UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO BIGUAÇU CURSO DE PSICOLOGIA ZULMA PURES ALVES PROSDOCIMO ESPECIFICIDADES DO ALCOOLISMO FEMININO BIGUAÇU 2006 1 ZULMA PURES ALVES PROSDOCIMO ESPECIFICIDADES DO ALCOOLISMO FEMININO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de Bacharelado em Psicologia. BIGUAÇU 2006 2 ZULMA PURES ALVES PROSDOCIMO ESPECIFICIDADES DO ALCOOLISMO FEMININO Este Trabalho de Conclusão de Curso foi considerado aprovado, atendendo os requisitos parciais para obter o grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí no Curso de Psicologia. Florianópolis, novembro de 2006. Banca Examinadora ___________________________________ Prof. MSc. Paulo César Nascimento Orientador ____________________________________ Prof. MSc. Henry Dario Cunha Membro da banca ____________________________________ Profª Drª Vera Baumgarten de Ulyssea Baião Membro da banca 3 Dedicatória Dedico este trabalho a tia Altanira Ferreira da Fontora que me possibilitou a oportunidade deste aprendizado, além disso, ao meu orientador Paulo César Nascimento que me norteou nesta pesquisa. 4 AGRADECIMENTOS . Agradeço a Professora Vera Baumgarten de Ulyssea Baião e ao Professor Henry Dario Cunha por terem aceitado o convite de participar da banca, disponibilizando seu tempo e conhecimento para com esta pesquisa. Agradeço ao meu filho Gustavo por entender, mesmo que as vezes reclamando, a minha ausência. Agradeço a todos que de alguma maneira contribuíram para a conclusão desta pesquisa. 5 “... Quando, exatamente em que ponto é que o rosa se transforma em vermelho? Distinguir entre o rosa inicial e o vermelho final não nos causa problemas. O difícil é distinguir o momento em que o rosa não é mais rosa. Este é o problema que ocorre quando pensamos se alguém bebe normalmente ou é alcoólatra... o tempo de interface entre o beber normal e o alcoolismo leva anos. É uma lenta passagem do rosa para o vermelho...”. “A questão da dependência de álcool” Drª Jandira Mansur 6 RESUMO O alcoolismo é um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade, acometendo subgrupos com características peculiares. A maioria das pesquisas se concentra no subgrupo de homens; têm-se observado, porém, um aumento significativo do número de mulheres que consomem álcool e outras drogas. O objetivo deste trabalho é o estudo das especificidades do alcoolismo em mulheres, abordando mais especificamente, a epidemiologia e a sua prevalência, enfocando os seguintes tópicos: os aspectos biológicos, os aspectos psicológicos, e os aspectos sociais. Embora nenhum destes fatores de forma isolada se mostre suficiente para explicar o referido fenômeno, neste trabalho estes aspectos serão descritos separadamente. Do ponto de vista biológico, pesquisas revelam que o corpo feminino é mais vulnerável ao álcool do que o homem, uma vez que o organismo feminino absorve 30% a mais de álcool que o masculino, o que acontece pelo fato de que estas possuem menos água corpórea por quilo. Quando considerados os aspectos psicológicos, são muitos os fatores que parecem facilitar uma conduta mais consistente da ingestão de bebidas alcoólicas. Diferentemente dos homens, os motivos que levam as mulheres a iniciarem-se na dependência são problemas intrapsíquicos tais como: depressão, baixa auto-confiança, irritabilidade e dificuldade em prever os próprios sentimentos, estabelecendo a predileção pelo abuso do álcool como o meio de obter alívio da ansiedade e da depressão (que realmente ocorrem muito mais em mulheres). Os aspectos sociais considerados aqui se referem à relação com a família, e com a própria sociedade. PALAVRAS-CHAVES: Alcoolismo – Mulheres - Dependência 7 SUMÁRIO RESUMO ...................................................................................................................................6 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8 2. METODOLOGIA...............................................................................................................10 3. DROGAS .............................................................................................................................11 3.1 CONCEITOS DE DROGAS ..........................................................................................11 3.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO TIPO – DROGAS ..................................................12 3.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO TIPO DE USUÁRIO .............................................13 4. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO USO DO ÁLCOOL ...................................15 4.1 ALCOOLISMO ..............................................................................................................17 4.2 USO NOCIVO DE ÁLCOOL ........................................................................................20 4.3 SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL.........................................................21 4.4 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS E ECONÔMICOS DO ALCOOLISMO .....................22 4.5 A DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA EM POPULAÇÕES ESPECÍFICAS ....................23 5. ALCOOLISMO FEMININO.............................................................................................26 5.1 ASPECTOS BIOLÓGICOS ...........................................................................................27 5.1.1 Genética ...................................................................................................................28 5.1.2 Alcoolismo e Ciclo Menstrual, Gestação e Parto ................................................30 5.1.3 Alcoolismo na Menopausa.....................................................................................31 5.2. ASPECTOS PSICOLÓGICOS.....................................................................................33 5.3 ASPECTOS SOCIAIS....................................................................................................36 5.4 ASPECTOS PSICOPATOLÓGICOS ...........................................................................39 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................................................43 8 1. INTRODUÇÃO O alcoolismo é um problema crescente neste novo século. As estatísticas são cada vez mais alarmantes quando representam o número de pessoas atingidas por esta doença. Estima-se o aumento futuro deste número, haja vista a falta de políticas públicas com um trabalho educacional de prevenção e de orientação sobre o alcoolismo e suas conseqüências. Isto ocorre, entre outros motivos, porque as políticas públicas em matéria de drogas, durante décadas, na maioria dos países (incluindo o Brasil) privilegiaram a repressão do comércio das substâncias ilícitas. Paralelamente, as drogas lícitas, em particular o álcool e o tabaco, não mereceram nenhuma atenção e até foram alçadas, através da publicidade, a condição de promotoras de sucesso, poder, bom gosto e finesse. São poucos os trabalhos encontrados sobre o alcoolismo feminino e suas especificidades na área da Psicologia, se comparados às áreas afins: Enfermagem, Serviço Social, Medicina (mais especificamente na área da Psiquiatria) e Antropologia, entre outras. Este fato acarretou a formulação da questão, quais as especificidades do alcoolismo feminino? Para as quais ainda não existiam respostas, limitando/dificultando assim o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes no tratamento desta patologia. Assim, este trabalho partiu da curiosidade em conhecer melhor estas especificidades, e da percepção da necessidade de aprofundar estudos nesta área. Neste sentido, através da investigação de teorias, estudos e pesquisas nessa área, foram abordados nesta pesquisa alguns aspectos importantes do alcoolismo, enfocando basicamente o consumo do álcool pelas mulheres. Estimativas de prevalência acerca do alcoolismo em homens e mulheres sofrem mudanças de acordo com o tempo e com a população estudada. Em relação ao sexo feminino os estudos referentes aos casos de mulheres dependentes de drogas são dificultados pelo fato destas estarem sub-representadas nos serviços assistenciais e de pesquisa, como já foi demonstrado nas pesquisas sobre as mulheres dependentes de álcool Björling; Vannicelli; Nash, (1984, 1984, Apud ZILBERMAN, 1998). Ainda seguindo o mesmo raciocínio, a autora pontua que as mulheres, a grosso modo, são sub-diagnosticadas em relação ao uso de drogas. Isto se deve, dentre outros aspectos, ao sentimento de vergonha que manifestam devido ao estigma social a que estão submetidas; em decorrência deste fato, procuram serviços não-especializados, apresentando queixas vagas de saúde. Na maioria das vezes, o preconceito destas mulheres, associado ao do médico, dificultam o diagnóstico e o encaminhamento adequado. Logo, torna-se fundamental 9 viabilizar espaços de discussões, produção de pesquisas e estudos nesta esfera, de forma que se possam alcançar resultados duradouros e eficazes no tratamento. Neste sentido, esta compreensão da peculiaridade do alcoolismo feminino visa subsidiar aos profissionais da área, possibilitando o posterior desenvolvimento de estratégias de intervenção, e na especificidade de tratamento, bem como, produzir conhecimentos que possam orientar outras pesquisas, práticas e políticas dirigidas a essa esfera de estudo e trabalho, tendo, portanto relevância social. O trabalho está organizado desta forma: inicialmente são abordados os conceitos de drogas em geral, a classificação quanto ao tipo de drogas psicotrópicas e a classificação quanto ao tipo de usuários. No capítulo seguinte foram elaborados: um breve histórico do álcool e do alcoolismo; algumas considerações quanto ao uso nocivo do álcool; e a síndrome de dependência; a descrição dos aspectos psicossociais e econômicos do alcoolismo; um breve apanhado da dependência alcoólica em populações especificas. No último capítulo, que foi mais especifico ao objetivo desta pesquisa, foi realizado um estudo mais detalhado do alcoolismo feminino e suas especificidades, sob os aspectos biológicos, psicológicos e sociais Sendo assim, este trabalho teve por finalidade pesquisar e conhecer as especificidades do alcoolismo em mulheres, abordando a epidemiologia e a sua prevalência, enfocando os seguintes tópicos: os aspectos biológicos, os aspectos psicológicos, e os aspectos sociais. Para tanto, buscou-se identificar os diversos aspectos que compõem o alcoolismo, a fim de auxiliar na elaboração do diagnóstico acerca da sua patologia. 10 2. METODOLOGIA Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica. Foi realizada pesquisa através de exames da literatura científica, para levantamento e análise do que já foi produzido sobre o assunto. Como fontes de consultas foram utilizadas: Internet, livros e artigos publicados em periódicos nacionais, e em língua portuguesa nos cinco anos correspondentes ao período de 2001 a 2006. Uma das principais vantagens em utilizar esse tipo de metodologia nesta pesquisa foi o fato de permitir a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais amplo do que se poderia pesquisar diretamente, (GIL, 1993). 