Libras? - Pesquisa academica

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CAPA
A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
FONTE DE CONHECIMENTO PARA ÁREA DE LIBRAS
Edneia de Oliveira Alves
(Organizadora)
Ideia
João Pessoa
2015
LIVRO PRODUZIDO PELO PROJETO
Para Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB
Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMID
Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB
Coordenador do Projeto
Marcos Nicolau
Alunos Integrantes
Bruno Gomes
Gabriel Jardim
Editoração Digital
Bruno Gomes
Atenção: As imagens usadas neste trabalho o são para efeito de estudo,
de acordo com o artigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade
das mesmas aos seus criadores ou detentores de direitos autorais.
E96
A extensão universitária: fonte de conhecimento para área de Libras
[recurso eletrônico] / Organizadora: Edneia de Oliveira Alves.-- João Pessoa:
Ideia, 2015.
1CD-ROM; 43/4pol.(3.38mb)
ISBN: 978-85-463-0043-3
1. Extensão universitária. 2. Ensino de Libras. 3. Escrita com sinais experiência. 4. Livro didático - Libras. I. Alves, Edneia de Oliveira.
CDU: 378
EDITORA
Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre
Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB
www.ideiaeditora.com.br
Capa
Gabriel Jardim
A Extensão Universitária
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................................................................................................05
Contribuições da Extensão e da Área de Libras Para a Formação Crítico-Reflexiva
Edneia de Oliveira Alves...............................................................................................................................................07
O Diálogo Como Estratégia Didática Para o Ensino de Libras
Ana Claudia Nunes do Nascimento e Edneia de oliveira Alves....................................................................48
Cultura Surda no Livro Didático de Libras
Janilson Nóbrega de Moura e Edneia de Oliveira Alves..................................................................................77
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Sumário
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Uma Experiência Com a Escrita de Sinais
Edneia de Oliveira Alves, Ezequiel Adney Lima da Paixão, Janilson Nóbrega de Moura,
Marianne Rossi Stumpf e Willames Pontes de Souza......................................................................................99
A Diferença Estrutural Entre a Frase do Português e da Libras
Isadora de Carvalho Correia e Edneia de Oliveira Alves.................................................................................123
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A Extensão Universitária
APRESENTAÇÃO
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Sumário
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A área de Libras vem se constituindo enquanto acadêmica a partir de trabalhos de orientações com temáticas voltadas para a questão da surdez e da
linguística da Libras em programas de pós-graduação. Entretanto, é recente o ingresso de professores de Libras nas universidades brasileiras. Esses
professores, ao ingressarem nas universidades assumem turmas de Libras e
executam trabalhos extra-classe de várias formas. Na Uiversidade Federal da
Paraíba(UFPB) esses trabalhos iniciaram através da criação e implementação
de projetos de extensão que tem sido fonte de conhecimento sistematizado
e tem apontado para a demanda de pesquisa.
Portanto, este livro relata a experiência de atividades de extensão realizadas por meio do projeto “Produção de recurso didático para o ensino ao
surdo e de material didático para o ensino de Libras como L2”, que em 2013
fora vinculado ao do Probex1 da UFPB e em 2014 além do Probext fora vinculado ao Proext2 também em formato de Programa ­­“Libras (Língua Brasi1 Programa de Bolsas de Extensão
2 Programa de Extensão Universitária
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A Extensão Universitária
leira de Sinais): ensino, pesquisa e tradução em questão” cujo financiamento
foi fornecido pelo MEC. Os trabalhos realizados com a criação do livro didático de Libras têm aprimorado os conhecimentos acerca da cultura surda,
elaboração de atividades de compreensão de texto em Libras e gramática
de Libras. Por outro lado, as atividades realizadas junto aos alunos de graduação têm enriquecido o conhecimento sobre recursos visuais didáticos para
surdos.
No intuito de compartilhar as experiências e as reflexões que surgiram
a partir delas abordamos neste livro a importância que a extensão universitária possui para a constituição da área de Libras e como motivação para
produção de conhecimento de extensão, de estudos teóricos e de pesquisa,
sobre estratégias de criação de atividades de compreensão do gênero diálogo, o tratamento da cultura surda no livro didático, sobre a importância da
escrita de sinais e da gramática da língua de sinais.
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Sumário
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A Extensão Universitária
CONTRIBUIÇÕES DA EXTENSÃO E DA ÁREA DE LIBRAS
PARA A FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA.
Edneia de Oliveira Alves3
Introdução
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Sumário
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Neste capítulo, partilharei minhas experiências com a extensão realizada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por intermédio do projeto
“Produção de recurso didático para o ensino ao surdo e de material didático
para o ensino de Libras como L2”, que fora vinculado ao probex do ano de
2013 e 2014. Além do Probex fora incorporado ao Programa ­­“Libras (Língua
Brasileira de Sinais): ensino, pesquisa e tradução em questão” que foi aprovado no proext 2014.
Este projeto surgiu da necessidade de contribuir com a área de educação dos surdos no que diz respeito ao ensino ao surdo e à difusão da Libras
na sociedade por meio do ensino de Libras. Assim, traçou-se como objetivo
3 Professora Doutoranda de Libras do DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
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A Extensão Universitária
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geral: oferecer recursos didáticos que possam atender às necessidades educacionais do surdo e dos profissionais ao tempo em que oferece livros de
Libras traduzidos para que estes sujeitos possam utilizá-los na sala de aula
com segurança.
Como pressupõe a extensão universitária, este projeto foi criado para
atender a uma necessidade de um grupo social específico: o surdo. As necessidades que cercam este grupo estão vinculadas à necessidade de garantira de seus direitos sociais, estes que têm sido violados à medida que
não garantem-lhe a comunicação em Libras em todos os espaços públicos
e o respeito à sua cultura. No que se refere à educação, este público necessita que sua língua e sua forma de aprender seja respeitada. Partindo deste
viés, percebe-se que há uma grande demanda a ser atendida, pois, ainda
há muito a se descobrir e há muitos serviços que precisam ser prestados a
esta comunidade.
Neste contexto, a Universidade tem o potencial e a capacidade de, por
intermédio da área de Libras, contribuir para dirimir as barreiras enfrentadas pela comunidade surda em todos os âmbitos sociais, sobretudo, no setor educacional. Ao adotarmos a filosofia educacional de ensino bilíngue
para surdos, descobrimos que tudo ainda está por ser construído, assim, as
expectativas da comunidade surda e dos profissionais que trabalham com
surdez é muito grande sobre os resultados do trabalho dos professores de
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A Extensão Universitária
Libras da universidade.
Sendo assim, neste capítulo, compartilho os impactos iniciais sobre o uso
da extensão universitária como um instrumento de intervenção nas problemáticas vivenciadas pelos surdos no que se refere a sua educação. Entendemos que a extensão, através da sua dupla função – complementar a formação inicial e dar um retorno dos conhecimentos produzidos ou criados junto
à comunidade dos novos conhecimentos à sociedade – tem o potencial de
dirimir problemas sociais enfrentados por grupos que passam por processo de exclusão. Ainda entende-se que, através da formação inicial, pode-se
contribuir para a mudança da cultura e disseminar novos saberes sobre a
educação do surdo no intuito de transformar comportamentos e crenças de
futuros profissionais que em algum momento poderão entrar em contato
com esse sujeito.
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Sumário
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A extensão universitária como instrumento
de formação inicial e continuada
A extensão como um dos tripés da universidade possui seu valor singular: campo de difusão e aquisição de saber, campo de formação do aluno de
formação inicial e campo de amadurecimento dos conhecimentos produzi-
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A Extensão Universitária
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dos no meio acadêmico. Todos esses fatores torna a produção da extensão
universitária relevante para a academia e para a sociedade. É justamente
essa possibilidade de diálogo entre a parte interna e externa aos muros universitários que a torna um fator de destaque na academia.
Algumas considerações da extensão universitária importantes a serem
destacadas são as que Serrano (2013, p. 12) aponta como função: “acadêmica – fundamentada em bases teórico-metodológicas; função social – promove a construção social e a construção da cidadania e função articuladora
– do saber e do fazer da universidade com a sociedade”. Essas funções são
possíveis de serem assumidas através de projetos ou programas de extensão universitária porque ao se propor algum tipo de intervenção é exigido
do proponente e dos respectivos orientandos a aplicação do conhecimento teórico de forma que gere transformação em uma determinada realidade, porém, antes é necessário conhecer as reais demandas desse meio sob
pena de não obter os resultados esperados. Por esse motivo, Serrano (2013)
chama atenção para um olhar para o outro compreendendo sua condição
sócio-histórica respeitando seus valores e cultura. Sendo assim, o diálogo
com a comunidade não se estabelece em uma relação de imposição, nem
subjulgamento, mas, pela interação que gera reciprocidade entre os saberes
de cada segmento.
Outros aspectos sobre a extensão universitária são as características en-
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A Extensão Universitária
contradas por Castro (2004, p. 12):
a) impacto positivo nas relações entre professores e alunos. Deslocamento
da centralidade do saber da figura do professor para alunos e professor. O
Professor tende a ser mais um orientador do que um profeta. b) o conhecimento produzido pelos grupos, circula por várias áreas do saber, é menos
disciplinar e mais contextualizado. Se constrói no embate, na articulação
entre outras formas de conhecimento; c) a visão obrista da extensão não
se apresentou em nenhuma atividade analisada. É certo que algumas delas utilizam os espaços de reflexão de forma mais ampliada do que outras.
d) nenhuma das atividades estudadas nasceu para preencher o vazio das
cargas horárias docentes. Todas elas surgem num determinado contexto
histórico, seja da unidade acadêmica onde se instalaram, seja da premência
de uma discussão que o tema impunha; e) todas as atividades desenvolvem
seus trabalhos com recursos esparsos. Não existe financiamento específico
para a extensão universitária.
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Essas características são bem pertinentes e reveladoras das experiências
vivenciadas durante a aplicação do projeto. Com relação à primeira, o fazer
e o aprender na extensão movimentam-se de maneira horizontal. Durante o
enfrentamento dos desafios de colocar em prática um saber teórico em uma
determinada realidade social torna atores todos os membros envolvidos e
realmente a centralidade do professor é relativizada. Esta realidade cria uma
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A Extensão Universitária
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dinamicidade diferente dos modos tradicionais de atuação do professor,
pois, o professor é posto à prova, mas, ao mesmo tempo ele põe em prova
os membros da equipe e em conjunto constrói e reconstrói conhecimento. A
centralidade é deslocada para os desafios a serem vencidos em posição de
companheirismo e os professores e os alunos se esforçam para vencê-los.
Assim, estabelece-se uma relação de parceria entre os membros da equipe.
É nessa dinâmica acompanhada de reflexão que se compreende a segunda característica apontada acima (item b), pois, o conhecimento é reconstruído mediante demandas da realidade social. Assim, a reflexão assume
centralidade desfazendo os padrões de ensino/aprendizagem que se pauta
na memorização e normatização.
É a observação do vínculo que se estabelece na extensão entre academia
e sociedade que se pode compreender a característica apontada por Castro,
em que a extensão surge da necessidade de algum tipo de intervenção detectada a partir do conhecimento sócio-histórico da comunidade. Com relação ao financiamento, a extensão já avançou e hoje temos financiamento
específico, embora com alguns entraves e a burocratização para seu usufruto é um deles.
Essa relação dialógica assumida na implementação das ações propostas
em projetos e programas, a extensão é um elemento enriquecedor do fazer
universitário devido às potencialidades que o contato entre a universidade e
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A Extensão Universitária
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a comunidade traz para o fazer e saber científico, sobretudo, para a formação profissional dos graduandos. Ela traz a possibilidade da construção de
um saber não de domínio de alguém, mas, em benefício da sociedade. Pois,
através da extensão, conforme Serrano (2013), a universidade assume a postura transcendente possibilitando a transformação de seu saber ao dialogar
com a realidade social da comunidade com a qual trabalha e, de acordo com
Sughara (2012), possibilita o engajamento com a vida social e contribui para
a transformação social. A universidade tem como missão contribuir para o
crescimento social de seu entorno, então, é o diálogo com a realidade que a
circunda que possibilita a colaboração com essa comunidade.
Serrano (2013) chama atenção para o fato de que a relação estabelecida
com a comunidade não deve ser baseada em hierarquias, mas, respeitando
a cultura local e assumindo um compromisso de mudança. Assumir esse tipo
de concepção faz com que os objetivos dos projetos ou programas estejam
abertos às modificações demandadas pela realidade social e isto acontece
no estabelecimento contato com os membros das comunidades.
