O rock brasileiro da década de 1980 e seus espaços culturais

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O ROCK BRASILEIRO DA DÉCADA DE 1980 E SEUS ESPAÇOS CULTURAIS
Rodrigo Otávio dos Santos
Doutor – OPET / Faber-Ludens
[email protected]
O presente artigo versará sobre os espaços culturais que o rock brasileiro da década de
1980 puderam contar e forjar para desenvolver seu movimento.
Em 1979, de acordo com Alexandre (2002), foi inaugurado um dos principais centros
de cultura de São Paulo, e berço de uma série de artistas e obras: o teatro Lira Paulistana.
Alexandre (2002) nos informa que Wilson Souto JR., dizia que as gravadoras giravam apenas
em torno do Rio de Janeiro, e não se preocupavam em procurar outros mercados de talentos.
Com isso em mente, juntou esforços com o administrador de empresas Valdir Galiano e
ambos passaram a procurar um terreno que servisse de estacionamento durante o dia e local
para apresentações durante a noite. O local encontrado foi um velho depósito de móveis, um
porão de cerca de quatrocentos metros quadrados na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros,
zona Oeste de São Paulo.
O Teatro Lira Paulistana foi inaugurado então no dia 25 de outubro de 1979, com
cerca de 150 lugares, e lá se desenvolveu a chamada Vanguarda Paulista, espécie de grupo de
artistas que iam na contramão tanto da MPB quanto do popularesco. Seus principais nomes
foram Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e as bandas Premeditando o Breque e Língua de
Trapo. Bryan (2004) acredita, entretanto, que não era efetivamente um movimento. Para o
autor, o que os ligava era o fato de serem jovens de classe média, universitários ou com
formação universitária, moradores do bairro paulista de Pinheiros que produziam seus álbuns
independente das grandes gravadoras. O vocalista da banda Premeditando o Breque, Wandi
Doradiotto (apud Bryan, 2004 p. 59) afirma “Considero, sem querer ser modesto, que não
fizemos um movimento, mas uma movimentação que surgiu em oposição ao bolerão dos anos
1970. Rolava um tipo de música que não representava a cabeça da moçada. Faltava gente
avacalhada, no bom sentido, que falasse um pouquinho mais das ruas”.
O Lira Paulistana acabou lançando, como distribuidora, alguns discos das suas
principais atrações. Em 1980, Beleléu leléu eu, de Itamar Assumpção vendeu cerca de 18 mil
1
cópias apenas na bilheteria do teatro, o mesmo ocorrendo com as 10 mil cópias da obra Clara
Crocodilo, de Arrigo Barnabé. O selo do teatro ainda lançou Quase Lindo do Premeditando o
Breque, Língua de Trapo, da banda homônima e uma série de outros álbuns, de artistas como
Rumo, Cida Moreira e Grupo Um.
O teatro então foi se desenvolvendo, e por volta de 1982 começou a trazer para seus
palcos também a nova geração roqueira. Tocaram ali, entre outros, Ultraje a Rigor, Ira!,
Violeta de Outono e Titãs, principalmente na sessão Boletim de Ocorrência que, de acordo
com Alexandre (2002), ocorria à meia-noite e seu alvo era as novas bandas de rock do
período.
Mesmo assim, ainda de acordo com Alexandre (2002), a ideia do teatro era diferente
das casas noturnas da época, e as bandas de rock mais populares não acharam ali um porto
seguro. Com isso, o teatro acabou entrando em descompasso com a cena existente a partir de
1984, quando seus principais artistas, Premeditando o Breque, Itamar Assumpção, Arrigo
Barnabé e Língua de Trapo, acabaram ficando grandes demais para os exíguos 150 lugares.
Paralelamente ao aumento do público roqueiro, Perfeito Fortuna, integrante da trupe
teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone imaginou um espaço multiuso onde grupos teatrais
poderiam se apresentar durante o verão. Este era o embrião da ideia de uma dos maiores
elementos aglutinadores do rock brasileiro dos anos 1980.
Ele então encontrou um local apropriado na praia do Arpoador e, segundo Motta
(2001), em 15 de janeiro de 1982, pleno verão carioca, foi inaugurado o Circo Voador,
contendo cursos de teatro, aulas de dança e acrobacias de dia e espetáculos teatrais e de
música às noites. Bryan (2004) informa que a fama do Asdrúbal trouxe o Trombone foi
essencial para que Fortuna conseguisse o apoio do engenheiro Márcio Calvão e do cenógrafo
Maurício Sette, que o ajudaram no projeto que, com sua lotação máxima comportava cerca de
800 pessoas.