11 3. DROGAS 3.1 CONCEITOS DE DROGAS Segundo a literatura, o homem sempre usou algum tipo de droga, seja para transgredir normas, seja para rituais religiosos ou até mesmo para fugir da realidade. O conceito de droga é extremamente abrangente. Seu significado compreende tudo o que se ingere e que não constitui alimento, embora alguns alimentos também possam ser designados como drogas: bebidas alcoólicas, especiarias, tabaco, açúcar, chá, café, chocolate, mate, guaraná, ópio, quina, ipecacuanha assim como inúmeras outras plantas e remédios,(CABRAL, 2002). De acordo com o dicionário do professor Aurélio Buarque de Holanda a palavra droga é de origem controversa: a palavra droga pode ter origem do persa droa (odor aromático), do hebraico rakab (perfume) ou do holandês antigo droog (folha seca, porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais). No sentido figurado: coisa de pouco valor; coisa enfadonha; desagradável (Novo Dicionário Aurélio, 1986). Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, “Droga é toda substância que, introduzida em um organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções”. Atualmente, a medicina define droga como sendo: qualquer substância que é capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamentos. (OMS, 1981) Numa visão mais ampla, o 1CONEN - SP considera droga toda e qualquer substância que introduzida num organismo vivo, seja capaz de modificar funções fisiológicas ou comportamentais. (CONEN-SP, 2006) As drogas podem ser obtidas de forma natural, extraída de determinas plantas, de animais e de alguns minerais, exemplo disso temos: a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula), e o THC – tetrahidrocanabinol (da maconha). De forma sintética temos as drogas produzidas em laboratório, que são misturas de substâncias 1 Conselho Estadual de Entorpecentes foi instituído junto à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania pelo Decreto nº 25.367, para ter uma ação conjunta e articulada com órgãos federais, estaduais e municipais, com a finalidade de prevenir o uso indevido de drogas, sob orientação do Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN). 12 exclusivamente psicoativas produzidas através de meios químicos cujos principais componentes ativos não são encontrados na natureza. Estas drogas atuam no cérebro afetando a atividade mental e são, por esta razão, denominadas psicoativas. (CONEN-SP, 2006) Droga psicoativa “é qualquer substância química que, quando ingerida, modifica uma ou várias funções do SNC, produzindo efeitos psíquicos e comportamentais”. (DALGALARRONDO, 2000, p. 212). Para a Organização Mundial da Saúde as drogas psicoativas são substâncias que agem no sistema nervoso central e causam modificações nas emoções, humor, pensamentos e comportamentos. (OMS, 1995). Historicamente, muitas dessas substâncias são utilizadas sem grandes conseqüências sociais pelo ser humano, e controladas pelos governos, com finalidades terapêuticas. No Brasil, freqüentemente são consideradas ilícitas as drogas cujo comércio e o consumo são proibidos por lei (maconha, cocaína, heroína, crack, etc...), e como lícitas aquelas cuja lei permite que sejam comercializadas e consumidas (álcool e psicofármacos e tabaco). 3.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO TIPO – DROGAS As substâncias psicotrópicas são o “conjunto de substâncias químicas, de origem natural ou artificial, que tem um tropismo psicológico, isto é, que são suscetíveis de modificar a atividade mental sem prejudicar o tipo desta modificação”. (ROCHA, 2000, p. 58). Estas substâncias podem ser absorvidas de várias formas: por injeção, por inalação, via oral, injeção intra-venosa ou aplicada via retal (supositório). De acordo com a Organização mundial da saúde – OMS as drogas psicotrópicas podem ser classificadas em três grupos, de acordo com a atividade que exercem junto ao nosso cérebro: ¬ Depressores da Atividade doSistema Nervoso Central - SNC, as drogas depressoras podem dificultar o processamento das mensagens que são enviadas ao cérebro. Ex: álcool, barbitúricos, thinner, cloreto de etila, clorofórmio, ópio, morfina, etc. ¬ Estimulantes da Atividade do SNC produzem aumento da atividade cerebral, diminuem a fadiga, aumentam a percepção ficando os demais sentidos ativados. Ex: cocaína, crack, cafeína, teobromina, MDMA ou ecstasy, anfetaminas (bolinha, arrebite), etc. 13 ¬ Perturbadores da Atividade do SNC. Drogas psicodislépticas ou alucinógenas – são drogas que tem por características principal a 2despersonalização em maior ou menor grau. Ex: maconha, skunk,, LSD, psilocibina, heroína, chá do Santo Daime, etc.(OMS, 1981). 3.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO TIPO DE USUÁRIO Através da literatura pode-se observar que, em todas as épocas e lugares, os seres humanos deliberadamente usaram (e abusaram) de substâncias capazes de modificar o funcionamento do sistema nervoso, induzindo sensações corporais e estados psicológicos alterados. Tanto para rituais religiosos, valores culturais, uso medicinais ou para o próprio prazer. Porém, seu consumo extrapolou as fronteiras religiosas, culturais e/ou recreativas, passando a ser usada excessivamente pelos indivíduos, dando assim uma conotação de abuso destas substâncias, (LAPATE, 2001). Abuso de droga é o uso exagerado de drogas para propósitos não medicamentosos, sem, contudo ocasionar dependência. Drogas são inapropriadamente usadas para alterar o humor, afetar o estado de consciência, ou alterar uma função do corpo desnecessariamente, como acontece com o uso de laxantes, por exemplo. De acordo com a OMS, o abuso de drogas ocorre quando há um uso excessivo, persistente ou ocasional, em desacordo com a prática médica vigente. Com o uso abusivo, desenvolve-se a tolerância. (OMS, 1996). Tolerância às drogas é resultado do processo de adaptação biológica. Com a presença contínua de determinada substância química, o organismo se acostuma a ela e reage menos. Para obter o mesmo efeito que sentia no início o indivíduo passa a usar doses cada vez maiores, desenvolvendo assim a dependência. (MILBY, 1998). Dependência foi o termo recomendado em 1964, pela Organização Mundial da Saúde - OMS, para substituir outros, com maior conotação moral como "vício". No mesmo texto a OMS caracteriza a dependência como um estado mental, e muitas vezes físico, que resulta da interação entre o organismo vivo e uma droga e inclui uma compulsão de tomar droga para experimentar seu efeito psíquico e, às vezes, evitar o desconforto provocado por sua ausência. (OMS, 1964). 2 Alteração da sensação de realidade do mundo exterior sendo preservada a sensação a respeito de si mesmo. 14 A literatura científica apresenta, atualmente, dois tipos de dependência: a dependência física e a dependência psíquica. A dependência é física quando as drogas, alteram o metabolismo orgânico e obriga o usuário à continuar consumindo tóxico, o corpo desenvolve uma constante necessidade da droga. Caso a droga não seja ministrada surgirá um conjunto de reações orgânicas conhecidas como crise ou síndrome de abstinência. A dependência é psíquica quando o consumo repetido de uma droga cria o invencível desejo de usá-la pela satisfação que produz e para evitar algum desconforto existente. A falta do tóxico deixa o usuário abatido, em lastimável estado psicológico. Este efeito pode ser reforçado por uma exigência emocional ou pessoal do dependente. Disponível em: (http://www.cruzazul.org.br/nocoes/2.htm ) Acessado em 11/11/2006. Devido às dificuldades em diferenciar os dois tipos de dependência (física e psíquica), a OMS recomenda que se fale apenas de dependência, caracterizada (ou não) pela síndrome de abstinência. O hábito é um dos aspectos importantes a ser considerado na toxicomania, pois a dependência psíquica, e a tolerância (o individuo necessita de doses crescentes da substância requerida para alcançar os efeitos originalmente produzidos), podem manifestar-se isoladamente ou associadas, somando-se a dependência psíquica. (OLIVEIRA, 1996). Sobre as formas de consumo de drogas, encontramos na literatura algumas proposições. A Organização das Nações Unidas para a Educação/UNESCO propõe a seguinte classificação para usuários de drogas: a) Experimentador: limita-se a experimentar uma ou várias drogas, em geral por curiosidade, sem dar continuidade ao uso; b) Usuário Ocasional: utiliza uma ou várias substâncias, quando disponível ou em ambiente favorável, sem rupturas nas relações afetivas, sociais ou profissionais; c) Usuário Habitual ou "Funcional": faz uso freqüente, ainda controlado, mas já se observa sinal de rupturas; d) Usuário Dependente ou "Disfuncional" (toxicômano, drogadito, dependente químico): vive pela droga e para a droga, diante da vida, de valores e da responsabilidade pela própria conduta, com rupturas em seus vínculos sociais, com marginalização e isolamento. 15 4. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO USO DO ÁLCOOL A historia da humanidade tem nos mostrado o constante gosto que o homem em geral tem pelas bebidas alcoólicas. Através de estudos arqueológicos e bibliográficos é possível afirmar que as bebidas alcoólicas foram utilizadas e conhecidos os seus efeitos, já há dezenas de milhares de anos antes da era cristã. (LAPATE, 2001). Um baixo relevo (30.000ac) é a mais antiga referência ao consumo de bebida alcoólica. Pensa-se que é no período paleolítico e de forma acidental que o homem conhece os efeitos da ingestão do mel fermentado. (CABRAl, 2002). Os homens primitivos e os animais em geral, já buscavam no uso de frutas fermentadas, algum tipo de relaxamento e prazer. Ao observar os animais que faziam uso dessas frutas e tinham seu comportamento alterado, provavelmente, os homens começaram a fazer uso do suco de frutos fermentados que apresentavam teor alcoólico. Daí pode-se inferir que há milhares de anos o vinho e a cerveja, por exemplo, são registrados nas sociedades mais antigas. (LAPATE 2001, p.102). Por volta de 2200 a.C., a cerveja era recomendada como tônico para mulheres que estivessem amamentando, há registros na literatura da proibição do consumo de cerveja, sendo esta considerada a “perdição da alma”. (ESCOHOTADO 2003, p.20). Muitas também são as referências sobre o vinho. Os antigos romanos, também eram afetos ao álcool, havia somente uma proibição para com as mulheres e os menores de 30 anos. Escohotado (2003), relata casos em que mulheres foram mortas por terem sido flagradas bebendo. No mundo romano, os cristãos são perseguidos por usarem vinho em suas cerimônias, por ser esta substância causadora de um “relaxamento induzido”. Este “relaxamento” era aceitável pelos pagãos como um dos dons dionisíacos, admitido também no Antigo Testamento da Bíblia Sagrada. O vinho difundiu-se junto com a conversão religiosa e com as navegações modernas. A religião que fazia do vinho o sangue do seu deus levou o seu hábito para as Américas e para todo o mundo. (FIGUEIREDO, 2002). A videira é a planta mais citada na Bíblia e o primeiro milagre de Jesus foi transformar a água em vinho nas bodas de Canaã. No entanto, o recurso constante ao vinho em cerimônias religiosas não se encontra exclusivamente no cristianismo, estando generalizado aos Astecas, à religião familiar chinesa, ao hinduísmo, ao Bantu entre outras. A exceção à regra encontra-se em religiões como o Islã, que restringem ou proíbem o seu consumo. (FIGUEIREDO, 2002). 