Interação entre Tecnologias Digitais e Alunos nas Escolas Públicas Larissa Medianeira Bolzan, Tarízi Cioccari Gomes, Eliete dos Reis e Mauri Leodir Löbler Av. Roraima nº. 1000, Prédio 74 C, sala 4303 – Cidade Universitária – CCSH – UFSM Santa Maria/RS – 97105-900 [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] Abstract. Knowing the importance of the interaction between ICTs and students, this paper investigated how ICTs are being utilized in public schools and its impact in the learning process. To achieve the proposed, semistructured interviews were conducted with the main responsibles for this interaction. As result, we checked which digital resources schools provide for interaction, the manner how ICTs are used as learning enhancers and lastly, some behavioral changes were identified. We concluded that interaction between students and digital technologies is beneficial to public education. Resumo. Sabendo-se da importância da interação entre TICs e alunos, este artigo investigou como as TICs estão sendo utilizadas nas escolas públicas e qual o seu impacto no processo de aprendizagem. Para alcançar o proposto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os principais responsáveis por essa interação. Como resultado, foram verificados quais recursos digitais as escolas disponibilizam para a interação, o modo como as TICs são utilizadas para potencializar o aprendizado e, por fim, algumas mudanças comportamentais foram identificadas. Como conclusão observa-se que a interação entre os alunos e as tecnologias digitais é benéfica para o ensino público. 1. Introdução A atual classificação da sociedade, sociedade de informação, expõe o panorama nacional de relacionamento com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que já foram inseridas no cotidiano dos brasileiros. Nos estudos de Batista (2006) e Young (2006) a parcela menos favorecida da população e os idosos foram, inicialmente, considerados como excluídos digitais. E em seguida, expostos ao acesso obrigatório a caixas eletrônicos, devido às políticas sociais como o Bolsa-Família e os benefícios do INSS, e a urna eletrônica. Quanto a celulares, pagers, palms, notebooks e o crescente uso da internet como meio de comunicação e aprendizado (FERNANDES e ROSS, 2006; SPINELLO e TEIXEIRA, 2008), compartilha-se do entendimento de Fernandes e Ross (2006) e Moraes et al. (2009), que afirmam que esse cenário surgiu a partir de sinais da expansão e imposição de ditames do mercado digital. Devido à rápida disseminação das TICs, Menezes (2006) e Ribeiro, Castro e Regattieri (2007), observaram a importância e a necessidade de integração das tecnologias ao trabalho escolar, pois habilidades em novas tecnologias são competências básicas a serem propiciadas pelos educadores no conjunto do currículo escolar e de suas disciplinas. Assim, emerge o objetivo desse estudo: Investigar como as TICs estão sendo utilizadas nas escolas públicas e qual o seu impacto no processo de ensino. O objetivo geral é sustentado pelos seguintes objetivos específicos: (i) Verificar quais recursos digitais estão sendo utilizados no processo de ensino; (ii) Verificar a forma como é possibilitada a interação entre os alunos e as TICs; (iii) Identificar as mudanças comportamentais causadas pela interação entre os alunos e as TICs. Este trabalho está estruturado em mais cinco seções, além da introdução: na seção dois aborda-se o referencial teórico que balizou a realização deste estudo. Na seção três é apresentado o método que possibilitou a operacionalização da pesquisa. A seção quatro apresenta os resultados alinhados com os objetivos propostos. Na seção cinco constriu-se as considerações finais. Por fim, as referências bibliográficas utilizadas no estudo em questão. 2. Referencial Teórico Esta secção explora estudos e teorias sobre o tema deste artigo, a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e os alunos de escolas públicas. 2.1. Interação entre TICs e alunos em Escola Pública Conforme o entendimento de Menezes (2006) a educação apresenta a tendência de abandonar a preparação apenas técnica dos alunos (prática instrucionista), voltando-se a formação de alunos com valores, criatividade e autonomia (abordagem construtivista), destacando que os avanços tecnológicos e seu impacto no desenvolvimento humano afetam o modo de ensinar e aprender o mundo, ocorrendo assim uma (re) significação das práticas educativas. A autora afirma que a utilização de tecnologias digitais na educação deve ser tratada como uma importante ferramenta de aprendizagem e também como desafio para os alunos. Menezes (2006) também atribuiu, ao desenvolvimento das TICs, a