Um dia após seu maior evento, O Musical dos Musicais, dias 29 e 30 de março de
1982, o circo foi desmontado e levado do Arpoador para o bairro da Lapa, onde foi
inaugurado dia 23 de outubro de 1982, desta vez com capacidade para 4000 pessoas,
consolidando-se como uma das mais democráticas casas de espetáculos da cidade.
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Neste período, diversas bandas cariocas estavam se formando, como Barão Vermelho,
Blitz ou Paralamas do Sucesso, e encontraram no Circo Voador o local perfeito para executar
suas apresentações. Ali a juventude carioca se encontrava para ouvir novas bandas e novos
sons, para conhecer pessoas e se integrar no movimento cultural do rock brasileiro.
As pessoas iam ao Circo Voador e ouviam uma nova banda, que tocava apenas na
rádio Fluminense FM. Ou o contrário, ou seja, ouviam determinada música na Fluminense
FM e iam ao Circo Voador para escutá-la ao vivo.
Sabendo disso, e percebendo uma iminente explosão daquele tipo de música e
comportamento, Alexandre (2002) nos conta que Perfeito Fortuna, em parceria com Maria
Juçá, produtora do Circo Voador, desenvolveram uma união mais formal com a Fluminense
FM: O projeto Rock Voador. Neste projeto, nas noites de sábado e domingo, só tocariam
bandas que já haviam tocado na emissora de rádio. Ao mesmo tempo, o movimento crescia e
as banda apareciam e se desenvolviam.
A gravadora Warner do Brasil lançou então o disco do projeto Rock Voador. Neste
projeto, como informa Alexandre (2002), a gravadora lançaria um LP com músicas de
diversas bandas, todas originárias de fitas demo produzidas pelas próprias bandas, ou seja, um
disco cru, sem nenhum estúdio de porte apoiando. Um disco de fitas demo. O que os artistas
tinham em comum eram nomes curiosos, bom humor e uma temática das letras mais voltada
para o cotidiano. Além disso, eram bandas cujas pessoas já se conheciam por frequentarem os
mesmos lugares.
Bryan (2004) informa que as bandas que integravam esse disco eram: Sangue da
Cidade, Papel de Mil, Maurício Mello e Companhia Mágica, Kid Abelha e os Abóboras
Selvagens, Malu Vianna e Celso Blues Boy. O principal intuito da Warner com o disco era
tentar descobrir uma nova Blitz, que, como veremos, nesse momento era a maior banda de
rock do país. E o maior intuito das bandas era serem ouvidas para uma possível contratação
posterior, o que acabou acontecendo com Sangue da Cidade, Kid Abelha e os Abóboras
Selvagens e Celso Blues Boy.
O Circo Voador foi o principal palco carioca não apenas para as bandas locais, mas
para todas as demais bandas do período. Paulistas, brasilienses, baianos, gaúchos. Ali era o
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palco para a inovação, o palco para a juventude brasileira se reconhecer e fazer crescer um
movimento forte em direção a novas ideias e novas perspectivas.
Juntamente com o Circo Voador e as danceterias – que veremos a seguir - a rádio
Fluminense FM foi um dos pilares da divulgação e expansão das bandas nacionais oriundas
dos anos 1980, por ter aproximado público e artista, e por ter dado chance para que estes
conseguissem ser ouvidos por um público maior e mais eclético.
A rádio inicia-se, segundo Estrella (2012), quando dois jovens, Samuel Wainer Filho,
também conhecido por Samuca, e Luiz Antônio Mello, propõem a criação de um programa
radiofônico onde o rock era imperativo. O nome deste programa seria Rock Alive. Os dois
então conversam com Ephrem Amora, superintendente do grupo O Fluminense (que contava
também com a Fluminense AM e o jornal O Fluminense), que negou-lhes o programa.
Naquele momento histórico e tecnológico, em meados de 1982, a maioria das rádios
ouvidas pelos jovens era AM. Isso porque a Modulação em Amplitude tem uma cobertura
maior, consegue, ainda que com menos qualidade, atingir maior espaço territorial,
independente de acidentes geográficos que dificultem a passagem do sinal radiofônico.