16 O vinho está associado ao culto dos deuses no Olimpo; a lenda de Dionísio, deus da alegria e do prazer, também a do deus egípcio Osíris que é representado com uma taça com cachos de uva na mão. A tradição das libações oferecidas aos deuses traduzia-se na vida cotidiana e pelos banquetes que podiam terminar em orgias. (FIGUEIREDO, 2002). O Antigo Testamento da Bíblia Sagrada no capítulo 9° do livro de Gênesis conta a história de Noé: “Noé foi o primeiro agricultor. Após o dilúvio, lavrou a terra, plantou uma vinha e depois, embriagou-se em sua tenda”. O álcool pode ser proveniente de plantas de fácil cultivo como cevada, uvas, grãos de cereais e outros, que passarão por processos de fermentação e/ou destilação, tornando-se a droga psicoativa mais consumida de todos tempos, como, por exemplo, o vinho ou similar, que desde a antigüidade é indispensável á comemorações, em momentos de alegria, ou como companheiro das desilusões Masur (1977 apud OLIVEIRA, 1996). Nas bebidas utilizadas pelo homem, está contido o álcool etanol ou álcool etílico que foi descrito pela primeira vez em 1300, na Idade Média, tendo sua síntese ocorrido em 1854. Pertence ao subgrupo das funções oxigenadas denominado álcoois, que, por definição, são compostos orgânicos que possuem uma ou mais hodroxidrilas (OH) ligadas diretamente ao átomo de carbono não-pertencentes a um núcleo benzênico. (REGINATO, 1986). O álcool é uma das poucas drogas psicotrópicas que tem seu consumo admitido e até incentivado pela sociedade, como um meio socializador. O álcool é uma droga muito procurada devido à crença de que os seus efeitos são estimulantes. Apesar de sua ampla aceitação social, o consumo de bebidas alcoólicas, quando excessivo, passa a ser um problema. Além dos inúmeros acidentes de trânsito e da violência associada a episódios de embriaguez, o consumo de álcool em longo prazo, dependendo da dose, freqüência e circunstâncias, pode provocar um quadro de dependência conhecido como alcoolismo. Desta forma, o consumo inadequado do álcool torna-se um problema de saúde pública, especialmente nas sociedades ocidentais, acarretando altos custos para sociedade e envolvendo questões, médicas, psicológicas, profissionais e familiares. Esse é um dos motivos pelo qual ele é encarado de forma diferenciada, quando comparado com as demais drogas. (OLIVEIRA, 1996). O hábito de beber moderadamente ou “socialmente” por vezes, torna a pessoa tolerante à bebida, e esta pode vir a transformar-se em um bebedor problema ou alcoolista. Do que se tem notícia, a proibição da venda e/ou do consumo de álcool não teve grandes resultados. Pelo contrário, na vigência da “Lei Seca” no Estados Unidos, comércio 17 clandestino foi mais estimulado e, de acordo com alguns autores, nunca se consumiu tanto como neste período naquele país. (OLIVEIRA, 1991). Em termos de reflexão sobre a história do alcoolismo e de nossa história atual na qual o álcool parece fazer parte indissociável de nossas relações, podemos destacar o papel importante que a mídia vem fazendo para que seu consumo seja cada vez mais elevado. Sol, praia, lazer, prazer e lindos corpos “sarados” são a atração para o consumo cada vez mais elevado de bebida alcoólica, principalmente de cerveja. Toda uma população exposta a estímulos de “poderosas” propagandas. 4.1 ALCOOLISMO Com o aumento da disponibilidade, após o advento da destilação, o consumo de álcool passou a ser mais freqüente e abusivo, em contraste à situação anteriores que era predominantemente associado a rituias religiosos ou festivos. A partir de então, “beber excessivamente” passou a ser considerado um comportamento pecador e fraco, conceito este que foi incorporado às regras morais de diversas culturas. O modelo moral foi a primeira tentativa da sociedade de controlar o uso desta substância, considerando potencialmente geradora de problemas. (MARQUES, 2001). Na literatura médica, por volta do século 385 a.C., Hipócrates escreveu o uso do álcool como um fator predisponente a várias doenças e relatou a respeito do delirium tremens em seu livro sobre epidemias. Constituindo desta forma, a primeira abordagem médica à doença alcoólica. (FORTES, 1975, MARQUES, 2001). Tanto na Europa como nos Estados Unidos o consumo de álcool aumentou consideravelmente após a Revolução Industrial. Em função das conseqüências deste uso abusivo e dos problemas decorrentes a ele, a opinião pública pressionou os cientistas da época a desenvolverem pesquisas. Benjamin Rush, um dos fundadores da psiquiatria americana considerou o uso disfuncional do álcool como uma doença ou “transtorno da vontade”, publicando em 1789 um livro sobre o efeito dos “espirituosos” sobre a mente e sobre o corpo humano. (EDWARDS et al, 1994). Em 1851, Magnus Huss um médico sueco publicou um tratado sobre alcoolismo crônico como uma síndrome autônoma e definiu como forma de doença correspondendo a uma intoxicação crônica e descreveu quadros patológicos desenvolvidos em pessoas com 18 hábitos excessivos e prolongados de bebidas alcoólicas. O mesmo autor também constatou que muitas situações mórbidas do homem (doenças do fígado, e de outros órgãos digestivos, do sistema nervoso, do miocárdio e outras), se relacionavam ao consumo exagerado de bebidas alcoólicas e designou-as de alcoolismo onde o álcool etílico era o agente patogênico comum. (CABRAL, 2002) A escola americana de Jellinek3 (1940), deu passos importantes no sentido da compreensão da extensão dos problemas ligados ao álcool, à complexidade dos seus efeitos, à multiplicidade e interação de forças e vetores que lhe estão na origem. Foi nesta escola que se defendeu a importância da equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, juristas economistas,...). E surge um novo conceito alargado de alcoolismo, (CABRAL, 2002). Atualmente há uma forte tendência em conceituar o alcoolismo como doença. Esta tendência teve sua origem em 1885, quando Rush denominou alcoolismo como uma “doença odiosa”. Até o século XVIII, o alcoolismo era tido como degradação moral e fraqueza de caráter. Jellinek contribuiu para que o alcoolismo fosse reconhecido oficialmente como doença pela Associação Médica Americana, no ano de 1956. A partir de então, o alcoolista passou a ser tratado em Hospitais Gerais, (GIL-MERLOS, 1985). Contudo, foi com os estudos de Edward, na década de 70, que a síndrome da dependência do álcool passou a ser entendida como um continuum, referindo-se a um grupo de sintomas caracterizados por perda da capacidade de controlar a ingestão de substâncias psicoativas, ênfase no consumo, tolerância, síndrome de abstinência e consumo de substâncias para aliviar os sintomas de abstinência. Além disto, o empirismo forneceu suporte ao conceito da Síndrome de Dependência do Álcool. (EDWARD, 1994). De forma direta, o tema especifico do alcoolismo foi incorporado pela OMS à Classificação Internacional das Doenças em 1967 (CID-8), a partir da 8º Conferência Mundial da Saúde. O alcoolismo hoje, que vem a ser um grande problema social, é visto como uma toxicomania pela Organização mundial de Saúde, que a conceitua como: Um estado psíquico e algumas vezes também físico, resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância, caracterizado por um comportamento e outras reações que incluem sempre compulsão para ingerir a droga, de forma contínua ou periódica, com a finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e às vezes para evitar o desconforto de sua abstinência. A tolerância pode existir ou faltar e o indivíduo pode ser dependente de mais de uma droga, (OMS 1970). 3 Foi nesta escola que começaram a dar a devida atenção aos problemas ligados ao alcoolismo, e a complexidade de seus efeitos; foi nesta escola que se defendeu a importância da equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, juristas e economistas), com isso surge um novo conceito de alcoolismo. 19 Essa conceituação refere-se à toxicomania ou farmacodependência. Nesse caso o alcoolismo fica caracterizado, por verificar que o alcoolista tende a aumentar progressivamente as doses ingeridas. E quando interrompe completa ou bruscamente a ingestão de álcool. Apresenta o grave conjunto de sinais e sintomas físico-psíquicos que caracterizam a Síndrome de Abstinência Alcoólica. (OLIVEIRA, 1996). Segundo o CID-10 temos seis critérios que correspondem cada uma às seguintes assertivas dos entrevistados, que podem facilmente ser colhidas numa breve abordagem com esses critérios, (são necessários, no mínimo três, para confirmar o diagnóstico): 1.Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância. 2.Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos do seu início, término ou níveis de consumo. 3.Um estado de abstinência fisiológico quando o uso de substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância ou uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência. 4.Evidencia de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas. 5.Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para recuperar-se dos seus efeitos. 6.Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por consumo excessivo de bebidas alcóolicas, estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo de substância ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado à droga; devemse fazer esforços para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse consciente da natureza ou extensão do dano). No Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - DSM IV, temos sete critérios que correspondem aos seis da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados - CID 10, como podemos observar pelas mesmas assertivas, sendo que o critério cinco e seis da DSM IV encontra-se fundido no critério E da CID10 e os critérios três e quatro da DSM IV no critério B da CID 10 em tese as mesmas assertivas (são necessários no mínimo três para confirmar o diagnóstico): a) Necessidade de aumentar notadamente a quantidade consumida para chegar a intoxicação ou efeito desejado; efeito diminuído notadamente com o uso contínuo da mesma quantidade de álcool; ou tem funcionado adequadamente com doses ou nível de álcool no sangue que produziriam enfraquecimento em usuário ocasional. b) A síndrome de abstinência do álcool é característica, o álcool é tomado freqüentemente para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. c). Beber quantidades maiores ou em um período maior que o pretendido. d) Um desejo em vão ou um desejo persistente de diminuir ou controlar a bebida. 