habilidades políticas e de negociação). Por terem as rédeas dos negócios, os administradores sabem,
diariamente, a posição líquida da sociedade.” ARAGÃO, Leandro Santos de. Deveres dos
administradores de sociedades empresárias em dificuldade econômico-financeira: teoria da
deepening insolvency no Brasil. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de
(Coord.). Direito societário – desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 183.
12
de resultados entre sociedades do grupo. Além disso, reforça o dever dos
administradores de observarem critérios de diligência15 e lealdade16 perante a sociedade.
Note que a regra do art. 245 da LSA diz respeito a toda e qualquer contratação
feita pelo grupo de sociedades, no entanto, neste estudo, interessa-nos apenas as
contratações de empréstimo, bem como as razões que levam muitas sociedades a optar
por realizar essas operações dentro de seu grupo de sociedades e não junto a instituições
financeiras17, haja vista que esse tipo de operação integra o objeto social destas últimas,
as quais realizam a intermediação especulativa entre os que dispõem de capitais e
querem aplicá-los e os que necessitam desses capitais e desejam tomá-los
emprestados.18
Nessas operações de mútuo contraídas dentro de um grupo de sociedades, as
chamadas “mútuos intercompany”19, não é vedado que se remunere o capital mediante a
15
Art. 153, LSA – “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o
cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios
negócios.”
16
Art. 155, LSA – “O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os
seus negócios, sendo-lhe vedado: I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para
a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu
cargo; II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de
vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da
companhia; III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou
que esta tencione adquirir. § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo
sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em
razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe
vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda
de valores mobiliários. § 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa
ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança. § 3º A pessoa prejudicada em compra e
venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do
infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação. § 4o É
vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido
acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.”
17
Art. 17, LRB – “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as
pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e
da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer
das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”
18
Conforme: BORBA, José Edwaldo Tavares. Temas de direito comercial. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 155.
19
Mútuos intercompany ou mútuos intragrupo referem-se às operações de empréstimo em dinheiro
firmados entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo de sociedades, que não têm em seu objeto
social a atividade típica das instituições financeiras, ou seja, são empréstimos firmados entre sociedades
não financeiras.
13
aplicação de taxa de juros20, porém, essas taxas não podem ser as mesmas que as
praticadas pelo mercado financeiro, ou melhor, pelas instituições financeiras. Essa
questão está detalhada no Subcapítulo 3.1. do Capítulo 3 deste estudo, o qual demonstra
que a aplicação da taxa de juros, nesse tipo de contratação, é justificável porque a
sociedade que empresta o capital tem disponibilidade de caixa para tanto,
disponibilidade esta que se não fosse objeto de empréstimo seria direcionada a uma
aplicação financeira e, consequentemente, seria remunerada. Portanto, o referencial a
ser considerado para a remuneração do capital emprestado deve ser aquele que seria
alcançado em uma aplicação financeira, já que aqui o empréstimo à outra sociedade do
grupo, seja por prazo determinado ou indeterminado, representa uma alternativa de
aplicação, para a qual deve haver o pagamento compensatório adequado.
Esse tipo de operação financeira, com esse referencial de remuneração, é
bastante comum e tem motivação especial na colaboração recíproca fundada na
integração de comando na correlação de interesses, que resultam do vínculo de controle
20
“Taxa de juros é a razão entre os juros recebidos (ou pagos) no final de um certo período de tempo e o
capital inicialmente aplicado (ou emprestado).” VIEIRA SOBRINHO, José Dutra. Matemática
financeira. 7. ed. 9. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 20.
14
e participação, estando aí incluídas a coligada, a controlada21, a controladora22, a
subsidiária integral23 e a subsidiária não integral.
Este trabalho demonstra no Capítulo 1 que, atualmente, não há legislação
específica sobre mútuo intercompany, tal como existia quando da vigência do art. 349
do CCom24, que teve a Parte Primeira revogada pelo atual CC,25 nem livros específicos
tanto de Direito Societário quanto de Direito dos Contratos que tratem desse tema,
embora esse tipo de operação financeira seja amplamente utilizada. Dessa forma, para
se analisar o mútuo intercompany foi preciso recorrer aos seguintes institutos: (i) arts.
586 a 592 do CC, que disciplinam os contratos de mútuo; (ii) art. 245 da LSA, que veda
o favorecimento de uma sociedade em prejuízo de outra; (iii) art. 17 da LRB, que define
instituições financeiras; (iv) LC nº 105/2001, que define as entidades classificadas como
21
Art. 243, LSA – “§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou
através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente,
preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.” Art. 1.098,
CC – “É controlada: I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas
deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; II - a
sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou
quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.”
22
Art. 116, LSA – “Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de
pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que
lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder
de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as
atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista
controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função
social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos diretos e interesses deve lealmente respeitar e
atender.” “A lei societária reconhece no acionista controlador o verdadeiro dirigente dos negócios
sociais, ou seja, aquele que manifesta a vontade prevalecente nas votações das assembleias gerais e na
eleição dos administradores da companhia. É controlador quem, de fato, determina a condução das
atividades da sociedade. Assim, a caracterização do acionista controlador não prescinde da circunstância
fática de que ele efetivamente exerça o controle. Ou seja, além de ser titular dos direitos de sócio que lhe
permitam dirigir ou eleger quem irá dirigir a companhia, o controlador deve efetivamente dirigi-la ou
eleger a maioria dos administradores.” EIZIRIK, Nelson. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MOURA
AZEVEDO, Luis André N. de (Coord.). Poder de controle e outros temas de direito societário e
mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 180.
23
“Há ainda a possibilidade de ligação entre sociedades corresponder ao controle total, isto é, uma
sociedade detém todas as ações de outra, surgindo a sociedade unipessoal ou, na denominação do art. 251,
a subsidiária integral. A disciplina, contudo, limita-se a tratar da formação da subsidiária, cuja única
acionista deve ser uma sociedade brasileira.” PRADO, Viviane Muller. Conflito de interesses nos
grupos societários. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 138. “A subsidiária integral, tendo por único
acionista a sociedade que a controla, não dispõe de acionistas minoritários.” BORBA, op. cit., p. 164.
24
Art. 349, CCom – “Nenhum sócio pode exigir que se lhe entregue o seu dividendo enquanto o passivo
da sociedade se não achar todo pago, ou se tiver depositado quantia suficiente para os pagamentos; mas
poderá requerer o depósito das quantias que se forem apurando. Esta disposição não compreende aqueles
sócios que tiverem feito empréstimo à sociedade, os quais devem ser pagos das quantias mutuadas pela
mesma forma que os outros quaisquer credores.”
25
Conforme: COSTA, op. cit., p. 675.
15
instituições financeiras; (v) arts. 83, VIII e 153 da LREF, que tratam dos créditos
subordinados na falência e do saldo remanescente da sociedade após o pagamento das
garantias de todos os credores; (vi) art. 186, parágrafo único do CTN, que dispõe que na
falência a multa tributária prefere aos créditos subordinados; e (vii) entre outros
dispositivos pertinentes citados ao longo deste estudo.
Dada a pertinência do tema, face ao efervescente cenário de contratações
intragrupo, mister se faz analisar os aspectos societários e contratuais dessa atuação
financeira, tais como: (i) tipo de operação mais interessante para financiar a atividade
social (aumento de capital ou o mútuo intercompany); (ii) razões que levam as sócias ou
acionistas a decidirem a forma de investimento; (iii) vantagens e desvantagens de cada
uma delas; (iv) em que bases esses investimentos26 podem ser realizados; (v) tipos de
contratos; (vi) aspectos contratuais das operações de financiamento; (vii) relação
societária entre as partes contratantes; (viii) impacto nos resultados das sociedades
envolvidas e os riscos tributários; (ix) forma como esses recursos são tributados; (x) de
que forma essa operação pode afetar os stakeholders27; (xi) taxa de juros; (xii) prazo de
duração; e (xiii) penalidades.
Além disso, um dos principais pilares desse estudo é a demonstração de que o
mútuo intercompany pode ser bastante benéfico para a sociedade. Para tanto, faz-se
necessário que seja: (i) respeitada a relação financeira entre as sociedades do grupo; (ii)
preservados os interesses da sociedade mutuária, os quais não podem ser sobrepostos
pelos interesses de suas sócias ou acionistas; (iii) respeitados os direitos dos credores da
sociedade mutuária; e (iv) atendidos os requisitos, registros contábeis e demais preceitos
26
“Investimentos: recursos para financiar imobilizações (instalações, máquinas, equipamentos e
veículos), visando aumento da capacidade produtiva das empresas.” SANTOS, José Odálio dos. Análise
de crédito: empresas, pessoas físicas, varejo, agronegócio e pecuária. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 10.
27
“Relacionamento com as partes interessadas (stakeholders). As partes interessadas são indivíduos ou
entidades que assumem algum tipo de risco, direto ou indireto, relacionado à atividade da organização.
São elas, além dos sócios, os empregados, clientes, fornecedores, credores, governo, comunidades do
entorno das unidades operacionais, entre outras. O diretor-presidente e os demais diretores devem garantir
um relacionamento transparente e de longo prazo com as partes interessadas e definir a estratégia de
comunicação com esses públicos.” Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa.
IBGC
Instituto
Brasileiro
de
Governança
Corporativa.
Disponível
em:
<http://www.ibgc.org.br/CodigoMelhoresPraticas.aspx>. Acesso em: 01 dez. 2013.
16
da legislação societária, contratual e regulatória, neste último caso, quando pelo menos
uma das partes contratantes, estiver sediada no exterior.
Em contraposição ao acima exposto, este estudo demonstra também em que
circunstância o mútuo intercompany poderá ser maléfico para a sociedade mutuária, isto
é, quando for verificada a subcapitalização nominal, ou seja, quando for celebrado
contrato de mútuo estando o capital social fraudulenta ou dolosamente abaixo do valor
necessário para a realização do objeto social, caso em que a sociedade estará sujeita a
aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica28 no interesse dos
credores29 ou à reclassificação dos créditos como capital próprio.
Dessa forma, para que as operações de mútuo intercompany sejam perfeitamente
lícitas e benéficas para o grupo e para os stakeholders, deve-se evitar: (i) o
favorecimento de uma sociedade em desfavor de outra; (ii) a transferência de resultados
entre empresas, seja para ampliar seja para restringir, pois isso afeta os minoritários, seu
patrimônio, seus dividendos, bem como os administradores e empregados com direito a
participação nos lucros ou resultados da empresa sacrificada, além de alarmar o Fisco30
no caso de se verificar deformações substanciais no resultado fiscal das sociedades do
grupo, sob alegação de transferência ou omissão; e (iii) o endividamento excessivo.
28
“A desconsideração ocorre quando há fraude ou abuso do privilégio legal de empreender atividades
com patrimônios distintos. A personalidade jurídica existe, pois, como técnica de limitação de
responsabilidade, mas dentro das condições da lei, naturalmente. Quando se busca o responsável ulterior
pela companhia, estão envolvidos os direitos dos credores ou terceiros. Não estamos mais diante das
relações diretas – como a de acionistas entre si, ou com a própria companhia – mas de laços jurídicos
originalmente existentes entre os terceiros e a sociedade. A desconsideração é a maneira de ligar
diretamente o acionista ao credor da sociedade,...” LOPES, José Reinaldo de Lima. O acionista
controlador na lei das sociedades por ações. In: WALD, Arnoldo (Org.). Direito empresarial:
sociedades anônimas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, v.3. p. 770. “Tem-se denominado
desconsideração da personalidade jurídica a suspensão temporária dessa personificação, em determinado
caso concreto, atribuindo-se aos seus sócios ou administradores as relações que inicialmente seriam
imputadas à pessoa jurídica. Não se trata de uma despersonalização, ou seja, do desaparecimento da
pessoa jurídica como sujeito autônomo de direito, como ocorreria, por exemplo, nos casos de invalidade
de seu contrato social ou de sua dissolução. A desconsideração repercute apenas em uma situação
específica, permanecendo a pessoa jurídica como sujeito autônomo em relação aos demais atos.”
ROSSETTI, Maristela Sabbag Abla. Análise da aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica à sociedade anônima. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO,
Leandro Santos de (coord.). Sociedade Anônima – 30 anos da lei 6.404/76. São Paulo: Quartier Latin,
2007. p. 394-395.
29
Conforme: COSTA, op. cit., p. 670.
30
O termo Fisco refere-se, em geral, ao Estado enquanto gestor do Tesouro Público, no que diz respeito a
questões relacionadas com actividades financeiras, tributária, econômicas e patrimoniais.
17
Neste trabalho não é tratado com profundidade o tema do mútuo em geral, pois
este estudo está restrito ao mútuo intercompany, em seus aspectos societários e
contratuais. Já os aspectos falimentares são abordados, apenas no que couber, para
demonstrar os créditos passíveis de serem habilitados na falência, para satisfação das
garantias dos credores.
Vale ressaltar que não há aqui uma discussão do tema no direito comparado31,
mas apenas algumas citações de como esse assunto é tratado em outros países, visto que
o objetivo da reflexão é, especificamente, o direito brasileiro.
Para tanto, foram analisadas a legislação e da doutrina societária e contratual
brasileiras acerca de tipos de operações de financiamento de atividades sociais dentro de
um mesmo grupo de sociedades, com base em consultas na biblioteca do Insper de
obras nacionais de direito societário, contratual, tributário e falimentar, publicadas em
formato impresso/físico ou digital para downloads, bem como outras monografias sobre
o tema, incluindo-se, ainda, publicações especializadas, periódicos e buscas na Internet.
Para melhor ilustrar a questão da necessidade de investimentos por meio de
celebração de contrato de mútuo e não de aumento de capital, nos Subcapítulos 2.5. e
3.5. alguns casos concretos levados ao Judiciário corroboram com essa análise.
Resumidamente, este trabalho foi estruturado da seguinte maneira: (i) no
Capítulo 1 abordamos: (a) o mútuo intercompany no direito brasileiro, descrevendo,
historicamente, como é amparado pela legislação e pela doutrina, bem como as partes
envolvidas nesse tipo de negociação; (b) a forma pela qual as atividades sociais podem
ser financiadas, por suas sócias ou acionistas, pertencentes ao mesmo grupo de
sociedades; (c) a preferência e a motivação das sócias ou acionistas em financiar as
atividades sociais por meio de contrato mútuo e não por aumento de capital social; e (d)
a ampla e crescente utilização do mútuo intercompany por grupos de sociedades para
31
Direito comparado é o estudo das diferenças e semelhanças entre a lei de diferentes países.
18
alavancar os negócios sociais; (ii) no Capítulo 2 tratamos: (a) dos aspectos societários
da operação de mútuo intercompany, enumerando quais podem ser as partes
contratantes e em que base essa operação pode ser contratada; (b) do financiamento
feito de forma inadequada, o que pode configurar a subcapitalização material ou
nominal; (c) do impacto da forma de financiamento escolhida nos resultados das
sociedades envolvidas e dos riscos tributários a que estão sujeitas; e (d) da forma como
os stakeholders veem essa operação; e (iii) no Capítulo 3 delineamos: (a) os aspectos
contratuais, partindo da autonomia da vontade e de sua declaração, bem como os
direitos e obrigações a que as partes estão restritas; (b) a forma de remuneração do
capital mutuado e sua justificação; (c) o prazo pelo qual as partes estão dispostas a
manter o endividamento e de que forma isso afeta a sua contabilização; (d) as vantagens
e desvantagens da operação de financiamento via mútuo intercompany; e (e) as
penalidades a que as partes podem estar sujeitas.
Por fim, partindo das conclusões parciais, alcançadas nos Capítulos 2 e 3 deste
trabalho, busca-se, defender a posição de que a operação financeira, lastreada no mútuo
intercompany, desde que adequadamente utilizada, pode ser bastante vantajosa e
benéfica ao grupo de sociedades, podendo, inclusive, salvar a sociedade de um processo
de falência, uma vez que esse financiamento objetiva tornar a sociedade mais eficiente e
competitiva, o que, consequentemente, tem o condão de reduzir custos, elevar
rendimentos e melhorar a qualidade tecnológica de produtos e/ou serviços. Daí a
pertinência do tema.
19
1. Mútuo intercompany no direito brasileiro
Como mencionado na Introdução deste trabalho, no direito brasileiro havia um
único dispositivo que abordava o mútuo intercompany, o art. 349 do CCom, porém este
foi revogado pelo atual CC, que entrou em vigor em janeiro de 2003, revogando tanto o
CC/16 até então vigente quanto a Parte Primeira do citado CCom.
Com base no revogado art. 349, as sócias ou acionistas que concedessem
empréstimos, na qualidade de terceiros, à sociedade não podiam exigir, num cenário de
falência, que os créditos relativos às quantias mutuadas fossem pagos antes do
pagamento dos créditos dos demais credores sociais, devendo elas (sócias ou acionistas)
recebê-los em igualdade de condições com os demais credores sociais. O objetivo desse
dispositivo era o de não permitir que as sócias ou acionistas da sociedade, fossem elas
sociedades coligada, controladora ou controlada, tivessem privilégio no recebimento de
seus créditos. Esse entendimento era complementado pelo art. 245 da LSA, que
determina que os administradores da sociedade devam zelar para que as operações entre
as sociedades do grupo observem condições estritamente comutativas ou com
pagamento compensatório adequado, podendo, inclusive, os administradores serem
responsabilizados perante a sociedade por perdas e danos resultantes de atos praticados
em desobediência a essa previsão legal.
Vale ressaltar que os “...administradores são órgãos permanentes da sociedade;
são os gestores do patrimônio social.”32 Logo, o administrador que não cumprir com
seus deveres, dentre os quais o citado acima, com todas as formalidades que lhe são
peculiares, incorre em conduta criminosa tipificada no inciso I do art. 177 do CP,
quando for verificada, por exemplo, “...a contratação de empréstimo à sociedade ou uso,
em proveito próprio ou de terceiros, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização
da assembleia geral.”33
32
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. atual. por Ricardo
Negrão. Campinas: Bookseller, 2000. v. 1. p. 50.
33
CAMARGO, op. cit., 141.
20
Após a revogação do citado art. 349 do CCom, o parâmetro utilizado pelos
advogados e magistrados para melhor compreender e disciplinar a questão da
classificação dos créditos oriundos do mútuo intercompany passou a ser, a partir de
2005, a LREF que inseriu em seu art. 83, inciso VIII34, a classe dos créditos
subordinados35, enquadrando-se aí os créditos que as sócias ou acionistas, sem vínculo
empregatício e na qualidade de terceiros, tenham contra a sociedade. Nesse sentido,
leciona Sérgio Campinho:
São subordinados os créditos que os sócios e os administradores sem
vínculo de emprego com a sociedade falida desfrutam em face da
pessoa jurídica, além daqueles que por lei ou contrato venham assim
previstos...36
Note que a redação do inciso VIII do art. 83 da LREF em nada contradiz o
revogado art. 349 do CCom, tampouco imprimi qualquer controvérsia à legislação
aplicável, especialmente no tocante ao art. 245 da LSA, visto que seguiu no mesmo
sentido de não dar às sócias ou acionistas da sociedade qualquer privilégio.
Esse privilégio, com que a legislação tanto se preocupa, diz respeito à prática
ilícita de favorecimento de uma das partes envolvidas na contratação (também chamada
de “parte relacionada”37), o que configura uma das modalidades do exercício abusivo do
34
Art. 83, LREF – “A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: ... VIII – os
créditos subordinados, a saber: ... b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo
empregatício.”
35
“... abrange os créditos cujo pagamento somente pode ser feito após a satisfação integral dos credores
da falida, inclusive dos juros posteriores à massa.” COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de
falências e de recuperação de empresas: (lei n. 11.101, de 9.2.2005). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
228.
36
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o regime da insolvência empresarial. 6.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 431-432.
37
“Parte relacionada é a parte que está relacionada com a entidade: (a) direta ou indiretamente por meio
de um ou mais intermediários, quando a parte: (i) controlar, for controlada por, ou estiver sob o controle
comum da entidade (isso inclui controladoras ou controladas); (ii) tiver interesse na entidade que lhe
confira influência significativa sobre a entidade; ou (iii) tiver controle conjunto sobre a entidade; (b) se
for coligada da entidade; (c) se for joint venture (empreendimento conjunto) em que a entidade seja um
investidor; (d) se for membro do pessoal-chave da administração da entidade ou de sua controladora; (e)
se for membro próximo da família ou de qualquer pessoa referido nas alíneas (a) ou (d); (f) se for
entidade controlada, controlada em conjunto ou significativamente influenciada por, ou em que o poder
de voto significativo nessa entidade reside em, direta ou indiretamente, qualquer pessoa referida nas
21
poder de controle38, assunto que será tratado com mais profundidade no Subcapítulo
2.1.
No tocante exclusivamente à legislação, não há qualquer proibição jurídica à
celebração de transações entre partes relacionadas39, o que existem são limitações,
recomendações e penalidades específicas, dentre as quais estão o conflito de interesses40
e a vedação à participação recíproca41.
De modo a fazer com que essas limitações e recomendações sejam respeitadas, a
CVM tem analisado alguns casos que suscitaram questionamento. O foco da CVM
nessa análise é verificar se as transações entre partes relacionadas foram realizadas em
condições estritamente comutativas ou com pagamento compensatório adequado, se
houve menção dessas transações em notas explicativas42 de demonstrações financeiras e
se houve ou não falta de diligência dos administradores.
alíneas (d) ou (e); ou (g) se for plano de benefícios pós-emprego para benefício dos empregados da
entidade, ou de qualquer entidade que seja parte relacionada dessa entidade.” Comitê de Pronunciamentos
Contábeis – CPC sobre divulgação de partes relacionadas. “Parte relacionada é a pessoa ou a entidade
que está relacionada com a entidade que está elaborando suas demonstrações contábeis (neste
Pronunciamento Técnico, tratada como ‘entidade que reporta a informação’).” Deliberação CVM nº 642,
de 7/10/2010, que aprova o Pronunciamento Técnico CPC 05(R1) do Comitê de Pronunciamentos
Contábeis – CPC sobre divulgação de partes relacionadas.
38
Art. 117, LSA – “§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: ... f) contratar com a companhia,
diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de
favorecimento ou não equitativas;...”
39
Conforme: FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Conflito de interesses: formal ou substancial? Nova
decisão da CVM sobre a questão. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, n. 138, 2002. p. 252.
40
Art. 115, LSA - “§ 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao
laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas
contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou
em que tiver interesse conflitante com o da companhia.” Art. 156, LSA – “É vedado ao administrador
intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como
na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu
impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a
natureza e extensão do seu interesse.” “...uma situação de fato em que se tornam incompatíveis dois
interesses – um, da própria sociedade e outro, do acionista controlador ou administrador...”.
GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Abstenção de voto e conflito de interesses. In KUYVEN, Luiz
Fernando Martins (Coord.). Temas essenciais de direito empresarial – Estudos em homenagem a Modesto
Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 681-692.
41
Art. 244, LSA – “É vedada a participação recíproca entre a companhia e suas coligadas ou
controladas...§ 6º A aquisição de ações ou quotas de que resulte participação recíproca com violação ao
disposto neste artigo importa responsabilidade civil solidária dos administradores da sociedade,
equiparando-se, para efeitos penais, à compra ilegal das próprias ações.”
42
Art. 176, LSA - “§ 4º As demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros quadros
analíticos ou demonstrações contábeis necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos
22
Antes da vigência da Lei nº 11.638, de 28/12/2007, que regulou as regras
contábeis e acolheu o IFRS elaborado pelo Iasb, a CVM, como órgão regulador do
mercado de capitais brasileiro, visando a proteção daqueles que se valem das
demonstrações financeiras (em especial, os acionistas minoritários), colocou em vigor a
Deliberação CVM nº 26/86. Mais tarde, em 2002, editou uma cartilha com
recomendações sobre boas práticas de governança corporativa. Já em 2006, a CVM
editou o Ofício-Circular nº 1, dando orientações detalhadas sobre a elaboração de
informações contábeis pelas sociedades por ações de capital aberto. Depois da citada
Lei nº 11.638, o Brasil (e vários outros países) aderiu às chamadas normas
internacionais de contabilidade, que trouxe um conjunto único de normas, melhorando a
qualidade da informação sobre o desempenho empresarial e os fluxos de caixa
esperados, reduzindo, assim, o custo de capital.43
Nessa mesma linha, o CPC, aprovou o Pronunciamento Técnico CPC nº 5,
visando aproximar as nossas regras às normas internacionais de contabilidade do Iasb,
as quais foram aprovadas integralmente pela CVM através da Deliberação CVM nº
560/08, revogando totalmente a Deliberação nº 26/86. Mais tarde, a Deliberação CVM
nº 560/08 foi totalmente revogada pela Deliberação CVM nº 642/10, que aprovou o
CPC 05(R1)44.
resultados do exercício.” Art. 177, LSA – “§ 3o As demonstrações financeiras das companhias abertas
observarão, ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente
submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados.” “... notas explicativas que são
informações complementares às demonstrações contábeis, representando parte integrante das mesmas.
Podem estar expressas tanto na forma descritiva como na forma de quadros analíticos ou mesmo englobar
outras demonstrações contábeis que forem necessárias ao melhor e mais completo esclarecimento dos
resultados e da situação financeira da empresa, tais como demonstração do valor adicionado,
demonstração de fluxos de caixa e declarações contáveis em moeda constante. As notas podem ser usadas
para descrever práticas contábeis utilizadas pela companhia, para explicações adicionais sobre
determinadas contas ou operações específicas e ainda para composição e detalhes de certas contas. A
utilização de notas para dar composição de constas auxilia também a estética do Balanço, pois se pode
fazer constar dele determinadas contas por seu total, com os detalhes necessários expostos por meio de
uma nota explicativa, como no caso de Estoques, Ativo Imobilizado, Investimentos, Empréstimos e
Financiamentos e outras contas.” IUDÍCIBUS, Sérgio de et al. Manual de contabilidade das sociedades
por ações: aplicável às demais sociedades. 7. ed. 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 453.