mudança na qualificação dos professores, ou seja, uma formação continuada para agentes fundamentais no processo de aprendizagem. Devido a inserção das tecnologias digitais ao cotidiano, o professor precisa capacitar-se continuamente, a fim de acompanhar a dinâmica que as novas tecnologias impõem à sociedade. A operacionalização do processo de capacitação dos professores de escolas públicas é realizada com o apoio dos Núcleos de Tecnologias Educacionais (NTEs), que capacitam os professores em dois níveis: multiplicadores e de salas de aula. Salienta-se que os multiplicadores, geralmente, são os professores responsáveis pelo laboratório de informática da escola e toda a tecnologia nele instalada, esse professor não precisa ter a formação acadêmica relacionada a tecnologia, basta estar disposto a assumir a responsabilidade e se qualificar através dos cursos promovidos pelo NTE regional (MENEZES, 2006). Os NTEs são localizados em regiões estratégicas, cada núcleo visa dar suporte a aproximadamente 50 escolas (BETTEGA, 2004; MENEZES, 2006). Atualmente, o Rio Grande do Sul possui 34 NTEs. No que se refere ao investimento público em TICs, para equipar as escolas, Gimenes (2008) entende que isso contribui para a familiarização dos alunos com as ferramentas digitais, possibilitando que ao longo do tempo, o aluno se aproprie de tais conhecimentos sobre as tecnologias de informação e comunicação, além de ser uma das mais efetivas formas de combater o apartheid tecnológico. Isso implica em vencer barreiras físicas, culturais, educacionais e até mesmo, em alguns casos, psicológicas (FERNANDES e ROSS, 2006). Segundo Carvalho (2009), muitas escolas já disponibilizam aparelhos como televisores, DVD players, rádio e computadores com acesso à internet. Ainda cabe acrescentar que o contexto brasileiro de inclusão digital apresenta uma íntima relação com o Software não-proprietário, pois devido ao Decreto de 29 de Outubro de 2003, que institucionalizou Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico de outras providências, tais como o Comitê de migração para Software não-proprietário em seus órgãos e o Comitê para realização de projetos de Inclusão Digital (BRASIL, 2003). 3. Método de Estudo Visando atender aos objetivos delineados neste estudo realizou-se uma pesquisa de caráter qualitativo e de natureza exploratória. Para Hair Jr. et al. (2007), estudos qualitativos oferecem informações aprofundadas e por isso maior compreensão sobre algumas características do tema proposto. Quanto a investigações do tipo exploratórias, de acordo com Gil (2010), trata-se de estudos que proporcionam uma maior flexibilidade na busca de informações sobre determinado problema, visando torná-lo mais claro, possibilitando a construção de novas idéias sobre o tema abordado. No que se refere ao método de pesquisa utilizado, este se caracteriza por ser um estudo de casos múltiplos. De acordo com Cozby (2003), um estudo de caso fornece uma descrição de um indivíduo, um ambiente, uma empresa, uma escola ou uma vizinhança. Visando alcançar resultados mais convincentes e robustos (YIN, 2001), realizou-se um estudo com múltiplas fontes de evidência, caracterizando-se assim, caso múltiplo. Para o desenvolvimento desse estudo, foram utilizadas como unidades de análises as escolas públicas municipais, localizadas na região central do Rio Grande do Sul (RS). Foi estabelecido como critério de escolha o cumprimento da meta estabelecida no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2009 (IDEB 2009) e, o crescimento desse indicador com relação ao resultado obtido pela prova realizada em 2007, além de utilizarem TICs como ferramenta no processo de ensino. Observando o critério média do IDEB, o total de escolas selecionadas foram nove, porém duas dessas não utilizavam TICs como ferramenta potencializadora de aprendizagem, por isso somente sete escolas foram investigadas. Destaca-se que o objeto de análise foi a interação entre TICs e alunos. Para coleta de dados primários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os professores “multiplicadores” de cada escola. Essa escolha se justifica pelos resultados do estudo de Menezes (2006), o qual destaca que esses individuos são os responsáveis pelas ferramentas digitais e seu uso no processo de ensino e aprendizagem, em cada escola. Além disso, também são capacitados para assumir essa função através de um curso com duração de 100 horas, oferecido pelo NTE regional. No âmbito dessa pesquisa, esses sujeitos foram investigados por deterem maior conhecimento a respeito da utilização dos recursos tecnológicos que a escola dispõe para inclusão digital. Os dados secundários