20 e). Muito tempo foi gasto em atividades necessárias para obter álcool, para beber ou para recuperar-se de seu efeito . f). Desistência ou redução de importantes atividades sociais, recreacionais por causa da bebida. g). Continuar bebendo apesar de saber dos persistentes problemas psicológicos ou fisiológicos causados ou exacerbados pelo uso do álcool. (DSM IV). Os fatores que podem levar ao alcoolismo tem origem, biológica, psicológica, sociocultural, estes três fatores atuam conjuntamente. Segundo a literatura a transição do beber moderado ao beber problemático ocorre de forma lenta, tendo uma interface que, em geral, leva vários anos. Alguns dos sinais do beber problemático são: desenvolvimento da tolerância, ou seja, a necessidade de beber cada vez maiores quantidades de álcool para obter os mesmos efeitos; o aumento da importância do álcool na vida da pessoa; a percepção do "grande desejo" de beber e da falta de controle em relação a quando parar; síndrome de abstinência (aparecimento de sintomas desagradáveis após ter ficado algumas horas sem beber) e o aumento da ingestão de álcool para aliviar a síndrome de abstinência. O que ajuda a detectar o alcoolismo é a perda da liberdade para o ato de beber. O indivíduo começa com a intenção de 2 ou 3 “doses” e depois não consegue se controlar (RAMOS & BERTOLOTE, 1997) 4.2 USO NOCIVO DE ÁLCOOL O conceito de uso nocivo ou prejudicial substituiu o conceito mais antigo de abuso. O CID-10 define como: Um padrão de uso de substância psicoativa que está causando dano à saúde. O dano pode ser físico (como nos casos de hepatite decorrente de autoadministração de drogas injetáveis) ou mental (por ex., episódio de transtorno depressivo secundário a um grande consumo de álcool (OMS, 1993). O uso nocivo destaca o padrão de ingestão patológico mais em termos qualitativos do que quantitativos, ou seja, não se define nem pelo volume nem pela freqüência do consumo, mas por características que são considerados desviantes pelo próprio ambiente cultural em que vive o sujeito em questão. A repercussões em nível da saúde física ou mental, ou o funcionamento social ou o desempenho profissional são os elementos mais marcantes de uso nocivo ou prejudicial. Para o autor, esses fatos predominam os componentes biológicos e 21 intrapsíquicos. Estes são mais relevantes para o conceito de dependência (RAMOS & BERTOLOTE, 1997). 4.3 SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL A redução ou a interrupção do uso do álcool em pacientes dependentes produz um conjunto bem definido de sintomas chamado de síndrome de abstinência. Embora alguns pacientes possam experimentar sintomas leves, existem aqueles que podem desenvolver sintomas e complicações mais graves, levando-os até a morte. Os critérios da Classificação Internacional das Doenças em sua décima revisão, CID-10, foram adotados neste consenso como diretrizes no diagnóstico da Síndrome de abstinência Alcoólica - SAA, F 10.3: Um conjunto de fenômenos fisiológicos ou comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância (álcool neste caso), ou de uma classe de substâncias, alcançada uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham maior valor. Uma característica descritiva central da síndrome de dependência é o desejo (freqüentemente forte, algumas vezes irresistível) de consumir drogas psicoativas (as quais podem ou não terem sido medicamente prescritas), álcool ou tabaco. Pode haver evidencia de que o retorno ao uso da substância após um período de abstinência leva a um reaparecimento mais rápido de outros aspectos da síndrome do que o que ocorre com indivíduos nãodependentes. (CDI-10) O quadro se inicia após 6 horas da diminuição ou interrupção do uso do álcool, quando aparecem os primeiros sintomas e sinais. São eles: tremores, ansiedade, insônia, náuseas e inquietação. Sintomas mais severos incluem febre baixa, taquipnéia, tremores e sudorese profusa. Outra complicação grave é o delirium tremens (DT), caracterizado por alucinações, alteração do nível da consciência e desorientação.. O início e curso do estado de abstinência são limitados no tempo e relacionados à dose de álcool consumida imediatamente antes da parada e da redução do consumo. A síndrome de abstinência pode ser complicada com o aparecimento de convulsões. Os sintomas mais freqüentes são: hiperatividade autonômica; Tremores; Insônia; Alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias; Agitação psicomotora; Ansiedade; Convulsões tipo grande mal. O diagnóstico pode ainda ser mais especificado, utilizando-se os seguintes códigos: F 10.30: Síndrome de abstinência não complicada; F 10.31: Síndrome de abstinência com convulsões. 22 A Síndrome de Abstinência Alcoólica - SAA evolui com maior ou menor gravidade e pode ser complicada por delirium tremens, descrito a seguir de acordo com os critérios da CID - 10. Alguns fatores estão associados a uma evolução mais grave, e funcionam como preditores de gravidade da SAA, tais como: História anterior de síndrome de abstinência grave (repetidas desintoxicações); Alcoolemia alta sem sinais clínicos de intoxicação; Sintomas de abstinência com alcoolemia alta; Uso de tranqüilizantes e hipnóticos; Associação de problemas clínicos e psiquiátricos. F 10.4: Síndrome de abstinência com delirium tremens (DT) induzido por álcool deve ser codificado aqui. DT é um estado confusional breve, mas ocasionalmente com risco de vida, que se acompanha de perturbações somáticas. É usualmente conseqüência de uma abstinência absoluta ou relativa de álcool em usuários gravemente dependentes, com uma longa história de uso. O início usualmente ocorre após abstinência de álcool. Em alguns casos o transtorno aparece durante um episódio de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, em cujo caso deve ser codificado aqui. Os sintomas prodrômicos tipicamente incluem: insônia, tremores e medo. O início pode também ser precedido de convulsões por abstinência. A clássica tríade de sintomas inclui obnubilação de consciência, confusão, alucinações e ilusões vívidas, afetando qualquer modalidade sensorial e com tremores marcantes. Delírios, agitação, insônia ou inversão do ciclo do sono e hiperatividade autonômica estão também usualmente presentes. 4.4 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS E ECONÔMICOS DO ALCOOLISMO O consumo de álcool constitui um grave problema de saúde pública, com complicações que podem atingir a vida pessoal, familiar, escolar, ocupacional e social do usuário. Segundo a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social DATAPREV, em 1989, de 205.363 indivíduos internados por uso de drogas em hospitais psiquiátricos, 95,6% (196.324) foram devido ao álcool e 4,4% (9.039) pelas demais drogas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1991). Com a prevalência durante a vida entre 7,6% a 9,2%, e dez vezes mais freqüente em homens do que em mulheres, o alcoolismo é um dos problemas mais importantes de Saúde Mental no Brasil. (ALMEIDA FILHO et al, 1997). 23 Entretanto, o primeiro episódio de intoxicação alcoólica pode ocorrer na adolescência, com a idade de início da dependência em torno dos 20 à metade dos 30 anos, e os transtornos decorrentes surgiriam próximos aos 40 anos (DSM-IV, 1995). Estudos têm procurado estabelecer as causas do alcoolismo, como fatores individuais, sociais e culturais, ou a interação desses fatores. Tais estudos têm estimulado o desenvolvimento de teorias biológicas, psicológicas, psicodinâmicas, comportamentais e socioculturais para determinar a etiologia do alcoolismo (DSM-IV, 1995; SHUCKIT, 1999; FRANCES & FRANKLIN, 1992). Fatores sociais, psicológicos e religiosos, bem como problemas temporários podem influenciar a decisão de beber tanto no adolescente quanto no adulto jovem. Dada a alta taxa de prevalência de indivíduos que, por qualquer motivo, num momento ou outro da vida fizeram uso de álcool, torna o beber um fenômeno praticamente universal. Entretanto, fatores que podem influenciar a decisão de beber ou fatores que contribuem para problemas temporários, podem ser diferentes daqueles que contribuem para os problemas recorrentes e graves da dependência de álcool (SHUCKIT, 1999). O uso de bebidas alcoólicas é comum e incentivado na maioria das sociedades atuais por ser considerado um desinibidor, um facilitador de relações, uma forma de diminuir as crescentes tensões do cotidiano. Assim, eventos comemorativos ou ocasiões festivas, entre tantas outras, tornam-se grandes aliados no início do uso de álcool. Na abordagem deste assunto, temos que considerar o nível educacional, social, cultural, a procedência rural ou urbana, além de outros fatores que poderiam influir na forma de as pessoas lidarem com problemas de ordem médica e que implicam também os valores sociais e morais, como é o caso do consumo de álcool e outras drogas (SHUCKIT, 1999). As tendências atuais no consumo de álcool consideram sua ingestão para "alegrar-se" ou o embriagar-se para "ficar bem", como uma conduta amplamente tolerável no homem. Na mulher, essa mesma conduta aparece como socialmente censurável, dependendo de sua origem sócio-econômica e cultural e da faixa etária (SHUCKIT, 1999). 4.5 A DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA EM POPULAÇÕES ESPECÍFICAS O quadro de dependência de álcool varia de acordo com o gênero e idade, sendo mais grave nas mulheres e nos extremos de idade. Nas mulheres, trata-se de uma condição 24 clínica importante, freqüentemente não diagnosticada e de conseqüências clínicas e sociais graves. A grande maioria dos trabalhos sobre alcoolismo baseia-se no estudo de populações masculinas entre 18 e 65 anos. Sendo, excluídos, normalmente, as mulheres das amostras e também os idosos. Trabalhos nestas populações específicas são realizados também no Brasil tanto em pacientes idosos e entre as mulheres. (ALMEIDA, 1997). Estudos indicam que a alcoolismo em mulheres vem aumentando nas últimas décadas, no entanto sua visibilidade ainda é pequena. Esse é um fenômeno que deve ser analisado à luz das teorias de gênero, ou seja, levando-se em conta os diferentes papéis assumidos e desempenhados por homens e mulheres na sociedade. As diferenças entre o universo masculino e o feminino certamente têm implicações no uso que os indivíduos fazem das drogas. Em nossa cultura o consumo de álcool é amplamente incentivado aos homens, e suas bebedeiras são encaradas com naturalidade, no entanto, às mulheres, hoje, é permitido o consumo "social", e sua embriaguez é severamente criticada. (ALMEIDA, 1997). Nos dias atuais, a pressão social da mulher para ser bem sucedida em todos os aspectos da vida, aliado a possíveis fatores genéticos, são alguns dos ingredientes que contribuem para a vulnerabilidade feminina para o alcoolismo. A doença, ainda hoje tratada como um assunto estigmatizado gera conseqüências muito mais graves às mulheres do que aos homens. (ALMEIDA, 1997). Fatores culturais e sociais exercem maior controle no beber compulsivo entre as mulheres do que entre os homens. Existe uma menor pressão social para que a mulher passe a beber e uma maior pressão para que ela suspenda seu uso, caso ele esteja sendo excessivo. As mulheres, quando passam a apresentar descontrole com a bebida, são duramente desprezadas pela sociedade, que muitas vezes é benevolente com os homens. Desde a antigüidade os estudos sobre alcoolismo feminino ressaltam aspectos morais e sociais. As mulheres que faziam uso abusivo de álcool eram consideradas promíscuas e sexualmente agressivas. Só recentemente o alcoolismo feminino passa a ser estudado cientificamente. (SIMAO, 1997). Os efeitos de uma droga não são os mesmos para todas as pessoas e dependem do tipo de droga, do usuário e do meio-ambiente em que ele vive. Cada tipo de droga, com suas características químicas, tende a produzir efeitos diferentes no organismo. A forma como a droga é utilizada, assim como a quantidade consumida e o seu grau de pureza, também influenciam no seu efeito. Cada usuário, com suas características biológicas (físicas) e psicológicas, tende a apresentar diversas reações sob a ação de drogas. O estado emocional do usuário e suas expectativas com relação à droga no momento do uso são extremamente importantes. O meio ambiente também in fluência o tipo de reação que a droga pode produzir. 