Dessa forma, a extensão pode ser uma fonte de informação sobre a necessidade da comunidade e não apenas um meio de difusão dos resultados
da pesquisa. A extensão é mais uma possibilidade de construção do conhecimento, além da pesquisa científica. A dialogicidade estabelecida entre a universidade e a comunidade possibilita o despertar para a produção
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A Extensão Universitária
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de conhecimento, no entanto, este é construído para atender às demandas
imediatas, porém, não menos necessário que o conhecimento científico. A
percepção de novas nuances de acontecimentos sociais só é possível mediante contato sistematizado com a realidade social. Para Serrano (2013), é
na comunidade que se elabora o conhecimento produzido academicamente
encontrado na prática. Assim, a extensão é mais uma fonte de conhecimento,
porém, não sobrepõe o conhecimento científico ao conhecimento comum,
mas, tendo em sua base o respeito aos valores da comunidade e contribuindo para seu amadurecimento. Nessa dinâmica da relação estabelecida entre
universidade e comunidade por meio da extensão, criam-se conhecimentos
novos e aponta as necessidades de aprofundamento em uma instância em
que só os moldes da pesquisa podem fornecer. Assim, o tripé universitário
precisa ser cíclico e horizontal ao invés de estabelecer hierarquias com níveis
de importância, seria uma relação como a representada na figura 1.
A atuação da universidade nas comunidades precisa ser em prol da, conforme Jezine (2004) promoção de uma consciência crítica capaz de intervir
na realidade com o fim de transformar e libertar para a promoção da autonomia do indivíduo. Nessa relação dialógica, entre universidade com seu
corpo docente e discente e a comunidade externa, assumindo uma postura
horizontal de negociações para o entendimento recíproco, traz transformações para o meio acadêmico ao possibilitar compreender a sociedade em sua
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A Extensão Universitária
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estrutura real. Na comunidade essa transformação contribui para a tomada
de consciência de si e para a compreensão do lugar que ocupa na sociedade
como um todo. É nesse trânsito de ir e vir de saberes que a extensão ocupa
lugar de valor de transformação de si e do outro.
É na extensão que os conhecimentos adquiridos na universidade são
perpassados pela realidade, Castro (2004) ressalta que a forma de exploração das características da extensão pode modificar a forma de ensinar
e aprender, que o encontro entre professor, aluno e comunidade cria
um novo senso comum e amplia a capacidade de refletir sobre a prática. Complementando este entendimento, Sughara (2012) afirma que a
extensão é um espaço de produção de novos conhecimentos e Santos
(2012) a considera uma fonte e espaço de alimentação de conhecimento
por meio da interdisciplinaridade.
Esses fatores são extremamente importantes para a formação do graduando que se vê, ainda nos dias de hoje, com dificuldade de atrelar a teoria à prática. É no campo que os alunos compreendem a importância do
saber científico e teórico e a extensão se torna esse campo, porém, com a
vantagem de estar apoiada pela presença do professor. De acordo com Sughara (2012), a extensão é voltada para a qualificação profissional por dar
a possibilidade da participação ativa do agente em processo de formação,
por estimular a reflexão sobre a práxis e ser um espaço de colaboração e
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A Extensão Universitária
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respeito entre os participantes.
Conforme Serrano (2013), a extensão é um processo educativo e científico porque em sua prática se produz conhecimento que produz mudança
da comunidade e da universidade e vice-versa. Na comunidade se põe em
prática o conhecimento acadêmico, mas, se submetendo à transformação.
A equipe – professor, aluno e comunidade – por sua vez põe em prática um
conhecimento acadêmico que é permeado pelo valor do saber científico,
porém, com a predisposição de ressignificá-lo mediante situações vivenciadas na prática. Santos (2012) afirma que um trabalho em parceria permite a reconstrução de conhecimento pelo aluno, que por meio da vivência
com os problemas sociais a extensão se torna um trabalho que promove
a associação entre ensino, pesquisa e extensão. Para Santos é um espaço
privilegiado de formação e aprendizado profissional, tem o objetivo de por
o aluno em contato com a realidade social aplicando os conhecimentos
adquiridos em sala de aula: o agir profissionalmente, proporcionando mudança social e política.
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A Extensão Universitária
Figura 1 – Plano do tripé da Universidade
Fonte: A autora
Serrano (2013) chama a atenção para a necessidade de
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Sumário
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elaborar um novo pensar sobre o fazer universitário, com redefinição de
conceitos e práticas e a efetiva mobilização da comunidade acadêmica na
direção de uma práxis que se apresente integrada, interdisciplinar, sintonizada com o conhecimento novo e com a realidade e demanda social.
A experiência vivenciada em sala de aula na disciplina Libras, conforme
será relatado em seguida, demonstra que é perfeitamente possível a extensão estar integrada no currículo da universidade. Além disso, estando integrada ao currículo ela contribui para a valorização do conhecimento teórico
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A Extensão Universitária
e para a formação crítica do aluno. Essa experiência demonstra que é possível subverter a ordem comum na universidade – a extensão estar atrelada a
algum projeto de pesquisa. Ao invés dessa ordem, a experiência tem impulsionado à criação de linhas de pesquisa para responder a algumas questões
sobre a qual não temos resposta para dar à comunidade que trabalhamos,
também para ser suporte para continuidade das ações implementadas.
A aplicação da vertente recurso visual na formação inicial
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Sumário
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A partir do objetivo geral: Produzir material didático para o ensino ao
surdo e para o ensino de Libras, percebe-se que este projeto tinha a produção de material didático como aspecto norteador das ações, porém, com
duas vertentes: criação de recurso didático para surdos e criação de livros
didáticos de Libras. No entanto, no que diz respeito à formação inicial o eixo
que tem norteado as ações do projeto é a reflexão-crítica. Pois, o desafio de
construir recurso visual para surdos faz com que necessariamente haja a reflexão sobre a realidade desse aluno.
Embora, sejam assumidas duas vertentes no próprio objetivo, ele teve
como foco contribuir com a melhora da qualidade da educação dos surdos.
Essa vertente teve como objetivo promover aprendizagem significativa dos
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A Extensão Universitária
alunos de graduação matriculados na disciplina Libras ao mesmo tempo em
que fornece recurso visual para ser utilizado como material de apoio nas diversas aulas do ensino básico.
Assim, a primeira vertente trouxe como ação a criação de recurso visual para o ensino ao surdo e a segunda vertente resultou na criação de livro
didático de Libras. A necessidade de criação de recurso didático surgiu da
experiência que tenho com o ensino ao surdo e por encontrar nas narrativas
surdas a sua afinidade com a percepção visual. Este tipo de recurso é importante porque é um dos aspectos que afetam a metodologia de ensino ao
surdo. Com relação à criação de livros didáticos de Libras (Língua de Sinais
Brasileira), há a necessidade de promover maior possibilidade de contato
social pelo surdo em Libras, o que demanda ensino de Libras para maior
quantidade de pessoas que, consequentemente, demanda a necessidade de
material de apoio para a sala de aula.
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A vertente da construção do recurso didático para ensino ao surdo
A vertente do projeto que trata da criação de recurso visual é posta no
objetivo de maneira ampla ao abordar o ensino ao surdo. Embora se tenha
como base o ensino e este vocábulo nos leve às infinitas possibilidades de
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A Extensão Universitária
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Sumário
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atuação, houve recortes para a construção do recurso. A necessidade de se
manter um objetivo amplo se deve ao fato de se ter como pano de fundo
o objetivo de promover a formação de licenciandos para o atendimento às
necessidades educacionais específicas do surdo.
Dessa forma, esta vertente do projeto foi pensada para ser aplicada em
sala de aula na disciplina de Libras ministrada por mim na UFPB. Assim, a
proposta é trazer para o currículo da disciplina a extensão como atividade
de sala de aula para promover um momento diferenciado de aprendizado
com os alunos de graduação que pagam a disciplina comigo. A justificativa
para a implementação da extensão na sala de aula se deve à compreensão
de que no processo de formação inicial de alunos é necessário promover um
trabalho que atrele a teoria à prática para que o conhecimento teórico se
torne relevante para o aluno.
Essa inciativa também foi motivada pelo anseio de que a sala de aula
se torne um ambiente de produção de saber e não apenas de reprodução.
A proposta é provocar no aluno uma reflexão crítica sobre as teorias lidas
na disciplina e no próprio campo de atuação, pois, as salas tinham alunos
oriundos de cursos diferentes. Com ajuda da extensão, pude tirar os alunos do lugar de receptor e de indução, que por vezes se torna obrigação,
de leitura dos textos teóricos para promover o que Imbert (2003) chama
de abertura da clausura. Pois, conforme Imbert a práxis é uma produção de
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A Extensão Universitária
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Sumário
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novos sentidos, assim, compreendo que o desafio posto aos alunos contribui para a construção de novos sentidos para a educação dos surdos, sobretudo a compreensão de que o ensino ao surdo não pode ter como base
os princípios metodológicos de ensino ao ouvinte. Sobre a relação ensino x
aprendizagem do surdo, é pensar que a sua relação com o mundo acontece
por meio do contato visual, portanto, sua maneira de perceber e vivenciar o
mundo e de raciocinar sobre si mesmo acontece primordialmente pelo sentido da visão. Este é um aspecto relevante a ser considerado no processo de
educação, sobretudo, nos aspectos metodológicos.
Ao levar o desafio da produção de recursos visual para o surdo, pretende-se trabalhar a habilidade de aquisição e aplicação de conhecimento teórico. Assim, de posse das noções básicas do conteúdo e da capacidade de
produção do saber autônomo, o aluno pode enfrentar um desafio que é algum tipo de contribuição com a comunidade público-alvo dessa disciplina:
o surdo.
As turmas de Libras que tenho assumido na UFPB possuem alunos dos
mais diversos cursos, assim, é corriqueiro ter alunos de licenciatura e de bacharelado na mesma sala de aula. Dentre as licenciaturas, já tive alunos de
história, pedagogia, letras, música, teatro e educação física em uma mesma
sala. Dentre os bacharelados, já tive alunos de fonoaudiologia, terapia ocupacional, engenharia civil e fisioterapia. Assim como também tive alunos
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A Extensão Universitária
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Sumário
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de ciências sociais, ciências das religiões, psicopedagogia e relações internacionais. Esta realidade demonstra, então, que as turmas eram compostas
de alunos oriundos dos mais diversos cursos de graduação da UFPB. Sendo
assim, para encontrar um ponto em comum de interesse entre os alunos,
foram solicitados para os alunos de licenciatura um recurso didático visual
e para os alunos de bacharelado cartilhas explicativas. Todos tinham como
público alvo o surdo e o objetivo de criar um recurso visual com cunho instrutivo ou informativo.
Esse desafio compõe um dos tipos de trabalho avaliativo, porém, antes
é explicado aos alunos a condição de aprendizagem do surdo e seu envolvimento com o mundo por meio da experiência visual. Também é explicado
para o aluno a importância de elaboração de um trabalho a partir da criação
e não da reprodução e que a extensão é uma possibilidade desse tipo de
trabalho. Além desses argumentos, o aluno tem a possibilidade de não fazer
o trabalho solicitado, mas, uma prova para repor a nota do trabalho. Com
essas explicações consigo um comportamento de parceria com os alunos
e o reconhecimento da importância deste trabalho. Essa preocupação em
dialogar com os alunos se deve ao que Freire (2003) chama de respeito à
autonomia dos alunos enquanto indivíduos e que a autonomia se constrói
nas várias tomadas de decisões. Para que se possa formar um professor ou
outro profissional que ensine e respeite a autonomia dos sujeitos, é neces-
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A Extensão Universitária
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Sumário
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sário que na academia durante o processo formador os alunos vivenciem
situações de construção da própria autonomia.
Além do cuidado com os argumentos e explicações, o aluno tem um
espaço de tomadas de decisões que são de sua total responsabilidade ao
criar o recurso solicitado, tais como: escolha da temática a ser trabalhada e
da abordagem de revisão de litertura, os tipos de imagens a serem postas,
assim como outras atividades inerentes à construção do recurso visual e do
trabalho em equipe.
Outro esclarecimento necessário diz respeito ao público-alvo, nesse caso,
o público que se pretende beneficiar é o surdo porque demanda metodologias específicas que considere a peculiaridade da sua percepção de mundo.
Ströbel (2009) chama atenção para o fato de que a pedagogia surda deve
considerar o aspecto visual, pois, o surdo percebe e apreende o mundo
através da visão. Em um estudo sobre avaliação de habilidades de raciocínio simbólico e não simbólico, Borges, Lopes e Lopes (2010) destacam que
há ambientes que podem não estar adaptados, o que impede o desenvolvimento das habilidades de raciocínio do surdo. É importante salientar que
essa constatação tira a culpabilização da vítima e cobra do sistema o cumprimento de suas responsabilidades. A preocupação em ter um projeto de
construção de recurso visual se apoia na preocupação em dar atenção às
queixas dos surdos quando afirmam que o uso da percepção visual facilita
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A Extensão Universitária
sua aprendizagem, o que corrobora com as afirmações dos autores acima.