Castro (2010) diz que no Rio de Janeiro, onde instalou-se a Fluminense FM, havia
apenas uma rádio que tocava música pop, a Mundial AM. As rádios FM no período tocavam
apenas música ambiente, sem interrupções. Como sua abrangência era limitada por problemas
técnicos, era praticamente ignorada pelos ouvintes, e acabava sobrando às FMs as salas de
espera dos consultórios médicos ou correlatos.
Estrella (2012), entretanto, lembra que entre 1977 e 1982 surgiram 11 novas emissoras
FM no Rio de Janeiro, e os ouvintes começaram a perceber que na outra banda do seu rádio
havia outro tipo de programação, mais descontraída, diferente das táticas já estabelecidas pela
AM. E a qualidade da transmissão também era outra, já que com menos potência, as FMs
tinham uma qualidade superior, e poderiam ser escutadas em estéreo, diferente das AM, que
sempre foram monofônicas1. Mesmo assim, ainda não havia uma rádio para os jovens.
1
No modelo monofônico de transmissão, todas as informações de áudio são registradas em um mesmo canal, ou
seja, mesmo o aparelho podendo ter várias caixas ligadas a ele, todas elas emitem o mesmo conjunto sonoro, fato
que diminui a noção espacial do som original, pois não é possível distinguir de onde vem cada elemento.
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Este panorama começou a mudar quando Amora chama novamente Mello e Wainer
Filho, oferecendo-lhes não mais um programa, mas sim toda a direção artística da rádio,
dando-lhes carta branca para trabalhar a faixa 94,9 do dial dos rádios.
Como informado por Alexandre (2002), às seis da manhã de 1 de março de 1982
inaugurou-se a Rádio Fluminense FM, em Niterói, RJ. Com ela, toda uma nova fórmula de
rádio foi criada. Estrella (2012) ressalta que a Fluminense não nasceu com a proposta de ser
uma rádio de rock. Sua proposta era fazer aquilo que as demais rádios não faziam. O rock
apenas era estilo musical nascente que as outras rádios ignoravam.
Uma das principais mudanças da Fluminense em relação às demais rádios do período
foi a locução. Novamente de acordo com Estrella (2012), descobrimos que todas as locuções
seriam feitas por mulheres. Até então apenas homens faziam locução em rádio. Mais ainda,
estas mulheres não tinham treinamento para a função. Mas estudavam cada canção e cada
artista, para informar os ouvintes acerca daquilo que estavam escutando no momento.
Além disso, a rádio tinha como meta nunca aceitar jabaculê, ou seja, nunca aceitar
dinheiro das gravadoras para tocar este ou aquele artista. Com isso, puderam desenvolver
outra característica que muito os beneficiou: nunca tocar a mesma música duas vezes ao dia.
E estas músicas, ao serem executadas, o seriam na íntegra. Estrella (2012) informa que no
período as rádios “cortavam” pedaços da música ou o locutor inseria sua voz na canção. Isso
para evitar que as pessoas copiassem em suas fitas cassetes a música que estava tocando na
rádio. Os ouvintes da Fluminense faziam o oposto, ou seja, gravavam diversas músicas a
partir da programação da rádio para poder escutar depois.
Na Fluminense não havia “música de trabalho” de determinado artista. Tocavam-se
todas as canções dos álbuns, ou aquilo que os ouvintes pediam. Mas a execução das músicas
nunca levou em consideração desejos de artistas ou gravadoras. Os módulos eram compostos
de três músicas, sempre nesta ordem: a primeira era nacional e as outras duas, estrangeiras.
Esta característica gerou entre os ouvintes o hábito dessa sequência, além de abrir espaço
permanente para a música brasileira na programação.
Bryan (2004) informa que o texto falado na rádio era informal, porém sem gírias,
direcionado aos jovens cansados de escutar sempre as mesmas canções e sedentos por
informações a respeito de música, surfe, skate, voo livre e movimentos guerrilheiros
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internacionais. Quando estreou, a rádio caiu no gosto das pessoas entre 15 e 30 anos, das
classes A, B e C, localizadas principalmente na zona sul do Rio de Janeiro e exigentes quanto
à pronúncia correta dos nomes dos artistas e das canções executadas. Estrella (2012) diz que
quando a Fluminense começou, havia 16 emissoras na Grande Rio e ela estava em penúltimo
lugar na audiência. Alguns meses depois, era a terceira em número de ouvintes.