25 Disponível em: <http://obid.senad.gov.br/OBID/Portal/index.jsp?iIdPessoaJuridica=1450)> Acessado em: 11/11/2006. 26 5. ALCOOLISMO FEMININO Apesar da dependência alcoólica ser mais freqüente em homens, as taxas entre as mulheres estão aumentando; estudos recentes têm demonstrado o aumento crescente do alcoolismo feminino, sendo este carregado de conotação preconceituosa. Freixa defende a idéia de que este aumento é apenas a diferença entre alcoolismo clandestino e a nova postura feminina, ou seja, casos que costumavam ser ocultados passaram a ser diagnosticados. (FREIXA, 1977, apud STAMM, 2005). Considerando que a diferença entre o alcoolismo masculino e o feminino tem diminuído, Vargas (1988) apresenta um estudo com os seguintes dados: Suécia, 12,5 mulheres para 20 homens; União Soviética, 11 mulheres para 14 homens; Noruega, quatro mulheres para cinco homens; Inglaterra, 2,2 mulheres para quatro homens; Estados Unidos, uma mulher para cinco homens e no Canadá, há quase um equilíbrio entre os usuários de álcool de ambos os sexos, cinco homens para seis mulheres. No Brasil, a incidência tem também aumentado, apesar de não existirem dados estatísticos confiáveis, afirma o autor. Nos anos 60, os indicativos mostravam nove homens para uma mulher e, atualmente, tem sido divulgado que estes números caíram, ficando quatro homens para duas mulheres. Outros estudiosos mencionam o aumento do consumo de álcool pelas mulheres, entre eles podemos citar Edwards, afirmando que até recentemente, em muitos países ocidentais, eram diagnosticados seis homens para uma mulher 4alcoolista, e que esse número diminui consideravelmente. O autor lembra que as estatísticas lidam com o alcoolismo diagnosticado, e o que vem sendo observado é que, muitas mulheres ao procurarem o médico, embora os sintomas sejam evidentes, recebem o diagnóstico de depressão, neurose, que “parece” ser mais condizente com a condição da mulher. (EDWARDS, 1995). Contrapondo a estes autores, Blume e Grant (1994, 1997 apud ZILBERMAN, 1998) defendem que a prevalência do alcoolismo entre as mulheres ainda é significativamente menor que a encontrada entre os homens. Ainda assim, o consumo abusivo e/ou a dependência do álcool trás, reconhecidamente, inúmeras repercussões negativas sobre a saúde física, psíquica e social da mulher; segundo Sheila Blume5, os métodos de tratamento foram projetados para os homens, e as mulheres precisam ser cuidadas de forma diferenciada, tanto nos aspectos biológicos como nos aspectos psicológicos e sociais. A grande preocupação dos 4 Considerou-se nesta pesquisa o termo alcoolista ao termo alcoólatra freqüentemente utilizado porque o termo alcoolista permanece sendo um termo técnico não sendo vulgarizado pela literatura leiga 5 Professora de psiquiatria da Universidade do Estado de Nova York, pioneira no tratamento por gênero em alcoolistas. 27 estudiosos é saber se os alcoolistas constituem uma população diferenciada ou se diferentes culturas/etnias tornam determinados grupos mais vulneráveis. Talvez por isso seja o alcoolismo uma das patologias mais estudadas, concluindo-se por sua característica multicasual em que os fatores biológicos, psicológicos e socioculturais estão sempre presentes. Embora nenhum destes fatores de forma isolada se mostre suficiente para explicar o referido fenômeno, para fins didáticos estes aspectos serão descritos separadamente a seguir. 5.1 ASPECTOS BIOLÓGICOS Partindo do ponto de vista biológico, peculiaridade, é mais vulnerável ao pesquisas revelam que o corpo feminino, como álcool do que o corpo do homem, porque o organismo feminino absorve 30% a mais de álcool que o masculino. Isso acontece pelo fato de que estas possuem menos água corpórea por kilo. Com relação ao álcool, este atinge nível mais elevado nas mulheres, pelo fato de ser hidrossolúvel. Foi demonstrado que as mulheres, com menor tempo de uso de álcool, tinham danos físicos equiparáveis aos de homens, com tempo de uso de álcool mais longo (JONES, ASHLEY et al. 1976, 1977, apud ZILBERMAN, 1998). Além disso, os homens possuem a enzima desidrogenase em quantidade duas vezes maior do que as mulheres. Esta enzima é responsável pela destruição do etanol, o que ajuda a preservar o fígado. Dispondo de menos enzima para metabolizar o álcool lançado na corrente sanguínea, a mulher se embriaga quatro vezes mais que o homem, ingerindo a mesma quantidade de bebida. Embora as conseqüências físicas se dêem em ambos os sexos, a dependência se instala mais rapidamente na mulher. Com isso, a progressão da doença também é mais veloz e devastadora no organismo feminino, alerta Patrícia Hochgraf6. No programa que Patrícia coordena, há uma mulher alcoólatra para cada três homens em tratamento. Os especialistas alertam: o álcool leva de 10 a 15 anos para afetar o organismo masculino e apenas cinco anos para afetar na mesma proporção o organismo da mulher, com o aparecimento precoce de doenças como cirrose hepática, pancreatite, alterações cerebrais e do sistema nervoso. O uso de álcool causa mais problemas cardiovasculares nas mulheres do que nos homens. Isso ocorre, segundo os pesquisadores, porque os sistemas cardiovasculares de homens e mulheres são diferentes entre si. O coração das mulheres é menor do que o coração 6 Patrícia Hochgraf, é psiquiatra e coordenadora (2006) do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química, que funciona no Hospital das Clínicas em São Paulo. 28 dos homens e seus sistemas cardiovasculares respondem de modos diferentes. Um estudo acompanhou 32 mulheres alcoolistas, abstinentes por quatro semanas, e 16 mulheres que bebem socialmente. Os pesquisadores examinaram suas pressões e ritmos cardíacos. As alcoolistas foram então divididas em dois subgrupos, um com hipertensão transitória e aumento de pressão provisório que tende a desaparecer depois da recuperação dos efeitos do consumo de bebida, e um grupo com pressão normal. As mulheres com hipertensão transitória apresentaram problemas cardíacos mesmo depois de ficarem sóbrias, o que indica mais uma diferença com relação aos homens que sofrem do mesmo problema, que tendem a se recuperar depois de períodos de abstinência. O estudo sugere que mulheres alcoólatras sofrem danos irreparáveis em seus sistemas cardiovasculares em razão do vício. (BERNARDY et al, 2006). Em outra pesquisa foi constatado que o cérebro da mulher é mais suscetível a danos do álcool. A pesquisadora Susan (2003), da Universidade da Califórnia em San Diego (Estados Unidos) comprovou, a partir de um estudo feito com 150 voluntários, que o cérebro das mulheres é mais vulnerável que o dos homens aos efeitos do álcool. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/3108 Acessado em: 03/12/06 5.1.1 Genética O impacto dos fatores genéticos é pouco claro em relação ao abuso/dependência de substâncias psicoativas em mulheres. Os estudos sugerem que os genes não teriam um papel importante no problema ou, ao menos, tão fundamental como na gênese do alcoolismo nos homens. Recentemente, têm-se demonstrado que os fatores genéticos seriam tão essenciais para a etiologia da dependência em mulheres quanto para os homens, (ZILBERMAN, 1998). Estudos com gêmeos monozigóticos apresentam maior concordância para o comportamento relacionado ao ato de ingerir bebidas alcoólicas e o abuso da mesma, do que os gêmeos não-monozigóticos. Nos últimos anos, vários estudos de herdabilidade foram realizados utilizando uma grande amostra de gêmeos com base na população geral do estado norte-americano de Virgínia. A herdabilidade foi estimada em aproximadamente 50-60%, tanto para homens quanto para mulheres. Os autores também puderam inferir que embora a magnitude da influência genética seja igualmente elevada nos dois sexos, os genes envolvidos seriam apenas parcialmente compartilhados entre homens e mulheres. Prescott e colaboradores; Kendle; Bar, (1994, 1999, 2002 Apud MACIEL, 1999). 29 KENDLER e colaboradores, em 1992, enfatizaram a importância dos fatores genéticos na etiologia do alcoolismo feminino, sugerindo um modelo multifatorial no qual a herança genética associada à suscetibilidade ao alcoolismo estaria entre 50 e 60%, em mulheres. No estudo, estes pesquisadores observaram que a perda parental (morte dos pais e/o separações), na infância, representa um fator de risco para o desenvolvimento de alcoolismo em mulheres na fase adulta. Os autores concluíram que a perda precoce dos pais atua como fator ambiental independente e direto no desenvolvimento do alcoolismo feminino, ainda que o fator genético também possa influenciar esta perda que, neste caso, representaria um índice de alcoolismo parental. Kendler et.al (1992, apud ZILBERMAN, 1998). Em outro estudo com 102 mulheres, adotadas ao nascimento, Cadoret e colaboradores, em (1996, apud ZILBERMAN, 1998), observaram a importância da via genética em relação ao abuso/dependência de drogas. Para os autores, a via genética se iniciaria com o pai ou a mãe biológicos com personalidade anti-social, levando a adolescente adotada ao transtorno de conduta e, como conseqüência, a agressividade, no ambiente familiar, contribuiria para o abuso/dependência de drogas. Resultados semelhantes foram encontrados na amostra masculina. No entanto, diferentemente do que ocorreu na amostra masculina, o alcoolismo em um dos pais biológicos não se correlacionou diretamente com abuso/dependência de drogas entre as mulheres adotadas. Este estudo mostra a importância do componente genético entre os fatores familiares, além do componente ambiental, especialmente mediado por comportamentos agressivos na família, e está de acordo com outras pesquisas cujos resultados evidenciam que as mulheres usuárias de drogas vêm, freqüentemente, de famílias com comportamentos socialmente desviantes e se relacionam com parceiros que apresentam o mesmo modelo comportamental. Estes estudos mostram que o componente genético é importante no sentido de determinar as características do relacionamento familiar (agressividade e por separação dos pais), mais do que o uso de drogas propriamente dita, associando-se ao desenvolvimento da dependência em mulheres, de forma mais indireta. Apesar do alcoolismo não ser hereditário, existe uma predisposição orgânica para o seu desenvolvimento, sendo, então, o alcoolismo transmissível de pais para os filhos. O desenvolvimento do alcoolismo envolve três características: a base genética, o meio e o indivíduo. Filhos de pais alcoólatras são geneticamente diferentes, porém, só desenvolverão a doença se estiverem em um meio propício e/ou características psicológicas favoráveis. Apesar destes estudos mostrarem evidências da existência do gene do alcoolismo, Vaillant (1999), não confirma este ponto de vista. Com base em pesquisas, da qual foi 30 coordenador por duas décadas, Vaillant7, autor do livro A História Natural do Alcoolismo Revisitada, considerada uma das obras mais importantes sobre o assunto. Conclui, ao contrário do que defendem muitos especialistas, que não existe o gene do alcoolismo, e sim um conjunto de genes que tornam o indivíduo vulnerável à dependência de álcool. Segundo o autor "É uma doença provocada por múltiplos fatores, um drama que envolve praticamente todas as áreas da saúde". 