Para além do respeito às reclamações dos surdos, pode-se basear o argumento na concepção de cultura porque para os surdos a percepção visual
é o embasamento de sua cultura e sua identidade, assim, Perlin e Miranda
(2013, p. 218) afirmam:
Se vocês nos perguntarem aqui: o que é ser surdo? Temos uma resposta:
ser surdo é uma questão de vida. Não se trata de uma deficiência, mas de
uma experiência visual. Experiência visual significa a utilização da visão, (em
substituição total a audição), como meio de comunicação. Desta experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo
modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas
artes, no conhecimento científico e acadêmico. A cultura surda comporta a
língua de sinais, a necessidade do intérprete, de tecnologia de leitura.
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Sumário
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Compreende-se, então, que a relação do surdo com mundo é por intermédio da percepção visual e que ela molda sua forma de depreender o
mundo e de significa-lo no mundo. Sendo assim, não se pode ter em sala de
aula a perspectiva ouvinte de aprendizagem para o surdo porque o estímulo auditivo para o surdo não tem o mesmo significado e feedback que tem
para o ouvinte, é neste ponto que se sustenta a importância e relevância do
projeto para a comunidade acadêmica, para a formação dos profissionais e
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A Extensão Universitária
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para a educação do surdo usuário de Libras.
Como dito anteriormente, o objetivo de criar recurso para o ensino ao
surdo foi amplo, porém, não por acaso. Este objetivo foi criado desta forma
para que pudesse, a partir dele, serem criados outros objetivos. Assim, cada
grupo de alunos precisava antes de criar o recurso didático planejar seus
trabalhos a partir da delimitação de um objetivo específico e percurso metodológico. Porém, a equipe deveria construir um objetivo de criar um recurso visual para o ensino de um determinado conteúdo disciplinar da própria
área de formação. Por exemplo, o aluno de história construiria um recurso
que abordasse um conteúdo escolar de história. Neste momento, foi imposto para o aluno o trabalho interdisciplinar, pois, embora ele pudesse escolher trabalhar com um conteúdo de domínio de sua área específica, mas,
que precisava pensá-lo sob a ótica do seu público-alvo – o surdo – e essa
implicação o levara a necessidade de se apropriar de um saber diferente de
sua área e correlacioná-lo à demanda educacional do surdo. Assim, o aluno
se vê desafiado a produzir um novo conhecimento que é o objetivo da disciplina Libras: além de ensinar sinais básicos, ensinar os aspectos culturais e
educacionais do aluno surdo. A preocupação central foi trazer para o aluno
a compreensão da sua responsabilidade enquanto educador na construção
e reconstrução do social, assim, trabalhar com grupos em processo de exclusão deve imperar no profissional a percepção das demandas reais e um
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A Extensão Universitária
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Sumário
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esforço em atendê-las. Através da extensão, é perfeitamente possível trabalhar o conhecimento emancipador nos preceitos de Castro (2004) quando
afirma que este considera que a união entre a produção e a ideologia possibilita a construção de um novo conhecimento em prol da formação cidadã
e humana. As exigências sobre o formato do trabalho provocava no aluno
a reflexão sobre o material que deveria produzir e a preocupação de que
esse material fosse um eficaz instrumento mediador de aprendizagem. Este
aspecto aponta para os achados de Castro (2004), nos quais foi percebido
que as atividades de extensão geravam aprofundamento do conhecimento
pouco desenvolvido no curso de graduação. Foi o fazer e refletir sobre o recurso visuo-didático para surdos que provocou inquietação nos alunos de
graduação. Diante deles havia um novo desafio: a construção de um recurso
visual que pudesse favorecer a aprendizagem do surdo que tem como peculiaridade o uso exclusivo da percepção visual para sua construção de conhecimento. Este desafio possibilitou empregar as ideias de Freire (1996) no
que se trata da ação do professor não como detentor de saber, mas, como
um mediador que olha para seu aluno como um indivíduo autônomo e produtor de novos saberes.
O estabelecimento de uma relação dialógica com os alunos e os colaboradores do projeto de extensão contribuiu para uma produção que não foi
apenas de responsabilidade do professor. Cada membro do projeto tinha sua
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A Extensão Universitária
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Sumário
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parcela de responsabilidade com a garantia da qualidade de sua produção.
Foi preciso confiar no saber adquirido pelos alunos em sua área específica
para que pudessem produzir um material apoiado em uma literatura de sua
área específica e pela qual eles eram os responsáveis.
A proposta é que os novos conhecimentos adquiridos possam dialogar
com o momento de sua aplicação, tornando o novo conhecimento objeto
de sua práxis para que possa oferecer um instrumento de aprendizagem
como meio diferenciado de acesso ao saber para, ao mesmo tempo, contribuir com aqueles que pouca disponibilidade de recursos adaptados tem
para acessar.
A extensão é um momento em que o aluno tem a liberdade de discutir,
repensar e reinterpretar a teoria que lhe é apresentada e buscar novas teorias para o desenvolvimento de um trabalho tornando cada aluno um sujeito
participativo ativo no trabalho em e isto grupo faz com que ele possa construir e moldar seu próprio conhecimento a partir de valores e necessidades
do outro. Dessa forma, estamos diante de uma tarefa que exige reflexão e
desprendimento dos próprios valores, da própria maneira de avaliar a realidade e do emolduramento da educação bancária, que mesmo no século XXI
ainda encontram-se alunos e professores presos nessas amarras, conforme
Freire (1987, p. 33) é a “concepção bancária” da educação, em que a única
margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depó-
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sitos, guardá-los e arquivá-los”
A extensão enquanto projeto que envolve os alunos da sala de aula no
desenvolvimento de suas ações tem o potencial de promover a aplicação do
conhecimento produzido na academia e de aliar teoria e prática, tornando-se um espaço para o aluno produzir conhecimento com autonomia, mesmo
que servindo a um propósito pré-estabelecido. Isto faz do aluno um crítico
do seu próprio fazer e do conhecimento que o professor lhe apresenta queenriquece a sua formação enquanto aluno.
Como resultado do trabalho, no que se refere à contribuição da disciplina Libras para a formação inicial, conforme relato dos alunos, entendemos
que ao propor ao aluno de graduação a criação de um recurso visual para
a educação de surdos, promove-se um momento de reflexão porque o fato
novo faz com que ele precise refletir sobre a necessidade desse sujeito. A
proposta induz o aluno a deslocar o olhar sobre a realidade a partir da sua
vivência para exercitar o olhar do outro. Assim, se trata de produzir saber a
partir e para o outro. O desafio é partir da ótica do surdo para que o material
tenha o potencial de gerar o impacto desejado: promover aprendizagem ou
possibilitar acesso do surdo à determinado conteúdo. É esse tipo de deslocamento que a educação carece para que deixe de ser uma educação bancária e atinja seu objetivo de formação humana.
No que se refere à contribuição na formação inicial dos alunos pode ser
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considerada positiva, porém, a meta de termos pesquisas surgidas a partir
deste trabalho contamos com o início da realização de um trabalho de conclusão do curso. Com relação à meta de termos o material produzido disponibilizados na internet não foi possível realizar por falta de parceria com o
curso de mídias digitais ou outro curso especificamente para criar e manter
páginas. No que se refere à construção do recurso visual, encontramos dificuldade em produzir materiais com todas as informações que se pretendia
para cada recurso. A dificuldade, que às vezes se tornava um entrave, foi em
encontrar imagens adequadas para o nível e tipo de informação que se pretendia encontrar para expor imageticamente determinadas informações.
A vertente da construção do livro didático de Libras
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A ação da construção do livro didático de Libras foi realizada na maneira
convencional de realização das ações em local especifico para tal. Ela foi posta em prática fora de sala de aula, porém, não fora da universidade, embora
na equipe tenha havido a parceria com professores de fora da Universidade
e com alunos da UFPB, pois, a equipe foi composta por parceiros externos e
por alunos da UFPB. Os parceiros externos foram: um professor surdo atuante no ensino fundamental, uma professora surda doutora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – ambos responsáveis pela qualidade
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das lições e atividades referentes à escrita de sinais e um assistente social
da Secretaria de Assistência Social da cidade de Guarabira – PB ex-aluno do
curso de Letras-Libras da UFPB. Os alunos foram surdos e ouvintes estudantes do curso de Letras-Libras, Letras-Português e Comunicação em Mídias
Digitais. Esse fazer envolveu toda a equipe e aqui não falo de qualquer equipe, porque ela foi formada por sujeitos que hora eram assujeitados e hora
eram sujeitos pelo reconhecimento de que este momento foi um momento
de construção e reconstrução do saber pela troca de saberes, como afirma
Castro (2004), a extensão é um lugar onde o fazer considera além do professor e aluno um outro. Esse outro que não necessariamente um acadêmico,
porém, conhecedor das especificidades da sua realidade, pois, apenas este o
sabe de fato. Este outro que está fora da academia é o elemento que complementa ou embasa o saber científico, sua intervenção desestrutura o saber
científico produzido e alicerçado que não dá conta da realidade mostrando
que há outras realidades ou nuances que não tenham sido consideradas despertando para a investigação que busca compreender os fatos sociais sem
uma imagem pré-estabelecida, mas, pela demanda real. Assim, a participação de colaboradores externos enriqueceu a produção dos livros didáticos
ao apontar as demandas reais durante o processo de criação do livro. Foram
essas intervenções que moldaram a estrutura do livro para que este possa
atender às necessidades dos alunos em sala de aula de Libras. Dessa forma,
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estabeleceu-se o que Castro chama de difusão do conhecimento inspirado
na narrativa do outro.
A parceria com o curso de Comunicação em Mídias Digitais foi um importante passo para o melhoramento da qualidade do material produzido.
Esta experiência demonstrou a importância do trabalho multidisciplinar, coadunando com a ideia de Castro (2004) quando chamara atenção para a
necessidade de aproximar áreas diferentes do saber. Essa experiência tornou
o trabalho mais rico e de melhor qualidade, sendo assim, as parcerias são
sempre a melhor opção, especialmente neste momento em que vivemos na
era da informática sendo ela um instrumento que perpassa muitas das atividades humanas. Porém, essa predisposição a produzir saber intercruzando
áreas precisa estar acompanhada do entendimento de que não há domínio
de todos os saberes e ter a disposição de estar aberto a novos conhecimentos. É nesse âmbito que se fortalece o trabalho em equipe e torna a extensão
um espaço rico na construção e reconstrução do saber, fazendo ressaltar os
valores humanos e a valorização do saber do outro.
Partindo do ponto de vista da necessidade, consideramos a importância
da presença dos alunos surdos na equipe porque os consideramos conhecedores e sinalizadores fieis da Libras. Dito isto, porque para os surdos a língua
de sinais é a sua língua natural (ZYCH, 2003, SANTANA e BERGAMO, 2005,
GESUELI, 2008, STRÖBEL, 2009, FERRETTI; CSALI, 2012, OLIVEIRA; OLIVEIRA,
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2012). Por outro lado, a língua de sinais se torna uma segunda língua para
os ouvintes à medida que eles a adquirem, porém, o que é preciso chamar
atenção é para a necessidade de se ter na equipe a presença do ouvinte dos
cursos de Letras, pois, foram eles que deram o suporte na produção escrita
em língua portuguesa que consta no livro. Quanto à necessidade de serem
incluídos na equipe os alunos de Mídia, foi pela habilitação no trabalho com
imagens e diagramação de livros.
Partindo do olhar sobre a inclusão, ter alunos surdos na equipe foi uma
das ações mais positivas tendo em vista esses alunos não dispõem de muitas oportunidades de participação nos projetos de pesquisa ou extensão
na UFPB. Com a atuação da área de Libras e o ingresso dos alunos surdos
em maior quantidade no curso de Letras-Libras, se comparado aos outros
cursos da UFPB, essas oportunidades de participação de surdos em projetos tem se ampliado, seja como alunos ou como colaboradores externos.
Porém, é importante ressaltar que essa referência às oportunidades dadas
aos surdos, se explica pela competência que os professores de Libras têm na
comunicação em Libras. O trabalho realizado pela equipe foi basicamente a
criação de lições e atividades e coleta de registro e organização dos sinais.
Assim, foram elaborados dois livros de Libras básico e intermediário. Cada
livro continha dois módulos: Libras básico um e dois e Libras intermediário
um e dois correspondentemente.
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É importante salientar também que essa estruturação foi resultado do
amadurecimento das ideias surgidas no processo de construção dos livros,
pois, no início não se tinha uma ideia muito clara sobre o formato do livro
porque há pouquíssima quantidade de livro didático de Libras que pudessem ser utilizados como parâmetro de comparação ou modelo. Assim, muitas etapas dos livros são ideias completamente inovadoras. Esse amadurecimento foi induzindo a sistematização das ações e foi um processo que foi
sendo construído à medida que a equipe experienciava e avaliava os resultados. O interessante nessa experiência é que a equipe não parte de modelos
prontos e emoldurados, mas, o conhecimento vai sendo adquirido e buscado de acordo com as necessidades do trabalho. Isso faz com que a extensão
seja um espaço de construção de conhecimento em prol de uma demanda
e não se fecha em si mesmo, tão pouco, usa o conhecimento como instrumento normalizador.