foram obtidos pela análise documental, sites do Ministério da Educação e da prefeitura municipal e blogs das escolas. O roteiro das entrevistas foi elaborado com base nos estudos de Menezes (2006) e Marcon (2010). As entrevistas tiveram duração aproximada de 35 minutos. Essas foram gravadas e transcritas, sendo que para garantir a confidencialidade das informações e preservar a identidade dos entrevistados, optou-se por nomeá–los de A a G. Para a análise das mesmas, foi utilizada a técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Quanto às categorias de análise a respeito da inclusão digital na escola, foram definidas conforme mostra o Quadro 1. Categorias Panorama da Interação entre TICs e alunos Como acontece a interação entre TICs e alunos Mudança e Perspectiva Descrição Mostra a forma como a interação com as tecnologias digitais são definidas pelos atores e o comportamento dos alunos e professores frente ao processo de inclusão digital. Apresenta também os recursos disponibilizados e infraestrutura. Apresenta como acontece a interação dentro da escola, explora o papel do educador e do responsável pelo laboratório de informática frente à mudança proporcionada pelo novo ensino. Explora as mudanças proporcionadas pela inclusão digital na escola, já observadas no desempenho e comportamento dos alunos, assim como aponta novas perspectivas visando melhor o processo de interação com as TICs nas escolas. No que se refere ao perfil dos entrevistados, 70% pertencem ao sexo feminino e 30% ao masculino. Quanto à formação, tem-se que 70% são especialistas e 30% possuem somente a graduação, sendo que todos possuem formação em áreas da educação. Todos trabalham com educação há mais de 10 anos e estão há mais de cinco anos na mesma escola. 4. Resultados 4.1. Panorama da Interação entre TICs e alunos Inicialmente, os entrevistados foram questionados sobre a definição e a importância da utilização das TICs no processo de ensino-aprendizagem. Assim como no trabalho de Menezes (2006), os entrevistados se mostraram conhecedores do tema e conscientes da importância. Destacam-se as falas dos entrevistados B e G: A interação das TICs com o ensino é toda a utilização de mídias na escola, independente do tipo de mídia, desde o retro-projetor, data-show, a gente não se limita a sala de informática, porque inclusão digital lembra computador, mas não é só isso. A gente ensina até as crianças usarem GPS, todas as mídias, temos uma TV ali nova, tem o som, tem a caixa amplificada, computador, a gente ensina todas as mídias. Isso porque a escola entende que quanto mais eles souberem, eles conhecerem essas mídias, mais fácil será pra eles se inserirem no mercado de trabalho ou nos estudos, então é fundamental (ENTREVISTADO B). Eu considero o aprendizado de habilidades digitais como a alfabetização nos tempos de hoje. Eu acredito que o aluno que tem certa autonomia consegue até estudar um conteúdo na internet, tamanha é a forma didática da rede (ENTREVISTADO G). No que se refere aos recursos digitais (TICs) que as escolas disponibilizam para a interação dos alunos com o mundo digital, por meio das entrevistas observou-se a presença de computadores conectados à internet, câmeras digitais, pen-drives, filmadoras, impressoras, data-show e rádio, ou seja, os resultados deste estudo confirmaram Carvalho (2009). Destacam-se as falas dos entrevistados A e D: A escola disponibiliza, no laboratório, computador com internet, data-show, para os anos finais que produzem trabalhos, eles produzem vídeos, apresentações, trazem pen-drives, apresentam para os colegas, máquina digital também a gente tem, temos filmadoras que a gente disponibiliza para os professores e sob orientação dos professores eles gravam filmes (ENTREVISTADO A). Aqui nós temos a sala de informática com computadores, data-show, as câmeras fotográficas, a filmadora e agora o MEC vai montar uma rádio ainda, mas ainda não montou (ENTREVISTADO D). Destaca-se que em todas as entrevistas foram citados laboratórios de informática ou salas de informática, estes são ambientes equipados com computadores e outras tecnologias digitais que as escolas disponibilizam para o aluno. Nesse sentido, foram investigadas questões sobre aquisição e os principais problemas que as escolas enfrentam para disponibilizar as TICs aos alunos. Com a análise das entrevistas, foi observado que a aquisição das TICs se deu por meio de projetos, via MEC ou governo. Em relação aos problemas para disponibilizar das tecnologias digitais aos alunos, as respostas se concentraram na adequação das salas de informática (infraestrutura). Destaca-se que esse problema já foi apontado pelos