DISCIPLINA PPE DOCUMENTOS DE PLANEJAMENTO NO BRASIL Discurso de posse – MINISTRO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO Guido Mantega Dia: 07.01.2003 Senhoras e senhores Quando o Presidente Lula me convidou para fazer parte de sua equipe de governo, fiquei envaidecido e ao mesmo tempo consciente da grande responsabilidade de contribuir para colocar o país nos trilhos do desenvolvimento sustentado e da justiça social. O Presidente Lula foi aclamado nas urnas para realizar um grande sonho : transformar o Brasil numa nação próspera e respeitada, que não se sujeite a pressões ou imposições de modelos alheios aos nossos interesses. Com o compromisso de criar a oportunidade de transformar os brasileiros em verdadeiros cidadãos, capazes de se alimentar, estudar, trabalhar e exercer plenamente seus direitos políticos, no seio de uma nação integrada ao sistema mundial de forma autônoma e cooperativa. Um país que não sofra sobressaltos a cada espirro dos mercados financeiros e não tenha uma crise cambial por ano, como tivemos nos últimos 10 anos. O desafio é enorme levando em conta as atuais condições do país. Acabamos de sofrer, no ano passado, um choque de crédito internacional e fomos alvo da desconfiança generalizada, o que nos obrigou a assinar um novo acordo com o fmi. Meses atrás o risco país disparou e alcançou os 2.400 pontos, entre os três maiores do mundo. As crises recorrentes nos levaram, nos últimos anos, a praticar os mais altos juros do mundo. Os analistas desinformados e os especuladores de plantão chegaram a falar em moratória ou na necessidade de reestruturação da dívida brasileira. A falta de dinamismo da economia brasileira nos últimos anos e a natureza dos problemas sociais e econômicos que se manifestaram nesse conturbado período são a prova da ausência de um projeto de país. Modelo que acreditava ser o bastante abrir as portas para a poupança externa para conseguir o crescimento e a competitividade do nosso parque produtivo. Por isso, deixamos de mobilizar a poupança interna e o mercado de capitais, fontes mais seguras e permanentes de investimentos. Essa orientação ignorou que a globalização é assimétrica e pode castigar os países emergentes que não adotam precauções, conforme assinalou corretamente Joseph Stiglitz. Disciplina Planejamento e Política Econômica 2 Num momento de enorme expansão do comércio internacional, como foi a década passada, o Brasil perdeu a oportunidade de ocupar um espaço à altura de nossas potencialidades. Ao invés de aumentar as exportações, o antigo governo promoveu as importações e exportou sobretudo nossos preciosos empregos para o exterior. Houve até quem dissesse que quanto maior o déficit em conta corrente melhor para o país. Foi assim que o Brasil acumulou uma das maiores dívidas de sua história recente e tornou-se vulnerável às intempéries do mercado. Nossos antecessores certamente fizeram o que acharam mais adequado para o país. Mas é importante assinalar que o modelo econômico trilhado nesses últimos anos não trouxe os resultados desejados. O crescimento foi pífio e aquém das médias de todo o período republicano. A pobreza continuou gritante e a distância social se manteve nos mesmos patamares. No entanto, existem hoje, com o novo governo, condições objetivas e subjetivas para a superação desta situação e o advento de uma sociedade mais rica, justa e que dê oportunidades aos despossuídos. Mesmo antes de terminar a eleição, a confiança já estava voltando. Agora, o país vai sendo tomado por uma onda de otimismo, um ingrediente indispensável para o sucesso de qualquer projeto. Os indicadores econômicos já apresentam melhoras e apontam para a superação da crise de confiança e para o restabelecimento do crédito. Gradativamente vão se estabelecendo as condições para a retomada do crescimento. Entretanto, convém frisar que não existem soluções milagrosas ou saídas fáceis para a crise brasileira. É arriscado subestimar a gravidade da situação. Sabemos que a economia mundial vive um momento de dificuldades, com perdas para os investidores, aversão ao risco e corte nos investimentos externos. É justamente neste momento de dificuldades que estão criadas as condições para a mobilização da sociedade brasileira. Que estão criadas as condições para fazer aflorar as inúmeras potencialidades do país, orientadas por um projeto de desenvolvimento que inexistiu nesses últimos anos. Naturalmente isso não se faz do dia para a noite. Temos pela frente um período de transição, quando medidas duras