Interessante a colocação de Castro (2010 p.73) em relação às dependências da rádio.
Ele nos conta que
A famosa Fluminense FM não passava de uma salinha minúscula, não devia
ter mais de 7 metros quadrados, num prédio degradado na entrada da
cidade de Niterói. Numa mesa que ocupava 40% da sala, estavam dois
leitores de cassete autorrebobináveis, um microfone, um caderno com a
numeração dos cassetes e sua localização, e um cinzeiro repleto de bitucas.
Nem o telefone cabia na mesa, ficando no chão, por debaixo da poltrona
onde sentava o locutor. A rádio funcionava como uma rádio AM, recebendo
telefonemas de ouvintes e interagindo com eles.
Na rádio, de acordo com Estrella (2012), os principais responsáveis pelo seu sucesso
foram Luiz Antônio Mello, cuja função era cuidar dos bastidores, do orçamento, da
contratação de profissionais e intermediar as mudanças técnicas necessárias para que a rádio
aumentasse sua potência; Sérgio Vasconcellos, que com cerca de seis mil discos de rock dos
anos 1950, 1960 e 1970, além de piratas comprados nos EUA, assumiu a programação
musical da rádio; Amaury Santos, cuja responsabilidade estava no treinamento da locução, do
radiojornalismo e a produção de cartuchos e fitas a serem utilizados no estúdio; Maurício
Valladares, programador do principal programa da rádio, o Rock Alive e Carlos Lacombe e
Álvaro Luiz Fernandes, responsáveis pelo marketing e pelo departamento comercial da rádio.
Alexandre (2002) diz que um dos motivos para a consolidação e sucesso da rádio veio
com o lançamento de uma demo da Blitz gravada ao vivo no Circo Voador, com "Você não
soube me amar". A rádio começou a ganhar fama de incentivadora do rock brasileiro e
"lançadora" do novo pop mundial, já que esta fita tocou no segundo dia de operação da rádio.
A rádio era tão influente que, segundo Estrella (2012), o selo “Aprovado pela
Fluminense FM” era requisitado febrilmente pelas gravadoras. Todos os discos que tinham
este selo eram vistos como de vanguarda, como representando o ápice musical da juventude
brasileira.
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Todas os artistas da geração dos anos 1980 passaram pela rádio, também conhecida
como “Maldita”, graças a uma de suas vinhetas, que gritava esta palavra com um tom
desesperado.
Uma das maiores ajudas ao rock nacional veio da já comentada parceria com o Circo
Voador, casa de espetáculos de Perfeito Fortuna. Como ambas as instituições eram muito
atuantes para os músicos do período, era quase natural que houvesse uma espécie de
colaboração entre elas. Para Juçá (apud Estrella, 2012), a maior vantagem da parceira era o
aumento da audiência para a Fluminense e o aumento de público para o Circo Voador. Nos
quatro anos de parceria, cerca de 390 bandas passaram por ambos os meios de divulgação.
A Fluminense ficou conhecida por apresentar ao público o rock brasileiro dos anos 80.
Bandas que ficaram nacionalmente famosas lá se apresentaram primeiro, como Paralamas do
Sucesso, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Celso Blues Boy, Lobão, Blitz, Legião
Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude entre outras. Além disso, detinha, entre todos os veículos
de comunicação, a maior credibilidade entre os jovens
Porém, mesmo com uma boa proposta, diversos patrocinadores, alta credibilidade e
confiabilidade, para Estrella (2012), a Fluminense FM deixou de ser uma rádio relevante a
partir de 1986. A autora conta que as razões para isto foram os conflitos internos que
desmantelaram a equipe original, e que, a partir de 1986, a rotatividade entre as gerências e
funcionários levaram a diversas estratégias equivocadas, que trouxeram a descaracterização
da rádio. Ela ainda permaneceu no dial dos aparelhos de rádio até 1994, mas sem sombra do
brilho de outrora.
Outro espaço cultural importante eram as chamadas danceterias. Léo Jaime (apud
Alexandre 2002 p. 183) afirma que “As danceterias foram os shopping centers para os jovens
dos anos 80”. Elas foram um fenômeno típico do Estado de São Paulo, e eram lugares
bonitos, espaçosos, onde se podia comer, dançar, jogar videogame, namorar, conversar ou
assistir a um show.