43
Conforme: CAMARGO, André Antunes Soares de. Transações entre partes relacionadas: um
desafio regulatório complexo e multidisciplinar. São Paulo: Almedina, 2013. p. 82-87. (Coleção
Insper). passim.
44
Texto completo da regulamentação complementar ao CPC 05(R1) encontra-se disponível em:
<www.cpc.org.br/pronunciamentosIndex.php.> Acesso em 1 dez. 2013.
23
Outros dois pontos levantados na Introdução desse trabalho e que podem ser
interpretados com base no art. 17 da LRB, ao abordar a atividade financeira, estão
diretamente ligados à remuneração do capital mutuado, quais sejam: (i) a legitimidade
para uma sociedade não financeira conceder empréstimo à outra sociedade não
financeira; e (ii) a legitimidade para a cobrança de juros remuneratórios sobre o
empréstimo intercompany concedido pela sociedade não financeira.
No tocante à legitimidade para a concessão de empréstimo, é legítimo que as
sociedades não financeiras o façam, o que não é legítimo é que coletem recursos
financeiros de terceiros para intermediação ou aplicação, ou seja, para a negociação de
créditos, pois essa é uma atividade privativa de instituição financeira, devidamente
autorizada pelo BACEN, conforme observa o antigo consultor jurídico do BACEN,
Wilson do Egito Coelho:
Não é possível considerar como instituição financeira a pessoa
jurídica pública ou privada que se dedique unicamente, a aplicar
recursos financeiros independentemente da coleta e intermediação
dos mesmos. Esta impossibilidade baseia-se no fato de que a
aplicação de recursos financeiros – operação ativa, por excelência
das instituições financeiras – não pode ser aprendida isoladamente,
mas somente em conjunto com dois outros elementos, integrantes
indissociáveis da unidade conceitual de instituição financeira, quais
sejam, a coleta e intermediação de recursos financeiros. Desta
maneira, a coleta constitui a operação passiva das instituições
financeiras, representando a captação de seus recursos. Já a
intermediação constitui a intromissão especulativa, resultante da
inter-relação entre a coleta e a aplicação de capitais.45
Dessa forma, não resta dúvida de que objetivo da instituição financeira é a
negociação do crédito e que o fato de simplesmente tomar o dinheiro ou emprestá-lo ou
até mesmo negociá-lo, todas essas ações isoladamente, não caracteriza atividade típica
de instituição financeira. A conexão entre tomar emprestado, emprestar e negociar o
capital com terceiros é intrínseca a tal atividade. Do contrário, o fato de se capitar
45
COELHO, Wilson do Egito. Empréstimo de dinheiro por particulares: quando se caracteriza
operação privativa dos bancos. Revista da OAB, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 341.
24
recursos via bolsa de valores configuraria a atividade de instituição financeira, o que
não o é, conforme demonstram Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik:
[...] coleta de recursos de terceiros, para configurar a atuação
privativa de instituição financeira, deve ser ligada à negociação dos
recursos captados, caso contrário, por exemplo, uma companhia
aberta, que capte recursos do público mediante a emissão de ações,
poderia ser equiparada à instituição financeira, o que seria
absurdo.46
De modo a enumerar as sociedades que se classificam efetivamente como
instituições financeiras, Silvanio Covas e Adriana Laporta Cardinali trazem o conceito
contido na LC nº 105/2001, conforme segue:
A Lei Complementar nº 105/01 também dá um direcionamento a
respeito, pois define como instituições financeiras, para os fins de
preservação do sigilo de suas operações, as entidades relacionadas
em seu art. 1º, §1º: os bancos de qualquer espécie; as distribuidoras
de valores mobiliários; as corretoras de câmbio e de valores
mobiliários; as sociedades de crédito, financiamento e investimentos;
as sociedades de créditos imobiliários; as administradoras de cartões
de crédito; as sociedades de arrendamento mercantil; as
administradoras de mercado de balcão organizado; as cooperativas
de crédito; as associações de poupança e empréstimo; as bolsas de
valores e de mercadorias e futuros; as entidades de liquidação e
compensação; as outras sociedades que, em razão da natureza de
suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho
Monetário Nacional.47
Uma vez compreendida a diferença entre as atividades sociais das instituições
financeiras e as das sociedades não financeiras, bem como a legislação que as regem,
fica fácil compreender que é legítima a concessão de empréstimo entre sociedades não
financeiras, no entanto, não é legítimo que essas sociedades não financeiras pratiquem
as taxas de juros próprias do mercado financeiro.
46
CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. Estudos de direito empresarial. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 530.
47
COVAS, Silvanio; CARDINALI, Adriana Laporta. O conselho de recursos do sistema financeiro
nacional: atribuições e jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 254.
25
Isso não significa, porém, que as sociedades não financeiras estejam impedidas
de cobrar juros, elas podem, é legítimo que o façam, pelo simples fato de que a
disponibilidade de caixa emprestada se não tivesse sido destinada ao empréstimo, seria,
provavelmente, destinada à uma aplicação financeira e,
consequentemente, seria
remunerada por uma taxa de juros. Logo, a taxa de juros mais adequada para incidir
sobre o mútuo intercompany seria a mesma taxa de juros remuneratórios que esse
capital receberia se estivesse aplicado em uma instituição financeira, correspondendo,
assim, às condições estritamente comutativas ou com pagamento compensatório
adequado de que trata o art. 245 da LSA.
Essa concessão de empréstimo entre as sociedades não financeiras, pertencentes
a um mesmo grupo de sociedades traduz-se por uma forma de financiamento interno das
atividades sociais, que é abordada no Subcapítulo 1.1. deste Capítulo 1, já a forma de
remuneração do capital mutuado é abordada no Subcapitulo 3.1. do Capítulo 3.
Ademais, o juízo de valor sobre a melhor forma de financiamento das atividades
sociais, seja por empréstimo seja por aumento de capital, deve partir das sócias ou
acionistas da sociedade, tendo por base o objetivo que se quer alcançar e o lapso
temporal em que se quer vê-lo alcançado.
Há de se pontuar que a opção pelo mútuo intercompany não pode e nem deve ser
utilizada pelas sócias ou acionistas como um subterfúgio para não se aumentar as suas
responsabilidades ou para se reembolsarem rapidamente do valor emprestado quando
lhes for conveniente, especialmente na iminência de um processo falimentar.
Se assim o for, configurará o abuso da personalidade jurídica48 e a sociedade
estará sujeita à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no
interesse dos credores, situação em que os créditos devidos às sócias ou acionistas em
48
Art. 50, CC – “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
26
razão de contratos de mútuo intercompany serão classificados, de acordo com a LREF,
como créditos subordinados e serão recebidos em último lugar, ou seja, depois dos
créditos: (i) trabalhistas e acidentários; (ii) com garantia real; (iii) tributários, excetuadas
as multas tributárias; (iv) com privilégio especial; (v) com privilégio geral; (vi)
quirografários; e (vii) multas contratuais e penas pecuniárias por infração às leis penais
ou administrativas, inclusive as multas tributárias.
Dessa forma, o crédito subordinado deve ser atendido, se houver recursos, após
o atendimento dos subquirografários por ilícito49 (multas e penalidades), apenas em
favor daquelas sócias ou acionistas que emprestaram dinheiro à sociedade que ora se
encontra em processo de falência. Seu pagamento, portanto, não guarda nenhuma
relação com a proporção da participação de cada sócia ou acionista no capital social.50
Essa classificação de créditos se dá de acordo com a natureza de cada um deles e
com a ordem de privilégios estabelecida pela LREF, atribuindo-se direitos similares aos
créditos de mesma classe, o que significa mesmos direitos a serem exercidos no
procedimento falimentar e rateio em caso de insuficiência de recursos para pagamento
integral de todos os credores, respeitada a ordem de prioridade de pagamento entre as
diversas classes.51
Essa prioridade também chamada de privilégio, não se confunde com a
preferência, visto que a preferência caracteriza-se pelo direito do credor de saldar seu
crédito com o produto da venda do bem dado em garantia real. Já o privilégio decorre
exclusivamente da lei, ocasião em que não há mais liberdade por parte do devedor para
que este disponha de seus bens. Não se trata aqui de um direito patrimonial, mas sim da
qualificação do crédito em função de sua natureza, garantindo ao titular do crédito a
pretensão à satisfação prioritária de seu crédito em execução coletiva, quando então já
49
Art. 83, LREF - “VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias.”
50
Conforme: COELHO, op. cit., p. 384.
51
Conforme: SOUZA JR., Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.).
Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2007. p. 360.
27
não mais prevalecem as características principais da preferência. Deve ser oposto contra
o Estado, a quem cabe a administração da massa e a satisfação dos credores.52
Dessa forma, uma vez habilitados e classificados os créditos, os ativos
disponíveis do insolvente serão, no processo falimentar, excutidos53 e o valor apurado
será dividido entre seus credores, na proporção de créditos que estes detêm contra a
sociedade. Como vimos, trata-se de um procedimento realizado judicialmente, a partir
de critérios estabelecidos na LREF, o que garante tratamento paritário aos credores,
respeitadas as classes de cada uma deles.54
Com exceção dos créditos com garantia real, que tem prioridade de pleito sobre
os ativos que foram dados em garantia, tendo direito de tomar posse e alienar ou
executar judicialmente esses bens, até o valor de abatimento da dívida, os demais
créditos estão circunscritos aos valores levantados na massa falida55, sendo os créditos
subordinados os últimos a serem recebidos, estando aí incluídos os créditos das sócias
ou acionistas decorrentes de mútuo e serão subordinados desde que não tenham algum
outro privilégio.
Podem, ainda, ser considerados subordinados quaisquer outros créditos dessa
forma definidos em lei, como as debêntures subquirografárias a que se refere o art. 58,
§4º da LSA56, ou no contrato, desde as partes contratantes assim o estabeleça.57
Todavia, esses créditos não são objeto deste estudo.
52
Conforme: Ibid, p. 358.
Executados judicialmente.
54
Conforme: SOUZA JUNIOR; PITOMBO, op. cit., p. 358.
55
“A massa falida subjetiva – comunhão dos interesses dos credores do falido – mantém com esse uma
relação ambígua. Em alguns casos, ela se contrapõe ao falido; em outros, é sucessora dele. Ao substituir o
falido nas ações em que é parte, a massa falida o sucede como titular do interesse em litígio.” COELHO,
op. cit., 201.
56
Art. 58, LSA - “§ 4º - A debênture que não gozar de garantia poderá conter cláusula de subordinação
aos credores quirografários, preferindo apenas aos acionistas no ativo remanescente, se houver, em caso
de liquidação da companhia.”
57
Conforme: SOUZA JUNIOR; PITOMBO, op. cit., p. 369.
53
28
Já os créditos subordinados são objeto deste estudo e são abordados por dois
ângulos, no Subcapítulo 1.1.2., o qual aborda o mútuo intercompany, e no Subcapítulo
2.1., o qual trata da participação societária58, sendo que no primeiro caso integra o
passivo da sociedade falida e no segundo o patrimônio líquido.
O objetivo de se colocar os valores devidos às sócias ou acionistas e
administradores sem vínculo empregatício por último, é o de se excluir qualquer
possibilidade de fraude no sentido de se criar valores para favorecer os próprios titulares
da sociedade falida.59 Com isso, a legislação veda que as sócias ou acionistas sejam
pagas antes que sejam pagos todos os credores sociais, ainda deixa claro, no art. 153 da
LREF60, que esse pagamento somente ocorrerá se houver saldo. Nesse sentido ressalta
Manoel Justino Bezerra Filho:
A sobra de que a lei fala é a que haverá depois da completa satisfação
do crédito, ou seja, depois que houver o pagamento do valor
corrigido e com juros, até o momento do pagamento, desde que
existente numerário para tal fim.61
Note que os créditos subordinados, criados pela atual LREF, pertencem à
segunda e última subclasse da classe dos credores subquirografários e abrange os
créditos cujos pagamentos somente podem ser feitos após a satisfação integral dos
credores da falida, inclusive dos juros posteriores à massa.
No mesmo sentido, o parágrafo único, do art. 186, do CTN,62 com a redação
determinada pela Lei Complementar nº 118/2005, confere suporte à redação do art. 83
58
Art. 83, LREF - “§ 2º - Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao
recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.”
59
Conforme: BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências
comentada: lei 11.101/2005. 4. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.
219.
60
Art. 153, LREF – “Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido.”
61
BEZERRA FILHO, op. cit., p. 344.
62
Art. 186, CTN – “Parágrafo Único. Na falência:... III – a multa tributária prefere apenas aos créditos
subordinados.”
29
da LREF, dispondo, assim, aquele preceito que na falência a multa tributária prefere aos
créditos subordinados.
Note que a alínea b do inciso VIII do art. 83 da LREF e o inciso III do parágrafo
único, do art. 186, do CTN, trazem uma previsão genérica da classificação dos créditos
de sócias ou acionistas num cenário de falência, não levando em conta o princípio63 da
boa-fé64, ou seja, se a concessão de empréstimo foi feita de modo a tentar salvar a
sociedade em crise, antes da situação pré-falimentar. Dessa forma, a legislação não dá
margem a um juízo de valor, o que pode, inclusive, levar a uma desclassificação desse
crédito para capital próprio.
Portanto, a criação de uma regra no direito societário e contratual capaz de
distinguir e classificar as espécies de direitos creditórios de sócias ou acionistas,
levando-se em conta o instituto da boa-fé, a averiguação da culpa ou do dolo, a
diligência na condução dos negócios, a observação dos direitos e obrigações faz-se mais
adequada e provavelmente seria mais eficaz ou, pelo menos, mais isenta e, portanto,
mais justa.
Apesar de não haver regra específica na LREF para a classificação dos créditos
com base no instituto da boa-fé, é possível, sem qualquer infração à legislação, analisar,
caso a caso, a sociedade em processo de falência. Para tanto, deve-se levar em
consideração os fatos, os números, a qualificação das sócias ou acionistas como
controladoras (detentoras ou não de investimento relevante), bem como verificar se o
empréstimo teria sido feito antes de a sociedade estar em situação pré-falimentar. Caso
tenha sido, deve-se avaliar se havia naquele momento a expectativa de aumento do valor
63
“... o princípio atua como toda regra que imputa deveres de conduta [...] os princípios são normas com
papel fundamental no ordenamento jurídico, devido à posição hierarquicamente superior que ocupam
entre as fontes que estruturam o próprio sistema.” SILVA, Jorge Cesa Ferreira. A boa-fé e a violação
positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 42-43.
64
“... é fundamental ter-se em mente que a boa-fé, como determinante de um padrão de conduta, impõe
deveres independentemente da vontade das partes, limitando, desta forma, a abrangência da autonomia
privada. As normas decorrentes da boa-fé, portanto, integram o negócio, mesmo que não expressamente.
[...] Aplicada sobre a relação obrigacional, portanto, a boa-fé – incluindo-se nela a ideia de confiança –
desenvolve uma eficácia que se inicia com os primeiros contatos negociais entre as partes, passa pelo
desenvolvimento do vínculo e sua interpretação e atinge os deveres posteriores à prestação.” SILVA, op.
cit., 47-48, 52.
30
da sociedade e sua efetiva recuperação com base no empréstimo concedido e os
negócios supervenientes realizados. Por último, há de verificar se o montante dos
pagamentos aos credores do empréstimo não é menor que o valor de liquidação à época
em que o empréstimo fora concedido.
O que se sugere aqui, não é mudar o procedimento falimentar, mas sim a forma
como é analisado, como dito acima, evitando-se que seja de pronto visto como uma
conduta dolosa. Feito isso, segue-se o procedimento normal de realização de todo o
ativo, com a distribuição do produto entre os credores, o julgamento das contas do
administrador judicial e a especificação das responsabilidades que remanescem à falida
e às suas sócias ou acionistas, encerrando-se, por sentença, à vista do relatório final, a
falência, conforme comenta, Sérgio Campinho:
[...] três situações poderão se apresentar, a partir da efetiva
liquidação: ou o ativo apurado foi bastante ao pagamento do passivo;
ou o ativo foi inferior e, destarte, insuficiente ao seu pagamento; ou,
ainda, o ativo foi superior ao passivo. Na primeira hipótese o passivo
falimentar estaria quitado, nada mais devendo o falido a seus
credores. O mesmo quadro estaria desenhado na terceira situação,
mas haverá saldo a ser restituído ao falido. De posse desse saldo, ...
se o falido for sociedade empresária. A falência é causa de dissolução
da sociedade (Código Civil/2002, artigos 1.044; 1.051, inciso I; 1.087
e Lei nº 6.404/76, artigo 206, inciso II, alínea ‘c’)... A partir do
trânsito em julgado da sentença de encerramento, a pessoa jurídica
estará extinta, competindo arquivar a prefalada decisão, para se ter
por cancelado o registro na Junta Comercial. 65
Feitas essas considerações e dada a falta de legislação específica para regular o
contrato de mútuo intercompany, os magistrados e advogados têm-se utilizado,
conforme aqui demonstrado, de um conjunto disposições legais na busca de uma
solução mais adequada para o tratamento dessas operações que visam financiar as
atividades sociais e, por vezes, tentar salvá-las de um processo falimentar.
65
CAMPINHO, op. cit., 451.
31
1.1. Financiamento das atividades sociais pelas sócias ou acionistas
A preocupação com a lacuna na legislação acerca do mútuo intercompany,
conforme exposto acima, é pertinente, pois, atualmente, é uma das operações de
financiamento mais difundidas para alavancar as atividades sociais nos grupos de
sociedades.
Vale acrescentar que os grupos de sociedades, os quais são objeto de estudo do
Subcapítulo 2.1., infra, tiveram a sua criação impulsionada pelos institutos jurídicos da
separação patrimonial, da personalidade jurídica e da limitação de responsabilidade, os
quais, inclusive, proporcionaram maior desenvolvimento histórico ao direito societário e
serviram de motivação à realização de várias modalidades de financiamento das
atividades sociais, tais como: (i) adequada subscrição e integralização do capital social;
(ii) aumento do capital social, quando o valor subscrito e integralizado se mostrar
insuficiente para a realização das atividades sociais; (iii) contratação de mútuo entre as
sócias ou acionistas, na qualidade de terceiros, e a sociedade; (iv) contratação de mútuo
com instituições financeiras para obtenção de capital de giro66; (v) contratação de mútuo
junto a quaisquer terceiros para locação de planta e/ou arrendamento de equipamentos;
(vi) capitação de recursos no mercado de capitais; e/ou (vii) valores mobiliários.
Essas formas de financiamento podem ser divididas em duas categorias: (i)
financiamento interno, proveniente de recursos das sócias ou acionistas ou da própria
atividade (lucro retido); e/ou (ii) financiamento externo, proveniente de recursos de
terceiros.
Vale destacar que a adequada subscrição e integralização de capital social pelas
sócias ou acionistas da sociedade, bem como o aumento de capital social, mencionados
acima, dizem respeito ao financiamento interno e são identificados como patrimônio
66
“Capital de giro: recursos para financiar o ciclo operacional das empresas – período que vai desde a
aquisição da matéria prima até o recebimento da venda do produto acabado ou serviço prestado. Durante
o ciclo operacional, empresas com descasamentos de caixa buscam financiamentos para amortizar dívidas
com fornecedores, funcionários e entidades governamentais.” SANTOS, op. cit., p. 10
32
líquido. Já os três tipos de contratações de mútuo, a capitação de recursos no mercado
de capitais e os valores mobiliários dizem respeito ao financiamento externo e são
identificadas como passivo.
Exemplificativamente, dentre os financiamentos externos, classificados como
recursos terceiros e próprios de mercado financeiro, podemos destacar os empréstimos e
financiamentos, descontos de duplicatas, repasses de recursos internos e em moeda
estrangeira, colocação de debêntures, entre outros. Há, ainda, aqueles classificados
como recursos terceiros e que não são provenientes de instituições financeiras, tais
como créditos concedidos por fornecedores, contribuições e encargos sociais e impostos
a recolher, denominados de passivos de funcionamento.
A sociedade anônima de capital aberto pode financiar-se, por exemplo, por meio
de negociação de suas ações no mercado de capitais, o que, aliás, é uma excelente
alternativa de investimento, atraindo diferentes investidores e recursos. Ademais, a
abertura de capital impõe uma profissionalização maior nas sociedades, motivada pelas
exigências legais e expectativas dos acionistas quanto a uma gestão mais qualificada,
promove maior segurança financeira aos negócios e permite mais rapidamente a solução
de eventuais questões de arranjos societários.67
Tanto a sociedade anônima quanto a sociedade limitada podem financiar-se por
meio da contratação de mútuo intercompany, o que torna essa modalidade de
financiamento mais interessante é o custo desse capital, que pode ser mais barato e
vantajoso do que se fosse contratado com instituições financeiras. Pode ser mais barato
porque os juros aplicados não precisam e nem podem ser os mesmos que aqueles
praticados pelo mercado financeiro e pode ser mais vantajoso porque, em ocorrendo
essa economia nos juros, a sociedade torna-se mais competitiva e o valor economizado
pode ser utilizado para ampliar os investimentos sociais. Porém, o que vai determinar se
essa opção é de fato mais vantajosa há de se avaliar, à época da contratação, as
67
ASSAF NETO, op. cit., p. 32.
33
condições de mercado e a possibilidade de dedutibilidade das despesas financeiras na
receita tributável da sociedade.
A decisão sobre qual forma de financiamento utilizar deve partir de um
planejamento financeiro, que deverá considerar o tipo societário, a oferta de recursos no
mercado, os custos desses recursos, entre outros aspectos. Nesse sentido, esclarece
Aswath Damodaram:
Uma empresa pode preferir o financiamento interno ao externo por
várias razões. Para empresas de capital fechado, o financiamento
externo é geralmente difícil de levantar e, mesmo quando ele está
disponível (através de um investidor de risco, por exemplo), é
acompanhado por uma perda de controle e flexibilidade. Para
empresas de capital aberto, o financiamento externo pode ser mais
fácil de obter, mas ele ainda é caro em termos de custos de emissão
(no caso do patrimônio líquido novo) ou perda de flexibilidade (no
caso de dívida nova). Fluxos de caixa gerados internamente, por
outro lado, podem ser usados para financiar operações sem incorrer
em altos custos de transação ou perda de flexibilidade.68
Já para Alexandre Assaf Neto:
Ao se confrontarem os custos das fontes de financiamento de uma
empresa é correto admitir-se que, em situação de certa estabilidade e
equilíbrio econômico, o capital próprio é mais caro que o capital de
terceiros. Algumas razões importantes podem explicar essa situação
típica. Pelas regras tradicionais de tributação, a remuneração paga
ao capital de terceiros (despesas financeiras) pode ser abatida da
renda tributável da empresa, diminuindo, por conseguinte, o volume
do imposto de renda a recolher. Por outro lado, a remuneração paga
aos proprietários (dividendos) não recebe esse incentivo fiscal, sendo
apurada do resultado calculado após a provisão do imposto de
renda... Em muitos casos, ainda, dependendo das diretrizes
econômicas estabelecidas pelas autoridades monetárias, poderá
ocorrer o subsídio dos encargos financeiros para determinados tipos
de investimentos. Isso fará com que a remuneração do capital de
68
DAMODARAN, Aswath. Finanças corporativas: teoria e prática. Trad. Jorge Ritter, 2. ed. Porto
Alegre: Bookman, 2004. p. 421.
34
terceiros se reduza ainda mais, situando-se abaixo daquelas
livremente praticadas pelo mercado”.69
Note que a questão é controversa e determinante para a contratação do capital. O
custo do financiamento está diretamente ligado à extensão do risco, ou seja, quanto
maior for o risco maior será o retorno exigido pelo capital investido, seja pelas sócias ou
acionistas seja por terceiros. Quando a sociedade se financia, por exemplo, mediante
empréstimo feito por terceiros, este entra no passivo da sociedade e tem, se comparado
com um empréstimo feito por uma sócia ou acionista da sociedade, preferência no
pagamento.
Ademais, a escolha do financiamento há de ser adequada à realização das
atividades, não é conveniente optar-se por um empréstimo de curto prazo direcionado a
financiar bens de natureza permanente, pois ocorreria uma clara deterioração da dívida
circulante para manter os ativos de longo prazo.70
É fato que os custos das operações financeiras de longo prazo normalmente
superam os custos das operações de curto prazo, isso ocorre devido a maior exposição
aos riscos assumidos pelos credores. Tais riscos podem ser divididos em: (a) riscos de
previsão, que é estimado em razão da previsão de retorno do capital emprestado; e (b)
riscos de flutuações nas taxas de juros, que é estimado em razão do prazo a que o capital
emprestado permanece mais exposto às flutuações que venham a ocorrer nas taxas de
juros. Portanto, há sempre de se avaliar os riscos da operação e, consequentemente, os
seus custos.
Ao trazermos essa avaliação de risco para o âmbito das sociedades, numa análise
interna, verificamos que há dois tipos de riscos: (a) risco operacional, que leva em conta
o ativo da sociedade, a natureza da atividade, a estabilidade dos negócios diante da
conjuntura econômica, o desempenho de mercado, a sazonalidade dos negócios, a
69
70
ASSAF NETO, op. cit., p. 46-47.
Conforme: Ibid, p. 43-44.
35
estrutura de custos, a dependência tecnológica, a concorrência, entre outros; e (b) o risco
financeiro, que é determinado pelo endividamento da sociedade.