deverão ser tomadas e várias reformas deverão ser feitas. Nesse particular a nossa equipe e a equipe da fazenda farão um trabalho conjunto com toda a sintonia necessária. Disciplina Planejamento e Política Econômica 3 Temos de passar de uma margem do rio, que é o atual modelo econômico, para outra margem, atravessando águas turbulentas, de modo a alcançarmos um novo modelo de desenvolvimento. No meio do caminho do novo modelo há várias pedras. Essa pedra não é a mesma do discurso do Palocci que é a do poema do João Cabral de Mello Neto. A minha pedra é a do poema do Carlos Drummond de Andrade. E por aí se deve deduzir apenas uma orientação poética diferente, não mais do que isso. Uma das maiores pedras no caminho do novo modelo é a dívida pública, que duplicou nos últimos 8 anos e tem de ser contida por um superávit primário à altura, que certamente impõe restrições aos gastos e investimentos do governo. Pelo menos até conseguirmos baixar o considerável serviço da dívida, que engole anualmente o equivalente a cerca de 10% do PIB, assim como eliminarmos os desperdícios no gasto público, racionalizarmos as despesas e melhorarmos as fontes de receita. Outra pedra no caminho é a pressão inflacionária, que se configurou no final do ano passado, já dá sinais de declínio, mas demanda atenção especial. Essa alta de preços, mesmo que temporária, exige políticas fiscal e monetária cautelosas, porém inteligentes. O governo passado perdeu várias oportunidades de baixar os juros, quando as condições permitiam, como no início do ano passado. A recente valorização do real está baixando a dívida e reduzindo a pressão inflacionária, rumo a um cenário mais favorável que ainda precisa se consolidar. O risco país já caiu abaixo de 1.300, ainda um exagero para as condições do país, porém mais razoável que os 2.400 de meses atrás. Não descansaremos enquanto esse risco país não baixar para 300 ou 400 pontos, que é a média dos países emergentes, exceto a Argentina. Aí sim nosso companheiro Henrique Meirelles poderá cumprir sua promessa solene, feita hoje em seu discurso de posse na presidência do Banco Central, de criar as condições de sustentabilidade para trazer os juros brasileiros para patamares civilizados, com nosso apoio. Para sanear a contas públicas, aumentar a competitividade e a eqüidade da economia brasileira é preciso fazer a reforma da previdência e acabar com os tributos em cascata, desonerando a produção, as exportações e os assalariados de baixa renda. Mas não é ao superávit primário ou ao combate à inflação que se resume a nova política econômica. A boa gestão das contas públicas, assim como a estabilidade, não são fins em si mesmos, mas meios para a promoção do crescimento sustentado e do combate à fome e à pobreza. Disciplina Planejamento e Política Econômica 4 Ao mesmo tempo, sem a menor demora, estará sendo posto em prática um conjunto de políticas que será a marca deste governo e caracterizará um novo modelo de desenvolvimento. Estão enganados aqueles que imaginam que praticaremos a velha política econômica. No comércio exterior, o governo não ficará inerte, à mercê dos mecanismos da globalização, que são imperfeitos e privilegiam os países avançados. Impulsionaremos as exportações e a substituição competitiva de importações. Se meu amigo Furlan me permitir avançar na sua seara, será praticada uma política de comércio exterior mais ativa, que multiplique nosso volume de comércio e reduza a vulnerabilidade externa brasileira. O governo Lula não terá pudores em traçar políticas ativas, para a indústria, para a agricultura, para os serviços e onde mais houver a necessidade de modernas políticas de estímulo à competitividade e produtividade do produto brasileiro, gerando os milhões de empregos que a população necessita. O estado será posto a serviço dos despossuídos, numa cruzada contra a fome, a miséria e o desamparo. Portanto será uma atuação muito mais ativa do estado na economia, sem que isso signifique uma volta ao estado intervencionista do passado. O BNDES, sob a orientação do Luiz Furlan e do Carlos Lessa, deverá se voltar para o financiamento de segmentos prioritários, em especial para as pequenas e médias empresas, assim como para exportações, substituição de importações, desenvolvimento de tecnologia e setores com maior impacto na geração de empregos. O que se busca é o desenvolvimento sustentado, ou seja, um crescimento do pib de mais de 4,5% ao ano, persistente e desconcentrador de renda, que gere empregos, reduza a miséria e as