O que seus olhos revelam Por meio de uma simples avaliação oftalmológica, eles são capazes de predizer alterações em todo o corpo por Adriana Toledo | Design Luciana Ruivo e Eder Redder Captar, do mundo exterior, uma gama de cores, formas, paisagens e expressões humanas e conduzir essa riqueza de detalhes ao registro definitivo da memória — além dessa tarefa, cabe aos olhos refletir o estado interno do organismo, apontando eventuais desequilíbrios ameaçando sua saúde. "A retina, área onde se processam as imagens, é repleta de vasos sanguíneos, os únicos do corpo que podem ser vistos em um exame clínico", diz o oftalmologista Newton Kara José Júnior, da Universidade de São Paulo. "E eles são muito sensíveis. Portanto, quando apresentam modificações, elas levam a suspeita não só de distúrbios oculares como de doenças no sistema vascular em geral", exemplifica. Em outras palavras, é como se, ao analisar o fundo do olho, estivéssemos lançando um olhar especial ao coração, ao cérebro e a todo o percurso por onde o sangue circula. Só por isso já valeria o recado: "Consulte um oftalmologista pelo menos uma vez ao ano", aconselha o oftalmologista Luiz Carlos Portes, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Assim, você não só previne que a visão escureça como pode descobrir uma série de disfunções precocemente, antes mesmo que elas comecem a causar mal-estar ou provocar danos pra valer. Espelhos do corpo Entenda de organismo. que forma o exame oftalmológico denuncia encrencas no Problemas no fígado Antes de tudo, é preciso apresentar a protagonista da história, a bilirrubina. Trata-se de um pigmento amarelo-esverdeado formado com a degradação de células do sangue e que deveria ser varrido do corpo com a ajuda do fígado. Quando esse órgão não funciona adequadamente, o excesso de bilirrubina vaga pela corrente sanguínea e vai parar na pele e na conjuntiva ocular. "E, como essa área dos olhos é bastante branca, a mudança de coloração é muito perceptível, alardeando falhas hepáticas", explica o oftalmologista Leôncio Queiroz, do Instituto Penido Burnier, em Campinas, no interior paulista. Hipertireoidismo Esse distúrbio vem à tona quando a tireoide pisa no acelerador e passa a produzir hormônios em exagero, conhecidos como T3 e T4. Entre suas consequências, está o aumento do ritmo cardíaco e intestinal. Olhos saltados podem dedurar a situação. "Embora não se saiba exatamente o mecanismo, a disfunção provoca inchaço da musculatura atrás da esclera, projetando o globo ocular para a frente", justifica Luiz Carlos Portes. "Também ocorre um depósito de substâncias, como anticorpos, nesses músculos e nas glândulas lacrimais, o que ajuda a flagrar o hipertireoidismo", complementa o oftalmologista Michel Farah, da Universidade Federal de São Paulo. Doenças autoimunes Devido a uma pane no sistema imunológico, células de defesa passam a atacar diversos tecidos do próprio corpo. As vítimas podem ser os rins e a pele, entre outros. Durante o bombardeio desgovernado, uma série de substâncias inflamatórias é liberada e circula pelo corpo. "Na conjuntiva, a inflamação pode indicar ao oftalmologista a existência de alguma dessas doenças, como a artrite reumatoide, que afeta as articulações", explica Newton Kara José. "Sem falar na síndrome de Jogren, também autoimune, que tem as glândulas lacrimais como um de seus alvos principais", continua. Diabete Em geral, leva cerca de cinco a dez anos até que os vasos da retina apresentem sinais de agressão deflagrados pelo excesso de açúcar no sangue — é a chamada retinopatia diabética. Mas um oftalmologista atento pode desconfiar de aumento nas taxas de glicose logo cedo, encaminhando o paciente a um especialista antes que o diabete alcance um estágio avançado. "A hiperglicemia causa inchaço e uma consequente alteração na curvatura do cristalino, a lente dos olhos", explica Michel Farah. Resultado: a pessoa começa a ter dificuldade para enxergar de longe. Portanto, se essas mudanças acontecem sem mais nem menos, é possível suspeitar da enfermidade. Distúrbios hormonais A produção das glândulas lacrimais depende do estímulo de hormônios, como o estrogênio. É por isso que, na menopausa, quando a mulher deixa de produzi-lo e o balanço dessas substâncias se altera, a sensação de olho seco costuma ser uma das reclamações mais frequentes. Mas, mesmo em idade reprodutiva, alguns fatores, como má alimentação ou excesso de atividade física, podem levar a um desequilíbrio hormonal. "E diminuição das lágrimas denunciam a necessidade de visitar um endocrinologista", confirma Sérgio Kniggendorf. Problemas cardiovasculares Os temidos infarto e derrame são as principais causas de morte no Brasil. E eles dão as caras quando as artérias que irrigam o cérebro ou o coração estão comprometidas — o risco é maior se você fuma, mantém uma alimentação inadequada, cheia de gordura, não pratica atividade física... Novamente, os olhos servem como termômetro para avisar sobre a probabilidade de um evento desses. "A retina é muito vascularizada e sensível. Por isso, pontos frágeis ou entupimentos na estrutura de seus vasos avisam que é