Foram criados dois livros de Libras com a seguinte estrutura: Libras I com
módulo I e II. Este trabalha as habilidades básicas da comunicação em Libras
e de gramática e introduz a escrita de sinais. Libras II com módulo I e II que
contém conteúdos de Libras em nível intermediário. Em termos de conteúdo
são explorados a Libras nas modalidades sinalizada e escrita, a gramática e o
vocabulário. Sobre o trabalho com a escrita de sinais, é importante explicitar
que no nível básico ela foi trabalhada em nível mais fonológico e morfológi-
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co do que na perspectiva do letramento. A escolha em trabalhar dessa forma
se deve ao fato de que ela tem sofrido muita resistência quanto à sua aceitação e valorização, porém, no nível intermediário o trabalho assume mais a
perspectiva do letramento por ser este um nível mais avançado.
Cada módulo foi composto por quatro unidades e cada uma inicia com
um diálogo como lição introdutória para o trabalho com vocabulário, gramática e escrita de sinais. Assim, para cada diálogo há um conjunto de questões
que vão desde reconhecimentos de sinais às inferenciais, a gramática é explorada a partir de estruturas apresentadas nos diálogos ou após apresentação
de lição explicativa, o trabalho com o vocabulário parte do reconhecimento
do vocábulo que intencionalmente aparece no diálogo e em atividades de
memorização. A escrita de sinais é trabalhada a partir de apresentação de
lições para seguir para atividades que contenham questões de associação
com o sinal sinalizado, de reconhecimento e reprodução e produção escrita
a depender do nível em que ela esteja imersa.
Todo o processo de criação dos livros envolveu o aluno participante de
forma que, os desafios eram lançados e eles venceram todos eles, uns com
mais dificuldades para uma determinada tarefa e outros para outras. Assim,
à medida que as dificuldades e adversidades iam aparecendo, a equipe encontrava novas soluções. Nesse entrelaçamento entre os desafios e soluções, os trabalhos foram sendo moldados ao longo do processo e a equipe
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foi amadurecendo os conhecimentos obtidos nas salas de aula e no próprio
envolvimento com as atividades dos projetos.
Cada etapa das unidades foi criada por participantes do projeto, inclusive da orientadora. Esse processo de criação partira sempre de uma temática
pré-determinada. Estas temáticas foram pensadas para que em cada lição
fosse trabalhado um vocabulário específico, também foram escolhidas a partir das situações cotidianas para que o estudante ao ter acesso ao conteúdo
trabalhado desenvolvesse a capacidade de travar uma comunicação real ao
estar de frente ao surdo. A criação dos diálogos foi inicialmente, delegada
ao surdo usuário de Libras por ele ter todas as ferramentas necessárias: fluência de comunicação em Libras, conhecimento – mesmo que intuitivo – sobre a gramática da Libras e capacidade de criação. Com o amadurecimento
da equipe, todos os alunos – surdos e ouvintes – foram envolvidos nesse e
nos outros tipos de tarefa.
A dificuldade enfrentada na atividade de criação de diálogo foi sobre o
entendimento do fim pedagógico que ela tinha. Por ser este um material
criado para o desenvolvimento da aprendizagem de outrem, todo o material
precisa ser pensado com o foco no aprendiz. Esta concepção determinou o
tamanho dos diálogos, a forma de sinalização, o conteúdo gramatical presente nele e toda a sequência didática, além da forma de a atuação dos atores que representaram os diálogos.
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Esta falta de compreensão das implicações pedagógicas no trabalho de
ensino de língua e a falta dos conhecimentos específicos sobre gramática
da língua de sinais motivaram a criação do grupo de estudo para que pudéssemos discutir com bases teóricas as perspectivas de ensino de língua.
Dessa forma, a teoria estudada passou a permear e justificar as escolhas na
produção dos livros didáticos. Assim, os diálogos foram todos acompanhados de uma sequência de questões que foram pensadas na perspectiva da
sequência didática porque essas questões precisavam promover um desenvolvimento gradativo de aprendizagem.
As questões precisavam cobrar habilidades que exigiam pouco esforço
– reconhecimento de sinais conhecidos no diálogo – até habilidades mais
complexas – as inferências. Nesse caso, houve a necessidade do entendimento do que se propõe a sequência didática. Barros e Nascimento (2007,
apud DOLZ, NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004) assumem que é um conjunto
de atividades sistematizadas. Partimos dessa concepção para assumir que as
atividades propostas deveriam ter uma sequência que desenvolvesse a aquisição de língua, assim, como a aprendizagem das habilidades comunicativas
e culturais na/da Libras.
Logo após as questões de interpretação, quando possível, era trabalhado o conteúdo gramatical a partir das construções gramaticais que estavam
presentes no próprio diálogo introdutório. Este trabalho exigia da equipe
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do projeto um conhecimento aprofundado sobre gramática de Libras e o
entendimento da proposta do trabalho com gramática reflexiva, cuja função
é compreender a estruturação da língua mediante observação e reflexão
(TRAVAGLIA, 2009).
Em seguida, era trabalhado o vocabulário porque a proposta destes livros
é de ensino de Libras para ouvintes. Como a Libras é uma língua que ocupa
o lugar de segunda língua para este público, faz-se necessário trabalhar o
vocabulário para que ele possa construir, também através de memorização,
seu repertório linguístico. Com isto, o aluno poderá gradativamente construir e ampliar o repertório lexical da Libras, pois, afirma Cardoso (2012), o
cérebro faz a recuperação do lexo mental através de associação.
A escrita de sinais passou a constituir uma das lições de cada unidade
porque ainda não se encontra difundida na comunidade surda, nem acadêmica como uma modalidade da língua de sinais. Espera-se que no futuro
essa modalidade seja a forma de registro da língua de sinais nos livros, ou
seja, que a modalidade escrita a mediação do saber nos livros de língua de
sinais, pois, é por demais estranho estudar uma língua tendo como instrumento mediador a escrita de outra língua. Apenas para refletirmos, coloco
a seguinte questão: os professores adotam livros escritos em português para
ministrar suas aulas de língua estrangeira? Evidentemente, a resposta é não.
Então, continuemos refletindo: por que as pessoas querem ensinar e estu-
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dar Libras por meio de livros cujo código escrito é o português? Bom, esse é
um assunto para pesquisas futuras. Enfim, o que pretendo argumentar aqui
é que o ideal é que os livros didáticos de Libras sejam escritos em escrita
de sinais para que os estudantes desde sua iniciação à língua já o faça em
contato com estruturas linguísticas da Libras, e a escrita de sinais é a melhor
forma de registro escrito das línguas de sinais.
Retomando, o conteúdo de escrita de sinais foi apresentado em forma
de lição seguido de atividades com questões que inicialmente exploravam a
associação entre sinal escrito e sinal sinalizado à produção de sinais, no caso
da Libras básica. No nível intermediário, as questões partiam do reconhecimento do sinal à leitura e escrita em escrita de sinais. Porém, é importante
ressaltar que houve o cuidado para que todas as atividades e lições de escrita de sinais contivessem sinais referentes à temática estudada na unidade
da qual elas faziam parte.
A orientação para a equipe, necessária nesta etapa da unidade, era sobre
a compreensão da importância da escrita de sinais para a comunidade surda
e para a valorização do status linguístico da Libras, sobre a importância do
contexto cognitivo para facilitar a aprendizagem de uma nova modalidade
escrita e sobre a necessidade da sequência didática também na exploração
desse conteúdo.
A realidade mostrou ao grupo a necessidade do conhecimento teórico-
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-pedagógico, assim, o pensar sobre o próprio fazer pedagógico e as necessidades de domínio desse saber trouxe a teoria para as discussões do grupo.
Dessa forma, a extensão tornou-se o que Santos (2012) chama de um meio
de intervir a partir do domínio teórico e crítico-reflexivo sobre a realidade
na qual se insere apreendendo o objeto particular no qual se deve intervir.
A partir das duas vertentes do projeto foi visível o crescimento intelectual
dos alunos em formação, como afirma Castro (2004), o projeto de extensão
promove a consciência crítica na relação dialógica entre teoria e prática.
O grupo de estudo se tornou de fundamental importância para que os
alunos e participantes externos compreendessem o processo independentemente da visão particular do orientador e para a descentralização do trabalho. Nesse momento, os alunos adquiriam novos conhecimentos científicos,
compreendiam a importância do trabalho e amadureciam sua relação com
a prática compreendendo-a como permeada pela teoria.
Neste contexto, a professora-orientadora passou atuar a como mediadora do saber, que através de sua experiência pôde instigar o aluno a produzir
conhecimento e aplica-lo através da construção de livros didáticos de Libras.
Isto porque a extensão é um diálogo entre conhecimentos, como afirma
Freire (1983); é um espaço de comunicação. Sendo assim, pode-se por em
prática uma educação emancipadora.
A extensão como um todo tem o potencial de formar o profissional crí-
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tico-reflexivo, a partir do enfrentamento do trabalho a ser desenvolvido na
extensão, este que requer aplicação de conhecimento científico, tem o potencial de promover “o pensamento reflexivo, como uma forma e um esforço de pensar consciente e voluntário que leva à inquirição, à ação, à investigação, à descoberta” (CARVALHO, 2002). Esta ação provocadora que
causa desconforto no aluno e que lhe traz um desafio o provoca a pensar de
maneira que ele é induzido a produzir novos saberes a partir da reflexão e
alertando-lhe que há sempre novos saberes a ser produzidos. É a busca da
formação crítico reflexiva, um dos objetivos da universidade e que Carvalho
(2002, p. 54) chama atenção ao afirmar que:
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A prática pedagógica reflexiva, pelo seu alto grau de consciência caracteriza-se por ser uma opção madura, consciente, do sujeito consciente
do conhecimento que constrói à luz da reflexão-ação- reflexão, reiterada
e constante. Como uma dimensão da prática social mais ampla, a prática
pedagógica reflexiva caracteriza-se, sobremaneira, pelo trabalho coletivo
entre sujeitos curiosos, inquietos e insatisfeitos com os resultados do seu
próprio trabalho e que suspeitam que a diversidade do grupo é um ponto
a se explorar para enriquecerem a própria individualidade.
À medida que a equipe ia amadurecendo o conhecimento teórico e enfrentando novos desafios, descobriu-se que o conhecimento que trata das
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peculiaridades que envolvem o ensino de Libras, tais como: gramática de
Libras, metodologia de ensino e relação entre representação visual e pensamento linguístico do surdo não está pronto. Neste momento percebemos
claramente que a ordem foi subvertida, pois, em geral se parte de uma teoria pronta para aplicá-la, mas, como a área de Libras está por ser constituída
há uma imensa carência de conhecimentos científicos na área. Neste caso,
por emergência construção científica do conhecimento da área de Libras, há
a previsão de em 2015 criar as linhas de pesquisa para atender a demanda
de conhecimentos linguísticos, de relação ensino aprendizagem de Libras e
literatura, tradução e aspectos da surdez. Assim, a origem das linhas de pesquisa partirá da experiência com a extensão. Esta realidade demonstra que
a extensão não pode apenas ser condicionada a atender à necessidade de
divulgação dos conhecimentos acadêmicos, nem tão pouco existe apenas
para ser um campo de aquisição de experiência dos futuros profissionais.
Esta realidade é uma demonstração clara de que a extensão é um campo
rico de produção e reprodução de conhecimento a serviço de comunidades
excluídas e que sua estrutura permite impactar fortemente na relação universidade sociedade. Assim, defende-se que a extensão co-exista com os
demais pontos do tripé da Universidade para que esses pontos estabeleçam
uma relação horizontal que permeia o fazer da universidade.
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Conclusão
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Apesar das dificuldades enfrentadas, como: falta de estrutura adequada,
falta de experiência com o lidar com questões de Proext e com a própria
criação do material e a falta de conhecimento dentro da universidade para
os encaminhamentos de parcerias, o ganho com a realização do projeto tem
sido positivo. Este projeto contribuiu com a melhora da qualidade de formação de graduandos e graduados, por complementar a formação de alguns
colaboradores externos, por fornecer um material didático de apoio que gerará impacto positivo na comunidade surda no que diz respeito à difusão da
Libras e na atuação dos professores de Libras – sobretudo dos professores
surdos – e por ter sido um fundamental elemento delineador na criação de
linhas de pesquisa que contribuam para atender às reais demandas da área.
Aos meus alunos e colaboradores, possibilitou-lhes compreender e aprofundar os conhecimentos sobre a relação professor x aluno, a importância
da mediação do saber, sobre a preocupação em ter o aluno como foco do
trabalho do professor, compreender as questões de aprendizagem do aluno
surdo, compreender o papel da universidade e do professor diante da sociedade e aprender os conteúdos relacionados à didática do ensino de Língua
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e demais conteúdos e sobre gramática de Libras.