É com base na avaliação desses riscos que as sociedades tomam suas decisões de
financiamento (capitação de recursos) e de investimento (aplicação dos valores
levantados), que tem por objetivo promover um retorno maior que o seu custo de
capital, criando, assim, valor (riqueza) às suas sócias ou acionistas. Por outro lado,
quando esse objetivo não é alcançado, ficando aquém do previsto, ou seja, do mínimo
exigido, ocorre uma destruição do valor econômico em razão da incapacidade de os
investimentos promoverem um retorno que satisfaça ao custo do capital.
1.1.1. Aumento de capital social
Dentre as formas de financiamento das atividades sociais que acabamos de
comentar, está o capital social, que é a primeira e principal forma de financiamento de
uma sociedade, quando inicia suas atividades. Primeira, porque ao ser constituída a
sociedade precisa estabelecer em seu ato constitutivo o valor do capital social, embora
o direito brasileiro não tenha se inserido no princípio do capital mínimo71, segundo o
qual não se pode constituir uma sociedade por ações sem que seja de determinado valor,
ou acima dele72, o que também se aplica à sociedade empresária limitada, ficando esse
ato ao livre critério das sócias ou acionistas.
Não há que se confundir aqui o conceito de capital mínimo, que, como
mencionado, não existe em nossa legislação, com o dispositivo acerca da integralização
de 10% (dez por cento) do capital social da sociedade anônima como requisito para sua
71
Exceção feita à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, visto que art. 980-A do CC
estabelece que esta sociedade só poderá ser constituída se o seu capital social estiver totalmente
integralizado e seu montante não for inferior a cem vezes o maior salário mínimo em vigor no país. Art.
980-A, CC – “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa
titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes
o maior salário-mínimo vigente no País.”
72
Conforme: MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2007, v.
50. p. 58.
36
constituição referente ao capital social integralizado em dinheiro, conforme esclarece
Trajano de Miranda Valverde:
[...] a realização da décima parte, no mínimo, do capital social, pelo
pagamento de dez por cento do valor nominal de cada ação. Trata-se
do capital em dinheiro, porque, conforme a referência feita ao art. 23,
§ 2º, as ações, que são pagas em bens, deverão ser imediatamente
integralizadas.73
Uma vez constituída a sociedade, o seu capital social74 poderá ser aumentado75
ou reduzido76, a qualquer tempo, por decisão das sócias ou acionistas, desde que
respeitada a legislação vigente. Nesse sentido, esclarece Pontes de Miranda:
Os valores que correspondem ao capital, conceito jurídico, só
suscetíveis de aumento ou de diminuição pelos mesmos meios por que
foram estabelecidos, são valores variáveis, que figuram como ativo
em contraposição a ele, que se tem como total passivo, a que outros
valores de passivo se podem juntar e se juntam.77
A mencionada redução do capital social é feita mediante a restituição de parte do
valor das quotas ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com a proporcional
diminuição, em ambos os casos, do valor nominal das quotas.78
Antes de adentrarmos às razões pelas quais o capital social é aumentado, vale
mencionar que ele (capital social), nas sociedades empresárias limitadas, é dividido em
quotas e que a responsabilidade de cada sócia está restrita ao valor de suas quotas79, mas
73
VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Revista
Forense, 1953, vol. 1. p. 247.
74
Art. 5ᵒ, LSA – “O estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional.”
75
Art. 1.081, CC – “Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital
aumentado, com a correspondente modificação do contrato.”
76
Art. 1.082, CC – “Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do
contrato: ... II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade.”
77
MIRANDA, op. cit., p. 58.
78
Art. 1.084, CC – “No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte
do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição
proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas.”
79
Art. 1.052, CC – “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas
quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” “... Nessas sociedades
37
todas respondem solidariamente pela integralização do capital social . Já nas sociedades
anônimas, o capital social está dividido em ações80 e cada acionista responde somente
pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir, não há aqui solidariedade
na integralização do capital social. Nesse sentido, expõe Pontes de Miranda:
Não há qualquer responsabilidade dos acionistas pelas dívida de
sociedade por ações. Respondem pelo que falta para completar o
valor das ações previstas (Supremo Tribunal Federal, 28 de abril de
1942, JSTF 10/170), porém a sociedade por ações é que tem o direito,
a pretensão e a ação para exigir o cumprimento.81
Considerando que o valor do capital social, representado por quotas para as
sócias ou por ações para as acionistas, é um limitador de responsabilidade, logo, não é
interessante que o capital social seja excessivo. Isso porque quanto maior for o seu valor
maior será a responsabilidade das sócias ou acionistas frente às obrigações sociais.
O objetivo da limitação do capital social é o de conceder às sócias ou acionistas
o benefício da separação patrimonial, como mencionado anteriormente, estabelecendo
um limite de valor para garantir as atividades sociais, bem como de obrigar as sócias ou
acionistas a estruturar o capital de acordo com a atividade produtiva e de integralizá-lo,
para garantir minimamente o interesse dos credores.82
limitadas, o capital é representado por Cotas e distribuído aos sócios de acordo com o aporte financeiro de
cada um. A responsabilidade limitada de cada sócio irá até o valor de suas respectivas participações em
cotas na sociedade; deve-se considerar, para esse efeito, que o capital da sociedade se encontre totalmente
integralizado. Em caso de existirem cotas não integralizadas, qualquer cotista, mesmo os que se acham
com suas obrigações para com a sociedade atualizadas, pode ser chamado a completar a parcela
descoberta do capital. Finalmente, a responsabilidade limitada de cada cotista desse tipo de sociedade irá
até o valor do capital social, e não ao valor de suas respectivas cotas.” ASSAF NETO, op. cit., p. 30-31.
80
Art. 1.088, CC – “Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se
cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.” “A
sociedade anônima é o tipo de empresa societária que mais se tem desenvolvido nos últimos anos. Seu
capital social é dividido em parcelas, as quais são representadas por valores mobiliários denominados
ações. A sociedade anônima é uma empresa de responsabilidade limitada; não existe a preocupação de se
identificar o acionista. A responsabilidade dos acionistas reside na integralização efetiva das ações
subscritas e, a partir desse ponto, a quantia realizada pertencerá integralmente à empresa, que a lançará a
crédito de seu patrimônio líquido.” Ibid, p. 31.
81
MIRANDA, op. cit., p. 60.
82
Conforme: COSTA, op. cit., p. 670.
38
Ademais, o capital social pode ser aumentado sempre que se fizer necessário e
desde que justificados os aspectos econômicos e respeitadas às disposições legais83 para
financiamento das atividades sociais. O aumento de capital social pode ser feito
mediante integralização em dinheiro ou conferência de bens, estando aí incluída a
conversão de créditos em investimento, a qual está prevista em lei, sendo lícita e
legítima, observando-se, ainda, o interesse social.84
A operação de aumento de capital, mediante a conferência de créditos, ou seja, a
conversão do empréstimo em investimento atenderá o interesse social sempre que
houver vantagem para as partes envolvidas. Esse tipo de operação desonera a sociedade
mutuária de significativa dívida com a sociedade mutuante e, ao mesmo tempo, faz com
que a sociedade mutuante deixe de ter um crédito a receber e passe a ser investidora da
sociedade mutuária.
Nesse sentido, ensina Alfredo Lamy Filho que o capital das sócias ou acionistas
é transformado em capital próprio da sociedade, trocando, os credores, o crédito em
haver pelo investimento na sociedade, operação que é recomendável sempre que
possível, senão vejamos:
Com efeito, trata-se de operação que os administradores perseguem,
a ela recorrendo sempre que possível, pois o credor troca de lado,
passa da posição de terceiro mutuante, com direitos contra a
empresa, para a de investidor na própria empresa, correndo a sorte
do devedor. E este terá seu balanço melhorado, pois deixa de pagar
juros, reduz o passivo exigível e acresce sua base financeira para
alavancar as atividades com maior disponibilidade.85
A efetivação do aumento de capital em créditos exige apenas a aprovação do
próprio aumento, não sendo necessária a elaboração de laudo de avaliação dos créditos
contabilizados, diferentemente da integralização em dinheiro, que sempre dependerá do
83
Art. 6°, LSA – “O capital social somente poderá ser modificado com observância dos preceitos desta lei
e do estatuto social (arts. 166 a 174).”
84
Conforme: CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. Estudos de direito empresarial. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 255.
85
LAMY FILHO, Alfredo. A Lei das S/A. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1996, v. 2. p. 461.
39
decurso de, no mínimo, 30 (trinta) dias para o exercício da preferência das sócias86 ou
acionistas87.
Isso significa que, estando os créditos devidamente contabilizados, expressos em
balanço aprovado, em reunião de sócias ou em assembleia geral, e regularmente
publicado, não haverá razão para questioná-los.
Além disso, a manifestação da sócia ou acionista, que subscrever esse capital,
implica na imediata realização do aumento, independentemente da vontade das demais
sócias ou acionistas titulares do direito de preferência. Na verdade, neste caso, o decurso
desses 30 (trinta) dias para o exercício da preferência não terá qualquer implicação, e os
valores pagos por aqueles que vierem, eventualmente, a exercê-lo não passarão a
integrar o patrimônio da sociedade, pois serão entregues à sócia ou acionista que
subscreveu o capital e, em contrapartida, receberão as quotas ou ações respectivas.
Por outro lado, se o direito de preferência não for exercido, o capital aumentado
será somente de seu subscritor, diluindo, assim, a participação das demais sócias ou
acionistas.
Há que se ressaltar que o empréstimo convertido já teve aprovação das sócias ou
acionistas quando contraído, sendo perfeitamente devido, saia ele da conta do passivo
como pagamento (reembolso à sócia ou acionista) ou como conversão do empréstimo
em investimento. Dessa forma, desde que as hipóteses de convertibilidade sejam
conhecidas e aprovadas, as demais sócias ou acionistas não podem a isso se opor.
Esse é o entendimento da Junta Comercial do Estado de São Paulo, expresso no
Parecer nº 139, de 1983, da Procuradoria Regional:
86
Art. 1.081, CC – “§1ᵒ Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do
aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.”
87
Art. 171, LSA – “Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para
a subscrição do aumento de capital. [...] §4ᵒ O estatuto ou a assembleia geral fixará prazo de decadência,
não inferior a 30 (trinta) dias, para o exercício do direito de preferência.”
40
É que, na hipótese, o aumento de capital efetiva-se no momento da
entrega dos créditos ou dos bens e, assim, a companhia nada mais
tem a receber. Tanto é certo que o preceito legal invocado determina
que as importâncias pagas pelos subscritores preferencialistas serão
entregues ao titular do crédito capitalizado ou do bem a ser
incorporado. Nestas circunstâncias, não há impedimento legal algum
em que o prazo de subscrição para os acionistas seja aberto após a
efetivação do aumento de capital, porque está garantida a
preferência, e a companhia já recebeu o equivalente às novas ações
emitidas.88
Ademais, a efetivação do aumento de capital, ou seja, a sua realização jurídica
concernente à incorporação dos créditos ao capital social, ocorre no momento da
subscrição89, independentemente do arquivamento do respectivo ato societário na Junta
Comercial, o que significa dizer que a efetivação ou realização jurídica não se confunde
com o momento de sua eficácia perante terceiros. Dessa forma, as formalidades de
arquivamento, de averbação e de publicação conferem efeitos meramente declaratórios,
não constitutivos. No entanto, para que se produzam efeitos perante terceiros faz-se
necessário o arquivamento do ato societário, tanto da sociedade empresária limitada
quanto da sociedade anônima, na respectiva Junta Comercial e no caso da sociedade
anônima faz-se necessário, ainda, a publicação no Diário Oficial e em jornal de grande
circulação.
Caso o aumento de capital social seja questionado em razão de alegação de
abuso de poder, de que trata o §1º do art. 117 da LSA90 e o art. 1º da Instrução CVM nº
323/00,91 para que este seja de fato configurado, há de ser verificar que a conduta do
88
Boletim JUCESP, de 21/4/1983 (suplemento do Diário Oficial do Estado de São Paulo de 21/4/1983).
Art. 166, LSA – “§1ᵒNa companhia aberta, a capitalização prevista neste artigo será feita sem
modificação do número de ações emitidas e com aumento do valor nominal das ações, se for o caso.”
90
Art. 117, LSA – “§1ᵒ São modalidades de exercício abusivo de poder: [...] c) promover a alteração
estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o
interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa
ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;”
91
Art. 1ᵒ, Instrução CVM nᵒ 323/00. “São modalidades de exercício abusivo do poder de controle de
companhia aberta, sem prejuízo de outras previsões legais ou regulamentares, ou de outras condutas
assim entendidas pela CVM: [...] II – a realização de qualquer ato de reestruturação societária, no
interesse exclusivo do acionista controlador; [...] VIII – a promoção de diluição injustificada dos
acionistas não controladores, por meio de aumento de capital em proporções quantitativamente
89
41
acionista controlador tenha sido contrária ao interesse social, da qual resulta prejuízo
para a sociedade, para suas sócias ou acionistas ou, ainda, para terceiros. O interesse
social será atendido quando, por exemplo, houver relevante fundamento econômico, de
modo a sanear o balanço, reduzindo os débitos sociais e o montante do patrimônio
líquido negativo.
Ademais, uma vez verificada a conduta abusiva da sócia ou acionista, esta
deverá ser responsabilizada conforme o art. 117 da LSA, que exige a prova do dano
efetivo patrimonialmente ressarcível, razão pela qual deve a lesão ser concreta e atual, e
não eventual, possível, hipotética ou futura. Dessa forma, mesmo que o controlador
tenha agido dentro de uma das modalidades previstas como abuso de poder, se não
houve dano concreto, não será ele responsabilizado. O dano, portanto, deve ser provado.
A problemática do abuso de poder e do dano efetivo, ao discorrermos sobre o
aumento de capital, mediante a conversão de empréstimo (mútuo) em investimento, está
delineada no Capítulo 2, infra, que trata, entre outros assuntos, da relação de controle e
participação societária.
1.1.2. Mútuo intercompany
O mútuo, objeto da conversão da operação financeira em capital social sobre a
qual acabamos de falar, diz respeito às contratações de mútuo concedido por sócias ou
acionistas. Porém, antes de abordar esse tipo específico de contrato de mútuo,
ressaltamos que os contratos de mútuo em geral estão disciplinados nos arts. 586 a 592
do CC, e consistem em empréstimos de coisas fungíveis92, os quais, quando destinados
desarrazoadas, inclusive mediante a incorporação, sob qualquer modalidade, de sociedades coligadas ao
acionista controlador ou por ele controladas, ou da fixação do preço de emissão das ações em valores
substancialmente elevados em relação à cotação de bolsa ou de mercado de balcão organizado.”
92
Art. 586, CC – “O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade.”
42
a fins econômicos (também denominado mútuo feneratício93), presumem-se devidos os
juros, que não deverão exceder a taxa legal, conforme prevê o art. 59194 do CC.
A efetivação dessa operação financeira ocorre somente com a tradição, que
transfere da mutuante à mutuária não só a propriedade, mas também os riscos desde a
sua tradição.95 O mutuante esgota sua atividade com a entrega da coisa emprestada, cuja
tradição não pode ser vista como obrigação, por ser parte integrante da estrutura do
negócio. Nesse sentido, esclarece Eduardo Salomão Neto:
O mútuo é contrato de empréstimo de coisa fungível. Trata-se de
contrato real, isto é, o contrato só se aperfeiçoa pela entrega pelo
mutuante da coisa emprestada. Sem tal entrega não há que se falar na
existência de contrato de mútuo. Assim, o mero acordo de vontades
entre as partes sobre o empréstimo não é suficiente para a formação
de um contrato de mútuo.96
Apesar dessa operação não exigir forma escrita nem especial, para sua
formalização, é ela recomendável para efeito de prova e de registro contábil, não
podendo ser expressa em moeda estrangeira,97 salvo as exceções do art. 2º do DecretoLei 857/1969.98 Essa questão sobre a formalização do contrato de mútuo será abordada
no Capítulo 3 deste estudo, que trata de seus aspectos contratuais.
93
“Mútuo feneratício ou oneroso é permitido em nosso direito desde que, por cláusula expressa, se fixem
juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis, desde que não ultrapassem a faixa de 12%
ao ano.” Contrato de Empréstimo: Comodato e Mútuo. Central Jurídica. Disponível em:
<http://www.centraljuridica.com/doutrina/90/direito_civil/contrato_de_emprestimo_comodato_mutuo.ht
ml>. Acesso em: 11 dez. 2012.
94
Art. 591, CC – “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob
pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.”
Art. 406 – “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou
quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora
do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
95
Art. 587, CC – “Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta
correm todos os riscos dela desde a tradição.”
96
SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. 1.ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2011. p. 180.
97
Art 1º, DL 857/1969 – “São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem
como as obrigações que exequíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou,
por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.”
98
Art 2º, DL 857/1969 - “Não se aplicam as disposições do artigo anterior: [...] IV - aos empréstimos e
quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior,
excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;”
43
O mútuo, ao contrário do comodato99, não possui regra que permita ao mutuário
pedir a restituição antes do prazo na hipótese de necessidade imprevista e urgente, tendo
em vista a natureza fungível das coisas emprestadas.
Para este estudo, interessa-nos as operações de mútuo realizadas no âmbito dos
grupos de sociedades, a fim de entendermos a motivação e as vantagens desse tipo de
operação de financiamento, que, por ser amplamente difundido entre as sociedades,
passou a ser denominado de “mútuo intercompany”. Nesse sentido, ensina José
Edwaldo Tavares Borba:
Dentro do grupo, ainda que de fato, desenvolve-se, todavia, um
campo propício à colaboração e ao apoio recíproco, posto que várias
sociedades e os seus acionistas, por entrecruzarem participações, têm
interesse no sucesso e nos resultados das empresas de que participam
direta ou indiretamente...100
Nesse
cenário
de
grupo
de
sociedades,
a
internacionalização
e
a
interdependência dos mercados, no que se convencionou chamar de globalização,
conforme mencionado na Introdução deste trabalho, induz, ou até mesmo impõe, às
sociedades que se expandam internamente, por meio de recursos financeiros internos ou
externos, de modo a torná-las mais dinâmicas, capitalizadas e organizadas,
possibilitando, assim, a obtenção de maior produtividade e maiores lucros com menores
custos de produção.101
O mútuo intercompany traduz-se, então, por uma operação de empréstimo em
dinheiro, firmada entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo de sociedades102,
independentemente de estar uma delas no território nacional ou estrangeiro, mas não
99
Art. 581, CC – “Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso
concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz,
suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine
pelo uso outorgado.”
100
BORBA, op. cit., p. 159-160.
101
Conforme: LOBO, Jorge Joaquim. Direitos dos acionistas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 46-47.
102
Art. 265, LSA – “A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste
Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou
esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos
comuns.”
44
têm, e nem devem ter, em seu objeto social, a atividade típica das instituições
financeiras. Nesse sentido, acrescenta Anthonny Dias dos Santos:
O mútuo recorrente nas operações entre partes relacionadas tem
como objeto o bem fungível dinheiro. Não é raro as empresas
demandarem recursos financeiros e esses serem supridos por pessoas
influentes ligadas à sociedade mutuária.103
Dado o exposto, pode-se afirmar que o mútuo embora seja uma operação
bancária, também pode ser utilizado fora do âmbito das instituições financeiras. Nesse
sentido, esclarece Eduardo Salomão Neto:
O mútuo é a operação bancária básica, mas é também utilizada fora
da atividade financeira. Por tal razão, não é frequentemente
considerado um contrato exclusivamente bancário. No direito
brasileiro, o mútuo é legislativamente tratado como contrato de
empréstimo, ao lado do comodato, de acordo com os artigos 586 a
592 do Código Civil de 2002.104
Logo, as operações financeiras consistentes na celebração de contratos de mútuo
não são exclusivas das instituições financeiras, o que é exclusiva das instituições
financeiras é a elevação dessas operações à condição de objeto social, com a conotação
da intermediação especulativa entre os que dispõem de capitais e querem aplicá-los e os
que necessitam desses capitais e desejam tomá-los emprestados, conforme foi abordado
na introdução deste estudo.
Dessa forma, a motivação para que as sociedades não financeiras realizarem
essas operações de empréstimo não reside na remuneração obtida sobre o capital
emprestado, mas sim na correlação de interesses entre sociedades sob o mesmo poder de
comando, justificando a colaboração recíproca.105
103
SANTOS, op. cit., p. 99.
SALOMÃO NETO, op. cit., p. 179.
105
Conforme: BORBA, op. cit., p. 158.
104
45
Há de se ressaltar que nos contratos de mútuo intercompany firmados entre
sociedades localizadas no Brasil e sociedades localizadas no exterior, faz-se necessário
o registro dessa operação no BACEN, visto a necessidade de se celebrar um contrato de
câmbio, consubstanciado na troca de moedas, para que essa transação seja concluída.
Neste caso, o que está sob a fiscalização do BACEN é o câmbio de moeda estrangeira e
não o fato de ser um dos contratantes considerado, por essa razão, uma instituição
financeira, visto que aqui não o é.
O mútuo intercompany pode ter finalidade específica, podendo a obrigação ser
contraída no bojo de negócio complexo, comprometendo-se o mutuário a aplicar o
dinheiro para certo escopo, como por exemplo, financiar construção, aquisição de
imóvel, indústria e lavoura. E, se assim foi feito, dar destinação diversa para o mútuo
constituirá infração contratual por desvio de finalidade, salvo se a disposição for mera
recomendação.
Por outro lado, caso o escopo não tenha sido definido no contrato de mútuo, este
terá o objetivo não de simplesmente transferir o domínio, mas de proporcionar a
utilização da coisa pelo mutuário, ou seja, seu consumo, sendo que este terá que
devolvê-la findo certo prazo,106 aplicando-se os princípios da obrigação fungível, de dar
coisa incerta, o que significa que perdida ou deteriorada a coisa mutuada, suportará o
mutuário o prejuízo.
Outro aspecto a ser considerado nessas contratações de mútuo intercompany, diz
respeito à remuneração do capital mutuado. É certo que essas operações ocorrem entre
sociedades não financeiras, porém, a remuneração desse capital é lícita e recomendável.
Isso porque, conforme mencionado na Introdução deste trabalho, se a disponibilidade de
caixa não tivesse sido emprestada, seria, certamente, remunerada por alguma aplicação
financeira. Portanto, a remuneração do capital mutuado atende perfeitamente ao
disposto no art. 245 da LSA, que estabelece que as contratações entre sociedades devem
106
Conforme: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 12. ed. São Paulo: Atlas,
2012, v. 3. p. 192.
46
ser firmadas em condições estritamente comutativas ou com pagamento compensatório
adequado, evitando-se o favorecimento de uma sociedade em detrimento de outra.
Há de se observar, no entanto, para que a remuneração do capital mutuado não
ultrapasse a taxa legal, conforme prevê o art. 591 c/c o art. 406 do CC. Nesse sentido,
no entendimento de Orlando Gomes, o contrato de mútuo no qual se pratica taxas de
juros acima da taxa considerada razoável e permitida por lei é considerado contrato
usurário, fazendo referência à usura107. Afirma que o contrato usurário viola os bons
costumes e, após o limite imposto pelo ordenamento jurídico à livre pactuação da taxa
de juros em contratos, é também ilegal. Quanto à validade do contrato usurário, quando
se tratar de usura pecuniária, como nos casos de empréstimo com juros superiores aos
da taxa legal, o contrato não é nulo, devendo-se apenas substituir a cláusula
convencional que versa sobre os juros contratuais pelo preceito legal, de modo que os
juros são reduzidos à taxa permitida, conforme dispõe o já citado art. 591 do Código
Civil.108
Vale esclarecer que há duas modalidades de juros a serem considerados nas
operações de mútuo intercompany, os juros compensatórios ou remuneratórios, quando
representarem fruto do capital, e os juros moratórios, quando representarem a
indenização pelo atraso no cumprimento da obrigação. A incidência dos juros
compensatórios ou remuneratórios estava prevista no CC/16 nos arts. 1.262 e 1.062,
com ou sem capitalização, e no CC nos arts. 591 e 406, permitida a capitalização anual.
Dessa forma, as sociedades pertencentes a mesmo grupo, sejam elas coligadas,
controladoras
ou
controladas,
podem
instrumentalizar
suas
operações
para
financiamento de atividades sociais através de contratos de mútuo que prevejam essas
duas modalidades de taxa de juros. Fato é, que por se tratarem de sociedades
107
Decreto nº 22.626/33, Lei da Usura. “A usura, sob todas as suas formas, está proibida. É o mutuo um
dos contratos mais propícios a essa prática, hoje punível. Até certo tempo vigorou o princípio da
liberdade de estipulação de juros. Os abusos cometidos inspiraram a política legislativa de repressão à
usura, através de medidas dentre as quais se salientam a limitação da taxa dos juros convencionais e a
proibição do anatocismo ou capitalização de juros.” GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 392..
108
Conforme: Ibid, p. 187.
47
pertencentes a um mesmo grupo e com correlação de interesses, essas penalidades serão
estipuladas de maneira mais branda. No entanto, esse assunto não é objeto deste
Capítulo 1, mas sim no Capítulo 3 infra.