preciso ficar atento às condições das artérias de todo o corpo", alerta Kara José. Sem contar que um derrame pode prejudicar áreas do cérebro relacionadas à visão — e, aí, o mundo pode virar um breu. Hipertensão arterial Muita gente sofre de pressão alta e nem desconfia, já que muitas vezes a disfunção é silenciosa. Mais uma vez, o oftalmologista entra em cena para pegar o problema no pulo. "O impacto repetitivo da pressão alta sobre as vasos da retina costuma modificar sua estrutura", diz Luiz Carlos Portes. "Além disso, um pico hipertensivo pode deflagrar um inchaço do nervo óptico ou até uma hemorragia no fundo do olho", alerta o oftalmologista Sérgio Kniggendorf, do Hospital Oftalmológico de Brasília, no Distrito Federal. Esses sinais vermelhos indicam que é hora de consultar um cardiologista. Tumores cranianos Dilatação anormal da pupila, visão dupla ou cegueira momentânea não necessariamente acusam um câncer na cabeça, mas precisam ser investigadas. "Depois de afastar outras possíveis causas desses sintomas, como glaucoma ou até hiperglicemia, vale, sim, considerar a hipótese", avisa Leôncio Queiroz. "Tumores cranianos podem comprimir áreas do cérebro relacionadas à visão ou até mesmo o nervo óptico", justifica Luiz Carlos Portes. Daí, o reflexo pupilar fica anormal, pode haver paralisia na movimentação dos olhos, além de falhas no campo visual. Gravidez à vista Tão logo a fecundação ocorre, os olhos anunciam a chegada de um bebê. Tudo por causa de uma avalanche hormonal que tem como objetivo preparar o corpo da futura mãe. Os níveis de estrogênio diminuem e os de progesterona — que cuida da manutenção do útero — vão às alturas. Os efeitos se refletem na visão. "Devido a um discreto inchaço da córnea, estrutura que focaliza a luz, é comum que haja mudanças de refração, e a gestante pode reclamar de perda de nitidez", revela a oftalmologista Denise Fornazari, da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista. Então, o desconforto com as lentes de contato é frequente. "Ele é transitório e se reverte após o parto", tranquiliza. De qualquer forma, um oftalmologista é capaz de apontar alternativas, como substituir esse acessório por óculos ou reduzir sua frequência de uso. A sensação de olho seco também pode chatear a grávida, devido à queda de estrogênio, envolvido na produção lacrimal. "Há lágrimas artificiais que compensam esse quadro. Mas elas devem sempre ser prescritas por um especialista", avisa Denise. E o que é iridologia? Conheça esse recurso complementar que se vale de marcas oculares atípicas para sugerir a presença de disfunções orgânicas O próprio nome remete à íris, a área colorida dos olhos. O método consiste em sua observação em busca de pistas que sugiram problemas em órgãos específicos do corpo. Manchas, alterações na coloração, marcas em formato de anéis ou de linhas são alguns elementos que ajudam o iridólogo na avaliação. "Embora não seja reconhecida como uma especialidade médica, a iridologia pode auxiliar no diagnóstico de distúrbios, facilitando um posterior encaminhamento para um especialista", explica Ícaro Alcântara, homeopata de Brasília, que fez cursos nessa área. Segundo ele, o ideal é que o profissional seja médico para conhecer detalhes de anatomia e fisiologia. Exames mais do que essenciais Eles auxiliam o oftalmologista a identificar não só problemas na visão em si como alterações que indicam a presença de distúrbios em outros órgãos do corpo Exames Anamnese: é o olhar do médico sobre as estruturas oculares. Ele verifica as condições das pálpebras, da conjuntiva, das glândulas lacrimais, além da motilidade dos olhos. Reflexo pupilar: com o auxílio de uma espécie de lanterna, o profissional observa eventuais alterações na dilatação da pupila. Fundo de olho: exame em que um especialista observa, por meio de um aparelho chamado oftalmoscópio, estruturas como nervo óptico, retina e vasos da retina. Acuidade visual consiste na projeção de letras para avaliar a qualidade da visão e diagnosticar distúrbios de refração, como a miopia. Pressão intraocular: por meio de um aparelho específico, o especialista dispara um discreto jato de ar para checar a pressão interna dos olhos. FUNDO DO OLHO: repleta de vasos sanguíneos, essa região compreende desde o cristalino até a retina. GLÂNDULA LACRIMAL: localizada na parte anterior e lateral da órbita ocular, sua função é produzir lágrimas, que lubrificam e fazem uma faxina geral. NERVO ÓPTICO: conduz as informações visuais da retina ao cérebro, onde esses dados são processados, o que altera a refração. CÓRNEA: trata-se daquela lente transparente que se localiza à frente da íris. Em caso de inchaços ali, podem ocorrer mudanças de refração das imagens. ESCLERA: membrana externa, branca e fibrosa que reveste o globo ocular. MUSCULATURA OCULAR: é a responsável pela movimentação dos olhos. PUPILA: ao se contrair ou se dilatar, controla a entrada de luz do meio exterior. CONJUNTIVA: fina membrana que recobre a pálpebra inferior e a esclera. Fonte: http://saude.abril.com.br/edicoes/0327/medicina/seus-olhos-revelam-594160.shtml?pag=1 Ilustrações Alexandre Camanho