66 Entrevista sobre odontogeriatria1 Por Fernando Luiz Brunetti Montenegro Amanda Souto O que é a Odontogeriatria e há quanto tempo ela existe? R: É uma nova área da Odontologia no Brasil, oficializada como Especialidade desde 2001, mas que existe na Europa e Estados Unidos há mais de 5 décadas. No Brasil, está sendo difundida em Cursos nos Congressos, nas Entidades, em Cursos de Atualização e / ou Especialização há não mais de 9 anos, mas existem artigos científicos sobre ela desde 1977 no País (e da década de 50 na Europa e EUA). Visa ao tratamento odontológico abrangente dos idosos e suas características de saúde geral atuais. Qual é a sua importância? R: Com o passar dos anos e o surgimento de diversas doenças nos pacientes de mais idade, alguns parâmetros de trabalho clínico e de condutas devem ser readequados. Envolve estudar todas as áreas da Odontologia Clínica para reenquadrá-las dentro das particularidades dos pacientes de mais idade. Parece simples quando assim escrito, mas este estudo tem consumido nosso tempo livre nos últimos 10 anos, buscando identificá-las e correlacioná-las, clinica e cientificamente, para criar um corpo consistente e significante de conhecimentos sobre as pessoas de 3a Idade, e que vão muito além de só “os dentes”. O que a população precisa fazer para chegar à velhice com uma boa saúde bucal? R: Atenção e Dedicação: Diária, constante e com controles semestrais por dentistas. Boa Dieta (sem alimentos cariogênicos). Uso correto da escova de dente a cada alimento ingerido, fio dental-passado com muita calma e detalhe pelo menos uma vez por dia. Manter uma indicação de escovas interdentais feita por um dentista. Visitar um profissional anualmente para verificar se as próteses totais, removíveis e as próteses fixas e os implantes estão funcionando bem, especialmente, nas duas primeiras, onde uma perda de adaptação nas bases acaba levando à uma reabsorção óssea que cada vez mais dificulta seu uso. E limpar a língua com um limpador de língua plástico:isto vai garantir um bom hálito por toda a vida ! 1 Entrevista realizada pela jornalista Amanda Souto com o Profº Fernando Luiz Brunetti Montenegro. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.9, Abril 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 67 Qual a principal ocorrência na saúde bucal dos pacientes idosos? R: Na realidade brasileira, são as lesões decorrentes de próteses desadaptadas e / ou por má higienização de toda a cavidade bucal, bem como lesões brancas variadas, pensando na população global. Dentre aqueles que tiveram acesso à uma odontologia mais consistente por toda a vida no Brasil, ou para idosos dos países mais ricos ou com melhor atuação preventiva odontológica, o quadro envolveria doença periodontal / gengival, cáries e as diversas consequências bucais da xerostomia - diminuição do fluxo salivar muito comum em quem toma muitos medicamentos como os idosos, ou que sofre / sofreu terapia anticancerígena. Qual é a situação bucal dos idosos no Brasil? R Segundo pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP em 2006, cerca de 68 % dos idosos são desdentados no Estado de São Paulo, um dos mais ricos do Brasil. Pode-se imaginar como seria nos estados mais pobres...E mais da metade podem ter próteses formando um enorme contingente entre os idosos. Mas o bom é verificar que uma parte cada vez maior destes idosos - os que puderam ter acesso a um tratamento odontológico preventivo básico ao menos - estão chegando à 3a idade com diversos elementos dentários presentes, inclusive próximo da recomendação da Organização Mundial de Saúde, de terem pelo menos 20 dentes naturais remanescentes em sua cavidade bucal. Mas esta fatia de dentados “ideais” ainda precisa crescer muito para se tornar estatisticamente preponderante. Por que é preciso preocupação com a saúde bucal no processo de envelhecimento da população? R: Por mais lógico que pareça, é porque a boca faz parte do corpo humano, onde todos os sistemas são interdependentes. Logo um problema bucal, como um abscesso, uma periodontite, uma saburra lingual aumentada ou a diminuição do fluxo salivar tem consequências na saúde geral, especialmente dos idosos e nos mais debilitados fisicamente. A inter-relação de problemas bucais com doenças cardiovasculares, diabetes, pneumonia aspirativa, diabetes, problemas cardíacos e até problemas estomacais é cada dia mais discutida na literatura cientifica, e comprovada na pratica clinica com pacientes mais velhos, ainda mais quando estes se encontram acamados ou em UTIs. Por isto a interdisciplinaridade do atendimento do idoso é extremamente necessária e, com certeza, os odontogeriatras devem conviver nos grupos de atendimento geriátrico em hospitais, casas de repouso e instituições de longa permanência. Como é feito o tratamento de problemas bucais em idosos? R: Usam-se todos os recursos da moderna odontologia clínica, adequando-os à realidade / necessidades de cada paciente. Tudo que se propõe como opções de tratamento para outras idades pode ser aplicado na 3a Idade, inclusive Ortodontia, mas deve-se ajustar os planejamentos de acordo com as doenças REVISTA PORTAL de Divulgação, n.9, Abril 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 68 gerais apresentadas pelos pacientes idosos e com sua expectativa de vida provável. Um critério estético