O nome – ou rótulo – danceteria, surge em Nova York, em 1979 com a casa de
espetáculos Danceteria, cujo nome unia as palavras dancing com cafeteria. No Brasil, este
conceito de diversidade ou de união de interesses foi um pouco ampliado, e em 22 de março
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de 1984, ainda segundo Alexandre (2002), foi inaugurada a Rádio Clube, a primeira
danceteria do país.
Alguns meses depois abriram Madame Satã, Radar Tan Tan, Tífon, Raio Laser e Pool
Music Hall. Todas com a proposta de ser uma miscelânea de estilos e diversões para os jovens
do período. E todas elas tinham shows diários. Boa parte da geração dos anos 1980 cresceu
nas danceterias, e todas as bandas divulgavam lá seus primeiros trabalhos. Foram as
danceterias que permitiram às bandas o crescimento além do circuito underground formado
por bares como Napalm ou Rose Bom Bom.
Quando as danceterias foram inauguradas, toda a geração de bandas que tocavam no
underground para 200 ou 300 pessoas passaram a tocar para 2000 ou 3000 pessoas, para,
como informa Ribeiro (2009), saltar para palcos ainda maiores, com shows em ginásios e
estádios lotados, além de uma maior exposição tanto nas rádios quanto na televisão. Com isso
o circuito amador sofreu grande revés.
O primeiro programa de videoclipes do Brasil, de acordo com Alexandre (2002), foi o
Som Pop, da TV Cultura de São Paulo. O produtor do programa era Luiz Fernando
Magliocca, que além de comandar o programa televisivo, também foi o responsável pela
alteração da rádio Pool FM, que a partir de 2 de dezembro de 1985 atendia pelo nome de 89
FM.
Assim como a Fluminense FM no Rio de Janeiro, a intenção de Magliocca era fugir
dos padrões radiofônicos da época. Seu slogan, naturalmente influenciado pela grande
repercussão do Rock in Rio, era “A Rádio Rock”. Entretanto, não era tão febrilmente
algemada aos padrões roqueiros como era sua contraparte carioca, tanto que, Alexandre
(2002) cita incursões nas cenas de música eletrônica e underground da capital paulista.
Além disso, a rádio abria espaço para outras formas de arte cujo ideal se aproximava
do roqueiro, como o programa semanal de Angeli, o Rádio Chiclete-Banana FM. Importante
salientar, de acordo com Estrella (2012), que na rádio Fluminense também havia o programa
Chiclete com Banana, mas nada tinha a ver com Angeli.
Na 89 FM, de acordo com Bryan (2004), Angeli comandava um programa de
variedades, que contava com radionovelas de Cacá Rosset, crônicas a respeito de pedofilia
lidas por Glauco Matoso e quadrinhos dramatizados por Luiz Gê. Isso porque naquele
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momento a revista Chiclete com Banana era a revista de humor adulto de maior vendagem e
repercussão no Brasil, fazendo com que este programa tivesse dupla função: agregar ouvintes
que gostavam do humor escrachado da revista para a rádio e captar novos leitores, que se
identificavam com a rebeldia radiofônica e com o estilo rock ali executado para a revista.
O interessante, como ressalta Alexandre (2002), é que o rock brasileiro neste momento
era uma febre tão intensa que grandes conglomerados de comunicação, como a Rede Globo
ou o grupo JB trabalhavam com a mesma sede por novidades que os pequenos veículos, e em
muitos casos até mesmo com a mesma liberdade artística.
A Rede Globo de Comunicações, propriedade do empresário Roberto Marinho, vinha
construindo um império comunicacional desde seus acordos com os governos militares a
partir de 1964, como salienta Oliveira (1990). Na década de 1980 a empresa, principalmente
graças à Rede Globo de Televisão, estava presente em praticamente todos os lares brasileiros,
e podemos afirmar que virtualmente todos os ouvintes de rock brasileiro e todos os leitores da
revista Chiclete com Banana acabavam tendo alguma espécie de contato com a programação
da emissora, que, visando atingir mais e mais esta parcela da população, criou programas com
o intuito de atingir os jovens e fazer crescer ainda mais este mercado.