estudos de Fernandes e Ross (2006). As falas dos entrevistados A, B e C podem evidenciar o problema exposto: Levou um tempo pra gente montar a sala porque vieram os computadores e a gente não tinha sala, daí ficaram quase dois anos encaixotados, mas em 2009 a gente conseguiu montar a sala (ENTREVISTADO A). Aqui a sala foi aproveitada, aqui antes era a biblioteca, mas ficou bom tem um bom espaço (ENTREVISTADO B). A parte do mobiliário e instalação elétrica foi com verbas do governo, mas foi uma ginástica. Porque vem um valor “x” e tem que fazer tudo, inclusive à sala, colocar o ar condicionado também, néh! Foi uns 5 anos, 4 anos, e a sala estava fechada (ENTREVISTADO C). Durante a entrevista foi levantada a questão de utilização de software nãoproprietário nos computadores utilizados pelos órgãos públicos, inclusive pelas escolas (Decreto de 29 de outubro de 2003 do Governo Federal). Pode ser observado que, inicialmente, a interação com a nova tecnologia foi encarada como limitador, pois poucos professores tinham domínio dessa tecnologia. Destaca-se a fala do entrevistado B: Os computadores que vem para as escolas públicas são com software nãoproprietário, que poucos conhecem e poucos sabem mexer, então tem que fazer um curso básico pra aprender a mexer e depois fechar o trabalho de formação com os professores. Todos os anos têm cursos de atualização. Até agora está tendo um que ensina a gente a criar atividades pra trabalhar com os alunos, tu não vai pegar uma atividade pronta, tu vai criar atividades de qualquer disciplina (ENTREVISTADO B). Outro importante fator que pode limitar ou incentivar a interação das TICs nas escolas foi a pré-disposição para seu uso. Nas entrevistas, foi identificada resistência inicial, por parte dos professores, esse comportamento também foi encontrado nos estudos de Benites (2006), Menezes (2006) e Salinas e Sanchez (2009). Os referidos autores explicam que isso ocorre porque o uso das TICs como ferramenta para facilitar o aprendizado exige mais do professor, tornando seu trabalho mais complexo com o desafio de propor a interação entre o conteúdo e as tecnologias. As falas dos entrevistados A, B e F evidenciam o problema: No início os professores resistiam, até achavam que a sala de informática era pra ter aula de informática, ou então só pra jogar. Daí, ao longo dos anos, nós mesmos passamos para os colegas a importância das novas tecnologias. Então, eles foram cedendo. Não todos, alguns professores ainda são resistentes... Acredito que essa resistência se deva a experiência que a pessoa tem com tecnologia, se ela não tem muito contato tende a ter resistência, acho que é uma questão pessoal (ENTREVISTADO A). No início teve muita resistência, foi um desafio, foi muita novidade. Tem uns que nem queriam usar o laboratório, mas daí um começou a utilizar e comentar os resultados nos alunos e daí os demais observaram e fizeram o mesmo. Na última reunião pedagógica da escola, eu projetei alguns trabalhos que os professores fizeram com os alunos no laboratório, pra que aqueles professores que ainda não utilizam se estimularem (ENTREVISTADO B). Para os professores é mais difícil fazer relações do conteúdo com a tecnologia, porque na nossa época era diferente, era livro, caderno e lápis. E, o mundo não evoluía tão depressa. Eu tenho muito receio quanto aos professores mais antigos, eles não têm a experiência e por isso resistem achando que não vão dar conta. (ENTREVISTADO F). Desse modo, foi constatado que os professores são conhecedores do papel das TICs no ensino e estão conscientes da importante interação entre alunos e tecnologias digitais. Observou-se também o esforço para aquisição das tecnologias digitais (destacase que dentre essas foram citadas pelos entrevistados diversas mídias e não apenas computadores conectados à internet) e interesse por uma melhor disponibilização para os alunos. Quanto a obrigação imposta pelo governo para utilização de software nãoproprietário, inicialmente, foi considerado como um fator limitador, devido ao desafio, para o educador, de obter um novo aprendizado para ensinar. 