5.1.2 Alcoolismo e Ciclo Menstrual, Gestação e Parto As interações entre o alcoolismo e o ciclo menstrual podem ser analisadas por dois aspectos: as fases do ciclo menstrual interferindo no consumo e os efeitos do álcool sobre a menstruação. Alguns estudos demonstram que, na segunda fase do ciclo menstrual, conhecida como fase lútea, pode haver um aumento da ingestão de álcool. Provavelmente, ele seria utilizado para diminuir a ansiedade. Já os efeitos sobre o ciclo menstrual possuem dados mais consistentes: o consumo de álcool diminui a função da hipófise, uma glândula cerebral, e isso resulta na ausência de ovulações, (ZILBERMAN,1998). Entretanto um estudo de Valimaki et al. (1995 apud ZILBERMAN,1998) utilizando controles hormonais e ultra-sonográficos, não revelou alterações significativas na função ovariana de mulheres alcoolistas. Confirmaram-se, entretanto, níveis significativamente maiores de testosterona (65%) durante a fase lútea dessas mulheres, quando comparadas com controles, refletindo um desequilíbrio hormonal. Algumas particularidades dos efeitos desagradáveis do álcool em mulheres estariam associadas a uma maior elevação nestas dos níveis séricos de acetaldeído, metabólito primário do etanol, durante as fases de maior liberação estrogênica. Assim, elevados níveis de estrógenos poderiam estar associados a um maior desconforto com o consumo alcoólico. (ZILBERMAN,1998) O uso e o abuso do álcool durante a gravidez devem ser motivos de grande preocupação e acuradas investigações por parte dos profissionais de saúde que assistem as mulheres no pré-natal. O abuso do álcool está associado, de maneira dose-dependente, a 7 George E Vaillant começou a estudar o alcoolismo apenas para ter a chance de obter uma bolsa na Universidade Harvard. E virou uma paixão em sua vida que já dura quase trinta de seus 65 anos. Na origem dessa paixão está a maior pesquisa já feita sobre o tema no mundo 31 restrição do crescimento fetal, às deficiências cognitivas, ao aumento da morbimortalidade8 e a outros distúrbios mais leves chamados de efeitos do álcool sobre o feto, uma forma incompleta da síndrome alcoólica fetal. A bebida alcoólica ingerida pela gestante atravessa a barreira placentária, o que faz com que o feto esteja exposto às mesmas concentrações de álcool do sangue materno. Porém, a exposição fetal é maior, devido ao metabolismo e eliminação serem mais lentos, fazendo com que o líquido amniótico permaneça impregnado de álcool. Isso tem efeitos diretos sobre vários fatores de crescimento celular, inibindo a proliferação de certos tecidos. Entretanto, a suscetibilidade fetal ao álcool depende da quantidade ingerida, época da exposição, estado nutricional e capacidade de metabolização materna e fetal. A quantidade segura de álcool que uma gestante pode consumir não está definida, por isto recomenda-se abstinência total durante toda a gravidez. Nesse sentido, vários estudos enfocam os problemas obstétricos e do desenvolvimento fetal associados ao uso de drogas durante a gestação. São relatados freqüência aumentada de trabalho de parto prematuro, anomalias congênitas, crescimento intrauterino retardado, descolamento prematuro de placenta, baixo peso ao nascer, morte neonatal e síndrome da morte súbita na infância, além de complicações maternas como trombocitopenia, síndrome da pré-eclâmpsia, edema agudo de pulmão, convulsões, arritmias cardíacas e morte súbita Fox; Kain et al.(1994, 1995 apud ZILBERMAN, 1998). 5.1.3 Alcoolismo na Menopausa O fato de a menopausa ser marcada pela fase em que o corpo feminino deixa de ter a função de procriação é compreendido pela grande maioria das mulheres. A menopausa é um processo de alterações físicas e emocionais, embora o foco se dê quase sempre no que diz respeito às alterações físicas. Falar das questões emocionais que envolvem esse período de toda mulher é um tema bastante complexo. Não basta generalizar que as mulheres se deprimem por acharem que estão envelhecendo, ou que não se sentem mais atraentes, ou até por se sentirem menos mulheres. Certamente essas são hipóteses que podem fazer sentido em muitos casos, mas somente se atreladas a uma história individual e única. A menopausa é a parada de funcionamento dos ovários. Ou seja, os ovários deixam de produzir os hormônios estrógeno e progesterona. A menopausa não é uma doença, é apenas um estágio na vida da 8 doença mortalidade 32 mulher. A principal característica da menopausa é a parada das menstruações. Em decorrência da perda da função ovariana e conseqüente diminuição da produção de estrogênios determinada pelo período da menopausa, ocorrerá uma acelerada perda óssea. O excessivo consumo de álcool, como o etanol que possui ação direta sobre as células ósseas, representa agente nocivo. Adicionalmente, de fato, elimina cálcio por via urinária e reduz a absorção intestinal, alterando o equilíbrio mineral ósseo. O alcoolismo, por outro lado, está associado, freqüentemente, à má nutrição, com desequilíbrio dietético que agrava o déficit metabólico, (LAITINEN et al; HALBREICH e PALTER Apud 1991,1992, ZILBERMAN,1998). Segundo a mesma autora citada acima, em 1996, foram estudadas 12 mulheres em pós-menopausa, recebendo 1mg/dia de estradiol, via oral, além de 12 mulheres também em pós-menopausa, sem reposição estrogênica. Estas pacientes foram submetidas a um estudo randomizado, duplo-cego, do tipo cruzado, com ingestão de álcool (0,7 gramas/kg) ou placebo (isocalórico). A ingestão de etanol provocou um aumento de até três vezes nos níveis de estradiol circulantes, atingindo valores entre 297 e 973 pmol/l (valores normais de 81 a 265 pg/ml) em 50 minutos, durante a fase ascendente de pico dos níveis séricos de etanol, permanecendo acima dos níveis basais por até 5 horas. Assim, os níveis séricos de estradiol chegaram a 300% acima do esperado para a terapêutica de reposição hormonal, sob a influência do uso concomitante de etanol. Os resultado de um outro estudo com 244 mulheres em pós-menopausa revelou que o consumo moderado de bebidas alcoólicas altera os níveis de estrógenos, de testosterona, além da resposta hipofisária aos níveis estrogênicos. O mesmo estudo destacou a presença de cirrose alcoólica como condição clínica grave nas pacientes com as alterações hormonais descritas. Dada a complexidade das interações álcool/estrógenos, não há um consenso sobre a indicação da terapêutica de reposição estrogênica para mulheres alcoolistas, dependendo esta, inclusive, de uma cuidadosa avaliação clínica da paciente, particularmente de um possível comprometimento de sua função hepática. (ZILBERMAN, 1998). O abuso de drogas entre mulheres pode estar relacionado aos problemas que elas enfrentam na sociedade contemporânea. Questões relacionadas à idade, à camada social, à origem, ao ambiente e às mudanças sociais têm efeitos importantes sobre o abuso de drogas, entre mulheres. Nesta pesquisa consideram-se aspectos psicológicos característicos de personalidade, aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais individuais; consideram-se aspectos sociais aqueles decorrentes da interação entre indivíduos e grupos, tais como crenças socialmente compartilhadas, valores e preconceitos. 33 5.2. ASPECTOS PSICOLÓGICOS Quando considerados os aspectos psicológicos, são muitos os fatores que parecem facilitar uma conduta mais consistente da ingestão de bebidas alcoólicas. Assim as pessoas tímidas, dependentes e ansiosas teriam, segundo Vaillant (1999), uma maior vulnerabilidade psíquica para a dependência. Vários autores, entre eles Vargas (1985), Cardo e Fortes (1991) se reportam ao trabalho de Horton (1943), mostrando que o alcoolismo atinge a população de forma diferente. Entre estes autores se pontua Edwards (1990) quando discorre sobre os fatores culturais envolvidos no alcoolismo, reafirmando que diferentes posturas frente ao uso do álcool determinam padrões diferentes de respostas. Assim, é aceito que a cultura se constitui num importante fator determinante na proporção de alcoolistas. Talvez o exemplo mais citado seja o da cultura judaica com histórico de beber bastante e apresentar menor proporção de alcoolistas. Inúmeros estudiosos, entre eles Ramos e Bertolote (1990); Shuckit (1991, ) explicam que na cultura judaica o beber é determinado rigorosamente em algumas festas e ocasiões ritualísticas. Isso levaria a uma “educação do beber” e com isto uma pequena proporção de dependentes ou de bebedores problemas. Durante algum tempo alguns autores acreditaram e buscaram uma explicação em que à personalidade seria o fator preponderante. Houve quem defendesse a personalidade do alcoolista. Acreditavam que os alcoolistas diferiam do restante da população, em função de uma determinada personalidade. Atualmente, a concepção mais aceita é a de que algumas pessoas com traços de personalidade como vivência solitária, desespero, dependência marcante, atitudes ambivalentes como agressividade e imaturidade tenham mais facilidade de desenvolver dependência. Em seus estudos sobre o alcoolismo, há mais de três décadas Vaillant, considera três tipos de personalidade mais vulneráveis ao alcoolismo: o emocionalmente inseguro, o ansioso e o dependente. (Vaillant, 1999). Segundo o mesmo autor, mesmo com todas estas evidências, não existem traços de personalidade que permitem prever um futuro alcoolista. A idéia de uma personalidade alcoólica é uma visão que só se sustenta retrospectivamente. Quando se acompanha um indivíduo desde a infância, como no nosso estudo, fica claro que não é possível detectar numa criança ou num pré-adolescente traço algum que permita antever que eles se tornarão alcoólatras. Alcoolismo cria distúrbios de personalidade, mas distúrbios de personalidade não levam necessariamente ao alcoolismo. Em outras palavras, mesmo que para se tornar adicto9 9 Dependente de droga. 