tão imprescindível aos mais jovens no mercado de trabalho, felizmente, não é algo tão importante para a média dos idosos, o quê torna nossa missão um pouco mais fácil, ao menos neste aspecto. Mas continuam vaidosos e exigentes, sim! Caries e doença periodontal, altamente frequentes, são atenuadas com Prevenção abrangente e controlada com frequência, que pode chegar até de mês a mês em casos mais avançados, media de 3 meses nos moderados e semestral para os idosos saudáveis. O ensino de escovação e o reforço são demorados e não podem estar “incluídos” dentro de outros procedimentos profiláticos como algumas empresas o fazem... Escovas especiais, Suportes de fio dental e instruções aos cuidadores fazem parte das tarefas do profissional com profundo compromisso preventivo com seus pacientes idosos, especialmente os mais debilitados, aí tendo de contar com a colaboração e entendimento dos cuidadores dos pacientes. Próteses: devem ser reembasadas sempre que necessário. A frequência de retorno maior pode exigir menor tempo de carência para nova realização de procedimentos, perante outras faixas etárias. Cuidados detalhados para sua limpeza, com escovas especiais, devem ser instituídos e mantidos sempre, para que elas não se tornem um verdadeiro depósito de bactérias dentro da boca. O uso do limpador lingual em idosos é importante? R: O limpador lingual é um importantíssimo meio de higiene bucal na 3a idade e deve ser aplicado em todos os idosos - a não ser aqueles muito debilitados em hospitais, para os quais existem outras opções, como o higienizador lingual. Ele ajuda indiretamente, mas seu poder não pode ser desprezado, em 3 pontos vitais entre os idosos: • Controle da Hipertensão: como ele chega mais longe, e sem a ânsia das escovas de dente tradicionais, limpa as papilas gustativas melhor, permitindo que evitem colocar sal em excesso na sua dieta; • No Diabetes, pelo mesmo motivo, só que pelo açúcar ingerido. • Na eliminação da saburra lingual, um verdadeiro criadouro de bactérias patogênicas para o pulmão, agindo na prevenção de pneumonias, que é uma das maiores causas de óbitos em idosos acamados, bem como as duas doenças acima. E por fim - mas não menos importante - ajuda a diminuir as bactérias bucais causadoras do mau hálito, que levam a um embotamento social do idoso e, com o passar do tempo, à depressão. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.9, Abril 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 69 Estes são motivos importantes para se usar os limpadores / higienizadores linguais nos idosos! (e nas outras faixas etárias também...). Mas seu uso deve ser uma vez por dia apenas, de forma suave, abrangendo toda a língua, geralmente com limpadores de língua plásticos, que devem bem lavados em seguida. Como diversos outros meios de higiene bucal complementares, ele é pouco conhecido e usado pelos idosos - normalmente é indicado por poucos Cirurgiões Dentista. Mas uma crescente indústria – com mais de 15 empresas no Brasil - vem buscando colocar seus produtos nos pontos de venda e um dia os higienizadores bucais vão assumir seu papel junto às escovas de dente e o fio dental, na tarefa comunitária mais nobre que a Profissão tem que é a Prevenção! O Odontogeriatra deve conversar com o médico geriatra? R: Com certeza absoluta SIM! Este intercâmbio é fundamental para solucionar os casos de ambos os profissionais, e deve envolver também todo o corpo de Enfermagem e cuidadores no ambiente hospitalar, asilar e domiciliar. O Dr. Wilson Jacob Filho, Professor Titular da Faculdade de Medicina da USP, deixa isto muito claro: ”Na Terceira Idade, nenhum profissional tem destaque sobre os demais: todos devem estar irmanados no auxílio aos pacientes” e não deixa de incluir os dentistas entre estes profissionais. O Cirurgião Dentista precisa se acostumar a este contato interdisciplinar, que é muito mais profundo que a famosa cartinha “favor usar anestésico sem vasoconstrictor” que vemos adentrar costumeiramente junto com os pacientes em nossos consultórios . O diálogo interprofissional é primordial na 3a Idade! Os idosos procuram tratamento estético? R: Não há uma grande demanda estética dos idosos, como ocorre nos mais jovens. Para eles, o mais importante é ter dentes confiáveis para mastigar e poder comer “suas comidinhas“ - mas com boa consistência e valor protéico adequado - do dia-a-dia. Quando começam a frequentar bailes, serem paquerados ou buscar emprego - nestes tempos de baixas aposentadorias e com filhos e netos voltando para sua casa - se preocupam mais com a estética, mas nunca no patamar detalhista da juventude. Apenas o suficiente para viverem bem e com conforto. A beleza "total" é secundária, assim como diversos outros padrões consumistas que foram mudando com o passar dos anos. Mas para toda regra, existem exceções...Mas se não se é um artista na 3a Idade, exposto na televisão e comerciais, certamente fará parte da regra geral, mas que inclui, sim, maiores cuidados com sua boca nos melhores anos. ___________________________ Fernando Luiz Brunetti Montenegro - Mestre e Doutor pela FOUSP. Profº.Titular do I.S.O.(SP). E-mail [email protected] Amanda Souto - Jornalista pela Faculdade Anhembi-Morumbi, SP. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.9, Abril 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php