4.2. A interação entre alunos e as tecnologias de informação e comunicação Segundo a análise das entrevistas, pode-se observar que a interação entre alunos e TICs nas escolas ocorre, interdiciplinariamente, através da inter-relação proposta entre qualquer conteúdo e as tecnologias digitais, ou seja, os professores de qualquer disciplina podem utilizar as tecnologias digitais para incrementar o aprendizado dos seus alunos. Conforme também foi apontado no trablaho de Menezes (2006). Acerca disso, destacam-se as falas dos entrevistados B, D e F. No laboratório não funciona aula de informática, é aula de matemática, de geografia, de educação artística, de ensino religioso, então é uma continuidade da sala de aula. Mas pra trabalhar na disciplina, os alunos têm que aprender a utilizar as ferramentas, daí tem dois lados, o lado de aprendizado da disciplina e o aprendizado do uso da ferramenta (ENTREVISTADO B). A gente trabalha sempre voltada assim, é como uma continuação da sala de aula, então a gente trabalha alguns jogos relacionados, ou um texto que ele deve ler pra disciplina, mas sempre de acordo com o que eles estão tendo em sala de aula. (ENTREVISTADO D). No horário do professor apresentar o conteúdo que está trabalhando, fala comigo e marca horário no laboratório e aí vem aqui com os alunos. Então eu só oriento a parte do software e alguma coisa do teclado, a aula é do professor. É como se a interação fosse uma continuação da aula (ENTREVISTADO F). Nesse sentido, destaca-se que as tecnologias digitais são ferramentas para potencializar a aprendizagem. Não cabe à escola a função de oferecer aulas de informática e sim, apenas aproximar os alunos das tecnologias digitais. 4.3. Mudanças comportamentais observadas devido à interação Os resultados apresentados nessa sessão corroboram os encontrados no estudo de Marcon (2010), cujo objetivo era acompanhar quais as mudanças ocorrem na prática das escolas com a proposta de interação entre TICs e alunos. Quanto às mudanças observadas nos comportamentos, ambas as pesquisas apontaram aumento de interesse e participação, ou seja, um entusiasmo por parte dos alunos, conforme pode ser evidenciado nas falas dos entrevistados C, D e E. Na transcrição do entrevistado E, ainda destaca-se a função de atração dos alunos atribuída às TICs, esse resultado também foi encontrado nos estudos de Menezes (2006). Os pequenos ficavam ansiosos. Impacientes. “Ah! Tem aula de informática, hoje, nós vamos ao laboratório, hoje o professor tá aí, néh!”. Eles esperam por esse momento (ENTREVISTADO C). Quando os alunos vêm pra sala de informática eles trabalham com mais entusiasmo, sem bagunça, porque eles querem, eles ficavam mais motivados pra fazer um trabalho no computador (ENTREVISTADO D). A sociedade está muito mais atrativa que a escola. Se a gente ficar só no quadro e no giz, a gente (a escola) vai perder muito, por isso a importância da tecnologia. O lá fora não pode ser mais atrativo que aqui dentro (ENTREVISTADO E). Quanto as mudanças relacionadas às habilidades com ferramentas digitais, tanto Marcon (2010) quanto a presente pesquisa apresentam o controle do mouse como principal evolução. Isso porque a coordenação com esse periférico é a principal dificuldade para aqueles com menor oportunidade de acesso. Essa limitação pode ser evidenciada através das falas dos entrevistados A, B e C. Ainda, destaca-se que na fala do entrevistado A pode ser percebida a presença de resistência inicial daqueles alunos com maior dificuldade, entretanto a dificuldade logo é suavizada e os mesmos participam das atividades. Na fala do entrevistado B e C salienta-se o uso de software específico como meio de facilitar a inclusão digital. Com aquele aluno que não tem acesso as tecnologias em casa, a gente tem que ter um cuidado maior. Porque a dificuldade é maior, principalmente quanto à coordenação motora com o mouse. Aprender as utilidades em si eles aprendem muito rápido... Aqueles que não têm computador, não querem ficar na sala de informática porque eles têm vergonha porque não sabem daí a gente faz um trabalho de acompanhamento durante as atividades, fica junto ali, mas em pouco tempo eles estão bem incluídos. Eles aprendem bem rápido, porque eles gostam, é algo que chama bastante atenção. (ENTREVISTADO A). A maior dificuldade dos alunos difere quanto à série. Na pré-escola, a maior dificuldade é o mouse, os que não têm acesso não sabem nem pegar o mouse, e também pelo tamanho, a mãozinha deles é tão pequena que não tem como pegar, então é uma dificuldade. Mas tem um programa que ensina a mexer com o mouse, é um joguinho, a gente começa com isso (ENTREVISTADO B). Eu tenho alunos novos que quando chegaram aqui não sabiam mexer no mouse, eu dei pra eles uns programas específicos pra isso e em seguida eles já estavam dominando (ENTREVISTADO C). Foi explorado ainda a existência de algum indicador para verificar se o conhecimento foi realmente adquirido pelos alunos. Conforme análise, observou-se que não há indicadores de aprendizado quanto às tecnologias digitais, mas sim um conhecimento tácito dos profissionais de educação quanto à aprendizagem dos alunos. Ainda quanto aos indicadores, salienta-se que os entrevistados não