Há casos em que a contratação de mútuo pode ser feita de maneira gratuita, não
resultando em qualquer infração ao art. 245 da LSA e o que justifica isso é a relação de
controle e participação existente entre a mutuante e a mutuária, é o que fica evidenciado
nas contratações entre controladora e subsidiária integral, visto que a primeira detém o
controle total da segunda, por ser ela sua única acionista. Logo, não há na subsidiária
integral, acionistas minoritários, o que significa dizer que a controladora não põe o
interesse de outros acionistas em risco e que todos os resultados da subsidiária integral à
controladora aproveitam. Nesse sentido, esclarece José Edwaldo Tavares Borba:
A subsidiária integral, tendo por único acionista a sociedade que a
controla, não dispõe de acionistas minoritários. Nessa condição, não
existem na subsidiária integral, interesses de acionistas minoritários
a serem considerados. Por outro lado, ao contratar com a sua
subsidiária integral, a controladora não põe em risco os interesses
dos seus acionistas. Se a controladora é a titular absoluta do capital
da subsidiária, todos os resultados por esta obtidos, à controladora
retornam, quer sob a forma de valorização do investimento, quer sob
a forma de distribuição de lucros.109
Do ponto de vista da subsidiária integral, o fato de a controladora conceder a ela
um mútuo gratuito, não acarreta qualquer dano financeiro aos acionistas, nem qualquer
questionamento por estes, visto não haver outros acionistas que não a acionista
controladora. Há também ausência de dano financeiro no caso de empréstimo entre
subsidiárias integrais da mesma controladora, conforme esclarece José Edwaldo Tavares
Borba:
“A concessão à subsidiária integral de um mútuo gratuito, não
acarretaria qualquer dano à controladora, posto que esse benefício,
de certa maneira, a ela refluiria. O mesmo poderá ser dito, no que
tange as relações entre subsidiárias integrais de uma mesma
109
BORBA, op. cit., p. 164.
48
controladora – os efeitos produzidos em uma e em outra repercutem,
de forma plena na mesma companhia (a controladora), que é a titular
de todas as ações de ambas as sociedades envolvidas na operação.
Análoga, igualmente, é a condição de sociedade cujo capital pertença
integralmente à controladora e a uma outra sociedade que é
subsidiária integral da controladora. Ou seja: por si própria, e,
indiretamente, através de sua subsidiária, a controladora, de forma
direta e indireta, torna-se a titular exclusiva do capital de companhia
que, embora não tendo o ‘status’ jurídico de subsidiária integral, temno, no entanto, no plano dos interesses envolvidos.”110
Ainda no tocante ao mútuo gratuito, há de se observar também se essa
modalidade não fere os interesses dos stakeholders da subsidiária integral, conforme
alerta José Edwaldo Taveres Borba:
A subsidiária integral, a despeito da unipessoalidade, é uma pessoa
jurídica, e, por via de consequência, mantém não apenas interesses
próprios, mas toda uma órbita de relações em que empregados,
administradores, credores, gravitam e até o próprio fisco. Assim,
mesmo no caso da subsidiária integral, a contratação em condições
não comutativas, como no caso do mútuo gratuito, exigiria a
constatação de que nenhum outro interesse estaria sendo sacrificado,
ou, se sacrificado, estaria sendo composto mediante adequada
compensação. Este seria o caso da gratificação de desempenho de
administradores e empregados, de tributos por ventura afetados e de
interesses de credores que fossem atingidos pela eventual insolvência
da empresa sacrificada. Esses interesses, todavia, dificilmente seriam
sacrificados sempre que o favorecimento viesse da controladora para
a subsidiária, pois todos os benefícios concedidos à subsidiária
integral retornariam, de alguma maneira, à controladora.111
Há algumas situações nas quais a sociedade apesar de ser controlada comportase como se subsidiária integral fosse, como esclarece José Edwaldo Taveres Borba:
Aquelas em que uma acionista detém todas as ações, exceto uma
parcela irrisória e inexpressiva do capital social, que pertencem a
conselheiros de administração (às vezes até fiduciariamente) ou a
determinadas pessoas naturais ou jurídicas que não passam de meros
110
111
Ibid, p. 164-165.
Ibid, p. 167.
49
figurantes. Se as ações em poder de terceiros, pelo diminuto valor de
que se revestem, não oferecem qualquer substância econômica, a
hipótese não encerra um efetivo interesse de acionistas minoritários a
ser tutelado – as relações entre a controladora (quase totalitária) e a
controlada (quase integral) equivalem às relações com uma
subsidiária integral. Essa assertiva não significa que o acionista, com
uma única ação que seja, não se encontre protegido pelo complexo de
normas que se dirigem à tutela dos minoritários. Significa apenas que
o conteúdo econômico do seu direito, por ser inexpressivo, não será
afetado pelas relações entre controladora e controlada.112
Já nas operações com a subsidiária não integral, há de se observar os interesses
dos acionistas da controladora, mesmo quando a relação desta ocorre com uma
subsidiária integral, conforme explica José Edwaldo Taveres Borba:
Um outro aspecto a ser examinado é o da subsidiária integral de
subsidiária não integral. Ora nas relações entre a controladora da
subsidiária não integral e a subsidiária integral desta, outros
interesses se interpõem: são os dos acionistas externos da subsidiária
não integral. Os acionistas da controladora, que beneficiou a
subsidiária integral de sua subsidiária não integral, poderão se
considerar prejudicados.113
Ainda no tocante à subsidiária integral, se a contratação do mútuo intercompany
for feita de maneira permanente, esse endividamento poderá ser substituído por um
aumento de capital, a ser integralizado parceladamente, de acordo com as necessidades
da sociedade, como lembra José Edwaldo Taveres Borba:
O empréstimo à subsidiária integral, quando se tratar de uma
necessidade permanente, poderá ser substituído por um aumento de
capital, a ser integralizado parceladamente de acordo com as
necessidades de giro ou de investimento da sociedade. Essa
alternativa, evidentemente, deverá ser equacionada em função das
previsões de necessidades e resultados da sociedade, a fim de afastar
a eventualidade de um capital excessivo.114
112
Ibid, p. 165.
Ibid, p. 165-166.
114
Ibid, p. 167-168.
113
50
Com relação ao prazo de vigência, os contratos de mútuo podem ser firmados
por prazo determinado ou indeterminado. No segundo caso, poderá ser resilido,
mediante denúncia unilateral, com aviso prévio de 30 (trinta) dias, conforme prevê o art.
473 c/c o art. 592, II, CC115.
Havendo prazo e não exigindo o mutuante a devolução a seu final, o contrato
passa a ter vigência por prazo indeterminado. O prazo de duração do contrato está
melhor delimitado mais adiante, no Subcapítulo 3.2. do Capítulo 3.
Por outro lado, estabelecido o prazo e não ocorrendo exceções, somente pode ser
exigida a restituição do valor mutuado ao final o prazo, a menos que este seja resilido
por uma das partes por meio da denúncia ou distratado por consenso entre as partes.
Além disso, o descumprimento de qualquer cláusula contratual também pode dar
margem à resolução do contrato.
O contrato de mútuo também poderá ser extinto por falência da sociedade, caso
em que esses créditos receberão tratamento específico. No entanto, há divergências com
relação à interpretação da legislação falimentar acerca da questão. Na visão de Calixto
Salomão Filho, esses empréstimos são equiparados às contribuições de capital social:
[...] É muito mais conveniente nesses casos adotar uma visão realista
e ampla do capital, considerando como tal todos os empréstimos (e
não são raros) feito pelo sócio à sociedade em crise.116
Para Francisco Satiro de Souza Jr. os créditos concedidos por sócias ou
acionistas, na qualidade de terceiros, à sociedade enquadram-se na alínea b, do inciso
VIII, do art. 83 da LREF, conforme segue:
115
Art. 473 – “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera
mediante denúncia notificada à outra parte.” Art. 592, CC – “Não se tendo convencionado expressamente,
o prazo do mútuo será: ... II - de trinta dias, pelo menos, até prova em contrário, se for de dinheiro;”
116
SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 222.
51
Uma vez pagos os subquirografários primários, passa-se à satisfação
‘pro rata’ dos subordinados, assim considerados os créditos dos
sócios e administradores sem vínculo trabalhista, bem como
quaisquer outros dessa forma definidos em lei ou no contrato. Por
expressa previsão da lei (art. 83, §2º), o crédito do sócio por resgate
de sua parcela no capital social da sociedade falida não se inclui
entre os créditos subordinados, mesmo porque sequer pode ser
reclamado na falência. Os créditos dos sócios ou administradores a
que se refere à alínea b do inciso VIII do art. 83 serão aqueles
decorrentes, por exemplo, de pró-labore ou mútuo, e serão
subordinados desde que não tenham algum outro privilégio.117
No mesmo sentido, mas omitindo-se sobre a classificação diversa dos créditos
dos sócios ou acionistas quando gozem de algum privilégio, entende Sérgio Campinho:
“Os créditos subordinados apenas irão preferir os sócios da
sociedade falida no ativo que renascer na liquidação falimentar.
Somente após o integral pagamento dos créditos subordinados é que,
havendo sobras (Lei nº 11.101/205, art. 153), serão elas partilhadas
entre os sócios, segundo a proporção de seus quinhões sociais, visto
que a falência implica a dissolução da sociedade. Desse modo, os
créditos de sócios referidos como subordinados não se confundem
com o direito essencial de que são titulares, consistente na
participação no acervo da sociedade em caso de liquidação. Assim se
um sócio conceder empréstimo à sociedade, o seu crédito será
classificado na categoria dos subordinados, direito, esse, portanto,
inconfundível com o de partilhar do ativo remanescente.”118
Fábio Ulhoa Coelho segue no mesmo caminho, pois entende que os créditos
concedidos por sócias ou acionistas que, ao invés de aportarem capital na sociedade
mediante aumento de capital social, decidem fazê-lo mediante a concessão de
empréstimo, são classificados como créditos subordinados, e conclui:
A segunda e última subclasse da classe dos credores
subquirografários é a dos subordinados. Ela abrange os créditos
cujos pagamentos somente pode ser feito após a satisfação integral
117
118
SOUZA JR., op. cit., p. 365.
CAMPINHO, op.cit., p. 407.
52
dos credores da falida, inclusive dos juros posteriores à massa.
Pertencem à ultima categoria dos credores da falida os debenturistas
titulares de debêntures subordinadas, na falência da sociedade
emissora (LSA, art. 54, §4º), e os diretores ou administradores da
sociedade falida sem vínculo empregatício, bem como sócios da
sociedade limitada ou acionistas da anônima por crédito de qualquer
natureza. Por exemplo, se quem titulariza o poder de controle de uma
companhia, em vez de aportar nela, como capital social, os recursos
necessários à exploração do objeto social, opta por emprestá-los, em
sobrevindo a falência da mutuaria, o crédito do controlador é
classificado como subordinado.119
Complementa Patrícia Barbi da Costa que as atividades sociais de uma
sociedade podem ser financiadas por mútuos intercompany, porém essa forma de
financiamento não deve ser adotada em prejuízo dos credores sociais, ou seja, o capital
social não pode ser propositalmente insuficiente, de modo a não satisfazer as garantias
dos credores sociais. Caso o capital social tenha sido assim propositalmente estipulado,
os créditos devem ser reclassificados para capital próprio, ficando as sócias ou
acionistas fora da classe dos créditos subordinados, conforme segue:
[...] é obrigação dos sócios ou acionistas manter o capital social
adequado às atividades da empresa, de forma que eventuais
empréstimos pelos sócios ou acionistas à sociedade deveriam ser
descaracterizados no caso de falência da sociedade e reclassificados
como capital próprio (e não incluídos discricionariamente na classe
dos créditos subordinados que se limitam aos créditos de sócios ou
acionistas que ocuparam cargo na administração da falida, sem
vínculo empregatício), pois aos sócios e acionistas caberia a
assunção do risco do negócio, afastando-se, em qualquer hipótese, a
socialização de perdas.120
Por fim, Fábio Konder Comparato entende que há de se avaliar o caso concreto
e, se conveniente, adotar tratamentos diferenciados, como na falência da sociedade
controlada, por exemplo, em que seria de se considerar ineficaz, de pleno direito, contra
a massa as garantias reais ou os privilégios eventualmente ligados ao crédito do
119
120
COELHO, op. cit., p. 228.
COSTA, op. cit., p. 679.
53
controladora mutuante, o qual passaria a concorrer, em igualdade de condições, com os
credores sociais simplesmente quirografários.121
Se por um lado pode haver a má-fé, fraude, conduta dolosa de sócias ou
acionistas em prejuízo dos credores, de outro lado há também a possibilidade de um
cenário norteado pela boa-fé de sócias ou acionistas com o intuito de financiar a
sociedade com recursos próprios, diversos daqueles que integram o capital social ou até
mesmo de tentar salvar a sociedade de uma crise financeira de modo que esta não venha
a falir. Por essa razão, é que se faz apropriado analisar, num processo falimentar, o caso
a caso, pois simplesmente classificar os créditos das sócias ou acionistas em último
lugar pode até desestimular a concessão de mútuo intercompany como forma de
financiamento das atividades sociais, financiamento este que, muitas vezes, pode ser
determinante para os negócios sociais. Nesse sentido, entende Renato Luiz de Macedo
Mange:
Com relação a colocar em último lugar o crédito fornecido por sócios
ou administradores sem vínculo empregatício, quer-nos parecer ser
apenas um preconceito do legislador contra o ‘dono’ da empresa.
Não vemos razão para, talvez por considerar que há sempre má-fé,
assim classificar o crédito que o próprio sócio aportar para sua
empresa. Essa norma apenas desestimula a aplicação de valores em
seu próprio negócio.122
Com base na análise das diversas posições sobre o tema, supracitadas,
defendemos a posição de que os créditos oriundos das contratações de mútuo
intercompany devem ser analisadas caso-a-caso, a má-fé nessas contratações não deve
ser presumida. Há de se pontuar, inclusive, e esse é um de nossos argumentos, que essa
forma de contratação pode ter sido utilizada como principal estratégia para alavancar as
atividades sociais. Além disso, a decisão sobre a contração de mútuo intercompany
pode estar completamente desvinculada do fato que direcionou a sociedade para o
cenário de falência.
121
Conforme: COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed., Rio
de Janeiro, Forense, 1983, p. 351.
122
MANGE, Renato Luiz de Macedo. Classificação dos créditos na falência. Revista do Advogado, São
Paulo, vol. 25, nº 83, p. 116-120, set. 2005.
54
Por fim, para encerrar esse tópico e como mera diferenciação, abordamos aqui,
em linhas gerais, alguns contratos que não devem ser confundidos com o mútuo
intercompany, são eles o contrato de repasse e o contrato de abertura de crédito.
O contrato de repasse pode ocorrer de duas formas, com e sem intervenção de
instituição financeira. No primeiro caso, a instituição financeira realiza uma operação de
empréstimo no exterior e o repassa para a sociedade mutuária no Brasil, mas o mutuante
não figura na operação, figurando apenas a instituição financeira repassadora e a
sociedade mutuária, havendo ganho financeiro resultante de adicional que se soma à
taxa. No segundo caso, operação de repasse ocorre intragrupo, porém a sociedade que
repassar o dinheiro não tem ganho ou benefício que a remunere, visto não ser instituição
financeira, nesse caso há apenas a possibilidade de cobrança de uma pequena comissão
destinada a suportar os custos administrativos gerados pela operacionalização e repasse
do empréstimo. Neste último caso, a operação de repasse visa apenas uma redistribuição
do empréstimo no âmbito interno do grupo, espécie de mútuo coletivo não estando
sujeito à Res. BACEN nº 63123, mas sim à autonomia da vontade e à liberdade
contratual. Nesse sentido, esclarece José Edwaldo Tavares Borba:
O repasse opera, na verdade, a transferência interna do conteúdo
econômico do contrato, que não é senão o dinheiro mutuado e as
respectivas condições de reembolso. Os bancos ao assim operarem
exercem o seu negócio, obtendo com o repasse, o ganho financeiro do
resultante de adicional de taxa. Diversamente, mas com
características semelhantes, dentro de um grupo de empresas não
financeiras o repasse também poderá ser praticado. Nesse universo, o
objetivo do repasse não é a realização de um negócio pelo
repassador, tanto que este não se propõe a obter ganho ou vantagem
direta na operação.124
Os empréstimos realizados no exterior são repassados no Brasil em moeda
corrente nacional, mas reproduzem as condições do empréstimo externo. A paridade
123
Resolução nᵒ 63, de 21/8/67, do Banco Central do Brasil, regulamenta a operação que tenha por
escopo a obtenção de empréstimo externo por instituição financeira com a finalidade de repassá-lo à
empresa brasileira.
124
BORBA, op. cit., p. 169.
55
cambial apoia-se no Decreto-lei nº 857/69 e em suas regras, que ressalvam e permitem a
correlação à moeda estrangeira nos casos de cessão, transferência, delegação ou
assunção de empréstimos externos, com exceção da transferência, as demais operações
precisam da concordância do credor para serem efetivadas.
Vale acrescentar que as operações de repasse também podem ser feitas para
empréstimos obtidos em reais, junto ao sistema financeiro nacional, para transferência à
sociedades de um mesmo grupo, nas mesmas condições do contrato original.
Já o contrato de abertura de crédito trata-se de contrato atípico, o qual consiste
na disponibilidade de certa soma de dinheiro que o creditador coloca a disposição do
creditado, ficando a cargo do creditado utilizá-la ou não, incidindo sobre o saldo
devedor apurado uma taxa de juros, podendo, ainda, haver uma comissão de reserva de
crédito, também chamada de comissão de compromisso, que tem por base de cálculo o
montante não utilizado do crédito aberto. O contrato de abertura de crédito poderá ser
feito por prazo indeterminado e nesse caso poderá ser extinto por denúncia unilateral.
Há duas modalidades de contrato de abertura de crédito, a simples, na qual o
creditado poderá levantar o crédito de uma só vez ou através de saques sucessivos e
parciais, até esgotá-lo, reembolsando o creditador no vencimento do contrato ou na
forma convencionada, e em conta corrente, na qual o creditado além de fazer os saques
poderá promover depósitos na conta corrente, de modo a reduzir a qualquer tempo o
saldo devedor, renovando o crédito disponível, que passa a girar com caráter de rotativo.
No tocante aos contratos de abertura de crédito, José Edwaldo Tavares Borba
comenta, conforme segue, que há discussões sobre a sua natureza:
Muito se tem discutido na doutrina nacional e estrangeira, quanto à
natureza do contrato de abertura de crédito. Alguns o veem como um
contrato preparatório de mútuo ou promessa de mútuo, enquanto
56
outros lhe atribuem a característica de contrato normativo ou de
contrato ‘sui generis’.125
Por outro lado, Waldemar Ferreira, entende, acerca do contrato de abertura de
crédito, que “... não há uma operação de mútuo, pois se o mútuo deve ser liquidado em
dinheiro, como seria o normal, o recebimento de um crédito para liquidá-lo
corresponderia a uma dação em pagamento, e, por essa razão, dependeria do
consentimento do credor (art. 356, CC).”126
Nessas contratações de abertura de crédito, o creditador tanto poderá ser uma
instituição financeira quanto qualquer pessoa natural ou jurídica e as restrições à
contratação por sociedades não financeiras são as mesmas já analisadas nas operações
de mútuo, ou seja, sem propósitos profissionais e sem intermediação especulativa.
Dessa forma, quando comparada a operação de mútuo intercompany com o
contrato de repasse e a abertura de crédito fica clara a diferença, visto que no mútuo
intercompany não há a figura do intermediador que conecta o emprestador com o
tomador nas mesmas condições do contrato original e nem uma disponibilidade de certa
soma colocada à disposição para saques sucessivos e parciais.
125
126
Ibid, p. 169.
FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo, Saraiva, 1962, v. 9. p. 12.
57
2. Aspectos societários
Conforme mencionado na Introdução deste trabalho, no âmbito das relações
societárias, entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo de sociedades, dada a
convergência de interesses, a possibilidade da simplificação de mecanismos de
contratação, a administração para o atingimento de redução de custos e otimização de
resultados, as sociedades têm buscado realizar operações intragrupo, mantendo suas
próprias estruturas jurídicas e autonomias patrimoniais, mas subordinadas à direção
econômica unitária, de acordo com as estratégia e os interesses comuns
preestabelecidos.
A corroborar esse entendimento, acrescenta Jorge Lobo:
[...] o grupo de sociedades é, hoje, uma revolucionária técnica de
organização da empresa moderna. A associação entre empresas pode
ocorrer de duas formas, pelo processo de cooperação, no qual duas
ou mais sociedades firmam um contrato entre si para a realização de
um determinado empreendimento em comum, mantendo cada uma sua
autonomia gerencial, respectiva personalidade jurídica, bem como
patrimônio próprio, ou pelo processo de concentração, no qual as
relações entre as sociedades participantes podem resultar em
situações de domínio ou de paridade entre elas. Operações tais como
fusão, incorporação, cisão, constituição de subsidiária integral e
formação de grupo de sociedades são exemplos de processos de
concentração empresarial. A formação de um grupo de sociedades,
por sua vez, pode ter uma relação contratual ou ter uma ‘índole
financeira’. [...] Em verdade, a empresa unipessoal, a sociedade
unifamiliar e a sociedade comercial de poucos sócios e parcos
recursos técnicos, científicos, econômicos e financeiros, concebidas e
exploradas exclusivamente para atender às necessidades primárias
locais, transformaram-se na empresa moderna – soberbo produto da
economia capitalista -, que tem como um dos princípios básicos a sua
contínua, racional e crescente expansão, interna e externa, com a
finalidade de conquistar novos mercados [...] numa economia
capitalista, caracterizada pela livre, acirrada e, por vezes, desleal
concorrência, não apenas as companhias precisam constantemente
desenvolver-se (expansão interna), como, por igual, concentrar-se
(expansão externa), através do processo de cooperação e/ou
concentração com o escopo de aumentar a produção e conquistar
58
consumidores, sobretudo em diferentes países e, até mesmo, em
diversos continentes.”127
Com isso, surge, para o direito societário, a necessidade de regular melhor a
relação de controle e participação societária, que é, inclusive, assunto do Subcapítulo
2.1., infra, para evitar eventuais desvios e abusos entre as sociedades do grupo, em
especial por parte da controladora, sem com isso privar a liberdade de negociação.
Nesse sentido, indaga André Antunes Soares de Camargo:
Diante desse cenário, surge uma inevitável preocupação jurídica no
que concerne aos grupos, verdadeiro dilema regulatório: como
conciliar a liberdade do agente econômico em organizar sua
atividade da forma que lhe aprouver, incluindo a possibilidade de
estruturar sua organização por meio de grupos e realizar transações
entre seus próprios participantes, com a proteção de interesses de
terceiros, sejam sócios minoritários, sejam credores? Isto é, como
evitar a ocorrência de eventuais desvios e abusos de parte a parte ao
se realizar tais transações, cujos interesses possam ser, inclusive,
legítimos em sua origem?”128
A formação de sociedades em grupos é, sem dúvida, crescente, em razão da
simplificação dos processos, da diversificação de financiamentos e de investimentos, do
aumento da produtividade, da redução de custos, entre outros, sendo, inclusive,
fomentada,
no
Brasil
e
no
mundo,
para
participação
em
concorrências
públicas/licitações.
Os institutos da cooperação e da concentração, a que se refere Jorge Lobo, estão
previstos na LSA. E, de acordo com essa lei, podem concentrar-se em grupos, por meio
do processo de cooperação e/ou concentração duas ou mais sociedades de tipos iguais
ou diferentes, sob o mesmo controle ou não. A cooperação diz respeito ao consórcio,
que é constituído mediante contrato129, nos termos do art. 279 da LSA130. Já a
127
LOBO, op. cit. p. 46.
Conforme: CAMARGO, op. cit., p. 50.
129
Art. 278, LSA – “As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem
constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. §
128
59
concentração abrange a fusão, incorporação, cisão, constituição de subsidiária integral e
formação de grupo de sociedades.
Neste estudo, interessa-nos: (a) o grupo de sociedades no qual estão inseridas as
sociedades coligada, controladora ou controlada, de tipos societários iguais ou
diferentes, ligadas por uma relação de controle e participação societária; (b) as
contratações de mútuo intercompany celebradas entre essas sociedades para
financiamento de atividades sociais; e (c) a vedação aos administradores em favorecer
quaisquer sociedades do grupo em detrimento daquela que eles administram.
Dessa forma, optando o grupo de sociedades por uma reestruturação ou,
simplesmente, por um planejamento econômico-financeiro de uma ou de algumas
sociedades do grupo, visando o mútuo intercompany como uma das ferramentas a serem
utilizadas na operação, há de se questionar, previamente, se o capital social da sociedade
mutuaria foi subscrito e integralizado adequadamente estimado, sendo suficiente para
satisfazer a garantia dos atuais credores sociais. Essa cautela é necessária, pois, num
processo de falência, a sociedade poderá ser questionada e poderá correr o risco desse
mútuo reclassificado como capital próprio. Há de se averiguar, ainda, dentre as
sociedades do grupo, de qual delas é mais conveniente se obter o empréstimo, em razão
de vantagens tributárias a serem consideradas.
1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições
previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade. § 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com
as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista
no contrato de consórcio.
130
Art. 279, LSA – “O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade
competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: I - a designação
do consórcio se houver; II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III - a duração,
endereço e foro; IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das
prestações específicas; V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados; VI - normas
sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de
administração, se houver; VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número
de votos que cabe a cada consorciado; VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns,
se houver. Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do
comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.”
60
A insuficiência do valor do capital social da sociedade mutuária, para fazer
frente às atividades sociais, viola a natureza da sociedade perante terceiros como ente
dotado de personalidade jurídica e patrimônio próprio, violando, ainda, o princípio da
limitação da responsabilidade jurídica, que está restrita ao valor do capital social.
Ainda no tocante ao planejamento dessas operações de mútuo intercompany,
outros aspectos societários devem ser levados em consideração, tais como: (a) forma de
convocação das sócias ou acionistas para deliberarem sobre o tema em reunião ou
assembleia geral;131 (b) quórum de instalação da reunião ou assembleia geral;132 e (c)
quórum de aprovação para que a operação seja contratada.133
Como mencionado no Subcapítulo 1.1.1. do Capítulo 1, que abordou o aumento
de capital social, esse mútuo intercompany, que é uma dívida e, portanto, compõe a
conta do passivo da sociedade, pode vir no futuro, por decisão das sócias ou acionistas,
ser convertido em investimento, aumentando-se, assim, o capital social. Nesse caso,
como já dito, o valor convertido deixará de compor a conta do passivo e passará a
compor o patrimônio líquido da sociedade.