mazelas que afligem o povo brasileiro. Mas esse desenvolvimento sustentado não é um processo espontâneo, que brota das livres forças do mercado. O mercado é importantíssimo para organizar a economia e ninguém ainda inventou um mecanismo mais eficaz que o sistema de preços relativos para orientar investimentos e gastos. Porém é um sistema imperfeito que aprofunda desigualdades sociais e regionais. Por isso requer a complementaridade do estado, principalmente nas questões de longo prazo, como na infra-estrutura, na esfera social e regional. Todo esse processo que leva ao desenvolvimento sustentado deve ser orientado por um projeto estratégico, a ser formulado por meio de métodos modernos de planejamento. Disciplina Planejamento e Política Econômica 5 Não podemos continuar reféns do curto prazo, somente apagando incêndios. Temos que pensar no longo prazo, projetar o futuro e isso implica numa obra de arquitetura econômica, implica em planejamento estratégico. É essa uma das principais atribuições deste ministério. O planejamento estratégico ocupou um lugar menor no último governo, pois era incompatível com sua concepção geral. Para não cometer injustiças, reconheço que houve iniciativas de planejamento neste ministério, como os Planos Plurianuais e um avanço no gerenciamento e gestão dos projetos públicos. Mas foram ofuscados pela ausência de um projeto maior. Caberá à nossa gestão recuperar a antiga tradição de planejamento, que foi desenvolvida no Brasil por nossos maiores pensadores, como Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares, em quem me inspirarei e aproveito para render minhas homenagens. Naturalmente não se trata de repetir o planejamento intervencionista dos anos 50 e 60, quando o capitalismo apenas engatinhava em nosso país e as empresas estatais preenchiam as lacunas deixadas pela iniciativa privada. Não cabe mais ao Estado ser um agente econômico direto, salvo em algumas exceções, como nas áreas de petróleo e eletricidade, entre outras. Os recursos sempre insuficientes do estado devem ser canalizados para a área social e investimentos estratégicos e não para favorecer interesses particulares. No entanto, é necessária a presença do estado na elaboração de estratégias de desenvolvimento, na promoção de investimentos em parceria com a iniciativa privada e sobretudo para captar as demandas populares e traduzí-las em políticas públicas. O objetivo maior é a universalização dos serviços públicos e a garantia da infraestrutura para viabilizar o desenvolvimento sustentado. O planejamento tem a incumbência de orientar, concatenar e maximizar os diversos programas governamentais. Mas o projeto de desenvolvimento não deve ser planejado a portas fechadas por uma burocracia iluminada e muito menos deve estar concentrado nas mãos do governo federal. Deve, isto sim, ser o resultado de um processo de mobilização da sociedade civil e da opinião pública que formule as demandas e necessidades, locais, regionais e setoriais, a serem transformadas em projetos e objetivos perseguidos pelas políticas públicas. É dessa maneira que estaremos formulando um novo modelo de desenvolvimento. Daí a importância do IPEA, do IBGE e do BNDES para formular diagnósticos, definir o mapa de carências e da pobreza, assim como avaliar e formular políticas públicas. Disciplina Planejamento e Política Econômica 6 Em parceria com todos os ministérios e também com o conselho de desenvolvimento econômico e social, formularemos um plano estratégico que atinja os objetivos de promover o desenvolvimento sustentado, numa sociedade mais justa e mais harmônica. O exercício do planejamento estratégico exige um eficiente modelo de gestão pública que abandone as velhas práticas burocráticas e adquira eficiência, com melhor desempenho da máquina pública. Para o desempenho dessa difícil tarefa, conto com o apoio do presidente da república, dos meus colegas de ministério, dos meus amigos, de minha família, como também de todos os funcionários do nosso ministério, que convido desde já a se engajarem nesta árdua empreitada. Construir um novo modelo de desenvolvimento e implantar um moderno planejamento estratégico constituem obra coletiva. O povo elegeu um governo para mudar, mas ainda é preciso construir um estado do povo brasileiro e a seu serviço. A política é tida como a arte do possível e a ciência do necessário. Mas para atender as legítimas esperanças do povo faremos o impossível e o necessário. Dedicaremos cada dia de nosso trabalho a essa construção. Muito obrigado