34 seja necessário ter uma pré-disposição, esta necessita da influência de determinados fatores sócioculturais para se desenvolver. Diferentemente dos homens, os motivos que levam as mulheres a iniciarem-se na dependência são: Problemas psicologicos tais como: depressão, baixa auto-confiança, irritabilidade e dificuldade em prever os próprios sentimentos estabelecendo a predileção pelo abuso do álcool como o meio de obter alívio da ansiedade e da depressão (que realmente ocorrem muito mais em mulheres que em homens). Cardo e Fortes (1991). Quanto aos aspectos psicológicos, embora exista um grande número de estudos relacionados, especificamente entre as mulheres são muito poucos. Uma pesquisa com 90 dependentes químicas (85% dependentes de álcool juntamente com cocaína) na Virginia Commonwealth University, utilizando o Minesotta Multiphasic Personality Inventory, verificou-se que o perfil de personalidade predominante era caracterizado por: problemas relativos à impulsividade, ao julgamento pobre da realidade e às dificuldades interpessoais. Além disso, estas mulheres apresentavam resistência ao tratamento, manifestada pela falta de vontade de freqüentar a terapia e pelo abandono precoce do tratamento. Como aspectos adicionais foram notados traços de: hostilidade, baixa tolerância às frustrações e pouca capacidade de aprender com os erros do passado. Verificou-se, também, a insensibilidade à necessidade do outro, uma preocupação excessiva consigo e a imaturidade. Como conseqüência, os relacionamentos interpessoais são freqüentemente superficiais e refletem a inabilidade para formar relações significativas com o outro. Haller (1994 apud ZILBERMAN, 1998). Num amplo estudo realizado em 1985 pelo National Institute an Alchohol abuse and Alcolism – NIDA, (sigla em inglês), com usuários de álcool, de maconha e de cocaína, a maioria dos problemas psicológicos eram relatados pelos grupos mais jovens, enquanto que as pessoas com mais de 35 anos apresentavam menos transtornos psicológicos. Em relação às diferenças entre homens e mulheres, a maioria das mulheres relatavam algum transtorno psicológico enquanto os homens mencionavam com maior freqüência os problemas externos.Lex (1994, apud ZILBERMAN, 1998)). Estudando dependentes de álcool e drogas, Wilcox e Yates, descobriram que as mulheres tinham mais traços depressivos, enquanto que os homens apresentavam maior índice de sociopatia. As mulheres, ainda, apresentavam maior consumo de benzodiazepínicos, usavam com freqüência outras drogas que não o álcool (tanto lícitas como ilícitas) e utilizavam os serviços de saúde mental mais do que os homens. Cabe ressaltar que, na maioria 35 dos trabalhos citados, as amostras estudadas são mistas, com uma alta porcentagem de dependentes de álcool, tornando difícil a generalização destes resultados para as mulheres e homens dependentes de outras drogas que não o álcool. Wilcox e Yates (1993, apud ZILBERMAN, 1998). Outro dado que além de importante é também curioso, segundo a autora é que nas mulheres primeiro, vem à depressão para depois vir o alcoolismo. Enquanto que nos homens primeiro vem o alcoolismo e depois a depressão. Embora muitos homens também tenham depressão, ela é quase sempre secundária, ou seja, é causada pelo uso do álcool, que é um depressor do sistema nervoso central. Nas mulheres, ocorre o inverso: a depressão é causa primária, portanto cuidar dela está diretamente relacionado a tratar o alcoolismo. (ZILBERMAN, 1998). É muito mais comum do que se imagina, segundo Zilberman a coexistência de alcoolismo com outros problemas psiquiátricos prévios ou mesmo precipitante. Os transtornos de ansiedade, depressão e insônia podem levar ao alcoolismo. Tratando-se a base do problema muitas vezes se resolve o alcoolismo. Já os transtornos de personalidade tornam o tratamento mais difícil e prejudicam a obtenção de sucesso. Muitas mulheres casadas que têm uma prédisposição genética para desenvolver alguma compulsão, começam a beber na meia idade, quando seu papel de mãe e esposa é desafiado pela partida de seus filhos, isto é, o desafio do "ninho vazio", isto funciona como um fator desencadeante na vida destas mulheres. Na relação com a família, estudos mexicanos examinando adolescentes entre 14 e 17 anos, concluíram que o consumo de álcool e o uso de drogas pelo pai influenciaram o consumo de drogas entre as meninas. (Nazar-Beutelspacher et al., 1994 apud ZILBERMAN, 1998). O impacto com a perda prematura dos pais (antes dos 17 anos), no desenvolvimento de alcoolismo entre as mulheres, foram enfocados em um estudo de 1996 que mostrou ser esta associação altamente significativa e independente da idade e da classe social dos pais. Os resultados diferiram, no entanto, quando se considerou o tipo de perda, isto é, a perda por separação teve uma associação forte e consistente com alcoolismo futuro; já, a perda por morte de um dos pais não era preditor de alcoolismo quando adulta. Além disso, não houve diferença em função da separação ser do pai ou da mãe (Kendler et al., 1996 abud ZILBERMAN, 1998). Fatores psicológicos, como conflito emocional, perda da auto-estima, remorso e culpa, levam a mulher a usar a bebida como meio de fuga da realidade e alívio de tensões. Neste caso, Bauer, afirma que as razões que induzem a mulher a beber e certos traços de 36 caráter freqüentes nas alcoólicas podem ser considerados semelhantes aos homens, independente da formação individual, (BAUER, 1982). 5.3 ASPECTOS SOCIAIS Os aspectos sociais considerados aqui se referem à relação com a família, e com a própria sociedade. Considerando os fatores socioambientais, várias explicações têm sido relatadas, sendo que é reconhecida a importância do meio na formação social da criança, e suas alterações poderiam facilitar condutas que levariam ao alcoolismo. Mais freqüentemente são lembrados os lares desfeitos e conflitos conjugais, entre outro que levariam a uma desorganização familiar. Da mesma forma, havendo frustração das expectativas sociais seja de indivíduos ou de coletividade, levaria a uma maior desagregação social, os indivíduos se tornam mais desorganizados e o controle social sobre a ingestão de álcool é diminuído, e o abuso de álcool é maior. As mulheres usuárias de álcool e outras drogas sempre foram estigmatizadas socialmente, ou seja, sempre foram mais criticadas que os homens. Segundo Zilberman, na civilização romana, as mulheres eram condenadas pelo adultério e pelo uso das drogas porque, segundo a tradição, o álcool e as outras drogas tornavam as mulheres sexualmente agressivas e promíscuas McKinlay, (1959 apud ZILBERMAN, 1998). Os trabalhos recentes não comprovaram o estereótipo de maior agressividade e promiscuidade das mulheres quando intoxicadas. Desde que as mulheres se emanciparam, e ampliaram sua participação no mercado de trabalho, agregam muitas responsabilidades, (mãe, amante, dona de casa e provedora). Isto acarretou um acúmulo de funções e, desta forma, as mulheres passaram a competir também com as doenças que, antes, eram mais freqüentes nos homens: infarto agudo do miocárdio, stress, acidente vascular cerebral (AVC), entre outras. O aumento de responsabilidade e competitividade levou as mulheres a consumir mais drogas e o álcool está entre elas, (TORRES, 2004). O mesmo autor citado acima, diz que a dependência química em mulheres é bastante diferente da dependência química em homens. “As mulheres sofrem um estigma social. Quando pegamos o alcoolismo como exemplo, podemos perceber que o padrão masculino é 37 de beber em frente das pessoas, ir ao bar e voltar embriagado para casa. No caso feminino, a esmagadora maioria das mulheres bebe demasiadamente em casa”. Na opinião desse autor, a censura moral ainda condena com maior rigor os excessos femininos, mesmo com toda as conquistas das mulheres. Ou seja, a conquista feminina começou pelo trabalho. Primeiro, as mulheres foram ocupar as vagas deixadas pelos homens nas indústrias durante a Segunda Guerra Mundial, depois descobriram que seu potencial ia muito além do chão de fábrica. E não pararam mais de conquistar seu espaço tendo o próprio consumo do álcool em nossa sociedade a conotação de símbolo de virilidade. Essa afirmação faz lembrar que estereótipos rígidos ainda condicionam os papéis sociais, os quais continuam solidamente alicerçados, apesar dos grandes avanços nas conquistas femininas. Em seu livro, Alcoolismo: o que você precisa saber Lazo, chama isso de preconceito cultural, isto é, mulher “não bebe”, ou não “deveria beber”, principalmente em uma sociedade que é mais complacente a comportamentos e atitudes desse tipo para com os homens. (LAZO, 1990). Os primeiros livros de psiquiatria informavam que o alcoolismo feminino era diferente do alcoolismo masculino, sendo este tratado como um sério desvio de personalidade, com tratamento diferenciado do homem., (MANSUR, 1984). A sociedade posiciona-se de forma diferente diante do consumo de drogas incluindo o álcool entre homens e mulheres. Segundo Blume (2005), é difícil aceitar na sociedade, alcoolismo em uma mãe, irmã ou na esposa. O estigma social é poderoso, mesmo as famílias costumam negar a existência do alcoolismo pela mesma razão. “Pensam defender a parente, dizendo que talvez ela esteja deprimida”. Porém a autora afirma que os dois problemas (alcoolismo e depressão) costumam caminhar juntos. “Devido a este estigma, a própria alcoolista tende a ocultar sua dependência para evitar discriminações que poderão repercutir em diferentes dimensões de sua vida, como no trabalho e na guarda dos filhos, em caso de separação conjugal” (BLUME, 2005). O alcoolismo na mulher ocupa um lugar á parte porque mesmo tendo características comuns ao alcoolismo no homem, estes se distinguem por fatores socioculturais que determinam o status da mulher na nossa sociedade. Os grupos sociais são menos indulgentes com as mulheres. Neste caso, trata-se de um alcoolismo mais secreto, solitário e controlado pelo sentimento de pudor que desencadeia a culpabilidade. O alcoolismo degrada mais rapidamente e mais profundamente a mulher, em seu status e em seu papel feminino e maternal, do que degrada ao homem em seu papel masculino e paternal. A rejeição e a intolerância social é mais viva e mais precoce para a mulher do que para o homem. 