Por outro lado, se esse mútuo não for convertido em investimento e se a
sociedade vir a não honrar suas obrigações por ser insuficiente o seu capital social,
estará esta sujeita,
num cenário de falência, à aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica ou a reclassificação dos créditos para capital próprio, desde que,
131
Art. 1.072, CC – “As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em
reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos
administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.” . Art. 121, LSA – “A assembleia-geral,
convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios
relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento.”
132
Art. 1.074, CC – “A assembleia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convocação, de
titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com qualquer número.” Art. 125,
LSA – “Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembléia-geral instalar-se-á, em primeira
convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social
com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número.”
133
Art. 1.010, CC – “Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os
negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das
quotas de cada um.” Art. 129, LSA – “As deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções
previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. §
1º O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que
especifique as matérias.”
61
é claro, fique comprovado que o valor do capital social foi fraudulenta ou dolosamente
estipulado. Caso em que o patrimônio de suas sócias ou acionistas será utilizado para a
satisfação dos créditos sociais.
No entanto, não havendo comprovada má-fé e nem fraude, o crédito que as
sócias ou acionistas têm contra a sociedade em razão da contratação de mútuo
intercompany, será habilitado, nos termos do art. 83, inciso VIII da LREF, no processo
de falência como crédito subordinado.
Essa questão da verificação da ocorrência ou não da má-fé deve ser
cuidadosamente analisada, pois uma vez verificada estará demonstrado o abuso do
poder de controle, ou seja, “[...] desvio de finalidade para fim outro, sempre sob a falsa
capa de exercício de poder (ou direito) legítimo, de modo a exceder os limites daquele,
gerando prejuízo a interesses de terceiros, determinados ou não [...]”134
Adicionalmente, deve-se levar em conta, nessa análise, se o empréstimo foi feito
antes de a sociedade estar em situação pré-falimentar, tendo, inclusive, ele sido utilizado
para tentar salvar a sociedade em crise, os negócios realizados em razão do empréstimo.
Adotando-se esse critério, construir-se-ia uma regra capaz de distinguir e
classificar as espécies de direitos creditórios de sócias ou acionistas a partir do instituto
da boa-fé, da averiguação da culpa ou dolo, do cumprimento do dever de diligência na
condução dos negócios, dos direitos e das obrigações.
2.1. Relação de controle e participação societária
Iniciamos a Introdução desse estudo discorrendo sobre a formação dos grupos de
sociedades e no Subcapítulo 1.1. tratamos das modalidades de financiamento das
atividades sociais, dando ênfase, à modalidade mais utilizada por esses grupos. Neste
134
FRONTINI, Paulo Salvador. Função social da companhia: limitações do poder de controle. In:
ADAMEK, Marcelo Vieira von (coord.). Temas de direito societário e empresarial contemporâneos. São
Paulo: Malheiros, 2011. p. 535.
62
Capítulo 2, que trata dos aspectos societários das operações de mútuo intercompany,
este Subcapítulo 2.1. visa demonstrar o funcionamento interno does grupos de
sociedades, ou seja, a relação de controle135 e participação societária existentes. Nesse
sentido, esclarece José Augusto Quelhas Lima Engrácia Antunes que os grupos de
sociedades tratam-se de um:
[...] conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que,
conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias
e distintas, se encontram subordinadas a uma direção econômica
unitária e comum [...] os elementos definidores do conceito de grupo
de sociedades são, assim, o elemento da independência jurídica das
entidades agrupadas e o elemento da dependência econômica do
conjunto destas (sociedades-filhas) relativamente ao poder de direção
de uma delas (sociedade-mãe).136
Na seara dos grupos de sociedades, há dois tipos de grupos, o de fato e o de
direito. Os grupos de sociedades de fato são formados por sociedades que mantém, entre
si, laços empresariais através de participações societárias, sem necessidade de se
organizarem juridicamente, mantendo-se isolados e relacionando-se sob a forma de
sociedades coligada, controlada e controladora, sem necessidade de maior estrutura
organizacional. Já os grupos de direito são aqueles criados mediante aprovação, pelas
assembleias gerais, de uma convenção de grupos, devidamente registrada, dando origem
a um grupo sociedades.137
Os grupos de direito estão regulados nos arts. 265 a 272 da LSA, os quais
definem: (a) a forma de constituição desses grupos e sua estrutura138; (b) o exercício do
135
“... controle vem a ser juridicamente, como o definiu Champau, o direito de dispor dos bens alheios
como um proprietário. Esse direito pressupõe, obviamente, o mecanismo da sociedade anônima. Tem, ele,
no seu conteúdo, as virtualidades da propriedade, assegurando ao titular a mesma ascendência pessoal do
proprietário. Lógico é, portanto, que a gestão dos bens sociais, vale dizer, o governo da empresa, fique na
dependência da vontade dos detentores do controle acionário da sociedade. São eles próprios que se
elegem administradores ou escolhem quem lhes convenha para o exercício da função.” GOMES, op. cit.,
p. 109.
136
ENGRÁCIA ANTUNES, José Augusto Quelhas Lima. Os grupos de sociedades: estrutura e
organização jurídica da empresa plurissocietária. 2. ed. Almedina: Coimbra, 2002. p. 52.
137
Conforme: ARAÚJO NETO, op. cit., 11 dez. 2012.
138
Art. 267, LSA – “O grupo de sociedades terá designação de que constarão as palavras ‘grupo de
sociedades’ ou ’grupo’. Parágrafo único. Somente os grupos organizados de acordo com este Capítulo
poderão usar designação com as palavras ‘grupo’ ou ‘grupo de sociedade’. Art. 269, LSA – “O grupo de
sociedades será constituído por convenção aprovada pelas sociedades que o componham, a qual deverá
63
controle do grupo139; (c) a participação recíproca entre as sociedades do grupo140; (d) a
independência jurídica das sociedades agrupadas141; e (e) a forma de administração e
representação desses grupos142.
O grupo de sociedades constitui, em si mesmo, uma sociedade, pois possui os
três elementos fundamentais de toda relação societária, quais sejam: (i) contribuição
individual com esforços ou recursos; (ii) atividade para lograr fins comuns; e (iii)
participação em lucros e prejuízos. Esses elementos podem ser encontrados em qualquer
grupo de sociedades, seja de fato ou de direito. Ainda que o grupo não possua
personalidade jurídica, é imperioso reconhecer que possui todos os elementos
necessários para o reconhecimento de uma sociedade empresarial, ou, neste caso, uma
sociedade de segundo grau. Portanto, não se trata de uma sociedade comum, e sim de
uma sociedade específica com características sui generis, chamadas pela doutrina, como
dito acima, de sociedades de segundo grau.143
Outros aspectos comuns ao grupo de sociedades são: (i) a centralização política
do poder de controle societário; (ii) a unidade de direção que permite a determinação
conter: I - a designação do grupo; II - a indicação da sociedade de comando e das filiadas; III - as
condições de participação das diversas sociedades; IV - o prazo de duração, se houver, e as condições de
extinção; V - as condições para admissão de outras sociedades e para a retirada das que o componham; VI
- os órgãos e cargos da administração do grupo, suas atribuições e as relações entre a estrutura
administrativa do grupo e as das sociedades que o componham; VII - a declaração da nacionalidade do
controle do grupo; VIII - as condições para alteração da convenção. Parágrafo único. Para os efeitos do
número VII, o grupo de sociedades considera-se sob controle brasileiro se a sua sociedade de comando
está sob o controle de: a) pessoas naturais residentes ou domiciliadas no Brasil; b) pessoas jurídicas de
direito público interno; ou c) sociedade ou sociedades brasileiras que, direta ou indiretamente, estejam
sob o controle das pessoas referidas nas alíneas a e b.” Art. 270, LSA – “A convenção de grupo deve ser
aprovada com observância das normas para alteração do contrato social ou do estatuto (art. 136, V).
Parágrafo único. Os sócios ou acionistas dissidentes da deliberação de se associar a grupo têm direito, nos
termos do artigo 137, ao reembolso de suas ações ou quotas.”
139
Art. 265, LSA – “§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e
exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular
de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.”
140
Art. 265, LSA – “§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no
artigo 244.”
141
Art. 266, LSA – “As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação
ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo,
mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos.”
142
Art. 272, LSA – “A convenção deve definir a estrutura administrativa do grupo de sociedades,
podendo criar órgãos de deliberação colegiada e cargos de direção-geral. Parágrafo único. A
representação das sociedades perante terceiros, salvo disposição expressa na convenção do grupo,
arquivada no registro do comércio e publicada, caberá exclusivamente aos administradores de cada
sociedade, de acordo com os respectivos estatutos ou contratos sociais.”
143
Conforme: ARAÚJO NETO, op. cit., 11 dez. 2012.
64
dos rumos a serem tomados pelas sociedades controladas; e (iii) autonomia patrimonial
diante da inexistência de responsabilidade solidária no seio dos grupos.144
O controle do grupo de sociedades pode ser exercido por pessoa natural, jurídica
ou grupo pessoas vinculadas145. Neste estudo interessa-nos o controle exercido por
pessoa jurídica, visto que os as operações de empréstimo, tema central deste estudo, são
realizadas entre sociedades, por essa razão são denominadas, como já dito, de
“intercompany loan”.
Nessa relação de controle, o acionista controlador deve ser titular de direitos que
lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder
de eleger a maioria dos administradores, conforme comenta Rodrigo Ferraz Pimenta da
Cunha:
O poder de controle interno é fático e consiste na dominação efetiva
das ações de uma sociedade ou, em outras palavras, na capacidade
de o agente de orientar amplamente as suas atividades e de decidir
144
Conforme: LOBO, Jorge. Direito dos grupos de sociedade. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, Editora Malheiros, n. 107, p. 103-106.
145
Art. 23, Lei n. 9.430/96 – “Art. 23. Para efeito dos arts. 18 a 22, será considerada vinculada à pessoa
jurídica domiciliada no Brasil: I - a matriz desta, quando domiciliada no exterior;
II
a
sua
filial
ou
sucursal,
domiciliada
no
exterior;
III - a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, cuja participação societária no seu
capital social a caracterize como sua controladora ou coligada, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art.
243
da
Lei
nº
6.404,
de
15
de
dezembro
de
1976;
IV - a pessoa jurídica domiciliada no exterior que seja caracterizada como sua controlada ou coligada, na
forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;
V - a pessoa jurídica domiciliada no exterior, quando esta e a empresa domiciliada no Brasil estiverem
sob controle societário ou administrativo comum ou quando pelo menos dez por cento do capital social de
cada
uma
pertencer
a
uma
mesma
pessoa
física
ou
jurídica;
VI - a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que, em conjunto com a pessoa
jurídica domiciliada no Brasil, tiver participação societária no capital social de uma terceira pessoa
jurídica, cuja soma as caracterizem como controladoras ou coligadas desta, na forma definida nos §§ 1º e
2º
do
art.
243
da
Lei
nº
6.404,
de
15
de
dezembro
de
1976;
VII - a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que seja sua associada, na forma de
consórcio ou condomínio, conforme definido na legislação brasileira, em qualquer empreendimento;
VIII - a pessoa física residente no exterior que for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou
companheiro de qualquer de seus diretores ou de seu sócio ou acionista controlador em participação direta
ou
indireta;
IX - a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que goze de exclusividade, como seu
agente, distribuidor ou concessionário, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos;
X - a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, em relação à qual a pessoa jurídica
domiciliada no Brasil goze de exclusividade, como agente, distribuidora ou concessionária, para a compra
e venda de bens, serviços ou direitos.”
65
sobre a sua forma de atuação no mercado em que estiver inserida.
Não há norma legal que assegure esse poder de mando, devendo o
controle ser verificado no caso concreto, no exercício efetivo do
direito de voto e na indicação dos administradores.146
Dentro do grupo de sociedades, através de holdings e subholdings, algumas
sociedades são ao mesmo tempo controladoras e controladas, posto que sendo
subsidiárias de uma determinada holding, são por sua vez controladoras de outras tantas
sociedades, que se colocam sob o seu poder de comando.
2.2. Subcapitalização material e subcapitalização nominal
A subcapitalização exige, para sua configuração, o vínculo societário, pois está
calcada na inadequada e não razoável provisão do capital social para exercício das
atividades sociais.
Há duas modalidades de subcapitalização: (a) a subcapitalização material,
quando a sociedade, para financiar as suas atividades sociais, não dispõe de recursos
próprios para aumentar o capital social, tampouco suas sócias ou acionistas, na
qualidade de terceiros, dispõem de recursos para conceder empréstimo à sociedade; e
(b) a subcapitalização nominal, quando a sociedade dispõe de meios necessários para
financiar as suas atividades sociais, ou seja, para aumentar o seu capital social, porém,
decide financiá-lo por meio de contratação de empréstimos oferecidos por suas sócias
ou acionistas, na qualidade de terceiros.
146
CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. O poder de controle na nova lei de falências e recuperações
judiciais. In CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO, Luís André N. de (Coord.). Poder
de controle e outros temas de direito societário e mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p.
326.
66
Portanto, essa segunda modalidade de subcapitalização consiste em “[...]
investimentos por meio de mútuos, como se fossem investimentos com capital de
terceiros, mas cuja essência é da natureza dos financiamentos de capital próprio.”147
E, é essa modalidade que interessa ao nosso estudo, a subcapitalização nominal,
assim entendida a operação em que as sócias ou acionistas decidem aportar recursos na
sociedade na forma de dívida (mútuo) ao invés de capital de risco (investimento),
assumindo, dessa forma, a posição de credoras perante a sociedade.
Esse instrumento de financiamento na forma de dívida tem previsão semelhante
às regras conhecidas internacionalmente como thin capitalization rules ou regra da
subcapitalização148, que estabelecem limites para a dedutibilidade dos juros pagos a
pessoas vinculadas, quando o passivo supera uma determinada proporção em relação ao
capital da devedora. Tais regras foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro
através da MP 472/2009, a qual foi convertida na Lei nº 12.249, em 11 de junho de
2010149.
147
LIMA, Mariana Miranda. A natureza jurídica dos juros sobre o capital próprio e as convenções para
evitar a dupla tributação. São Paulo, 2009, 146 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Direito da USP.
São Paulo, 2009.
148
Conforme: DINIZ, Gustavo Saad. Subcaptalização societária – financiamento e responsabilidade. Belo
Horizonte: Forum, 2012. p. 212-227.
149
“No dia 11 de junho de 2010, foi publicada a Lei nº 12.249/2010, fruto da conversão da Medida
Provisória (MP) nº 472/2009. A Lei nº 12.249/2010, além de promover alterações na redação original da
MP nº 472/2009, trouxe algumas novidades na legislação tributária aplicável às pessoas jurídicas. [...] IV
– Normas de Subcapitalização e Restrição à Remessa de Juros para o Exterior (Arts. 24, 25, 26): A MP nº
472/2009 introduziu, pela primeira vez na legislação brasileira, regras de subcapitalização, visando a
restringir a dedutibilidade de encargos financeiros em empréstimos entre empresas vinculadas. Entretanto,
a MP nº 472/2009 não tratava de situações em que os empréstimos eram obtidos, de forma exclusiva, com
empresas vinculadas, não constituídas em paraísos fiscais, e que não tinham participação societária na
empresa brasileira. Essa lacuna da legislação foi preenchida na Lei nº 12.249/2010, ao estabelecer que no
caso de endividamento exclusivamente com pessoas jurídicas vinculadas que não tenham participação
societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o somatório de todos os endividamentos não poderá ser
superior a duas vezes o valor do patrimônio líquido da empresa brasileira. Por outro lado, caso não exista
essa exclusividade, ou seja, nos casos em que o endividamento possa ser feito com vinculadas com e sem
participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o somatório das dívidas não poderá ser
superior a duas vezes o valor das participações de todas as vinculadas no patrimônio líquido da empresa
brasileira. No que tange às operações realizadas com pessoas localizadas em países com tributação
favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, o art. 25 da Lei nº 12.249/2010 suprimiu a necessidade de
atendimento ao limite individual (endividamento de cada entidade / 30% do patrimônio líquido da
empresa brasileira). Conforme a nova Lei, a partir de agora, basta o atendimento ao requisito global, ou
seja, o valor total dos endividamentos com todas as entidades situadas em paraísos fiscais não poderá ser
superior a 30% do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil. Outra novidade diz
respeito à inaplicabilidade das regras de subcapitalização em relação às captações feitas no exterior por
67
Na década de 90, de modo a inibir a subcapitalização e incentivar a realização
de investimentos de longo prazo, o Governo Brasileiro criou os JSCP, nos termos da Lei
nº 9.249/95. Apesar de [...] não ser uma inovação do sistema tributário, a abrangência
do seu âmbito de aplicação [...] possibilitou a extinção do tratamento discriminatório
que até então era dispensado ao capital próprio”150, permitindo a dedutibilidade dos
JSCP como despesa na receita tributável.
Em linhas gerais, o JSCP diz respeito ao “...cálculo dos juros sobre o capital dos
acionistas e sua apropriação como despesa para fins de cálculo da tributação das
empresas.151”
O JSCP não é objeto deste estudo, mas o citamos aqui apenas para pontuar que a
dedutibilidade da remuneração do JSCP não se confunde com a dedutibilidade da
remuneração dos juros do mútuo intercompany, visto que o JSCP está lastreado num
investimento de longo prazo que tem por objeto o capital próprio das sócias ou
acionistas da sociedade, integrando, portanto, o patrimônio líquido da sociedade; já o
mútuo intercompany, embora seja concedido pelas sócias ou acionistas da sociedade,
instituições financeiras de que trata o § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991 destinadas a operações de
repasse, nos termos definidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. A MP nº 472/2009 limitou a
dedutibilidade de juros e outras remunerações pagas para pessoas residentes em países com tributação
favorecida. De acordo com o art. 26 desta norma, a dedutibilidade, para fins de apuração do IRPJ e da
CSLL, estaria condicionada ao atendimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) a identificação do
efetivo beneficiário da entidade no exterior; b) a comprovação da capacidade operacional da pessoa física
ou entidade no exterior que realizar a operação; e c) a comprovação documental do pagamento do preço
respectivo e do recebimento dos bens, direitos ou a utilização do serviço. Entretanto, a partir da edição da
Lei nº 12.249/2010, essas regras deixaram de ser aplicadas em relação ao pagamento de juros sobre o
capital próprio. Além disso, a comprovação da capacidade operacional deixou de ser aplicada nos casos
em que as operações não tenham como objetivo a redução da carga tributária e quando a beneficiária dos
recursos seja subsidiária integral, filial ou sucursal da pessoa jurídica remetente domiciliada no Brasil e
tenha seus lucros tributados na forma do art. 74 da MP nº 2.158-35, de 24.08.2001.” Rolim, Viotti &
Leite Campos Advogados. Lei nº 12.249/2010 – Conversão em Lei da MP nº 472/2009. 29 jun 2010.
Disponível em:,<http://www.rolimvlc.com/noticias-para-informe/lei-n-12249-2010-conversao-em-lei-damp-n-472-2009/>. Acesso em: 4 fev. 2014.
150
LIMA, op. cit., f. 143.
151
SCARPEL, Rodrigo Arnaldo; MILIONI, Zeferino. Os juros sobre o capital próprio versus a vantagem
fiscal do endividamento. Revista de Administração da USP, São Paulo, v.36, n. 2, p. 89, abr./jun. 2001.
68
estas o concedem na qualidade de terceiros, sendo, portanto, uma dívida que integra o
passivo da sociedade e o limite para sua dedutibilidade descrito na Lei nº 12.249/2010.
O capital também integra o patrimônio líquido, mas sua forma de remuneração é
tradicional, consistente nos lucros ou dividendos, os quais são dedutíveis para fins
tributários. Já o capital de terceiros é remunerado mediante o pagamento de juros
passíveis de dedução quando do cálculo do IRPJ devido pela sociedade.
Além da questão da dedutibilidade dos juros como despesa na receita tributável,
outros aspectos devem ser analisados para se verificar qual opção de financiamento para
as atividades sociais é mais vantajosa, a contratação de mútuo intercompany ou o
aumento de capital social.
Numa breve análise sobre o aumento de capital social, verificamos que: (a) os
recursos ingressados mediante aumento de capital somente poderão ser devolvidos
mediante redução do capital social, observados os trâmites estabelecidos na legislação
societária; (b) a remuneração será paga somente se houver lucro; e (c) a
responsabilidade das sócias ou acionistas, frente aos credores sociais, aumenta na
mesma proporção em que é aumenta o valor das quotas do capital social.
Em contraposição, numa breve análise sobre a contratação de mútuo
intercompany, verificamos que: (a) a devolução dos recursos ingressados na sociedade
pode ser feita a qualquer tempo; (b) a remuneração do capital pode ser paga mesmo que
a sociedade tenha apurado prejuízo; (c) não há relação entre o valor mutuado e as quotas
sociais, as quais estão atreladas à responsabilização frente aos credores sociais; e (d) é
permitida a dedutibilidade dos juros como despesa na receita tributável da sociedade
mutuária, visto que tratar-se de uma dívida que integra o passivo, observadas as regras
da Lei nº 12.249/2010.
69
Porém, como vimos Subcapítulo 1.1. (Capítulo 1), as decisões de financiamento
devem ser planejadas, levando-se em conta alguns fatores que podem mudar em razão
da legislação e/ou das conjunturas econômicas do momento da contratação e, portanto,
aumentar o risco e, consequentemente, os custos do capital. Como lembram Vagner
Roberto Araújo de Andrade e Rubens Famá:
O executivo pode estar diante de diferentes oportunidades de novos
investimentos e todos parecerem favoráveis, se considerados apenas
os critérios financeiros usuais e o custo de capital da empresa. A
análise da composição da carteira atual (ou de projetos ou de
unidades de negócio) com a inserção de cada uma dessas novas
oportunidades pode fornecer subsídios para a decisão.”152
Vale dizer que, a opção pelo endividamento não é, necessariamente, ruim, desde
que não seja excessivo e possa ser dedutível como despesa na receita tributável da
sociedade mutuária. Para tanto, há de se avaliar, como mencionado, as condições de
mercado e a flutuação das taxas de juros à época da contratação.
O fato pelo qual o endividamento excessivo não é interessante, está relacionado
ao comprometimento da capacidade de pagamento em períodos de retração da atividade,
abalando, assim, a saúde financeira da sociedade.
No tocante especificamente à devolução do capital, ao optarem pela contratação
de mútuo intercompany as sócias ou acionistas o fazem em razão de seu poder político,
ou seja, na intenção de deliberarem o pagamento prioritário desses empréstimos quando
bem entenderem, influenciando, para esse fim, as decisões da administração. No
entanto, num cenário de falência, isso pode, além de denotar a má-fe, trazer
responsabilização ao administrador que se deixou influenciar, quando deveria zelar
pelas operações financeiras realizadas.
152
ANDRADE, Vagner Roberto Araújo de; FAMÁ, Rubens. Aplicação de índices financeiros na
aplicação de unidades estratégicas de negócio e a decisão de investimento baseada no risco de cada
unidade: um estudo exploratório. Revista de Administração da USP, São Paulo, v.36, n. 2, p. 68, abr-jun
2001.
70
Um outro aspecto a se considerar, é que esses empréstimos não constituem
garantias aos credores sociais, sendo os créditos desses empréstimos recebidos em
igualdade de condições com os demais credores na falência.
É importante ressaltar que não basta a existência do mútuo intercompany para
caracterizar a subcapitalização nominal, é necessária a comprovação de que o capital
social seja fraudulenta ou dolosamente insuficiente para a realização do objeto social, só
então dará margem à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e
responsabilização das sócias ou acionistas da sociedade.
O capital social estar propositalmente estipulado abaixo do valor necessário para
financiar as atividades sociais a sociedade financiar-se por meio de contratação de
mútuos intercompany, viola o princípio da boa-fé, pois desrespeita a legislação
societária, uma vez que: (i) o capital não satisfaz os interesses dos credores sociais; e
(ii) acoberta a distribuição disfarçada de lucros153 num momento em que a sociedade
não tem lucros para distribuir154, assunto este que será objeto do Subcapítulo 2.3.,
abaixo.
153
Art. 60, DL 1.598/77 - “Presume-se distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa
jurídica: ... VII - realiza com pessoa ligada qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim
entendidas condições mais vantajosas para a pessoa ligada do que as que prevaleçam no mercado ou em
que a pessoa jurídica contrataria com terceiros; ...” Art. 464, RIR/99 – “Presume-se distribuição
disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa jurídica: I – aliena, por valor notoriamente inferior ao
de mercado, bem do seu ativo à pessoa ligada; II – adquire, por valor notoriamente superior ao de
mercado, bem de pessoa ligada; III – perde, em decorrência do não exercício de direito à aquisição de
bem e em benefício de pessoa ligada, sinal, depósito em garantia ou importância paga para obter opção de
aquisição; IV – transfere a pessoa ligada, sem pagamento ou por valor inferior ao de mercado, direito de
preferência à subscrição de valores mobiliários de emissão de companhia; V – paga à pessoa ligada
aluguéis, royalties ou assistência técnica em montante que excede notoriamente ao valor de mercado; VI
– realiza com pessoa ligada qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim entendidas
condições mais vantajosas para a pessoa ligada do que as que prevaleçam no mercado ou em que a pessoa
jurídica contrataria com terceiros.”
154
Art. 1.059, CC – “Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer
título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do
capital.”