percebiam a importância desses indicadores, uma vez que a interação com as TICs são ferramentas de aprendizagem. Para evidenciar esse resultado, apresentam-se as falas dos entrevistados A e E. A gente percebe diferença nos alunos depois de algum tempo de uso do computador. (ENTREVISTADO A). Não se avalia a aprendizagem quanto ao uso dessas tecnologias porque a tecnologia é usada como um recurso de aprendizagem, uma ferramenta, pra tu desenvolver um texto, por exemplo, é mais como um apoio (ENTREVISTADO E). Nesta sub-sessão, destaca-se a relação entre a mudança comportamental do aluno e a interação com as TICs. Apesar da resistência inicial, devido à dificuldade daqueles cujo acesso a TICs é limitado, há entusiasmo e o aprendizado é rápido. Além disso, enfatiza-se que não existem indicadores de aprendizagem com relação a apropriação de conhecimento sobre as tecnologias digitais, o que pode ser explicado porque as TICs são consideradas ferramentas para facilitar/ potencializar o processo de aprendizagem. 5. Considerações Finais Ao fim das análises cabem considerações a respeito de como a interação entre as TICs e os alunos são realizadas nas escolas públicas. As tecnologias são entendidas como ferramentas para potencializar o aprendizado e a aproximação se dá de forma interdisciplinar, ou seja, professores de qualquer disciplina podem imcrementar o conteúdo utilizando as TICs como ferramentas. A interação ocorre nos laboratórios, que conforme pode ser observado, ainda são utilizados ocasionalmente, seja por falta de pessoal para atender a demanada, seja devido a limitações dos professores (conhecimento a respeito da tecnologia), corroborando os resultados do estudo de Marcon (2010). Ainda quanto a interação, percebeu-se que os alunos não tem liberdade para interagir com as TICs, há o condicionamento à tarefa proposta pelo professor, isso é uma barreira para maior exploração das ferramentas, resultados que também foram encontrados na pesquisa de Marcon (2010). Como resultados, este estudo apresentou que a importância da interação entre TICs e alunos é reconhecida pelos professores e, depois de vencida a resistência inicial dos professores, os mesmos passaram a utilizar as TICs como ferramenta de ensino, fazendo com que os alunos se sintam atraídos pelos conteúdos. As escolas, atualmente, disponibilizam para a interação dos alunos com o mundo digital, tecnologias como computadores conectados à internet, câmeras digitais, pen-drives, filmadoras, impressoras, data-show e rádio, resultados que são corroborados pelo estudo de Carvalho (2009). Ainda quanto aos resultados, destaca-se que, segundo a percepção dos entrevistados a respeito dos alunos, a maior dificuldade é o controle do mouse. Nesse sentido os entrevistados também percebem que alguns alunos (com maior dificuldade de acesso) apresentam resistência às aulas que propõe a interação com as TICs. Quanto às mudanças proporcionadas ao processo de aprendizagem do aluno, pode-se afirmar que, ao se tornar mais atrativo para o aluno (por meio da interação com as TICs), as TICs promovem um melhor desempenho escolar do aluno. Esse trabalho permitiu um avanço nos estudos de interação entre alunos e TICs, visto que durante as estrevistas emergiram temas exploratórios, são eles: a não existência de indicadores de efetividade na utilização de TICs no processo de ensino, a resistência inicial dos professores referente a utilização de software não-proprietário nos computadores do laboratório da escola e resistência inicial dos alunos, com menor oportunidade de acesso, por apresentarem dificuldade na interação com as TICs. Destaca-se que a não existência de um indicador de efetividade de interação TICs e alunos se dá devido as TICs serem consideradas ferramentas para facilitar o processo de aprendizagem e não conteúdo a ser desenvolvido, ou seja, um conteúdo curricular que necessite de avaliações. Como limitações desse estudo, pode-se citar o não acompanhamento do processo de inclusão digital nas escolas. Além disso, existem as limitações metodológicas da pesquisa qualitativa, ou seja, os resultados não podem ser generalizados. Acrescenta-se como sugestão de pesquisas futuras, o acompanhamento, por parte do pesquisador, durante o processo de interação entre as TICs e os alunos. Ainda, sugere-se a realização de estudos sobre essa temática que combinem abordagens qualitativas e quantitativas, abrindo espaço para pesquisas descritivas e explicativas. Referências Bibliográficas BATISTA, S. G. A inclusão digital: programas governamentais e o profissional da informação – reflexões. Inclusão Social. 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