38 Para Vaillant (1999), o homem precisa superar algumas atitudes profundamente arraigadas nele. Em nossa cultura, ainda é esperado da mulher um comportamento doce, meigo, que seja “boazinha”, muito diferente do que se espera do homem. Procurando elucidar mais essa questão, o autor nos dá o seguinte exemplo: um rapaz vai a uma festa e se embriaga. O máximo que pode acontecer é se tornar alvo de brincadeiras, mas com certeza não perderá nem amigos, nem prestígio. Se uma mulher se embriaga, ela primeiramente provoca constrangimento, com conotações sexuais, pois a mulher embriagada torna-se “fácil” e suspeita-se que seja promíscua. Isso vem ao encontro do que era propagado na Roma antiga. O autor lembra que, apesar das muitas conquistas femininas, em algumas áreas, como na questão do alcoolismo, muito há por fazer. Enquanto, a mulher do exemplo citado parece intratável e não necessitar de apoio, o marido é um bom sujeito, sofredor, alguém que deve ser ajudado, amparado. Assim, a mulher alcoolista é retratada como um ser que prejudica o marido e os filhos, e em momento algum é vista como alguém que necessita de ajuda, como se a figura feminina estivesse pautada no ser e no fazer para os outros. Segundo os especialistas do Programa de Atenção à Mulher Dependente (Promud), a dependência química, inclusive do álcool, em mulheres se dá a partir da ocorrência de eventos vitais significativos, como a morte do cônjuge ou uma separação, saída dos filhos de casa (síndrome do ninho vazio), diferentemente dos homens, que não apontam um desencadeamento especial. Segundo a Psicóloga Dorit Wallach Verea10, , não são poucos os problemas que as mulheres encontram para buscar e permanecer em tratamento. “As barreiras podem ser estruturais, como falta de creche para os filhos e ajuda legal; pessoais, como desemprego e dependência financeira; e/ou sociais, como oposição do companheiro”. Apesar de já ser tratado com maior abertura, o alcoolismo entre as mulheres é ainda um assunto discutido com reservas. O diagnóstico desse problema na rede primária de atendimento médico é ainda deficiente e pouco valorizado. Muitos médicos, apesar das evidências clínicas, evitam tocar no assunto por “questões morais”. Além do estigma, em relação aos aspectos sociais da dependência feminina, há questões especialmente preocupantes. O alto risco entre as mulheres dependentes de contrair doenças sexualmente transmissíveis, principalmente AIDS, associa-se à maior probabilidade que elas apresentam de ter um companheiro também dependente, à freqüência elevada de relações sexuais desprotegidas e à ocorrência comum de comércio sexual. O outro aspecto 10 Mestre em Psicologia e Especialista em Dependência Química e em Psicologia Psicossomática 39 preocupante da dependência feminina refere-se à violência doméstica e ao abuso sexual. O uso de drogas esta intimamente relacionado à violência, seja como fator desencadeante, seja como efeito. Sabe-se que a mulher dependente tem um risco maior de ser vítima de agressão, pois, em geral tem pouca capacidade para autoproteção e as drogas aumentam a vulnerabilidade e o potencial para a violência. (SIMAO, 1997). Um aspecto específico da mulher dependente de substâncias psicoativas, segundo Silvia Brasiliano11 é a relação entre abuso físico e sexual tanto na infância, quanto na maturidade e a dependência de álcool e outras drogas. Algumas estimativas sugerem que aproximadamente 70% das mulheres em contato com serviços de tratamento foram vítimas de abuso físico ou sexual durante a infância e que a prevalência de incesto variava de 12 a 31%. Concluindo, a autora diz que é importante ressaltar que o uso de drogas pela mulher é especialmente influenciado pelo contexto social. (Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, 2004). Neste sentido, o entendimento dos fatores sócio-culturais que acompanham a dependência feminina é fundamental para a elaboração de estratégias políticas, ações preventivas e opções terapêuticas efetivas. 5.4 ASPECTOS PSICOPATOLÓGICOS A psicopatologia envolve a interação dos três fatores anteriormente descritos. Talvez por isso seja o alcoolismo uma das patologias mais estudadas, concluindo-se por sua características multicasual em que os fatores biológicos, psicológicos e socioculturais estão sempre presentes, sendo que nenhum de forma isolada seja suficiente. Ou seja, a grande preocupação dos estudiosos é saber se os alcoolistas se constituem em uma população diferenciada ou se diferente cultura, tornam ou não determinados grupos em predisponentes ou mais vulnerável. Na verdade, o alcoolismo é uma combinação de fatores. Ele se desenvolve através de fatores biológicos, psicológicos e culturais. Todos eles vão atuar de forma simultânea e aí o indivíduo vai desenvolver a dependência. Na população feminina usuária de drogas, há considerações importantes sobre os aspectos psicopatológicos. Em várias pesquisas, em que pesem as diferenças metodológicas, 11 Silvia Brasiliano Psicóloga. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordenadora do Programa de Atenção à Mulher. Dependente Química - PROMUD do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de São Paulo. 40 foram apontadas a maior prevalência de transtornos afetivos entre as mulheres alcoolistas e dependentes de outras drogas, quando comparadas aos homens dependentes e às mulheres da população em geral (KHANTZIAN; TREECE, 1985; GRIFFIN et al., 1989; WILCOX; YATES, 1993; COMTOIS; RIES, 1995; TÓMASSON; VAGLUM, 1995) apud (ZILBERMAN, 1998) O início dos transtornos psiquiátricos, em sua maioria, precede o abuso de álcool nas mulheres, ocorrendo o oposto entre os homens (com exceção da ocorrência de transtorno de personalidade anti-social e transtorno de pânico) (HESSELBROCK et al., 1985) apud (ZILBERMAN, 1998). Um estudo apontou para o fato de que os pacientes que tinham problemas com álcool associado a outras drogas eram os mais gravemente afetados do ponto de vista psiquiátrico, e que o inverso também era verdadeiro. Assim, para homens ou mulheres, a gravidade da dependência de drogas representou o melhor preditor da ocorrência de doenças psiquiátricas (ROSS et al., 1988a). Ao contrário do que é apontado, a mesma autora observou, em outro trabalho, que as mulheres não diferiam dos homens no que se refere à ocorrência de transtornos psiquiátricos associados. Ainda assim, as mulheres tinham maior probabilidade de terem transtornos ansiosos, problemas psicosexuais e bulimia nervosa, enquanto que os homens tinham maior probabilidade de transtorno de personalidade anti-social (ROSS et al., 1988). (GAVALER, 1995) Apud (ZILBERMAN,1998). Alguns estudos observaram certas peculiaridades comparando 50 mulheres e 50 homens dependentes de álcool e drogas que procuraram tratamento em um hospital universitário, encontraram que as mulheres tinham maior probabilidade de ter um outro diagnóstico de eixo I (pelo DSM-III-R), principalmente transtornos ansiosos. As diferenças psicopatológicas eram mais evidentes entre os dependentes de álcool. Quando se consideravam somente os dependentes de cocaína, as diferenças eram menos claras, não havendo diferenças estatisticamente significativas. (ZILBERMAN,1998) Pesquisando dependentes de álcool e drogas, estudos encontraram que as mulheres tinham mais traços depressivos, enquanto que os homens apresentavam maior índice de sociopatia. As mulheres, ainda, apresentavam maiores consumo de benzodiazepínicos, usavam com freqüência outras drogas que não o álcool (tanto lícitas como ilícitas) e utilizavam os serviços de saúde mental mais do que os homens. Cabe ressaltar que, na maioria dos trabalhos citados, as amostras estudadas são mistas, com uma alta porcentagem de dependentes de álcool, tornando difícil a generalização destes resultados para as mulheres e homens dependentes de outras drogas que não o álcool. (ZILBERMAN,1998). 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa apresentou de forma sucinta os problemas que o alcoolismo causa na saúde da mulher; são inúmeros os fatores dos tipos biológico, psicológico e social que estão envolvidos na origem do alcoolismo feminino, cuja interação com fatores genéticos aumenta sua predisposição. Pesquisas comprovam que a existência do alcoolismo ocorre com mais freqüência em familiares diretos de alcoolistas, do que em familiares de não alcoolistas. Quanto aos objetivos desta pesquisa, considera-se que os mesmos foram alcançados, na medida em que se descreveram as especificidades do alcoolismo feminino. As particularidades do alcoolismo entre as mulheres não se restringem aos aspectos meramente psiquiátricos ou socioculturais; como se pode observar, é fundamental o conhecimento das repercussões clínicas e – particularmente - seus aspectos biológicos, ginecológicos e endocrinológicos do consumo de álcool pelas mulheres. O alcoolismo na mulher ocupa um lugar a parte porque mesmo tendo características comuns ao alcoolismo masculino, este se distinguem por fatores socioculturais que determinam o status da mulher na nossa sociedade. Os grupos sociais são menos indulgentes com as mulheres. Neste caso, trata-se de um alcoolismo mais secreto, solitário, e controlado pelo sentimento de pudor que desencadeia a culpabilidade. O alcoolismo degrada mais rapidamente e mais profundamente a mulher, em seu status e seu papel feminino e maternal, do que degrada ao homem em seu papel masculino e paternal. A rejeição e a intolerância social é mais precoce para a mulher do que para o homem. Esse conhecimento pode fornecer subsídios para a compreensão de várias das disfunções clínicas apresentadas pelas pacientes alcoolistas, muitas vezes não identificadas pelos profissionais que as assistem, além de facilitar a argumentação para sua aderência ao tratamento. É importante frisar que esta pesquisa aponta para diferentes direções de aprofundamento, desafios necessários para a constante superação de barreiras vivenciadas por milhares de mulheres em todo o mundo que sofrem com o alcoolismo. Através do contato com algumas destas especificidades, pode-se compreender que cada batalha vencida no controle dos sintomas pode e deve ser comemorada e, somando a força de vontade das alcoolistas, familiares e profissionais da saúde, com o conhecimento da doença, pode-se 42 alcançar o seu controle e um aumento gradativo da qualidade de vida destas mulheres, lembrando que o alcoolismo é considerado uma doença crônica, porém tratável. Através da realização desse estudo, pode-se concluir a importância do alcoolismo como um problema de saúde pública. No decorrer desta pesquisa, sentiu-se a necessidade de estudos mais direcionados sobre a personalidade alcoolista, tanto de homens como de mulheres. Após estas reflexões, é pertinente recomendar pesquisas futuras no sentido de compreender melhor a relação do alcoolismo com questões de gênero, bem como um maior entendimento da relação equipe de saúde e as especificidades do alcoolismo feminino. Neste sentido os profissionais da área de Psicologia poderiam se engajar em pesquisas que viabilizem informações e priorizem atividades que vão de encontro a esta demanda Esta pesquisa aponta para a extensão dos estudos nesta área. Com esta monografia, pretende-se acrescentar conhecimento sobre o assunto e colaborar com o aumento do espaço dedicado para o mesmo nas diversas áreas interessadas. . 43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA FILHO L. M. & COUTINHO, E. S. F. Prevalência de alcoolismo crônico e de uso de álcool em uma região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Revista de Saúde Pública, 1997. BAUER,Jan. O Alcoolismo e as Mulheres: contextos e psicologia.São Paulo: Cultrix, 1982 BERTOLOTE, J.M. Conceitos em alcoolismo. 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