71
2.3. Impacto nos resultados das sociedades envolvidas e os riscos tributários
Para o direito tributário, “... o conceito e a responsabilidade grupal podem ser
extraídos da leitura do artigo 124 do CTN155, em especial pelo interesse comum que um
grupo com unidade econômica e direção comum poderá ter na prática”.156
O direito tributário está muito atento às operações de mútuo intercompany,
especialmente aquelas celebradas no âmbito dos grupos multinacionais, que
implementam planejamentos visando à redução da carga tributária por meio de
deslocamento de lucros e demais recursos de uma sociedade
a outra, atribuindo
artificialmente valores às mercadorias e serviços que transitam entre uma pessoa
jurídica e outra.157
Com base nisso, a RFB tem fiscalizado tais planejamentos e determinou, no ano
de 2008, que os mútuos intercompany, realizados entre sociedades multinacionais e suas
subsidiárias brasileiras passariam a ser objeto de mais rígida fiscalização. A RFB
pretendia autuar, com mais frequência e mais eficiência, nos planejamentos tributários
internos de grupos, cujo objetivo principal fossem obter redução na base de cálculo,
portanto, no pagamento devido em decorrência da tributação do IRPJ e CSLL, pela
utilização dos juros a título de despesas.158
Por essa razão, entende Almir Rogério Gonçalves que se faz necessária uma
“regulação sobre os preços de transferência, prática empresarial comum que se encontra
155
Art. 124, CTN – “São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na
situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas
por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”
156
SETTE, André Luiz M.A. Responsabilidade solidária no direito previdenciário das empresas
integrantes de grupos econômicos. São Paulo: Repertório de Jurisprudência IOB n. 2, jan. 2005. p. 5456.
157
CAMARGO, op. cit. p, 127.
158
Conforme: GOULART, J. Empréstimos de mortes a filiais são alvos da Receita, Valor Econômico,
2008.
72
em uma faixa ‘nebulosa’ entre a elisão (prática lícita de planejamento tributário) e a
evasão (prática ilícita de planejamento tributário).159
Para Flávia R.V. Penido as regras para evitar a distribuição disfarçada de lucros
buscam proteger os acionistas minoritários e os credores. E, para que essa prática seja
configurada, faz-se necessária a ocorrência concomitante de: renda, lucro e simulação
de um ato jurídico formal e validamente realizado entre partes relacionadas.160
Cada sociedade desenvolve o seu universo peculiar de relações, que se estende
muito além dos interesses das próprias sócias ou acionistas, como tal compreendendo
empregados, credores, clientes e até mesmo a Fazenda Pública, que poderiam ser
afetados pelas eventuais transferências de benefícios que se operassem entre as
sociedades de um mesmo grupo.
Logo, observadas tais condições, tem-se que as operações de mútuo
intercompany devem pautar-se pelos padrões de mercado com o propósito específico de
financiar as atividades sociais, não deve de maneira alguma ser utilizado de modo a
transferir resultados entre sociedades, seja para ampliá-los seja para restringi-los, visto
que se isso for feito atinge diretamente os acionistas minoritários das sociedades
prejudicadas, afetando o seu patrimônio e o seu dividendo, bem como os seus
administradores e empregados com direito a participação nos lucros ou resultados da
sociedade sacrificada. Além do que, essa transferência de resultados pode, ainda,
chamar a atenção do Fisco, que poderá questionar os resultados fiscais das sociedades
do grupo, sob a alegação de transferência ou omissão, dando margem a uma
fiscalização.
159
Conforme: GONÇALVES, Almir Rogério. Conceito, regras e situação atual do “transfer price” no
Brasil. São Paulo: Revista de Direito Mercantil, n. 118, abr./jun. 2000.
160
Conforme: PENIDO, Flávia V.R. Distribuição disfarçada de lucros. São Paulo: RT, n.11, p. 121122, abr./jun. 1995.
73
Essa fiscalização poderá ser ainda mais rigorosa se uma das partes estiver
localizada em país ou dependência com tributação favorecida,161 que: (i) não tribute a
renda à alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento), considerando-se a legislação
tributária do referido país ou dependência aplicável à pessoa física ou jurídica residente
ou domiciliada no exterior, conforme a natureza do ente com o qual houver sido
praticada a operação; e também: (ii) cuja legislação não permite o acesso à informações
relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à
identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.162
Isso porque, país ou dependência com tributação favorecida possui regime fiscal
privilegiado, que tem como características: (a) não tributação da renda ou tributação à
alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento); (b) concessão de vantagem de
natureza fiscal à pessoa física ou jurídica não-residente sem exigência de realização de
atividade econômica no país ou dependência ou condicionada ao não exercício de
atividade econômica substantiva no país ou dependência; (c) não tributação, ou
tributação em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento), dos rendimentos
auferidos fora de seu território; (d) não permissão ao acesso a informações relativas à
composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas
realizadas.163
A legislação fiscal já determinava limites para a dedutibilidade de juros,
diferenciando os contratos de mútuo registrados no BACEN daqueles não registrados.
Essa questão já era regulada pelo art. 22 da Lei nº 9.430/1996, dispositivo legal esse que
continua em vigor, sendo expressamente mencionado na introdução dos arts. 24 e 25 da
MP 472/2009, a qual foi convertida na Lei nº 12.249/2010 em 11 de junho de 2010.
161
“País ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado é também conhecido
com paraíso fiscal.” STUBER, Walter Douglas. A adoção das thin capitalization rules no ordenamento
jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 73, fev. 2010. Disponível em:
<http://www.ambito.juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leituraɛɈartigo_id=7262>.
Acesso em 11 dez. 2012.
162
STUBER, op. cit., 11 dez 2012.
163
Ibid, 2012.
74
Para os contratos a serem registrados no BACEN a taxa de juros deve ser
determinada com base na taxa acordada quando da celebração dos contratos.
No caso de mútuo com pessoa vinculada, a pessoa jurídica mutuante domiciliada
no Brasil deverá reconhecer como receita financeira correspondente à operação, no
mínimo o valor apurado segundo o critério especificado, já para os contratos não
registrados no BACEN, só são dedutíveis para fins de determinação do lucro real com
base na taxa e no prazo previsto na legislação.
No tocante à dedutibilidade, os juros serão calculados com base no valor da
obrigação ou do direito, expresso na moeda objeto do contrato de mútuo e convertida
em moeda corrente nacional pela taxa de câmbio divulgada pelo BACEN para a data do
termo final do cálculo dos juros. O valor dos encargos que exceder esse limite e a
diferença de receita apurada na forma acima mencionada serão adicionados à base de
cálculo do IRPJ. Esse critério aplica-se não só ao lucro real como também ao lucro
presumido ou arbitrado.164
2.4. Visão dos stakeholders
Como mencionado na Introdução deste estudo, os stakeholders, são as partes
interessadas, são indivíduos ou entidades que assumem algum tipo de risco, direto ou
indireto, relacionado à atividade da organização, estando aí incluídas as sócias ou
acionistas da sociedade, empregados, clientes, fornecedores, credores, governo,
comunidades do entorno das unidades operacionais, entre outras. Nesse sentido,
esclarece Almir Ferreira de Sousa:
Todas as pessoas jurídicas e físicas que influenciam a empresa e são
influenciadas por ela são seus stakeholders. Medidas financeiras que
retratem separadamente o relacionamento com esses agentes devem
passar por uma redefinição da empresa em que a criação de valor
164
Ibid, 2012.
75
começa com o pressuposto de equilíbrio na relação com os diversos
agentes que fazem contratos para que a organização atinja seus
objetivos.165
Numa operação de mútuo intercompany além de se analisar os critérios já
mencionados neste estudo, como o correto financiamento das atividades sociais, a
satisfação dos créditos dos credores e a não transferência de resultados, há de se
observar também todas as partes que poderão ser afetadas por essa operação, tais como
os minoritários, os administradores e os empregados com direito a participação nos
lucros ou resultados, credores da sociedade, clientes e até mesmo a Fazenda Pública,
incluindo também os interesses das sociedades controladora, controlada e coligada
quando estas assumem a posição de credoras da sociedade em razão de financiamento
às atividades. Nesse sentido, acrescenta Almir Ferreira de Sousa:
Os stakeholders atuam como fornecedores de fundos para empresas:
fornecedores, funcionários, governo, bancos e proprietários
emprestam diretamente recursos para a empresa gerir suas
operações. Pode-se dizer que há um estímulo ao investimento dos
stakeholders nas empresas dependentes da estabilidade que esses
agentes econômicos vislumbrem de que os contratos celebrados serão
mantidos. Numa situação de instabilidade na manutenção ou no
cumprimento desses contratos, espera-se que haja uma tendência de
desinvestimento por parte desses stakeholders.166
Dessa forma, há stakeholders com os mais diversos tipos de relacionamento com
a sociedade, ligados ou não diretamente na administração da sociedade. Se tomarmos
como exemplo as sociedades anônimas com capital pulverizado, é possível verificar que
seus stakeholders tem o direito de fiscalização garantido em razão da regulação do
mercado de capitais, conforme comenta André Antunes Soares de Camargo.
A regulação do mercado de capitais traz, ainda, maior facilidade de
monitoramento das ações e decisões por todos aqueles sócios e
demais stakeholders não diretamente ligados à administração de uma
sociedade, muitas vezes suprindo os já existentes direitos legais de
165
SOUSA, Almir Ferreira de. O valor da empresa e a influência dos stakeholders. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 101.
166
Ibid, p. 74.
76
fiscalização. Trata-se de uma questão de política pública criar
determinada regulação sobre um mercado, bem como ter um nível
mais ou menos impositivo na regulação existente. Em geral, a
regulação do mercado de capitais busca dois objetivos fundamentais:
proibir fraudes societárias; e (b) determinar a divulgação obrigatória
de informações sobre a companhia e sobre os valores mobiliários
colocados à negociação no mercado.167
O cuidado e o diálogo com os stakeholders é bastante importante em um
processo de recuperação judicial e falência, pois é importante negociar prazos e
condições, mas para isso há de se ter uma postura séria, transmitir confiança, colocandoos a par das dificuldades operacionais e financeiras da sociedade, fazendo-os
compreender a situação. Assim como também a sociedade precisa entender, ao
negociar, que cada stakeholder tem seus objetivos e interesses, o grupo de empregados
ou sindicatos, por exemplo, focam na preservação de empregados, já os diretores e
administradores focam na preservação de seus cargos e status de poder.168
Essa negociação é bastante delicada e importante, por isso é “... vital que os
stakeholders sejam conquistados e chamados a participar no processo de avaliação da
recuperação da empresa...”, isso facilitará a manutenção das linhas de créditos ou
liberação de pagamentos.169
Em resumo, num cenário de recuperação ou falência, aconselha-se que os
stakeholders sejam geridos com clareza, de modo a reduzir-lhes a ansiedade, fazendo-os
sentir-se mais seguros. Além disso, deve haver transparência nas informações, pois isso
alimenta a confiança, franqueza a respeito dos fatos, sem divulgações precipitadas,
deve-se negociar a aceitação da realidade e o apoio das partes interessadas.
167
CAMARGO, op. cit., 173.
Conforme: SLATTER, Stuart; LOVETT, David. Como recuperar uma empresa: a gestão da
recuperação do valor e da performance. Capítulos exclusivos da edição brasileira Eduardo Lemos,
Thomas Felsberg; organização Perform Management & Consulting. São Paulo: Atlas, 2009, passim.
169
Ibid, p. 167.
168
77
2.5. Casos práticos e jurisprudência
Neste Capítulo 2 demonstramos os aspectos societários das operações de
empréstimo entre sociedades com relação de controle e participação societária no
âmbito do grupo de sociedades, discorremos sobre as consequências do capital social
dessas sociedades ser insuficiente para a realização das atividades sociais, seja por falta
de recursos internos ou externos de financiamento (subcapitalização material) seja optar
pelo endividamento mesmo tendo recursos internos disponíveis para se financiar
(subcapitalização nominal). Abordamos, ainda, como a subcapitalização nominal da
sociedade é vista pelo magistrado num cenário de recuperação judicial e falência.
Esclarecemos o impacto dessas operações nos resultados das sociedades do
grupo e os riscos tributários e, por fim, abordamos como os stakeholders veem a
utilização dessa modalidade de financiamento e a importância desse relacionamento no
processo de recuperação judicial e falência.
Essas operações, envolvendo grandes grupos de sociedades, volta e meia viram
assunto na mídia, seja por estarem passando por uma reestruturação societária seja por
terem suas ações valorizadas ou desvalorizadas na bolsa. Um exemplo relativamente
recente é o do grupo JBS, que teve divulgados os empréstimos entre sociedades do
grupo, sendo uma delas sociedade por ações de capital aberto do ramo do agronegócio,
que teria celebrado contrato de mútuo no valor equivalente a US$ 200.000.000,00
(duzentos milhões de dólares) em favor de uma sociedade de um de seus controladores,
empréstimo este que não foi lançado na conta do passivo da sociedade se tornou público
em razão da exorbitante variação da conta de créditos com partes relacionadas entre o
balanço patrimonial de 2008 e o balancete do primeiro trimestre de 2009. Além disso, a
divulgação desse mútuo não foi voluntária, visto que só teria ocorrido após
questionamento dos investidores.170
170
Conforme: GAMA, Daniele; VALENTI, Graziella. JBS Friboi empresta US$ 200 milhões a empresa
do dono, Valor Econômico, 2009.
78
Um outro exemplo é o da sociedade por ações de capital aberto Brasil Ecodiesel,
que teria recebido, em meados de 2008, vultosos empréstimos de um de seus acionistas
controladores e fundador, essa operação foi questionada pelo mercado, estando sob o
alvo das discussões as transações entre partes relacionadas como opção de
financiamento, em especial seus motivos, partes envolvidas, montante, momento e
eventuais alternativas à disposição.171
Quanto aos contratos de mútuo intercompany em que uma das partes esteja
localizada no exterior, os tribunais têm se pronunciado no sentido de que esses contratos
devem ser registrados no BACEN e que essas operações devem refletir o preço de
mercado internacional. Nesse sentido, segue decisão do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais:
Contratos de mútuo internacional na moeda real. Empréstimos
concedidos
pela controladora situada
no
Brasil
para
a controlada situada no exterior. Contratos não registrados no
BACEN aplicação de ofício da legislação dos preços de transferência
vigente na data da apropriação dos rendimentos. No caso
de mútuo celebrado na moeda real com pessoa jurídica vinculada
situada no exterior cuja contabilidade é registrada em dólar, em
operação não registrada no BACEN, a mutuante, domiciliada no
Brasil, deverá reconhecer, como receita financeira correspondente a
operação, no mínimo, o valor dos juros e o ganho com variação
cambial (pois, para o Fisco o contrato in casu considera-se efetuado
na moeda dólar), tudo consoante a legislação dos preços de
transferência, a qual tem por escopo, em suma, que nas operações
internacionais entre pessoas jurídicas vinculadas seja observado o
principio arm's length, vale dizer, que essas operações reflitam o
preço do mercado internacional, praticado pelas empresas
independentes (Lei 9.430/96, art. 22, § 1°). Não serão dedutíveis na
apuração do IRPJ e da CSLL as perdas com variação cambial, por
desnecessidade da despesa (Lei n° 9.352, art. 1º, § 1°, "C" E § 3°,
com redação dada pela Lei 9.959/2000, art. 3º, E RIR/99, arts. 299 e
300). 172
171
Conforme: GAMA, Daniele; VALENTI, Graziella. Brasil Ecodiesel recorre ao sócio para crédito,
Valor Econômico, p. D3, 2008.
172
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1ª Seção de Julgamento. 3ª Câmara. 2ª Turma
Ordinária. Acórdão nº 130200056 do Processo 16561000027200681. Data de publicação: 27 ago. 2009.
79
No tocante aos empréstimos feitos por sócios à sociedade sem a adequada
contabilização dos recursos, os tribunais têm desclassificado essa operação de
empréstimo para investimento, passando a compor a conta do capital social. Nesse
sentido, segue decisão do TJ de São Paulo:
Ação Ordinária de Anulação de Alteração de Cláusula de Contrato
Social. Pré-existência de diversos empréstimos à sociedade. Cotas
subscritas e não integralizadas de sócio remisso adquiridas por
pagamento direto da conta corrente de sócio - Falha no registro
contábil que não reflete a realidade - que deve ser considerada como
pagamento feito pelo sócio visando a aquisição das quotas
do sócio excluído da sociedade e não como um empréstimo à
empresa.173
No tocante aos empréstimos feitos por sócios à sociedade sem a adequada
contabilização dos recursos, os tribunais têm entendido que alguns deles configuram a
distribuição disfarçada de lucros. Nesse sentido, segue decisão do TRF:
Empréstimo do sócio à empresa sem registro contábil. ônus da prova.
... não é decisivo para afastar a presunção de distribuição disfarçada
de lucros o fato de não ter a empresa lucros acumulados e registrar
prejuízo no exercício considerado, pois esses fatos, em tese, podem
resultar da própria distribuição disfarçada de lucros.174
2.6. Conclusões parciais
As conclusões parciais alcançadas neste Capítulo 2 são no sentido de que as
operações de mútuo intercompany são lícitas e legítimas, uma vez que sociedades não
financeiras estão autorizadas pela legislação a realizar essas operações. Tais operações,
por ocorrerem no âmbito do grupo de sociedades, devem respeitar os interesses de cada
uma delas, evitando-se, assim, o favorecimento de uma em detrimento de outra, o que
deve ser acompanhado de perto pelos administradores, sob pena de serem
173
TJ-SP - Apelação APL 9192733982004826 SP 9192733-98.2004.8.26.0000 (TJ-SP). Data de
publicação: 28 jun. 2012.
174
TRF-1 - Apelação Cível AC 77742 MG 1998.01.00.077742-8 (TRF-1). Data de publicação: 03 mar.
2000.
80
responsabilizados por perdas e danos. No tocante à responsabilidade dos
administradores, ensina Carvalho de Mendonça:
Incumbe-lhes, ainda, a observância fiel da lei e dos estatutos, na
salvaguarda dos direitos e interesses da sociedade, dos acionistas e
de terceiros. Sob este ponto de vista, os administradores deixam de
ser os detentores do Poder Executivo [...], para assumirem a posição
de fiduciários dos direitos e interesses, garantidos pela lei e pelos
estatutos, dos acionistas e terceiros. Em outros termos: eles têm a seu
cargo não somente a gestão dos patrimônio social, mas também o
cumprimento da lei e dos estatutos; representam tanto a sociedade e a
lei, como, de certo modo, os acionistas e os credores.175
Portanto, nessas operações deve-se estudar cuidadosamente o tipo de
financiamento a ser utilizado (financiamento interno ou externo), primeiro, para que
seja adequado ao financiamento das atividades sociais e à satisfação dos interesses dos
credores sociais; segundo, para que seja eficiente em alavancar as atividades sociais ou
tentar salvá-la de uma crise, se for o caso; terceiro, que seja correto com relação à
contratação, aplicação, contabilização, divulgação das informações e no trato com os
stakeholders.
Seguindo esses passos, num eventual questionamento sobre uma possível
subcapitalização nominal, a sociedade terá meios de comprovar a sua boa-fé e a
diligência de seus administradores, podendo defender com propriedade que a decisão
de financiar as atividades sociais via contratos de mútuo intercompany e não via
aumento de capital social não foi fraudulenta ou dolosamente arquitetada, mas sim
estrategicamente planejada. Nesse sentido, esclarece Damodaran:
as empresas podem usar dívida ou patrimônio líquido para financiar
investimentos. No entanto, no contexto das abrangentes categorias de
175
MENDONÇA, op. cit., 50
81
dívida e patrimônio líquido existe uma variedade de instrumentos e
veículos de financiamento que podem ser utilizados. [...] Para as
empresas de capital fechado, as escolhas podem abranger desde o
patrimônio dos proprietários, capital especulativo ao patrimônio
líquido privado. Para empresas de capital aberto, emitir ações é a
forma mais comum de aumentar patrimônio líquido, mas warrants e
opções de ações expandiram as escolhas existentes.176
Para proporcionar maior segurança jurídica177 a essas contratações de mútuo
intercompany, manifestando apropriadamente a declaração de vontade das partes e,
consequentemente, garantindo seus direitos, faz-se necessário formalizá-las por meio de
contrato, visto ser no contrato que instrumentalizamos “... a vontade das partes
signatárias, as circunstâncias em que referida contratação ocorre, bem como o conjunto
sistemático de termos e condições escolhidas pelos contratantes.”178 Por essa razão, os
aspectos contratuais do mútuo intercompany é tema do próximo capítulo.
176
DAMODARAN, op. cit., p. 399.
Art. 5º, CF – “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;”
178
CAMARGO, op. cit., p. 100.
177
82
3. Aspectos contratuais
No Capítulo 2 discorremos sobre os aspectos societários, no âmbito dos grupos
de sociedades, de contratações de mútuo intercompany. Neste Capítulo 3 o objetivo é
demonstrar que “... todo contrato deve ser visto como uma unidade normativa resultante
da concreta valoração dos fatos feita pelos contratantes, motivo pelo qual a
interpretação sistemática e teleológica se impõe de maneira inefragável ...”179
A corroborar esse entendimento, comenta Marcelo Guedes Nunes que “... a
técnica de interpretação de contratos é uma ferramenta que, dependendo da abordagem
do intérprete, pode ser utilizada como justificativa para a intervenção no conteúdo das
obrigações contratadas, sendo, portanto, um dos pontos da teoria jurídica nos quais as
posturas intervencionistas se contrapõem às posturas liberais, deixando à mostra as
inclinações ideológicas de quem estuda e aplica o direito. Definir o que é interpretação e
ao mesmo tempo delimitar seu campo de atuação é uma premissa extremamente
importante para o bom desempenho da atividade empresarial e para a criação de um
mercado e de uma economia desenvolvida.”180
Para que o contrato não dê margem à interpretações outras que não aquelas
desejadas pelas partes, faz-se necessário delineá-lo de acordo com a legislação
aplicável, no caso, o direito dos contratos, mais especificamente, o mútuo, previsto nos
arts. 586 a 592 do CC.
Apesar de o contrato de mútuo estar previsto em nossa legislação societária, nos
citados arts. 586 a 592 do CC, esta legislação não regula os contratos de mútuo
intercompany, precisando os advogados e os magistrados recorreram à uma série de
dispositivos tais como: (i) art. 245 da LSA, que veda o favorecimento de uma sociedade
em prejuízo de outra; (ii) art. 17 da LRB, que define instituições financeiras; (iii) LC nº
179
REALE, Miguel. Questões de direito privado. 2. Tir. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 3.
NUNES, Marcelo Guedes. A interpretação de contratos, o novo Código Civil, Pothier e Paula
Batista. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coord.). Direito
societário: desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 344.
180
83
105/2001, que define as entidades classificadas como instituições financeiras; (iv) arts.
83, VIII e 153 da LREF, que tratam dos créditos subordinados na falência e do saldo
remanescente da sociedade após o pagamento das garantias de todos os credores; (v) art.
186, parágrafo único do CTN, que dispõe que na falência a multa tributária prefere aos
créditos subordinados; e (vi) entre outros dispositivos pertinentes citados ao longo deste
estudo.
Como dito na Introdução deste trabalho, nenhum desses dispositivos legais prevê
que o contrato de mútuo tenha que ser, obrigatoriamente, formalizado por meio de
contrato escrito. Porém, para que essa operação seja adequadamente contabilizada tanto
na contabilidade da mutuante quanto na da mutuária, faz-se necessário instrumentalizála por esse meio. E, para ter validade jurídica, o contrato deverá ser assinado pelos
representantes legais das partes e por duas testemunhas, neste último caso para garantirlhe a eficácia de título executivo.
Considerando que o contrato delimitará a relação entre as partes, é interessante
que dele conste todos os direitos e obrigações assumidos por elas, objeto, preço, forma
de pagamento, prazo, taxa de juros remuneratórios e moratórios, penalidades, solução
de conflitos, foro, dentre outros direitos e obrigações que as partes achem por bem
convencionar.
Logo, o contrato de mútuo intercompany nada mais é do que um negócio
jurídico181, objeto da manifestação da autonomia da vontade das sócias ou acionistas em
oferecer à outra sociedade um empréstimo e desta em aceitá-lo, com o objetivo
específico de financiar suas atividades.
181
Art. 104, CC - A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” “..., a teoria geral dos negócios
jurídicos abriu margem e horizonte à mais recente teoria geral dos contratos, levando-se em conta que o
contrato é a principal manifestação de negócio jurídico.” VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte
geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 1. p. 370. (Coleção direito civil; v.1).
84
Esse negócio jurídico a que nos referimos é bilateral182, pois há manifestação da
vontade de ambas as partes, é causal, pois está vinculado à causa que deve constar do
próprio negócio, é oneroso, pois uma parte cumpre sua prestação para receber outra, é
comutativo183, pois as prestações são equivalentes, certas e determinadas, não é solene,
visto que a forma é livre184 e é patrimonial, pois guarda relação com o patrimônio.
É fato que a operação se dá intragrupo e que em princípio, parece não fazer
sentido tanta formalidade, porém, além da questão contábil, elencada a pouco, as
sociedades envolvidas podem, por exemplo, tomar rumos diferentes no futuro, podendo
a mutuante ou a mutuária ser adquirida por uma outra sociedade, deixando, assim, de
fazer parte do grupo, ocasião em que esse mútuo certamente será objeto de negociação
dentre as contingências da operação de aquisição.
3.1. Remuneração do capital mutuado
Conforme mencionamos na Introdução e no Subcapítulo 1.1.2. (Capítulo 1),
deste estudo, a remuneração do capital mutuado é lícita e recomendável. Isso porque, o
valor mutuado vem de uma disponibilidade de caixa que se não tivesse sido emprestada,
seria, certamente, remunerada por alguma aplicação financeira. Logo, é apropriado que
esse capital seja remunerado pela mesma taxa de juros da aplicação financeira a que
estaria sujeito. Nesse sentido, esclarece José Dutra Vieira Sobrinho:
182
“...nos negócios bilaterais ou plurilaterais (contratos), há duas ou mais declarações de vontade,
correspondentes a duas ou mais partes, com conteúdos distintos, mas visando a produção de um resultado
jurídico final, que a todos interessa como único. Além do declarante, o destinatário da declaração é, nos
negócios bilaterais, uma outra parte. Por isso, nos contratos, à declaração de uma das partes, contendo
uma proposta negocial, seguir-se-á a declaração de aceitação da outra, tendo as declarações, por essa
razão, conteúdos marcadamente distintos, e até certo ponto contrapostos, mas visando um resultado
jurídico final, pretendido por ambas ou todas as partes.” MIRANDA, op. cit, p. 122.