Como o professor está em constante processo de formação por precisar estar sempre acompanhando a dinâmica social, este projeto de extensão promoveu grande crescimento no meu desempenho acadêmico. Ele me
possibilitou desenvolver estratégias de orientação e trabalho em equipe, enriquecendo minha capacidade de atuação como mediadora do saber. Alargou minha visão sobre o trabalho do docente acadêmico e me possibilitou
questionar e compreender a importância da extensão na universidade. Ao
surdo possibilitou sair do papel de assujeitamento para se tornar ator no
processo, o fez se ver como co-responsável no desenvolvimento dos trabalhos e romper com a visão assistencialista vivenciado durante todo o processo de formação,
A extensão universitária tem múltipla função porque o aluno de graduação ao participar de um projeto de extensão pode, ao tempo em que constrói
e reconstrói conhecimento, contribuir com a comunidade externa. Os trabalhos desenvolvidos neste projeto tem o potencial de impactar na educação
de surdos à medida que oferece materiais de suporte para o ensino ao surdo
e ensino de Libras. No que se refere ao ensino ao surdo, quando os materiais
visuais forem disponibilizados ao público os professores das mais diversas
disciplinas escolares poderão contar com materiais prontos para ministrar
suas aulas de maneira que o aluno surdo seja beneficiado. Ou ainda, o pró-
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A Extensão Universitária
prio surdo poderá utilizá-lo como material de apoio aos seus estudos.
Com relação aos livros didáticos, ao serem distribuídos, os professores
poderão contar com um material pronto para facilitar sua preparação de
aula de criação de recursos que possam ser utilizados em sala para a facilitação da aprendizagem do aluno, até porque o trabalho do professor não
pode se esgotar no uso do livro didático. Sendo o livro didático do trabalho
do professor e um material que pode ser utilizado para o estudo da Libras,
ele será um material de apoio para o uso e difusão da língua de sinais. Enfim,
a extensão enriqueceu os conhecimentos da equipe como um todo, contribuiu para a inserção de colaboradores e alunos no mercado de trabalho e
possui um forte potencial de impacto social.
Referências
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Sumário
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A Extensão Universitária
O DIÁLOGO COMO ESTRATÉGIA DIDÁTICA
PARA O ENSINO DE LIBRAS
Ana Claudia Nunes do Nascimento4
Edneia de Oliveira Alves5
Introdução
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A temática abordada neste capítulo trata-se do relato de experiência adquirida sobre o uso do gênero diálogo no livro didático de ensino de Libras.
Ele foi utilizado como estratégia de ensino porque esse tipo de gênero é o
mais conhecido por todos por ser o meio cotidiano de comunicação entre
as pessoas. Assim, ele é o Suporte aquisição de habilidade de desenvolver
atividade autonomamente utilizado para introdução do conhecimento de
uma nova língua.
O livro didático, referido no parágrafo anterior, foi uma das produções
4 Graduanda de Letras/Português DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
5 Professora Doutoranda de Libras do DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
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vinculada às atividades desenvolvidas pelo projeto extensionista da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), intitulado “Produção de recurso didático
para o ensino ao surdo e de material didático para o ensino de Libras como
L2” com vínculo ao Programa Libras (Língua Brasileira de Sinais): ensino, pesquisa e tradução em questão. Este foi aprovado em concorrência nacional e
possuía financiamento do MEC pelo Proext 2014.
O objetivo geral do nosso projeto foi de produzir material didático para
o ensino ao surdo e ao ensino da Libras, dessa maneira, buscamos expandir
a Libras e a escrita de sinais através da distribuição dos livros didáticos de
Libras, assim como, promover a qualidade da educação de surdos, cooperar com a difusão e valorização da Libras e estimular a valorização da cultura surda. Estes aspectos são de extrema importância para que os surdos
venham a possuir mais autonomia em sua vivência linguística e cultural em
uma comunidade nacional cuja língua majoritária não é sua língua natural.
Com o ensino de Libras, a cultura surda tende á alcançar a sociedade ouvinte, portanto, amplia as possibilidades de interação e comunicação no meio
social. Esta abrangência traz como consequência positiva a redução do preconceito que, lamentavelmente, ainda é perceptível em nosso meio.
A utilização de diálogos no ensino de Libras como L2 será discutida com
base na teoria de Bakhtin que nos dá a base das motivações para a escolha
em trabalhar com esse elemento discursivo. Embora tenha sido um material,
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inicialmente, pensado para um público-alvo ouvinte, nas lições há a exploração ao máximo possível dos recursos visuais. Com isto, o livro didático
passou a ter o potencial de ser favorável também no aprendizado de Libras
como L1. Em nossa metodologia, apresentaremos recortes de experiências
de produção do material do projeto, nela analisaremos estas atividades buscando demonstrar o potencial do ensino através de diálogos.
Em se tratando do processo de alfabetização/letramento e ensino/aprendizagem de Libras, nosso aprendizado passa por um processo gradual, em
que, aprendemos letras, sinalização de letras, palavras, sinalização de palavras, mas não basta sabermos unir apenas letras ou palavras, e sim, nos situarmos no contexto para que possamos compreender a mensagem que nos
foi dita, por conta disto, Travaglia (2009) remete que o objetivo do ensino de
língua materna é de desenvolver a competência comunicativa dos usuários
da língua. Convenhamos que ela é indispensável na vida de cada um de nós.
Travaglia nos diz que a competência comunicativa tem a capacidade de gerar outras duas competências que é a gramatical ou linguística –habilidade
de gerar frases gramaticais- e a textual –habilidade de durante uma interação produzir e compreender textos. Da mesma forma que acontece com a
aprendizagem da língua materna, esta competência comunicativa também
pode ser adquirida no aprendizado de uma L2 e para propiciar ao aluno a
formação dela. Outro ponto que o autor também nos fala é na importância
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do contato do aluno com variedades de interação comunicativa.
Neste texto, focaremos o ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)
como abordagem histórico-cultural, temática esta que ainda carece de pesquisa e produção de material para apoiar discentes e docentes da Língua de
sinais, porque esta língua é resultado de uma construção cultural da comunidade surda e sua legitimação é resultado de lutas dessa comunidade. O
ganho do reconhecimento linguístico da comunidade surda e de sua cultura
é bastante recente no Brasil, assim, perpassaram-se gerações sem que houvesse pesquisa científica sobre o sistema linguístico da língua de sinais. Com
base em poucas produções científicas, a exemplo de Quadros (1997), a língua surgiu da necessidade comunicativa dos surdos e que ela não se deriva
das línguas orais.
A temática a ser apresentada neste capítulo terá como ponto fundamental a teoria bakhtiniana no que tange a sua exposição sobre a dialogia, por
ter como foco a apresentação da experiência de construção de atividades
com base em diálogos criados para o aprendizado da Libras.
O diálogo
Como já falamos, temos como objetivo demonstrar sobre a maneira em
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que o diálogo é favorável ao ensino, mas, de quais tipos de diálogo estamos
falando? Afinal, o que é diálogo? Para nos situarmos, precisamos entender
um pouco sobre sua conceituação.
De uma maneira simples e sintética, poderíamos dizer que o diálogo é
uma conversa espontânea entre duas ou mais pessoas, ele está presente em
nosso dia-a-dia e é algo indispensável para as interações sociais. Bakhtin
(2011, p. 275) nos diz que:
Por sua precisão e simplicidade, diálogo é a forma clássica da comunicação
discursiva. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma
conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita
resposta, em relação a qual se pode assumir uma posição responsiva.
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Diariamente, necessitamos nos comunicar com diversas pessoas e nos
utilizamos dos gêneros discursivos para tal fim. Em se tratando de comunicação face a face utilizamos o diálogo como meio de interação de forma
que, por meio dele, podemos trocar ideias, e é dessa forma que o diálogo
possibilita a interrelação discursiva entre indivíduos. Bakhtin (2011) nos diz
que a comunicação discursiva (verbal) que há entre nós e o outro é o diálogo, pontuemos que esta comunicação verbal está diretamente ligada à
alternância de vozes e à reciprocidade. Esta é uma norma do diálogo: sem-
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pre que exprimimos ideias para outros esperamos e nos esforçamos para
sermos compreendidos. Na interação com o outro nos utilizamos da palavra
como convenção social cujo significado e sentido permite-nos estabelecer
comunicação com o outro. Já em fase de aquisição, esse processo comunicativo com uso da palavra é empregado no diálogo, assim, ele é a primeira instância interacional verbal entre indivíduos, influenciando inclusive na
cognição do sujeito. Conforme Bubnova (2011), o eu que se constitui verbalmente passa primeiro pelo diálogo como forma primária de pensamento e
de comunicação.
Uma das condições do diálogo é a réplica que pode ser compreendida
por Ferreira (1989) como uma contestação. E replicar, ainda segundo o dicionário, é o dizer em resposta ao que disse outrem, para negar, opor ou explicar. Exemplificando quando é dito que a réplica mesmo sendo breve pode
expressar uma conclusibilidade específica, ou seja, expressar a posição do
falante ou uma posição responsiva.
O diálogo permite que a palavra do outro participe direta ou indiretamente do discurso do eu, mas, um eu com o comportamento responsivo e
ativo. Na troca estabelecida no momento de comunicação traz para si a palavra do outro ora apenas compreendendo-a ora introduzindo-a em seu discurso. Há de se considerar que a realidade do diálogo acontece na réplica de
forma que, nas palavras de Bakhtin (2013), há a palavra e a contrapalavra. Há
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nele uma dinâmica própria de realização da língua em que prevê a interação.
Conforme Bakhtin (2011), há o jogo de pergunta-resposta, afirmação-objeção, proposta-aceitação, ordem-execução no qual há a enunciação plena
no processo comunicacional. É um acontecimento caracteristicamente vivo
em que a enunciação concreta está completamente submissa à condição
comunicacional promovida pelo interesse recíproco de entendimento entre
interlocutores. O diálogo exerce influência tão importante que, para Bezerra
(2013), o autor ao escrever uma narrativa deixa que os personagens se definam através dos diálogos. Assim, o sujeito ao dialogar revela seu contexto
situacional ao mesmo tempo que revela a si porque seu discurso é carregado de tom valorativo e apreciativo.
Essa responsividade, na prática, pode ocorrer por meio de uma única
palavra, com atenção mantida no discurso do outro. A enunciação do interlocutor não precisa ser necessariamente através da verbalização de uma
frase complexa. Como exemplo de responsividade nos diálogos trabalhados
nos livros didáticos, podemos citar um uso cotidiano de responsividade nos
diálogos em Libras: o vocábulo LEGAL. Esse sinal é sempre utilizado em resposta positiva a uma enunciação, uma palavra/sinal sucinta que em contexto comunicativo possui uma significação, portanto, considerado enunciado.
Esta é uma réplica que foi introduzida nos diálogos para que os estudantes
de Libras possam já compreender as formas de réplicas próprias da cultura
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linguística da comunidade surda.
Vale ressaltar que a réplica é e já provém de um enunciado e que seu
sentido está diretamente dependente do enunciado anterior, característica
típica dos diálogos. Brait (2013) afirma que há diversas teorias elucidadoras
do termo enunciado. Brait nos diz que uma delas é baseada nas diferentes
correntes da pragmática e que dessas correntes foi depreendido que o enunciado é dotado de caraterísticas extralinguísticas, são baseadas em conceituação de inferência e de contexto e que estes são como fundamentais para
o entendimento do enunciado. Assim, para que a palavra/sinal LEGAL possa
representar uma posição do interlocutor, se faz necessário que saibamos
todo o contexto suscitado pelo diálogo.
Quando estamos dialogando/conversando com alguém, estamos a todo
momento produzindo réplicas e enunciados, segundo Brait (2012) estes dois
conceitos são interdependentes, pois, na comunicação do nosso cotidiano
é constituída uma interação entre locutor e interlocutor de forma que um
enunciado provoca outro enunciado com tom de pergunta e resposta, com
sentido de afirmação ou negação.
Para além dessa questão, a palavra ao ser tomada para si ganha um tom
apreciativo tornando-se diferenciada em aspecto ou perspectiva da palavra
do outro. Como afirma Bakhtin (2013), ao tomarmos a palavra do outro a
compreendemos de maneira diferente. Esses são dados importantes para
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justificar o trabalho com ensino de língua a partir dos diálogos porque Bakhtin (2013, p. 223) afirma: “o nosso discurso na vida prática está cheio das
palavras dos outros. [...] a palavra em contexto de reciprocidade tem caráter
dinâmico, por ser mutável e passar de boca em boca”.
O diálogo do cotidiano entendido como aquele que ocorre na rotina banal em contextos familiares e entre amigos tem o potencial de trazer para o
aluno um contexto que lhe é familiar. Além disso, o contato com o discurso
que têm em sua base as situações reais de comunicação apresenta um contexto de vivência para o indivíduo. Sendo assim, o trabalho parte do conhecimento prévio do aluno possibilitando-lhe agregar novos conhecimentos.