Assim sendo, seu maior produto, as telenovelas, acabaram por incluir personagens e
tramas visando ao jovem, e a partir da década de 1980, a relação destes em seu próprio meio
foi mais bem explorada por autores como Sílvio de Abreu, Cassiano Gabus Mendes, Glória
Perez, Dias Gomes e Janete Clair. Além disso, as trilhas sonoras também incluíam cada vez
mais artistas da nova geração do rock, uma vez que suas canções sempre rendiam músicas que
ressaltavam a relação entre os personagens jovens. Diversas bandas do rock nacional tiveram
suas canções nos folhetins diários da Rede Globo, como por exemplo Tesouros da juventude,
de Lulu Santos na novela O amor é nosso; Down em mim, do Barão Vermelho em Final Feliz;
Inútil, do Ultraje à Rigor em Transas e caretas; Egotrip, da Blitz, Corações Psicodélicos de
Lobão e Me liga dos Paralamas do Sucesso em Um sonho a mais; AAUU dos Titãs e Toda
Forma de Poder dos Engenheiros do Hawaii em Hipertensão; Coisas do coração, de Ritchie
em Roque Santeiro; Música Urbana, do Capital Inicial em Roda de Fogo; Nosso amor a
gente inventa, de Cazuza e Amanhã é 23 do Kid Abelha em O outro entre muitos outros.
Naquele momento, em praticamente todos os discos de novela havia pelo menos um
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representante do chamado rock nacional. Barão Vermelho participou de mais de 5 novelas, o
mesmo acontecendo com a Blitz e Lulu Santos, além disso, Ultraje a Rigor, Paralamas do
Sucesso, Evandro Mesquita e Cazuza também participaram de mais de uma novela. Mas o
ápice de um artista comercial na década de 1980 era a participação na apresentação da novela.
Ao deixar sua canção nos aproximadamente 1’30” de abertura de cada episódio, ao longo de
aproximadamente 6 a 8 meses, o artista tinha a certeza de grande vendagem. Entre os artistas
que tiveram suas canções na abertura de novelas, podemos citar Nosso louco amor, da Gang
90 e as Absurdettes, na novela Louco Amor; Pelado, do Ultraje a Rigor, na novela Brega &
Chique; Flores em você, do Ira!, na novela O outro e Comeu, da banda Magazine, na novela A
gata comeu.
Além da inserção do rock no maior de seus produtos, a Rede Globo também criou
outros produtos voltados exclusivamente para os jovens, tais como a transmissão do Rock in
Rio, como diremos adiante, o programa Mixto Quente, que também será descrito em outro
momento deste trabalho e outro programa tipicamente jovem e com trilha sonora do rock
nacional, o programa Armação Ilimitada, de Daniel Filho, com André di Biase, Kadu
Moliterno, Andréa Beltrão e Jonas Torres, que também será estudado adiante nesta tese.
Outro local onde as bandas sempre apareciam para satisfazer o desejo do público e da
Rede Globo eram os programas de auditório. O mais notável entre eles eram os programas do
apresentador Chacrinha, sendo que seu programa Cassino do Chacrinha era apresentado
todos os sábados à tarde. O programa era líder absoluto de audiência no horário, e por lá
passaram para apresentar suas músicas praticamente todas as bandas descritas neste trabalho.
A popularização do programa ajudava às bandas encontrarem público ainda maior, fora do
nicho rock e, mais ainda, fora até mesmo do nicho jovem, já que o programa era assistido por
praticamente todo brasileiro nas tardes de sábado.
Outro programa líder de audiência onde apareciam muitas das bandas era o
Fantástico. Exibido nas noites de domingo, o programa emulava uma revista de variedades
televisionada e entre suas atrações estava a exibição de videoclips que bandas e gravadoras
faziam para difundir seu trabalho. Pela programação do Fantástico, passaram também
praticamente todas as bandas aqui estudadas.
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BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002.
BRYAN, Guilherme. Quem tem um sonho não dança: Cultura Jovem brasileira dos anos
80. Rio e Janeiro: Record, 2004.
CASTRO, Cid. Metendo o pé na lama. São Paulo: Tinta Negra, 2010.
ESTRELLA, Maria. Rádio Fluminense FM: A porta de entrada do rock brasileiro dos
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OLIVEIRA, Dennison de. Estado e mercado na radiodifusão. Dissertação de Mestrado,
Unicamp, 1990.
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