183
“...nos contratos comutativos, a relação entre vantagem e sacrifício é subjetivamente equivalente,
havendo certeza quanto às prestações...à prestação corresponde uma contraprestação...Basta equivalência
subjetiva. Cada qual é juiz de suas conveniências e interesses.” GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2007, p. 87. “...nos comutativos, existe equivalência de prestações, ou seja, as partes
contratantes, logo ao nascer o contrato, sabem o que vão ganhar e o que vão perder, têm a previsibilidade
de seus interesses contratuais...podem prever, quando realizam o contrato, a extensão de seus benefícios
ou de suas perdas.” AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2004. p. 90.
184
Art. 107, CC – “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando
a lei expressamente a exigir.”
85
Juro é a remuneração do capital emprestado, podendo ser entendido,
de forma simplificada, como sendo o aluguel pago pelo uso do
dinheiro.185
Como vimos no Subcapítulo 1.1. (Capítulo 1), as modalidades de financiamento
da atividades sociais devem ser avaliadas, isso significa que ao “...emprestar, o
possuidor de dinheiro, para avaliar a taxa de remuneração para os seus recursos, deve
atentar para os seguintes fatores: risco (probabilidade de o tomador do empréstimo não
resgatar o dinheiro), despesas (todas as despesas operacionais, contratuais e tributárias
para a formalização do empréstimo e à efetivação da cobrança), inflação (índice de
desvalorização do poder aquisitivo da moeda previsto para o prazo do empréstimo),
ganho ou lucro (fixado em função das demais oportunidades de investimentos – ‘custo
de oportunidade’ -, justifica-se pela privação, por parte do seu dono, da utilidade do
capital. Portanto, a receita de juros deve ser suficiente para cobrir o risco, as despesas e
a perda do poder aquisitivo do capital emprestado, além de proporcionar certo lucro ao
seu aplicador.”186
Por outro lado, para o “... tomador do empréstimo, a taxa de juros é influenciada
pelo uso que fará dos recursos emprestados. A taxa de juros poderá ser tanto maior,
quanto maior for o seu grau de premência desses recursos. [...] Se o tomador pretende
utilizar o empréstimo em um negócio qualquer, com objetivo de lucro, sua despesa de
juros deverá ser menor do que a receita prevista. Logo, a taxa de juros “... é a razão
entre os juros recebidos (ou pagos) no final de um certo período de tempo e o capital
inicialmente aplicado (emprestado).187
Nas operações de mútuo intercompany incide a taxa de juros simples, pelas
razões explicadas no início deste Subcapítulo 3.1., esclarece José Dutra Vieira
Sobrinho:
185
VIEIRA SOBRINHO, op. cit., p. 19.
Ibid, p. 19-20.
187
Ibid, p. 20.
186
86
Capitalização simples é aquela em que a taxa de juros incide somente
sobre o capital inicial; não incide, pois, sobre os juros acumulados.
Nesse regime de capitalização a taxa varia linearmente em função do
tempo, ou seja, se quisermos converter a taxa diária em mensal, basta
multiplicarmos a taxa diária por 30; se desejarmos uma taxa anual,
tendo a mensal, basta multiplicarmos esta por 12, e assim por
diante.”188
Considerando que, neste estudo, as contratações de mútuo se restringem às
sociedades não financeiras, os juros próprios do mercado financeiro não podem ser
praticados no âmbito do grupo de sociedades.
A estipulação de juros em contrato de mútuo é perfeitamente lícita, como já
dissemos, desde que não ultrapasse as taxas limites prefixadas pela Lei de Usura, quais
sejam superiores ao dobro da taxa de juros legal189, exceção feita às instituições
financeiras, por força da Resolução nº 389 do BACEN190 respaldada pelo art. 9º da
LRB191, que autorizou a cobrança de taxa de mercado para as operações bancárias, o
que foi referendado pelo STF, sendo objeto da Súmula 596 do STF192.193
Ademais, o Código Civil de 2002 admite, expressamente, a reavaliação do valor
nominal da moeda e a intervenção judicial, se for o caso, para essa finalidade. A
corroborar esse entendimento, Silvio de Salvo Venosa comenta:194
Em matéria de juros, deve ser trazido à baila o sempre lembrado e
pouco aplicado Decreto nº 22.626/33, Lei da Usura, que em seu art.
1° proibiu juros superiores ao dobro da taxa legal. Por essa norma,
188
Ibid, p. 21.
Conforme: SANTOS, op. cit., p. 99-100.
190
Inciso I da Resolução nº 389 do Banco Central, de 15/9/1976 - “Ressalvado o disposto no item II, as
operações ativas dos bancos comerciais serão realizadas, a partir desta data, a taxas de mercado.”
191
Art. 9º, LRB – “Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as
disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho
Monetário Nacional.”
192
Súmula 596, STF – “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos
outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o
sistema financeiro nacional.”
193
Conforme: SANTOS, op. cit., p. 100.
194
VENOSA, op. cit., p. 198.
189
87
portanto, permite-se a convenção de juros até 12% (doze por cento)
ao ano. O art. 4° do citado Decreto proibiu a contagem de juros sobre
juros, ou seja, a capitalização. Sobre essa última vedação posicionouse o Supremo Tribunal Federal na Súmula 121: ‘É vedada a
capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.’ O
intérprete desavisado, que possivelmente tivesse vindo para o país de
outra esfera astral, admiraria essa legislação como perfeita harmonia
econômica, a proibir juros extorsivos e coibir o anatocismo. No
entanto, sabido é que de exceção em exceção na própria legislação
esse aferrolhamento de abuso financeiro é apenas aparente. A
inflação que se seguiu a essa lei, bem como as normas que ordenaram
o mercado de capitais, fizeram cair por terra toda a pretensão de
restrição. O próprio Estado por meio de normas econômicas, sob o
escudo discutido e decantado direito econômico encarregou-se de
estabelecer política monetária, fixando juros muito acima dos limites
originalmente legais. Continuam, porém, os mais desavisados a
defender a aplicabilidade dos limites privados fora do chamado
mercado financeiro. A tentativa constitucional de limitar o teto dos
juros em 12% (doze por cento) ao ano também caiu no vazio (art.
192, § 3°), por falta de regulamentação, como era de se esperar e não
poderia ser de outra forma, pois não há como refrear leis econômicas
com leis jurídicas. Levianos os que pensaram o contrário e ousam
colocar a disposição no texto constitucional tal como está, em nada
abonando a cultura jurídica nacional.
Dessa forma, no entender dos tribunais, é proibida a convenção que permita a
capitalização de juros, visto que essa apenas pode decorrer da lei. Todavia, o atual
Código admite expressamente, em seu art. 591, a capitalização anual de juros.
Vale ressaltar que as instituições financeiras, sob o escudo da LRB, colocam-se
fora do sistema de juros do Código Civil e da Lei de Usura, desvinculando-se, pois, os
bancos e congêneres de qualquer limite ali estabelecido, subordinando-se à política
financeira oficial. A corroborar esse entendimento a Súmula 596 do Supremo Tribunal
Federal esclarece:
As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de
juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por
instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro
Nacional.195
195
VENOSA, op. cit., p. 199.
88
Note que há uma tendência dos tribunais em apontar para uma taxa limite de 1%
(um por cento) ao mês, essa seria, guardada uma posição mais conservadora, a taxa
máxima a ser adotada nas operações de mútuo ou abertura de crédito intragrupo.
Já os juros moratórios também 1% (um por cento) ao mês, em razão da
compensação por perdas e danos suportados pela inadimplência, podem ser dispensados
pelo credor.
Após o Plano Real, a correção monetária, pelo princípio da anualidade, ficou
proibida para contratos com períodos inferiores a 1 (um) ano, exceto pelo disposto no
art. 389196, do CC, que autoriza a correção monetária em caso de inadimplemento das
obrigações. Aplica-se ainda a Lei nº 6.899/81197 se tiver sido adotada a SELIC198 como
limite dos juros, ficando, nesse caso, excluída a correção monetária.
A corroborar esse entendimento, esclarece José Edwaldo Tavares Borba:
Pode haver correção monetária nas operações de mútuo entre
empresas não financeiras, desde que se observe o princípio da
anualidade. Nos casos de liquidação antecipada, a correção em
períodos inferiores a 1 (um) ano somente será admissível se o
contrato for de prazo superior a um ano, e desde que a antecipação
corresponda a um evento espontâneo.199
196
Art. 389, CC – “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
197
A Determina a aplicação da correção monetária nos débitos oriundos de decisão judicial e dá outras
providências.
198
É a taxa apurada no Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), obtida mediante o cálculo da
taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos
públicos federais e cursadas no referido sistema ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos,
na forma de operações compromissadas. As operações compromissadas são operações de venda de títulos
com compromisso de recompra assumido pelo vendedor, concomitante com compromisso de revenda
assumido pelo comprador, para liquidação no dia útil seguinte. Ressaltamos, ainda, que estão aptas a
realizar operações compromissadas, por um dia útil, fundamentalmente as instituições financeiras
habilitadas, tais como bancos, caixas econômicas, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e
sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
199
BORBA, op. cit., p. 187.
89
Embora a taxa de juros legal esteja claramente prevista no art. 406 do CC, há
duas correntes na doutrina que se contrapõem, conforme esclarece Anthonny Dias dos
Santos:
A taxa de juros legal, prevista no art. 406 do Código Civil, gera
controvérsia na doutrina. Apesar de a norma prever com clareza que
deve ser: ‘ a taxa que estiver em vigor para a mora de pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional’, há duas correntes que se
contrapõem quanto à taxa que deve ser utilizada. Uma corrente
doutrinária entende que é a Selic (Sistema Especial de Liquidação e
Custódia), divulgada mensalmente pela Receita Federal. Outra
corrente entende que os juros é de 1% ao mês, por força do art. 161, §
1º, do Código Tributário Nacional. Assim dispõe o diploma legal: Art.
161 ... § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora
são calculados à taxa de 1% ao mês. O Enunciado 20 da I Jornada de
Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do
Conselho de Justiça Federal acompanhou a tese de que a taxa de
juros deve ser de 1% ao mês200. Apesar do enunciado, a questão é
controversa e tem jurisprudência que adota as duas correntes.201
Vale mencionar que o CDI202 e a SELIC podem ser adotados em contratos de
mútuo, acrescidos de margem SPREAD,203 desde que não ultrapassem o limite legal.
200
Enunciado 20, I Jornada de Direito Civil, Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal - “A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente
segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável
sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regar do
art. 591 do novo Código Civil, que permite a capitalização anual dos juros.”
201
Conforme: SANTOS, op. cit., 100.
Os Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs) são títulos emitidos pelos bancos como forma de
captação ou aplicação de recursos excedentes. Criado em meados da década de 1980, os CDIs são
aplicações com prazos de 1 dia útil, com objetivo de melhorar a liquidez de uma determinada instituição
financeira. Essas transações são fechadas por meio eletrônico e registradas nos computadores das
instituições envolvidas e nos terminais do CETIP. A maioria das operações são negociadas por um dia. A
taxa média diária do CDI de um dia é utilizada como referencial para o custo do dinheiro (juros). Por esse
motivo, essa taxa também é utilizada como referencial para avaliar a rentabilidade das aplicações em
fundos de investimento. A Taxa CDI mais amplamente adotada no mercado é a DI-Over, publicada pela
CETIP. Ela é calculada como a média das operações transacionadas num único dia, desconsiderando as
operações dentro de um mesmo grupo financeiro. As características de um CDI são semelhantes àquelas
de um CDB, porém os CDIs somente são negociados no mercado interbancário, transferindo recursos de
uma instituição financeira para outra. A CETIP publica o CDI como uma taxa e um índice. A taxa é uma
porcentagem que representa a taxa de variação do CDI num período. O índice é o valor absoluto do CDI
em certa data. CDIs são fundos pouco rentáveis, mas também fundos seguros e adequados para pessoas
com perfil conservador. Em determinados momentos podem render mais que fundos com maiores riscos,
que são geralmente vistos como mais rentáveis por indivíduos com perfil financeiro agressivo.
203
Spread bancário, em termos simplificados, é a diferença entre a taxa de juros cobrada aos tomadores
de crédito e a taxa de juros paga aos depositantes pelos bancos. Em outras palavras, é a diferença entre a
remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto esse banco cobra para
90
Conforme lembra José Edwaldo Tavares Borba, no tocante à isenção de juros,
essa prática não deve ferir os interesses de terceiros nem causar distorções fiscais:
As operações de mútuo com taxa zero serão admissíveis entre
controladora e subsidiária integral ou assemelhada, desde que não
haja repercussão não compensada sobre interesses de terceiros ou
distorção fiscal relevante. Dependendo das circunstâncias de cada
caso, será preferível, como alternativa ao mútuo, que se promova, na
subsidiária integral, um aumento de capital, com integralização
parcelada, segundo as necessidades da empresa.204
No tocante a taxa de juros moratórios, se não for definida no contrato, incidirá a
taxa máxima permitida na legislação pertinente. Nos contratos intragrupo o credor pode
dispensar sua estipulação, uma vez que, nesses contratos, os juros de mora não se
destinam a remunerar o capital, mas a compor as perdas e danos que poderão inexistir.
No entanto, se optar pela taxa de juros de mora o limite é de 1% (um por cento) ao mês.
3.2. Prazo de duração do contrato
Os contratos podem ser firmados por prazo determinado ou indeterminado, e, no
caso do contrato determinado, a sua eficácia “...pode subordinar-se a acontecimentos
futuros, certos ou incertos. As próprias partes determinam explícita ou implicitamente o
momento em que devem começar ou findar os efeitos do contrato.”205
emprestar o mesmo dinheiro. O cliente que deposita dinheiro no banco, em poupança ou outra aplicação,
está de fato fazendo um empréstimo ao banco. Portanto, o banco remunera os depósitos de clientes a uma
certa taxa de juros (chamada taxa de juros de captação ou simplesmente taxa de captação). Analogamente,
quando o banco empresta dinheiro a alguém, cobra uma taxa pelo empréstimo - uma taxa que será
certamente superior à taxa de captação. A diferença entre as duas taxas é o chamado spread bancário.
Segundo a definição do Banco Central do Brasil, spread é a diferença entre a taxa de empréstimo e a
média ponderada das taxas de captação de CDBs (certificados de depósito bancário).
No Brasil, o spread bancário é o mais alto ou um dos mais altos do mundo, e cerca de 1/3 do total do
spread bancário é lucro.
204
BORBA, op. cit., p. 187.
205
GOMES, op. cit., p. 151.
91
Se avaliarmos a questão do prazo contratual, partindo da análise da remuneração
do capital mutuado, sobre a qual acabamos de falar no Subcapítulo 3.1., de pronto
chegaremos a quatro motivos para não recomendar que o contrato de mútuo
intercompany seja feito por prazo indeterminado: (i) a taxa de juros que a mutuante
pode obter junto a uma instituição financeira para a aplicação de sua disponibilidade de
caixa pode ser maior que a taxa de juros firmada no contrato de mútuo intercompany;
(ii) o risco assumido pela mutuante em uma aplicação financeira pode ser menor do que
o risco assumido por meio do contrato de mútuo intercompany; (iii) a disponibilidade de
caixa se investida na própria atividade pode proporcionar um retorno maior à mutuante;
e (iv) se o contrato de mútuo for firmado por prazo indeterminado, não há previsão de
retorno desse capital para a conta do patrimônio líquido da mutuante .
É fato que o contrato firmado por prazo indeterminado, ou seja, se as partes não
estipularem, direta ou indiretamente, sua duração pode ser resilido, mediante denúncia
unilateral, com aviso prévio de 30 (trinta) dias, conforme prevê o art. 473, combinado
com art. 592, II, CC. Nesse sentido, esclarece Orlando Gomes:
Nos contratos por tempo indeterminado, a extinção pode dar-se, a
todo tempo, por iniciativa de qualquer das partes, mas, uma vez que
sua duração é prevista ou imposta, somente ocorre em virtude de
declaração de vontade dos contratantes, ou de um deles, ou por força
maior. Dura, em suma, indefinidamente, exigindo a lei que a denúncia
– ato pelo qual uma das partes põe termo à relação – obedeça a
certos preceitos, notadamente para evitar as consequências da
ruptura brusca. Assim é que, em alguns contratos por tempo
indeterminado, a extinção pela vontade de uma das partes, sem justa
causa, deve ser precedida de notificação dada com certa
antecedência, chamada aviso prévio. Ademais, admite-se, para alguns
desses contratos, que, em caso de denúncia arbitrária, a parte que
resilir ficará obrigada a pagar à outra determinada indenização. A
justa causa pode ser prevista, assim como cabe cláusula penal.206
A previsão acerca da indenização no caso de resilição unilateral do contrato, a
qual menciona Orlando Gomes, se justifica quando a parte que não tenha dado causa à
extinção do contrato houver feito investimentos consideráveis para a sua execução,
206
Ibid, 154.
92
conforme determina o parágrafo único do art. 473207. Já a previsão relativa à cláusula
penal208 pode se aplicar tanto no caso da resilição unilateral, sem justa causa, quanto da
resolução, com justa causa, sendo que nessas duas formas de extinção do contrato essa
cláusula há de ter sido estipulada, conforme prevê o art. 409 do CC209, não podendo o
valor da penalidade exceder o valor da obrigação principal210 e, caso isso ocorra, não
pode o credor exigir indenização suplementar se assim não tiver sido convencionado,
caso tenha, a penalidade vale como mínimo da indenização, competindo ao credor
provar o prejuízo em juízo211. Porém, a necessidade ou não de se estipular a
indenização, no caso de denúncia, e a cláusula penal, no caso de extinção, para as
contratações de mútuo intercompany será abordada no Subcapítulo 3.4., infra.
Dessa forma, levando-se em conta a perspectiva de remuneração do capital
mutuado, é recomendado que esses contratos de mútuo intercompany sejam firmados
por prazo determinado e não renovados automática e sucessivamente, para: (i) não
comprometer a planejamento financeiro da mutuante, dada à falta de previsão de retorno
dos recursos; e (ii) não caracterizar a inadequação do capital social para giro das
atividades (subcapitalização nominal) da mutuária, dada a necessidade permanente dos
recursos mutuados.
Por fim, a contratação de mútuo intercompany por prazo indeterminado é
possível, mas não desejável, visto trazer incertezas tanto para a mutuante quanto para a
mutuária não só em relação ao seu término como também à sua finalidade, podendo,
inclusive, distorcer a imagem da sociedade perante os stakeholders.
207
Art. 473, CC – “Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito
investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeitos depois de
transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.”
208
Art. 408, CC – “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe
de cumprir a obrigação ou se constituía em mora.”
209
Art. 409, CC – “A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode
referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.”
210
Art. 412, CC – “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação
principal.”
211
Art. 416, CC – “Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode
o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale
como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.”
93
3.3. Vantagens e desvantagens da operação
Esse tipo de operação financeira (mútuo intercompany) apresenta vantagens e
desvantagens, sendo que dentre as desvantagens que podem ser suportadas pela
mutuante estão aquelas apontadas no Subcapítulos 3.1. e 3.2., quais sejam: (i) a taxa de
juros obtida através do contrato de mútuo intercompany pode ser menor do que aquela
obtida junto à instituições financeiras; (ii) o risco de retorno do investimento a
instituição financeira é menor do que o risco assumido por meio dessa contratação de
mútuo; (iii) a disponibilidade de caixa poderia ter sido investida na própria atividade de
modo a alavancar as atividades sociais; e (iv) a incerteza quanto a previsão de retorno
desse capital para a conta do patrimônio líquido. Pode-se somar a isso, que, num
eventual processo de recuperação judicial ou falência da mutuária, a mutuante possa vir
a não recuperar o capital mutuado, classificado como crédito subordinado, caso a massa
não tenha recursos suficientes para pagar os credores sociais. Além disso, se restar
comprovado que o capital social da mutuária foi fraudulenta ou dolosamente estipulado
a menor, sendo insuficiente para satisfazer os créditos dos credores sociais, o crédito
subordinado será desclassificado para capital próprio, o que torna ainda mais remota a
possibilidade de a mutuante reaver os recursos objeto do mútuo intercompany.
Do ponto de vista da sociedade mutuária, o financiamento por meio de mútuo
intercompany será considerado desvantajoso quando: (i) deixar a sociedade
excessivamente endividada; e (ii) ficar comprovado, num cenário de recuperação
judicial ou falência, que o capital social é fraudulenta ou dolosamente insuficiente para
a realização de seu objeto, o que poderá resultar na desconsideração da personalidade
jurídica ou a reclassificação dos créditos como capital próprio.
Entendemos que “... a desconsideração da personalidade jurídica não parece ser
o mecanismo mais adequado para corrigir eventuais distorções existentes na legislação
aplicável aos grupos de sociedades...” já que pode trazer “...insegurança jurídica e pode
inclusive gerar uma responsabilização demasiado gravosa para a sociedade de controle
do grupo. Em última instância, o uso sem limites da personalidade jurídica aos grupos
94
de sociedade pode inviabilizar a utilização desta figura na prática empresarial.”212 Porr
isso, faz-se necessária uma legislação específica sobre mútuo intercompany para que
essa questão seja tratada com mais propriedade.
Por outro lado, pode ser mais vantajoso para a sociedade mutuária que o
financiamento das atividades sociais seja feito por meio da contratação de mútuo
intercompany, isso porque: (i) não aumenta da responsabilidade das sócias ou
acionistas, uma vez que não aumenta a participação societária de cada uma delas na
sociedade; (ii) é menos custosa, uma vez que a taxa de juros remuneratórios aplicada a
essa operação não pode ser a mesma que a utilizada por instituições financeiras, mas
sim aquela que remuneraria o capital caso este tivesse sido destinado a uma aplicação
financeira; (iii) há possibilidade de se deliberar o pagamento do empréstimo ou
influenciar o administrador para a realização do pagamento prioritário; e (iv) não é
necessário que a sociedade registre lucro para que o pagamento do crédito seja
realizado; e (v) há possibilidade de se deduzir os juros como despesa na receita
tributável, respeitados os limites da Lei nº 12.249/2010.
Essa limitação à dedutibilidade dos juros do mútuo intercompany se espelhou
nas regras internacionais conhecidas como thin capitalization rules ou regra da
subcapitalização213, que foi primeiramente incorporada ao ordenamento jurídico
brasileiro através da MP 472/2009 e posteriormente convertida na citada lei.
Por fim, a verificação das vantagens ou desvantagens para se decidir sobre o
financiamento das atividades sociais por meio de contrato de mútuo intercompany, deve
ser embasada em um planejamento econômico-financeiro sobre o qual falamos no
Subcapítulo 1.1. do Capítulo 1. Esse planejamento deve levar em conta os custos do
capital, os riscos suportados, as conjunturas econômicas, as dificuldades operacionais, o
tipo de atividade, a sazonalidade, se for o caso, entre outros fatores.
212
MARGONI, Anna Beatriz Alves. A desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de
sociedades. São Paulo: FADUSP, 2011. p. 176-177.
213
Conforme: DINIZ, Gustavo Saad. Subcaptalização societária – financiamento e responsabilidade. Belo
Horizonte: Forum, 2012. p. 212-227.
95
3.4. Penalidades
À primeira vista pode parecer desnecessária, em razão do vínculo de controle e
participação societária, a estipulação de penalidades nas contratações entre partes
relacionadas. No entanto, há de se lembrar que cada sociedade tem personalidade
jurídica e patrimônio próprios, sendo, portanto, responsáveis isoladamente por suas
obrigações.
Num cenário de tantas aquisições e reestruturações societárias como as que
vemos hoje, envolvendo, principalmente, grupos de sociedades, é importante se ter
regras bem definidas, independentemente de serem elas brandas ou não, acerca do que
se quer contratar e como se quer ver o contrato cumprido ou, ainda, tentar prever
soluções para situações e/ou conflitos futuros.
Imaginemos que, como mencionado no Capítulo 3, uma das sociedades de um
grupo venha a ser objeto de negociação, tendo ela todas as suas contratações
formalizadas com regras claras sobre obrigações, deveres, prazo e penalidades, isso
será, sem dúvida, um ponto forte na negociação, visto não dar margem ou reduzir
consideravelmente à discussão acerca das contingências.
Dessa forma, as penalidades tem um papel importante nos contratos, o de
cumprir o caráter preventivo. Nesse sentido, ensina José Edwaldo Tavares Borba:
Com o atual Código Civil, e a consequente revogação da lei de usura,
a cláusula penal (art. 412) não poderá exceder o valor da obrigação
principal, mas a penalidade estipulada será objeto de redução pelo
juiz (art.413), caso se mostre manifestamente excessiva. Em se
tratando de cláusula penal moratória em contrato de mútuo, o limite
de dez por cento, que decorreria da lei de usura, por certo
96
continuará, mesmo revogado, a influir no entendimento dos juízes, até
porque não se afiguraria razoável a aplicação de penalidade mais
elevada. Diria mesmo que a tendência atual seria no sentido de
adotar percentuais inferiores.214
Dessa forma, o que se pretende com a cláusula penal moratória é a punição do
devedor impontual. Na visão de Caio Mário da Silva:
No caso da penal moratória, como vimos o que se tem em vista é
punir o retardamento na execução do ajuste, ou o reforçamento de
determinada cláusula.” (Instituições de Direito Civil, vol. II, Rio de
Janeiro, 2004, 161 p.)