A Libras é uma língua se se apresenta como estranha em sua forma de
produção verbal para o ouvinte, no entanto, o processo de aquisição dela
não precisa ser de todo estranho. O aluno ao se dispor a adquirir um novo
conhecimento, o faz por meio de associação e ele não vai encontrar essa
associação com a produção verbal da língua oral, porém, o contexto ordinário é um importante facilitador. Isto porque esse tipo de diálogo se associa
a sua vivência, ou como queira, a sua experiência com o mundo. Martelota
(2013 p. 179) nos diz que, segundo os cognitivistas, “há uma relação sistemática entre linguagem, pensamento e experiência”. Tendo como base que
as características do diálogo é uma habilidade do processo comunicativo
por um falante de uma língua qualquer, podemos afirmar que esse gênero é
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um importante scharfold para a aprendizagem de uma segunda língua. Foi
com base nessa premissa que o trabalho com diálogos foi introdutório de
todos os novos conhecimentos nos livros didáticos de Libras em nível básico
e intermediário. Assim, apresentaremos a seguir uma análise das atividades
elaboradas a partir de diálogos em Libras para que possamos refletir sobre
a contribuição que o uso de diálogo pode oferecer no processo promoção
de aquisição de uma nova língua.
Diálogo em Libras como proposta didática
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Os livros didáticos de Libras criados no projeto têm como elemento introdutório das lições o diálogo, assim, pretende-se provocar o interesse dos alunos para a temática a ser estudada e a partir dele foram trabalhadas todas as
questões de compreensão e linguísticas, quando possível. Assim, a partir das
construções apresentadas em diálogos, propomos atividades que tratam dos
diversos aspectos da Libras: vocabulário, gramática e escrita de sinais.
Todos os diálogos introdutórios das unidades foram produzidos em Língua de Sinais sinalizada e gravados em vídeo e sem legenda. Ao iniciar-se
uma temática nova, é apresentado o diálogo em Libras e o objetivo deste
momento é propor que o aluno obtenha uma percepção dos sinais que ele
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conhece, estimulá-lo a aprender novos sinais, conduzi-lo a identificação da
temática a ser tratada e observar a maneira em que os surdos se comunicam.
A intensão é, já desde o primeiro contato com a Libras, induzir os alunos a
terem contato com a produção da língua por meio de seus falantes naturais e ter acesso ao vocabulário e à sua gramática a partir de um contexto. A
opção em trabalhar com os vídeos é porque a única forma de receber essa
língua é a partir da sua visualização, pois, sua forma de expressão é visuo-gestual (FERNANDES, 2003).
Cada unidade inicia com uma lista de questionamentos, assim, espera-se
que o professor exiba o diálogo antes de iniciar qualquer tipo de atividade
de língua em sala de aula. Assim, após ver o diálogo entre os surdos o aluno
deve responder as atividades referentes a ele. As questões destes exercícios
vão desde o nível de decodificação até as questões inferenciais. A diversificação de exercícios e atividades é algo defendido por Dolz e Schneuwly
(2004), pois, postulam que através da diversificação o aluno poderá se apropriar de noções e instrumentos que lhes são propostos. E é por este viés que
nos fundamentamos, tendo em vista que o material produzido para um curso de língua atenderá aos alunos dos mais diversos níveis de ensino. E ainda,
os alunos são estimulados a exercitar os conhecimentos como os apontados
por Koch (2011): linguísticos, enciclopédico e conhecimento interacional.
Logo abaixo, apresentaremos um diálogo e analisaremos as questões
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desenvolvidas a partir dele para que possamos melhor compreender sobre a
forma de exploração didática do gênero diálogo. Porém, antes é importante
esclarecer que no final de todas as unidades possuem as transcrições e suas
respectivas traduções. A transcrição dos diálogos em forma de glosas, que
é uma forma de transcrever textos de Libras utilizando o código alfabético.
Existem protocolos elaborados por linguísticas da área, porém, não seguimos nenhum deles por termos evidências que nos indicam que a melhor
forma de transcrição da Libras seria com o uso do sistema de transcrição
SignWriting. No entanto, este sistema é pouco conhecido no Brasil e raras
são as pessoas que dominam esse tipo de transcrição. Diante disso, optamos por transcrever em glosa procurando ser fiel à estrutura gramática da
Libras e mantendo em código alfabético para facilitar a compreensão dos
estudantes. Essas glosas são apenas auxiliares para que se possa tirar dúvidas, sendo assim, elas foram postas na parte final do livro. O objetivo é que,
num primeiro momento, o aluno possa ver apenas o diálogo sinalizado em
vídeo e possa perceber como acontece a interação nesta língua.
A análise a ser realizada será com base no diálogo intitulado “Xiii...
COMPLICADO”, que é referente à temática família, do livro 1, Libras 1. Esse
diálogo foi escolhido porque, através dele, podemos demonstrar o potencial
presente no diálogo para o ensino de Libras.
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Veja:
Xiii... Complicado
Bruna - HEI EU PROBLEMA. Ei, eu tenho um problema.
Alan - ACONTECER O QUE? O que aconteceu?
Bruna - CASA MINHA ANIMAL MUITO. Na minha casa tem muitos animais.
Alan - MUITO? QUAL? Muitos? Quais?
Bruna - GATO 2, CACHORRO 3, PASSARINHO 5, TARTARUGA 1.Dois gatos, três cachorros, cinco passarinhos e um cágado.
Alan - COITADA TRABALHAR CUIDAR ANIMAL. Coitada, da trabalho cuidar de animais.
Bruna - VERDADE. É verdade.
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Este é um diálogo pequeno e com poucas informações. Ele foi criado
desta forma porque é uma lição para iniciantes de nível básico. Assim, além
de já apresentar um discurso do cotidiano, traz informações vocabulares
também da vida cotidiana das pessoas. Com isso, estamos introduzindo um
conhecimento linguístico tendo como base um discurso e um contexto cognitivo já conhecido pelas pessoas. Compreendemos que na formação dos
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diálogos são introduzidos enunciados que estão presentes no dia-a-dia ou
pelo menos no campo das ideias dos alunos, este é um dos pontos de ancoragem adotados para que o aluno possa assimilar os sinais e aprendê-los
de maneira a proporcionar a internalização do vocabulário e da gramática
da Libras, pois, segundo Bock (2003 p.118) “os pontos de ancoragem são
formados com a incorporação, à estrutura cognitiva, de elementos (informações ou ideias) relevantes para a aquisição de novos conhecimentos”. Ou
seja, os conhecimentos prévios do aluno não são deixados para trás, e sim,
aproveitados para que através deles seja possível conduzir o aluno a agregar
novos conhecimentos.
Após a visualização do diálogo, são apresentadas ao aluno algumas
questões de interpretação do diálogo, aqui, apresentaremos uma a uma e
discutiremos sobre seus objetivos. As questões referentes ao diálogo são de
modo geral de um caráter interpretativo e reflexivo. Como já foi dito, para
que possa oferecer ao aluno um aprendizado significativo, usamos como
ponto de ancoragem diálogos que apresentam situações não distantes do
cotidiano dos alunos, para que possamos proporcionar-lhes uma ampliação
no seu conhecimento linguístico e do seu desenvolvimento cognitivo.
As questões referentes aos diálogos sempre iniciaram com a exploração
do entendimento da mensagem, assim, a compreensão foi o foco da estimulação de aprendizagem da Libras, isto porque nas interações comunicativas
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a preocupação maior é com a compreensão da mensagem. Assim, as questões iniciavam com a solicitação de compreensão das informações explícitas
ou implícitas presentes nas falas das personagens. Veja a primeira questão
abaixo referente ao diálogo apresentado:
Questão 1
Qual o problema que a personagem Bruna relata estar acontecendo?
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Esse é um tipo de questão que solicita informação explícita no diálogo,
requerendo um esforço no conhecimento da língua e abstração de informação presente na fala da personagem no decorrer do diálogo. As questões
apresentadas em nosso material sofrem uma alternância de níveis, visto que,
o material atenderá pessoas dos mais diversos níveis de conhecimento. Assim, devemos considerar a heterogeneidade apresentada por cada turma de
sala de aula. A partir desse cuidado, a expectativa é que os alunos possam
aprender Libras através de uma maneira gradativa e reflexiva. Para que o
aluno responda esta questão é preciso atentar para o contexto significativo
e para as réplicas do diálogo.
Após solicitar que o aluno encontre uma informação explicita, foi solicitada uma informação implícita. Veja:
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Questão 2
Como a personagem Bruna se sente diante desta situação?
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Nesta questão é dada ao aluno a possibilidade de inferir, pois, apesar de
ser apresentada a situação o sentimento produzido pela personagem poderá ser definido pelo aluno. Para a resposta dessa pergunta, é necessário que
o aluno compreenda as trocas de turnos entre as personagens, pois, como
afirma Bakhtin (2013) há a palavra e contraplavra em um jogo de pergunta
e resposta em um diálogo. Ele poderá fazer o “balanceamento entre informações explicitas e implícitas” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 34). O aluno poderia
dizer, por exemplo, que Bruna se sente angustiada porque já no início aponta sua situação como problema e no final do enunciado a personagem Alan
em sua atitude responsiva traz a réplica dizendo que ela é coitada, assim,
seu enunciado traz para o contexto da conversa o sentido de sentimento de
dó da colega. Esse enunciado se torna o responsável pelo tom do diálogo: o
tom de reciprocidade de sentimento de angústia sofrido por um dos personagens. E ainda, se o aluno observar bem, após a fala de Alan, Bruna produz
o seguinte enunciado: VERDADE. Este enunciado, apesar de ser apenas uma
palavra, expressa uma concordância da personagem em relação ao que foi
replicado por Alan dando valor de verdade para a enunciação. Embora seja
apenas um sinal: VERDADE produz sentido tendo em vista que o observador
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utiliza-se do contexto discursivo do diálogo para compreender que realmente Bruna estaria concordando com a fala de Alan.
Logo após as questões de interpretação, foi introduzida a questão de vocabulário. Como se trata de ensino de língua não materna, o trabalho com
vocabulário se faz necessário, assim, eles foram explorados através dos diálogos e através de atividades mais pontuais, estas nãos serão aqui apresentadas porque o foco é o diálogo. Assim, veja:
Questão 3
Em Libras, cite quais e quantos animais há na casa da personagem Bruna.
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Esta questão tem como objetivo proporcionar ao aluno o aprendizado
de vocábulos referentes aos animais através da produção de um enunciado,
pois ele irá rever o diálogo para sinalizar a resposta, então, sinalizará os animais e suas respectivas quantidades. Para realização desta questão o aluno
deve ter a habilidade de compreender todo o diálogo para identificar dentre
as falas os vocábulos que se pede. Nessa identificação, é trabalhada a habilidade de leitura scanning, através da qual se procura informações específicas
em um texto. A partir dela, o aluno poderá praticar a língua e memorizar
os vocábulos. Porém, o interessante a se observar é que o trabalho com o
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vocabulário nesta questão exige do aluno as seguintes habilidades: compreensão e identificação das informações solicitadas no diálogo e observação
da forma de sinalização das quantidades expressas, isso, com o intuito que
o aluno apreenda a norma gramatical ao mesmo tempo em que aprende
novos sinais.
Marchezan (2012) nos fala que os diálogos também são veículos para o
ensino das formas gramaticais, no nosso material não é diferente, porquanto, as seguintes questões estão fundamentadas neste mesmo diálogo cuja
exploração de interpretação já fora realizada. Em seguida, foram solicitadas
informações sobre a estrutura gramatical utilizada no texto.
Esse tipo de questão é solicitada geralmente no final da atividade porque
já se pode contar com o contato do aluno com o texto e com isso ele já tem
familiaridade com a estrutura que se pretende trabalhar. Feito desta forma,
garantimos que mesmo em uma língua não materna haja a possibilidade de
trabalho com a gramática contextualizada e reflexiva.
Esta foi uma preocupação constante na construção do material porque
Antunes (2007) nos traz a seguinte indagação: Que gramáticas existem?
As respostas a esta pergunta é de extrema importância, pois, muitas vezes
ouve-se tanto falar-se em gramática, mas, muitos não sabem que não se
trata apenas de regras de escrita, ela possui diversas definições e funções.
A autora nos diz que em nós há uma “gramática interiorizada”, ou seja, so-
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mos possuidores de conhecimentos inatos e como prova disto, nos dá um
exemplo de uma resposta dita por uma criança de 2 anos e quatro meses
que ao ser indagada se queria ou não atender a um telefonema, emite a
resposta com uma palavra: Quero. A autora nos faz ver que mesmo sem
saber ou estudar gramática a menina já a utilizou, fazendo a flexão do
verbo em tempo, modo, número e pessoa, omitiu o pronome sujeito e
o complemento do verbo, pois, estes elementos já estavam inseridos no
contexto da interação. Se temos um contexto, uma interação, logo, temos
enunciados e diálogo. Este exemplo é dado a uma situação de ouvintes e
com uma criança, mas em Libras e com adultos não é diferente, pois, segundo Quadros (1997) o processo de aquisição das línguas faladas e das
Línguas de sinais são análogas. Além do mais, a todo momento estamos
a desenvolver situações comunicativas e à adquirir novas palavras seja em
que língua for. Sigamos para mais uma questão.
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Questão 1 (gramática)
Reveja o vídeo intitulado “Xiii... Complicado” e com base no vocabulário referente aos Pronomes interrogativos e quantificadores, liste abaixo os
pronomes que aparecem no diálogo.
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Mais uma vez o aluno terá a opção de rever o diálogo, mas, neste momento haverá outro foco que é a identificação dos pronomes. O objetivo
deste quesito é atrair a visão do aluno para os pronomes, para a maneira de
sua sinalização e preparar o aluno para questão seguinte. Como já foi dito,
em nosso material buscamos fazer uma diversificação de atividades, para
isto, tomamos por base a proposta de sequência didática postulada por Dolz
e Schneuwly (2004) em que as atividades vão tomando movimentações do
complexo ao simples, isto de uma maneira sistemática e gradual, atendendo
assim a capacidade de cada aluno.
Questão 2 (gramática)
Agora, observe em que posição ele se encontra. Você acha que tem diferença com relação ao português? Qual?
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Esta questão leva o aluno, em primeiro momento a perceber a posição
ocupada pelo pronome na frase. É uma questão que induz o aluno a iniciar
uma reflexão sobre a estrutura frasal e um pensamento metalinguístico sobre a nova língua que está aprendendo. O intuito é fazer com que o aluno
tome consciência da estrutura gramatical por meio da reflexão. De acordo
com Travaglia (2009), a gramática reflexiva é um trabalho de reflexão sobre
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um recurso linguístico dominado ou não pelo falante de uma língua com o
fim de ensinar produtivamente. A partir dessa concepção, adotamos a ideia
de que mesmo o aluno que não domina a língua de sinais deve aprender
sua gramática de forma reflexiva compreendendo também o contexto em
que é empregado. É claro que, no caso dessa atividade, essa ocorrência gramatical é apenas uma possibilidade de significação e de arranjo estrutural,
no entanto, o aluno na sequência dos estudos terá outras oportunidades de
contato com a estrutura em outros contextos. Antunes (2007) nos fala que
redigir um texto e ler uma literatura é algo que não se faz fora da gramática
e que a gramática não tem utilidade se estiver fora das atividades comunicativas. Logo, identificar classificações gramaticais através de frases soltas
e fora de um contexto é algo que deve ser evitado, porém, é algo bastante
visto nas escolas.
Após a observação da organização frasal, uma vez que o aluno seja falante de português, o objetivo de levar o aluno a uma percepção comparativa
entre Libras e Língua Portuguesa em que ele utilizará um dos conhecimentos
denominados por Koch e Elias (2011) como linguístico, o aluno se utilizará
dos conhecimentos linguísticos de sua própria língua para compreender a
estrutura da nova língua. Este é um recurso utilizado recorrentemente por
alunos que estão aprendendo uma língua não materna, porém, o intuito de
induzir a reflexão comparativa é para quebrar o mito da comunidade ouvin-
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te de que a língua de sinais é o emprego de sinais em lugar de palavras do
português, o que originou o chamado português sinalizado. Para esclarecer
esse mito, Gesser (2009, p. 33) esclarece da seguinte forma:
A língua de sinais não é datilologia ou mímica (como muitos podem pensar),
também não é universal (igual em todos os países), muito menos artificial
(uma língua inventada). Ligada a essas crenças, vem a seguinte indagação:
então, seria a língua de sinais “adaptação” das línguas orais? Ou, dito de
outra forma, seria a LIBRAS um português sinalizado, por exemplo? Não. A
língua de sinais tem estrutura própria, e é autônoma, ou seja, independente
de qualquer língua oral em sua concepção linguística.
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No caso de se ter um público alvo falante de língua portuguesa é preciso
um trabalho reflexivo para que se respeite e compreenda a autonomia linguística da Libras. No caso desta atividade, o aluno precisará compreender
a ordem frasal da língua portuguesa para poder perceber e compreender
como a ordem frasal da Língua de sinais se diferencia das línguas orais. Segundo Koch e Elias (2011), os conhecimentos de ortografia, gramática e léxico de língua são adquiridos através de práticas comunicativas ao longo da
vida, assim como, na escola. Assim, o ensino de Libras escolarizado e sistematizado é um meio de aprendizagem da língua de sinais, porém, sem que
seja de forma tradicionalmente mecânica.
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É importante que ao longo do curso de Libras os alunos possam se apropriar da gramática da Libras com eficiência porque ela é bem diferente da
língua portuguesa. Quadros e Karnopp (2004) nos fala sobre a flexibilidade
na ordem das palavras em Libras e nos evidencia isto nos mostrando frases
na ordem sujeito, verbo e objeto (SVO), e as ordens SOV, OSV e OSV como
possibilidades de construção frasal na Libras. Estas alterações na ordem das
palavras resultam de diversos fatores, por exemplo, a presença de tópicos,
que ocorre quando um elemento tema é dado ênfase no início e há um comentário a respeito deste tema.
Com base na concepção de que o ensino deve ser reflexivo e que se deve
unir as práticas comunicativas do cotidiano às práticas escolares que propomos ao aluno. Vejamos a seguinte questão:
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Questão 3 (gramática)
Agora, reconstrua o diálogo utilizando dados da sua própria vida e apresente para seu professor em Libras.
Neste quesito, o aluno poderá remontar o diálogo utilizando situações
de sua própria vivência, poderá utilizar-se do momento que a personagem
fala de um problema referente a sua situação e falar de algo que também
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A Extensão Universitária
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não lhe é agradável. Nesta atividade, é cobrado todo o novo conhecimento
adquirido, sobretudo, o conhecimento vocabular e gramatical. Para executar
esta atividade faz-se necessário a presença de outro colega, visto que trata-se de um diálogo e, necessita de uma interação social por ser real. Sobre
à interação vemos em Martelotta (2013), se trata de um dos aspectos da
proposta cognitivista e então, nesta questão o aluno tomará o diálogo inicial
como base temática e é livre para a construção sequencial dele, visto que
utilizará enunciados de acordo com a interação com seu colega. Desta maneira, o aluno estará utilizando-se de sinais que aprendeu durante o vídeo e
sinais que ele conheça. Assim como, poderá trazer situações de seu cotidiano, para que possa aprender a língua como algo real e não fantasioso.
Além deste aspecto, através desta construção a proposta é que o aluno
venha a se familiarizar com o gênero diálogo e tenha estímulo para aprender
sinais de seu dia-a-dia, dessa maneira, ele estará buscando um conhecimento que tenha uma significação para si. Esse é um momento de construção
do saber, pois, ao estimular o aluno a empregar um novo conhecimento ao
seu cotidiano ele precisará adaptar porque não é uma aplicação automática.
É um momento que, embora ocorra em uma situação de controle, o aluno
terá certa liberdade para inovar e reconstruir o conhecimento com automia.
Na sequência, o aluno é motivado a criar uma situação comunicativa nova.
Veja a questão:
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Questão 4 de gramática
Crie também um diálogo com os interrogativos: quanto, quem e muito
para apresentar ao seu professor em Libras.
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Nesta questão, o aluno criará também um diálogo, mas, uma das condições impostas a ele é a utilização de pronomes interrogativos, assim, lhe é
exigida a aplicação dos novos conhecimentos adquiridos. O aluno neste momento poderá tomar como base o diálogo visto na unidade e o diálogo do
quesito anterior para que possa acrescentar os pronomes. O objetivo desta
atividade é que o aluno possa aprender os sinais dos pronomes em Libras
dentro de um contexto que seja de seu interesse, visto que, a única condição
imposta nesta atividade é a inclusão dos pronomes durante a interação. Assim, espera-se que uma situação real de interação comunicativa com uso da
língua de sinais o aluno possa iniciar uma conversação com sentido, compreendendo e sendo compreendido por seu interlocutor.
Esse é um momento de construção significativa de conhecimento, pois, o
aluno empregará seus conhecimentos adquiridos de forma autônoma. Feito
desta forma porque, conforme Freire (1996), o professor que trabalha em
prol da autonomia provoca o aluno a reconhecer-se como sujeito sócio-histórico-cultural e volta-se para a formação humana. A própria preocupação
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A Extensão Universitária
em oferecer um material pedagógico que contribua com um fazer pedagógico que incentive a reflexão e a produção autônoma do saber pelo aluno,
se adequa aos preceitos freireanos. Portanto, espera-se que o incentivo à
criação e à recriação de diálogos com base na própria vivência contribua
para que o aluno tome consciência de si e do outro que é o falante natural
da língua de sinais: o surdo. Se assim for, o ensino de Libras contribuirá para
o fortalecimento, respeito e valorização da cultura surda para que seja respeitada como mais uma cultura brasileira.
Conclusão
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O ensino de Língua de sinais é algo que tem se intensificado ao longo
dos anos, e com isso, tem surgido cada vez mais à necessidade de um material de apoio aos docentes e discentes, visto que, é necessário aos professores um material didático para que ele possa ter um domínio do conteúdo
ministrado em sala de aula, assim como, é necessário aos alunos o material
didático para que obtenha a oportunidade de ter um auxílio dentro e fora
da sala de aula.
Ao tomarmos a responsabilidade em produzir um material que venha a
atender a esta demanda e frente a um ensino que vem sendo implementado
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A Extensão Universitária
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Sumário
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largamente no sistema educacional brasileiro, ouve a preocupação em produzir um material com um nível de qualidade que contribuísse com a melhoria de qualidade no ensino da Libras. Optar por diálogos foi uma escolha
que tinha como objetivo levar o aluno a compreender os contextos comunicativos sociais para que não viesse a aprender os sinais sem uma significação e sem nexo.
A realização do trabalho com o projeto trouxe uma experiência que possibilitou ter um aprendizado bastante amplo, pois, fez-se necessário a elaboração de relatórios, apresentações de trabalhos em grupo de estudo, assim
como, pesquisas de fundamentações teóricas. As produções textuais proporcionaram um maior aprendizado e a concretização desse aprendizado
através da prática. Tudo isto proporciona ao aluno um estímulo, por exemplo, à leitura, que é algo essencial para prosseguir na vida acadêmica.
O momento de encontros de equipe do projeto é um momento em que se
pode amadurecer profissionalmente, socialmente e psicologicamente. Pois, a
partir da convivência com novas pessoas há a possibilidade de ver que cada
um possui limitações específicas e que elas podem ser superadas através do
esforço. Sabemos o quão proveitoso é o valor da vitória, de superar limites e
desafios e sabemos mais ainda que para alcançá-las é preciso batalhar, por
isso, é preciso que prossigamos sempre em busca de nossos alvos.
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A Extensão Universitária
Referências
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São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
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BOCK, Ana. Merces. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo:
Saraiva, 2003.
BRAIT, Beth; MELO, Rosineide. Enunciado/enunciado concreto/enunciação. In: BRAIT,
Beth. Bakhtin: conceitos-chaves. 5 .ed. São Paulo : Contexto, 2013.
BUBNOVA, Tatiana. Voz, sentido e diálogo em Bakhtin. Bakhtiniana, Revista de Estudos
do Discurso, v. 6, n. 1, pp. 268-280. 2011. Retirado de: http://www.scielo.br/pdf/ bak/
v6n1/v6n1a16.pdf. Acesso em: 25 de ago. 2014.
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Sumário
eLivre
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
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A Extensão Universitária
GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua
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KOCH, Ingedore Villaça; Elias, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto.
3ª. Ed., 5ª impressão. São Paulo: Editora Contexto, 2011.
MARCHEZAN, Renata Coelho. Diálogo. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chaves. 2.ed. São Paulo : Contexto, 2012.
MARTELOTTA, Mario. Eduardo. (Org.). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
QUADROS, Ronice. Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
QUADROS, Ronice Muller.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e
organização de: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas (SP): Mercado das Letras,
2004.
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Sumário
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 14ª. Ed. São Paulo: Editora Cortez, 2009.
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A Extensão Universitária
CULTURA SURDA NO LIVRO DIDÁTICO DE LIBRAS
Janilson Nóbrega de Moura6
Edneia de Oliveira Alves7
Introdução
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Sumário
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O presente capítulo visa apresentar uma explanação sobre a cultura surda, ressaltando a cultura em geral e as minorias culturais, como forma de
desmistificar pensamentos e esclarecer a respeito da comunidade surda, incluindo seus valores, costumes e tradições que ainda não são compreendidos ou conhecidos por muitos.
O aspecto cultural relatado neste capítulo, trata-se de uma das atividades
realizadas no desenvolvimento do projeto “Produção de recurso didático para
6 Professor de Libras da rede municipal de ensino da cidade de João Pessoa-PB e Assistente Social na Cidade de
Guarabira-PB. E-mail: [email protected]
7 Professora Doutoranda de Libras do DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
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A Extensão Universitária
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Sumário
o ensino ao surdo e de material didático para o ensino de Libras como L2”, coordenado pela Professora Edneia Alves, sendo integrado ao “Programa Libras
­­
(Língua Brasileira de Sinais): ensino, pesquisa e tradução em questão”, ganho
em concorrência nacional, o que gerou o financiamento dos custos dos trabalhos. Esse programa mostrou-se como uma porta aberta para incentivar as
pesquisas e produções no meio acadêmico que favorecem e colaboram com a
comunidade surda em geral, ao mesmo tempo em que tem atraído estudantes e colaboradores que se identificam e se dedicam à causa.