Nas contratações de mútuo intercompany a cláusula penal poderá ser adotada ou
não, e, se for, poderá ser de até 10% (dez por cento) do valor do contrato, que é um
limite razoável.
3.5. Casos práticos e jurisprudência
Neste Capítulo 3 demonstramos os aspectos contratuais das operações de
empréstimo no âmbito do grupo de sociedades, discorremos sobre a remuneração do
capital mutuado, o prazo de duração do contrato, as vantagens e desvantagens da
operação de mútuo intercompany e as penalidades.
A questão da remuneração do capital, apesar de prevista em lei, é polêmica entre
os doutrinadores, aos quais se dividem em duas correntes, uma adota o estabelecido no
art. 406 do CC e outra adota a SELIC.
214
BORBA, op. cit., p. 181.
97
O STF adotou a tese de que a taxa de juros a ser utilizada é a SELIC, desprovida
de correção monetária.215
Nota-se no cenário das transações com partes relacionadas, que a operação de
mútuo é a que pactua juros acima daquele permitido em lei, quando as partes envolvidas
são sociedades não financeiras. A pactuação dos juros no Brasil deve atender aos limites
fixados pelo CC em seus art. 406 e 407216, lei especial (Lei da Usura) e
jurisprudência.217 Nesse sentido, decidiu o TJ do Estado do Paraná:
Apelação cível. Mútuo. Juros extorsivos. Empréstimo com juros
usurários. Juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês. Avalista
que na condição de sócio - gerente da avalizada - teve proveito do
empréstimo. Responsabilidade solidária. Empréstimo, com inclusão
de juros usurários, pode ser objeto de ação monitória, desde que o
excesso indevido possa ser excluído do montante do débito. Restou
evidenciado a inclusão de juros ilegais na composição do débito,
juros esses passíveis de serem extirpados. Avalista que excluído da
ação, por ter tido proveito no empréstimo, em face da sua condição de
sócio e gerente da avalizada, igualmente, deve responder
solidariamente com o montante em cobrança.218
A corroborar o entendimento do TJ do Estado do Paraná, o Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais decidiu:
Despesas financeiras. Mútuos com sócio. Desnecessidade diferença
de taxa de juros. Taxa cobrada pelos bancos. Taxa de aplicação
financeira (captação). Glosa. Despesas financeiras decorrentes de
empréstimos tomados ao sócio a taxas de juros iguais às cobradas
pelos bancos são desnecessárias se a empresa possui recursos iguais
ou superiores aplicados no mercado financeiro remunerados a taxas
de juros de captação. Despesas indedutíveis. Os ajustes por adição à
base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são
aqueles previstos em lei. Despesas representadas por dispêndios
215
RESP nº 193.453/SC.
Art. 407 – “Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão
assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o
valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.”
217
SANTOS, op. cit., p. 101.
218
TJ do Estado do Paraná. Apelação Cível AC 3415254 PR 0341525-4 (TJ-PR). Data de publicação: 1
jul. 2008.
216
98
efetivos, consideradas indedutíveis pela legislação do IRPJ não são,
automaticamente, adicionadas à base de cálculo da CSLL, salvo
quando se tratar de dispêndios não ocorridos efetivamente. Vistos,
relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do
colegiado por maioria de votos, em dar provimento parcial ao
recurso para excluir a exigência de CSLL [...].219
Com relação à contratação de mútuo intercompany, estando uma das partes
domiciliada no exterior, decidiu Primeiro Conselho de Contribuintes:
[...] Preços de transferência - Mútuo com pessoa vinculada no
exterior - Falta de adição de parcela de juros - A pessoa jurídica
mutuante, domiciliada no Brasil, deve oferecer à tributação, no
mínimo, os juros previstos nos artigos 22 a 24 da Lei nº 9.430/1996,
nas condições ali estabelecidas. Restando comprovado que o mútuo
foi contratado em moeda nacional, devem ser afastadas as exigências
sobre variações cambiais e os juros devem ser recalculados tendo
como base os saldos que constam da contabilidade da mutuante. Taxa
SELIC - A partir de 1º de abril de 1995, os juros moratórios
incidentes sobre débitos tributários administrados pela Secretaria da
Receita Federal são devidos, no período de inadimplência, à taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC
para títulos federais, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao
vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por
cento no mês de pagamento. Multa de ofício - Inconstitucionalidade Ofensa ao princípio do não-confisco [...].220
No que concerne à apropriação de juros como despesa, correção monetária e
despesas administrativas, decidiu Primeiro Conselho de Contribuintes:
219
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1. Secção de Jualgamento. 4. Turma Especial. Acórdão
n. 180400058 do processo 138080015669991. Data da publicação: 25 maio 2009. Disponível em: <
urn:lex:br:conselho.administrativo.recursos.fiscais;secao.julgamento.1;turma.especial.4:acordao:2009-0525;180400058>. Acesso: 8 jan. 2014.
220
Primeiro Conselho de Contribuintes. 5. Câmara. Turma Ordinária. Acórdão nº 10517319 do Processo
16327000358200421.
Data
de
publicação:
12/11/2008.
Disponível
em:
<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:primeiro.conselho.contribuintes;camara.5;turma.ordinaria:acord
ao:2008-11-12;10517319>. . Acesso: 8 jan. 2014..
99
IRPJ - Custos ou despesas operacionais - Juros sobre empréstimos Os encargos financeiros pagos a pessoas jurídicas coligadas ou
integradas, quando estipulados em contratos podem ser apropriados
como despesas operacionais. IRPJ - Custos ou despesas operacionais
- correção monetária passiva - No ano-calendário de 1995, o artigo
4º, inciso I, letra "e", do Decreto nº 332/91, determinava a correção
monetária das contas representativas de mútuo entre as pessoas
jurídicas coligadas, interligadas, controladoras e controladas ou
associadas por qualquer forma, bem como dos créditos da empresa
com seus sócios ou acionistas. IRPJ - Custos ou despesas
operacionais - Prova Os dispêndios comprovados com recibos
firmados pelos fornecedores de serviços, na forma estabelecida em
Contrato de Franquia são dedutíveis para a determinação do lucro
tributável. IRPJ - Custos ou despesas operacionais - Rateio de
despesas administrativas - As despesas administrativas podem ser
rateadas pelas empresas integrantes do grupo econômico, quando
demonstrado que os serviços foram executados e eram necessários,
normais e usuais e, ainda, quando justificado o critério de rateio e a
efetividade dos dispêndios. IRPJ - Despesas operacionais - Prejuízos
eventuais - Não se admite a apropriação como despesas operacionais
de dispêndios contabilizados como prejuízos eventuais, quando não
comprovada a natureza da operação. Alegações de que tratar-se-iam
de correção monetária passiva de mútuo, sem prova da existência do
mútuo, não se prestam para justificar o dispêndio. Compensação de
prejuízos – [...].221
Com relação à correção monetária incidente sobre a parcela de integralização de
capital social e sobre o contrato de mútuo intercompany, decidiu Primeiro Conselho de
Contribuintes:
[...] IRPJ - Capital a integralizar - Variação monetária ativa - Se o
instrumento de alteração contratual, por meio do qual foi aumentado
o capital, prevê que as parcelas do capital a integralizar serão
atualizadas monetariamente, a correspondente variação monetária
ativa deve ser reconhecida no período-base a que competir,
considerando ainda que no caso o capital social foi corrigido
integralmente. IRPJ - Mútuo - DL 2.065/83, ART. 21 - Sob a égide do
Decreto-lei nr. 2.065/83, nos negócios de mútuo entre empresas
coligadas, interligadas, controladoras e controladas a mutuante
221
Primeiro Conselho de Contribuintes. 1. Câmara. Turma Ordinária. Acórdão nº 10192565 do Processo
110800099779753.
Data
de
publicação:
24/2/1999.
Disponível
em:
<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:primeiro.conselho.contribuintes;camara.1;turma.ordinaria:acord
ao:1999-02-24;10192565>. Acesso em: 8 jan. 2014.
100
deverá adicionar a correspondente variação monetária ao lucro
líquido, para fins de determinação do lucro real. [...].222
No mesmo sentido do reconhecimento da correção monetária incidente sobre o
contrato de mútuo intercompany, decidiu Primeiro Conselho de Contribuintes:
Omissão de receita de correção monetária - Mútuo com empresa
ligada - Sobre os valores de mútuos com empresa interligada deve ser
reconhecido pelo menos o valor da correção monetária do períodobase (artigo 21 do Decreto-lei nº. 2.065/83). Omissão de receitas Juros sobre empréstimos - Comprovado nos autos a integral
apropriação dos juros auferidos sobre empréstimos a terceiros, na
data do recebimento, sem observância do regime de competência,
restou configurada a postergação no reconhecimento de receitas e,
consequentemente, postergação no pagamento do imposto, revelandose improcedente a acusação de omissão de receita. [...].223
Infere-se dos casos demonstrados acima, que a jurisprudência é pacífica no
sentido de permitir a incidência de juros e da correção monetária sobre os contratos de
mútuo intercompany, seja uma das sociedades do grupo domiciliadas no exterior ou
não, desde que respeitados os limites impostos pela legislação aplicável.
3.6. Conclusões parciais
As conclusões parciais alcançadas neste Capítulo 3 são no sentido de que as
operações de mútuo intercompany devem sim ser remuneradas, pois a sociedade
mutuante, ao emprestar sua disponibilidade de caixa deixa de investir, seja na própria
222
Primeiro Conselho de Contribuintes. 1. Câmara. Turma Ordinária. Acórdão nº 10192505 do Processo
109800071999364.
Data
de
publicação:
26/1/1999.
Disponível
em:
<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:primeiro.conselho.contribuintes;camara.1;turma.ordinaria:acord
ao:1999-01-26;10192505>. Acesso em: 8 jan. 2014.
223
Primeiro Conselho de Contribuintes. 3. Câmara. Turma Ordinária. Acórdão nº nº 10319997 do
Processo
101200003249614.
Data
de
publicação:
12/5/1999.
Disponível
em:
<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:primeiro.conselho.contribuintes;camara.3;turma.ordinaria:acord
ao:1999-05-12;10319997>. Acesso em: 8 jan. 2014.
101
atividade seja em formas de financiamento externo. Porém, a remuneração deve ter por
base a taxa de juros permitida pelo art. 406 do CC, sendo vedada a correção monetária
para contratos com período inferior a 1 (um) ano, conforme determina a Lei da Usura.
No tocante ao prazo de vigência do contrato, recomenda-se que este seja firmado
por prazo determinado, pois a sociedade mutuante pode, por exemplo, ter interesse em
utilizar a disponibilidade de caixa para outros investimentos ou, até mesmo, investir na
própria atividade, o que pode ser mais rentável e interessante para seus negócios.
A razão pela qual não recomendamos que o contrato de mútuo seja firmado por
prazo indeterminado, reside no fato de que a falta de um prazo limite para esse contrato
possa chamar a atenção dos stakeholders, fazendo pairar a dúvida sobre a adequada
estipulação do capital.
Se esse tipo de operação financeira é vantajosa ou não para a sociedade
mutuária, essa resposta vai depender de um planejamento econômico-financeiro que
demonstre os custos e os riscos da operação.
102
Conclusões e propostas
O planejamento econômico-financeiro sobre o qual acabamos de falar é o ponto
de partida para a decisão de financiamento das atividades sociais a ser tomada pelas
sócias ou acionistas da sociedade mutuária, é ele (planejamento) que vai demonstrar a
relação entre o custo e o risco, em função da previsão de retorno, dentre outras
circunstâncias econômicas a serem consideradas.
Nesse sentido, comenta Almir
Ferreira de Souza:
A forma de financiar a empresa é a atividade clássica da área
financeira. Essa atividade visa equalizar o risco da corporação aos
níveis desejados pelos acionistas e se dá a partir da obtenção de
capitais [...]. A decisão de financiamento, portanto, consiste em como
o passivo deve ser estruturado com a origem dos recursos financeiros
para serem investidos no ativo.224
Essa análise é que vai demonstrar se o financiamento interno é mais interessante
economicamente que o externo, se por um lado, para o financiamento interno via
contrato de mútuo intercompany, temos uma taxa de juros mais baixa que aquelas
praticadas pelo mercado financeiro, sendo permitida a dedutibilidade limitada desses
juros como despesa na receita tributável, por outro lado, para o financiamento externo,
temos uma taxa de juros mais alta, sujeita à flutuações, porém com dedutibilidade sem
limitação desses juros como despesa na receita tributável. Embora a taxa de juros
cobrada pelo financiamento externo seja maior que a taxa de juros do financiamento
interno, não há, para o financiamento externo, limitação à dedutibilidade, por essa
razão, o financiamento interno pode se mostrar mais interessante.
Porém, há de se fazer a ressalva de que esse cenário pode variar de acordo com a
política tributária vigente à época do financiamento.
No entendimento de Almir
Ferreira de Souza:
224
SOUSA, Almir Ferreira de. O valor da empresa e a influência dos stakeholders. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 68.
103
A lógica ajuda a corroborar os postulados de que o capital do
proprietário é mais caro do que o capital de terceiros; e de que as
fontes de longo prazo são mais caras do que as de curto prazo. As
fontes de longo prazo serem mais caras do que as fontes de curto
prazo, em um mercado financeiro razoavelmente eficiente, é a lógica
para um investidor exigir maior retorno por uma aplicação
financeira, seja pelo fator risco, inerente ao tempo de maturação da
aplicação financeira, seja pelo custo de oportunidade de um recurso
indisponível por maior período de tempo. Uma vez que os recursos
captados por uns são aplicações financeiras feitas por outros,
configura-se o fundamento de que o custo de capital correlaciona-se
diretamente com o prazo das operações de empréstimos e
financiamentos.225
Portanto, a formação da taxa de juros a ser aplicada ao financiamento está
diretamente relacionada à previsão de retorno dos recursos à sociedade mutuante, por
isso o capital de curto prazo é mais barato que o capital de longo prazo. No entanto, esse
não é o único fator a ser considerado quando da decisão de financiamento, visto que um
volume excessivo de financiamento de curto prazo implica em um endividamento
também excessivo em um curto período de tempo, o que pode comprometer
economicamente a sociedade. Nesse sentido acrescenta Almir Ferreira de Souza:
Apesar de as fontes de curto prazo terem um custo menor, a empresa
não pode ser sufocada com elevada soma de obrigações
permanentemente prestes a vencer. Além de elevar seu risco de
inadimplência acaba encarecendo o processo de gestão de uma
situação de elevado endividamento a curto prazo, trazendo o
encarecimento pelo processo de gestão e pela elevação do risco de
insolvência. Por outro lado, endividar-se totalmente, a longo prazo,
pode significar, por conta de excesso de precaução, até a perda de
vantagens com os fornecedores de materiais e componentes, o que
resulta em prejuízo por também contribuir para encarecer o custo de
capital da empresa.226
Dessa forma, reiteramos que as decisões econômicas precisam ser planejadas,
levando-se em conta as conjunturas econômicas, a legislação tributária, as flutuações de
taxas de juros, entre outros fatores, que podem influenciar muito, seja para mais ou para
menos, nos custos de capital.
225
226
Ibid, p. 69.
Ibid, p. 72-73.
104
Feitas essas considerações acerca dos custos do capital e, consequentemente, da
decisão de financiamento, há de pontuar a responsabilidade das sócias ou acionistas
frente aos credores sociais. No caso da sociedade empresária limitada, essa
responsabilidade está intrinsecamente ligada e limitada à quantidade de quotas que cada
sócia detém no capital social da sociedade. Logo, ao se decidir pelo financiamento das
atividades sociais por meio do aumento do capital social, estar-se-á aumentando
também a responsabilidade das sócias da sociedade financiada frente aos credores desta.
Já no caso do financiamento por meio da contratação de mútuo intercompany, apesar de
se tratar de financiamento interno, não está relacionado ao capital social da sociedade
mutuária, portanto, a questão da responsabilização permanece inalterada.
No segundo caso (mútuo intercompany), a ressalva que se faz com relação ao
capital social é outra, a de que essa forma de financiamento enfraquece a proteção que o
capital social deveria dar aos credores sociais.
Como vimos neste estudo, a principal forma de financiamento das atividades
sociais deve ser o capital social (patrimônio líquido), porém, quando a sociedade opta
por financiar suas atividades preponderantemente por meio de contratos de mútuo
(dívida) ocasiona um desequilíbrio entre patrimônio líquido e dívida, deixa de ter
recursos suficientes para garantir a satisfação dos interesses de seus credores, o que
configura a subcapitalização nominal. Há de se pontuar que a contratação de mútuo
intercompany é uma opção de financiamento da sociedade, ou seja, não é o único meio
de financiamento. As sócias ou acionistas dispõem de recursos para aumentar o capital
social, mas não desejam fazê-lo.
Essa forma de financiamento (mútuo intercompany), por ser menos burocrático,
pode ser, por exemplo, uma medida mais rápida para salvar uma sociedade em crise ou
para estimular o seu crescimento. Pode-se dizer que o contrato de mútuo se apresenta
105
como uma medida bastante vantajosa e benéfica ao grupo de sociedades, favorecendo
um melhor atendimento das necessidades de desenvolvimento dos processos de
produção, exploração empresarial, diminuição os custos de captação de recursos - uma
vez que ocorre entre sociedades não financeiras -, aumento dos lucros, entre outros. Na
visão de Mariana Miranda Lima:
O tratamento tributário benéfico concedido aos investimentos
realizados com o capital de terceiros despertou, e ainda desperta, a
prática do financiamento das sociedades por meio de um volume
significativo deste capital. Apesar da clara benesse tributária
decorrente dessa prática, as implicações podem ser diversas no
campo do Direito Comercial, tendo em vista que os riscos da
atividade, inerentes ao capital próprio, podem ser transferidos ao
capital de terceiros, em virtude do desrespeito à necessária
proporcionalidade entre o volume de cada uma dessas fontes de
capital, atingindo o estado de subcapitalização.227
Todavia, reiteramos que a decisão de financiamento por esse meio deve ser
planejada, de modo a ser usada como uma estratégia para alavancar os negócios sociais,
do contrário o uso indiscriminado dessa ferramenta provocaria um endividamento
excessivo na sociedade, tornando o capital social insuficiente para financiar as
atividades sociais e garantir a satisfação dos credores, configurando, como dissemos
acima, a subcapitalização nominal.
Isso não quer dizer que a sociedade não pode ter dívidas, assumir dívidas faz
parte do dia-a-dia de grande parte das sociedades, as quais podem, inclusive, em razão
de sua dedutibilidade, como esclarecemos, serem benéficas.
Atualmente, há uma predisposição por parte do judiciário em classificar o
endividamento excessivo (subcapitalização nominal) como um ato de má-fé das sócias
ou acionistas das sociedades. Faz-se necessária uma legislação específica para regular o
assunto dos mútuos intercompany de modo a ser evitar que transações revestidas de
227
LIMA, op. cit., 142-143.
106
boa-fé sejam interpretadas como de má-fé pelo simples fato de ocorrer no âmbito do
grupo de sociedades. Nesse sentido, comenta André Antunes Soares de Camargo:
A nova regulação não pode simplesmente proibir transações entre
partes relacionadas, tampouco permiti-las de forma livre e absoluta.
[...] o tema precisa ser disciplinado em lei, mas precisamente na LSA
(e, por que não, no CC para todos os demais tipos societários, em
especial as sociedades limitadas) e contemplar as seguintes
estratégias e soluções jurídicas. Em primeiro lugar, com todas as
possíveis ressalvas quanto à falta de técnica e preponderância
invariável de interesses políticos que podem ocorrer no transcorrer
dessa discussão, é o momento de se implementar uma pontual
mudança legislativa para regular o tema em nosso país. Avançamos
nos últimos anos praticamente por meio de regras regulatórias (em
especial pela CVM) e autorregulatórias, que se revelam confusas e
não coesas entre si, na linha do que foi apresentado anteriormente. O
tema tornou-se gradativamente mais relevante, merecendo ser alçado
à disciplina normativa da lei, desta forma evitando eventuais
‘interpretações de conveniência’, seja por parte dos tomadores de
decisão, seja das autoridades públicas regulatórias ou judiciais que
venham a analisar um eventual litígio envolvendo transações entre
partes relacionadas. Para uma devida regulação da questão, deve
haver clara política pública a seu respeito, acompanhada de regras
transparentes e efetivamente fiscalizadas em seu cumprimento. [...] A
regulação sobre a matéria não pode levar, como tem sido a tendência
interpretativa atual, a qualquer presunção de ilicitude ou
ilegitimidade pela mera existência de tais transações em grupos
societários. Na linha defendida por Nelson Eizirik, ainda que
administradores sejam diretamente escolhidos por controladores,
suas ações não devem ser automaticamente consideradas suspeitas,
tampouco fraudulentas. Hoje não há qualquer vedação expressa em
nosso ordenamento jurídico contra a celebração de contratos entre
partes relacionadas em grupos societários de fato, nem qualquer
presunção legal de que, em qualquer caso, há favorecimentos
pessoais a uma ou às duas partes envolvidas na contratação. Deve-se
presumir, sim, a boa-fé dos administradores e controladores nessa
tomada de decisão, em especial nos casos em que eventual conflito de
interesses não é claro o suficiente para um eventual controle a priori
dessa contratação.228
É certo que a discussão sobre a má utilização ou a utilização indevida de
operações de mútuo intercompany somente virá à tona, caso a sociedade mutuária entre
em processo de falência. E, nessa circunstância, o financiamento através do mútuo que,
228
CAMARGO, op. cit., p. 242-244.
107
em princípio, pode ter sido feito, como exemplificamos, para salvar uma sociedade em
crise, pode vir a ser entendido como uma forma das sócias ou acionistas se esquivarem
em aumentar as suas responsabilidades frente aos credores sociais ou, até mesmo, como
um artifício para reaverem, rapidamente, o valor mutuado em caso de insucesso da
sociedade, deixando, também nessa hipótese, de honrar adequadamente os seus
compromissos frente aos credores sociais.
Para que essa má interpretação não ocorra, faz-se mister identificar as
contratações realizadas pelas sócias ou acionistas sob o princípio da boa-fé, o que
significa analisar uma a uma, caso a caso. Do contrário, estar-se-ia injustamente
reclassificando todo e qualquer mútuo intercompany como subcapitalização nominal,
presumindo-se a má-fé.
Defendemos aqui as contratações pautadas no princípio boa-fé, nas quais o
mútuo intercompany é utilizado como uma ferramenta que visa incentivar o crescimento
e desenvolvimento das sociedades do grupo ou, ainda, a tentativa de salvá-las de crise
financeira, desde que exista, é claro, a efetiva possibilidade de recuperação dessa
sociedade e desde que a dificuldade financeira decorra do curso regular dos negócios.
Naqueles casos em que for verificado que o financiamento das atividades
sociais, através de contratações de mútuo intercompany, foi realizado com o propósito
de as sócias ou acionistas da sociedade, poderem receber o capital investido a qualquer
momento, utilizando para tanto o seu poder político de modo a influenciar a
administração da sociedade e, com isso, deliberar o pagamento dos créditos em
momento inoportuno ou, ainda, quando a sociedade tiver registrado prejuízo,
garantindo, assim, a retirada de recursos da sociedade em momento de crise ou,
também, na eventualidade da sociedade ser alvo de um processo de recuperação judicial
ou falência, estará configurada a má-fé.
A flagrante má-fe sobre a qual acabamos de falar, em nosso entendimento deve
sofrer severas consequências, visto ser latente a infração, ou seja, nesse caso o mútuo
108
intercompany deve, de acordo com a atual legislação, ser reclassificado para capital
próprio ou suportar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
da mutuária/falida, tornando ineficazes ou inválidas as vantagens inicialmente
conferidas às sócias ou acionistas detentoras desses créditos e garantindo a satisfação
dos credores sociais.
Não seria justo que após todo esse artifício para se isentar de responsabilidade,
transferindo o risco do negócio aos credores sociais, as sócias ou acionistas que o
tivessem planejado, sofressem uma penalidade branda.
Vale ressaltar que ao final do processo falimentar, esse artifício financeiro
poderá deixar um número expressivo de credores sociais sem terem os seus créditos
satisfeitos e, esse fato, certamente repercutirá em cascata nos compromissos financeiros
desses credores.
Dado o exposto, entendemos que a responsabilização acerca da má utilização
dos contratos de mútuo intercompany é bastante importante e merece uma regulação
específica, de modo a separar adequadamente as operações realizadas sob o instituto da
boa-fé daquelas realizadas em flagrante má-fé.
Entendemos que a regulação necessária não deva partir de atos regulatórios,
como temos hoje, mas sim modificações na legislação societária existente, com o
objetivo de agregar essa forma de financiamento. Tais modificações deveriam abranger,
em especial, as sociedades anônimas e as sociedades empresárias limitadas, detalhando
as operações de mútuo intercompany no âmbito do grupo de sociedades.
Além disso, no Capítulo VI, Seção II, do CC que trata do mútuo, deveria ser
inserida uma disposição específica sobre essa modalidade de mútuo intercompany. Há
de ser ter uma conexão, na legislação, entre o mútuo intercompany, os grupos de
sociedades, a responsabilização das sócias e acionistas, a transparência nas informações,
109
prestação de contas dos administradores, as penalidades, as taxas de juros e a
dedutibilidade dos juros com despesa.
Uma vez adotadas essas medidas, o mútuo intercompany sairá do foco das
discussões sobre favorecimento e transferência de valores entre sociedades pertencentes
a um mesmo grupo, a que tem estado sujeito nos últimos anos.
110
V.
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Lei n. 12.249/2010, 11/6/2010
Lei Complementar n. 105, de 10/1/2001
Lei Complementar n. 118, de 9/2/2005
Resolução BACEN n. 63, de 21/8/1967
Resolução BACEN n. 389, de 15/9/1976
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