Assim, o conteúdo deste trabalho fará algumas reflexões teóricas a respeito de cultura e em particular da cultura surda na tentativa de disseminar
uma cultura legítima, porém, diferente e contribuir na formação de identidade da mesma, baseando-se em autores como Johnson, Ströbel, Sá e Bernadino, que abordam o tema proposto.
Para contemplar o assunto abordado, será feita uma análise de um vídeo
sobre cultura surda, que é uma das partes que integra o livro didático de Libras, no qual houve o cuidado com os direitos autorais de uso de imagens
para esta produção.
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A Extensão Universitária
A cultura surda
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Sumário
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A cultura é algo que caracteriza um conjunto de hábitos de um sistema
social ou um grupo, possui uma dinâmica que leva em consideração seus
atos relevantes historicamente construídos, podendo ser materiais ou não-materiais, conforme é colocado por Johnson (1997). Podemos percebê-la
quando dirigimos nosso olhar ao contexto de vida externo a nós e sempre
estamos ou temos que estar atrelados a algum costume que transcende ao
nosso controle individual.
Por muito tempo, as pessoas surdas, à medida que sofriam as fortes influências hegemônicas de uma sociedade ouvinte/oralista, tiveram um grande problema na construção da identidade cultural de seu grupo. Sá (2006)
afirma que a cultura surda ainda se faz desconhecida ou incompreendida
pela sociedade, não sendo vista ou compreendida como uma cultura legítima, carregada de valores e significados, classificando-a nesse sentido como
uma cultura apenas patológica e inferior à cultura dominante, nesse caso, a
cultura dos ouvintes. Essa incompreensão ou desconhecimento tem gerado,
de acordo Ströbel (2007), receio em muitas pessoas em estabelecer uma relação com os surdos devido ao fato do não entendimento do sujeito surdo,
de sua língua, dos seus costumes, valores e suas relações sociais. Assim, percebe-se que o impedimento da construção da cultura surda é um dos fato-
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Sumário
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res que justifica a exclusão social porque passa.
A influência da cultura ouvintista acabou levando a uma hierarquização
cultural que de certa forma acabava classificando os surdos como possuidores e não possuidores de aspectos culturais característicos de seu grupo.
A hegemonia da cultura ouvintista induziu a prática de que considerava-se
cultural apenas a cultura desse grupo, e desconsiderava a dos outros. Este
aspecto é uma representação da visão etnocêntrica, como ressalta Johnson (1997), o etnocentrismo impede que as diferenças culturais sejam vistas
e entendidas, centralizando as qualidades sociais existentes apenas a um
determinado grupo, resultando, portanto, em “julgamentos negativos que
membros de uma cultura tendem a fazer sobre todas as demais” (JOHNSON,
1997, p. 101).
Ao falar sobre a cultura surda, ainda a situamos em contraposição à cultura ouvinte porque o respeito e o reconhecimento da cultura surda ainda
é pauta de luta de sua comunidade. Lopes (2007) afirma que a diferença
surda está no fato de conviverem em uma comunidade e compartilhar uma
língua visuo-gestual, forma de viver e organizar o tempo e o espaço e esses
fatores situa o surdo historicamente. A cultura hegemônica do ouvinte ainda
se sobrepõe à cultura surda assim como acontece com as demais culturas
minoritárias existentes no Brasil e essa hegemonia pode ser explicada pela
afirmação de Souza (2013) quando diz que há no Brasil uma única etnia, lín-
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gua, identidade e cultura imposta pela política de Estado.
Não há como falar sobre uma determinada cultura sem que haja conhecimento sobre os indivíduos que a cultiva e sobre seus elementos constituintes. Enquadrada entre as minorias culturais, a cultura surda pode abranger
um conjunto de subjetividades construídas sobre diferentes aspectos que
classificam e definem a comunidade surda.
Há várias diferenças que podem ser apresentadas e elencadas entre a
cultura dos surdos e a dos ouvintes. Kelman (2005) afirma que a surdez é tratada como particularidade cultural dentro de um contexto cultural. Fatores
como língua e identidade, podem ser considerados umas destas diferenças
culturais existentes que distinguem uma cultura da outra, afinal a língua carrega em si um histórico de significados da sociedade e suas relações e revela
a identidade que representa a auto-identificação do sujeito. Portanto, não
existe uma língua, uma identidade ou uma cultura uniforme, pois a língua
de acordo com Leite (2010) é algo constitutivo e utilizado por uma comunidade/grupo linguística(o) que compartilha de uma mesma cultura carregada
de sentidos, logo a língua se torna um elemento de identidade para o sujeito
que dela se apropria para a sua comunicação como afirma Bernadino (2008).
Para entender sobre a existência e legitimidade da cultura surda é preciso acima de tudo compreender que os surdos possuem uma comunidade
que, segundo Lopes (2007), é a base para se pensar na cultura surda e sua
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história, pois, nela são produzidas as narrativas surdas sobre pertença, partilha, sociedade, identidade, segurança entre outros. É na comunidade surda
que o surdo prefere estar e é nela que ele divulga e recebe informações e
instruções, se sente acolhido e amado e ainda se organiza para lutar pelos
seus direitos. É preciso também refletir sobre as suas peculiaridades apresentadas por Ströbel (2009) através dos artefatos culturais. Ströbel evidencia
que eles estão relacionados a todas as produções materiais e visuais dentro
de uma cultura, a maneira de se comunicar, os modos dos sujeitos em suas
relações sociais, os valores, as tradições, entre outros. Assim, nessa menção,
a autora destaca oito artefatos culturais existentes na cultura surda: experiência visual, linguístico, familiar, literatura surda, vida social e esportiva, artes
visuais, política e materiais.
Segundo Ströbel, a experiência visual está relacionada ao modo de percepção de mundo pelo surdo, que diferente de um ouvinte, utiliza a visão
como principal fonte de captação de tudo que circunda em sua volta. No
artefato cultural linguístico destaca-se como fator essencial a língua de sinais, pois, é através dela que o surdo pode se comunicar e interagir em suas
relações sociais, ter acesso e trocar informações, expressar sua subjetividade
e consecutivamente construir sua identidade.
A língua de sinais é o artefato cultural mais perceptível na comunidade
surda. Owen Wrigley (1996, apud SÁ, 2006) afirma que o uso da própria
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língua é uma característica que define a auto-identidade de alguém que
pertence a uma minoria linguística. Com isso, entende-se que a língua de
sinais se torna um elemento que define ou representa o sujeito surdo e sua
auto-identidade.
Historicamente, os surdos sofreram grandes opressões pela cultura oralista, que os impedia de utilizar a língua de sinais como forma de comunicação, conduzindo os surdos ao fracasso escolar e inferioridade social. Porém,
isto não foi suficiente para impedir que a língua de sinais progredisse, sendo
ela reconhecida legalmente no Brasil como meio de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira, através da Lei 10.436/02, regulamentada pelo Decreto 5.626/05. De acordo com Oliveira e Oliveira (2012), a língua
de sinais é necessária à comunidade surda para que sua cultura transcenda
de geração em geração, molda a cosmovisão de mundo e o entendimento
da realidade e possibilita a criação, o acesso e o entendimento da própria
cultura. A partir dessas observações, percebe-se a centralidade da língua de
sinais na vida do surdo e na sua forma de se relacionar com o mundo, de
tal forma que há regras em sua cultura que não é possível existir na cultura
oral como é o caso da criação de sinal para cada indivíduo como forma de
nomeá-los, como será visto na análise apresentada mais abaixo. Bernadino
(2008) afirma que o batismo por sinal é usado pelos surdos para referir-se a
alguém ou algo e isso faz parte dos aspectos importantes da cultura surda,
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A Extensão Universitária
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inserido dentro de seus costumes.
Seguindo a apresentação dos artefatos culturais expostos por Ströbel,
a questão da relação familiar entre surdos e ouvintes ou surdos x surdos, a
diferença de relação entre familiares surdos e ouvintes é bem marcada se
comparada à relação estabelecida entre familiares ouvintes. Quando a língua de sinais não está presente nessa relação, o surdo enfrenta limitação
que, de acordo com o pensamento de Ströbel (2009) ocorre que nas famílias
com membros ouvintes, não há informações e disseminação da cultura surda às crianças surdas, que são expostas a cultura ouvinte/oralista, distante
da comunicação na língua de sinais e dos diálogos familiares.
Para que compreenda-se a amplitude dos elementos culturais surdos, é
importante apontar que um sujeito produz uma literatura que revela uma
cultura: a denominada literatura surda. Conforme Strobel (2009), a literatura
surda pauta-se nas produções literárias produzidas pelos próprios surdos.
Tais produções englobam: histórias, contos, piadas e poesias que fortalecem
a cultura dos surdos. O reconhecimento desse artefato motivou vários registros visuais gravados em CD-ROM e DVD que servem de recursos educacionais de surdos.
A vida social e esportiva do surdo é outro fator cultural que tem um
modo surdo de por em prática e revela a forma surda de encarar as relações
sociais. As festas promovidas por surdos são bem diferentes das festas dos
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ouvintes, de acordo com a afirmação Bernadino (2008) eles preferem ambientes mais iluminados à meia luz, pois, assim podem se comunicar melhor.
Além de preferirem em festas dançantes locais fechados acusticamente para
que possam colocar sons muitos altos, pois, sua forma de curtir o som e por
intermédio da vibração sonora percebida pela pele.
No que tange às artes visuais, Ströbel destaca como fruto as criações artísticas produzidas por surdos onde nelas demonstram suas emoções, sentimentos, histórias de vida, pensamentos e sua cultura. Entendendo que as
artes visuais não se limitam apenas à pintura e à escultura, o cinema, considerado como a sétima arte, e o teatro também é um meio de atuação de
atores surdos, como Marllen Matlin, Emanuelle Laborit, Nelson Pimenta, entre outros.
A política, ainda de acordo com a Ströbel (2009), representa os movimentos e a luta do povo surdo pela garantia de seus direitos de cidadania. Pode-se citar como produto desse artefato o reconhecimento da Língua Brasileira
de Sinais que se deu através das lutas dos movimentos sociais organizados
pelos surdos.
O último elemento cultural, ou seja, os materiais são marcados pelas
tecnologias e recursos materiais que facilitam e auxiliam na acessibilidade e
vida do surdo (STROBEL, 2009). Exemplo disso são as campainhas luminosas,
os telefones para surdos (TDD), legendas na televisão, entre outros.
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Além dos artefatos culturais elencados e pertencentes à cultura surda,
Bernadino (2008) chama a atenção ao apresentar aspectos dessa cultura que
diferencia da cultura dos ouvintes, pois conforme a afirmação de Lane, Hoffmeister e Bahan (1996 apud Bernadino 2008) os surdos são diretos naquilo
que almejam dizer, ou seja, falam exatamente de acordo com o seu pensamento sem rodeios, no intuito de facilitar a comunicação.
As autoras ressaltam que os surdos podem fazer comentários negativos a
alguém que ele conhece há algum tempo ou sobre algo sem pensar no constrangimento que isso pode causar. Ou ainda, para sair-se de uma determinada
situação ou incômodo diante de outra pessoa, o surdo simplesmente diz o
que precisa fazer, seja dormir ou trabalhar cedo, induzindo ao receptor a uma
inferência do que exatamente o surdo quis dizer. Deste modo entende-se que
na cultura surda a fala direta difere de ser rude ou falta de educação e, portanto, isso é um aspecto cultural existente na comunidade surda.
Bernadino (2008) também aponta que na cultura surda existem regras distintas que devem ser seguidas. A autora diz que para chamar a atenção de um
surdo que esteja distante, o ideal é atrair a atenção de outra pessoa que esteja
próximo a ele para que esta lhe dê um toque. Fazer com que as luzes pisquem
em uma sala que contêm surdos também é muito útil para chamar atenção
deles. É considerado falta de educação atravessar ou passar na frente de uma
conversação entre surdos ou entre alguma tradução para eles.
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A Extensão Universitária
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Além de tudo que fora exposto, é importante mencionar que apesar
de alguns autores, como a própria Bernadino (2008), afirmarem que os
surdos não possuem uma língua escrita, esse pensamento já pode ser
desconsiderado, pois, de fato a escrita da língua de sinais já é possível,
visto que, de acordo com Klimsa, Sampaio e Klimsa (2011) em 1974, na
Dinamarca, Vallerie Sutton criou o sistema de escrita de língua de sinais
denominado originalmente como SignWriting, capaz de registrar qualquer língua de sinais no mundo inteiro, sendo que no Brasil a escrita de
sinais começou a ser usada a partir de 1996 e tem sido divulgada pela
Profª Marianne Stumpf.
A cultura surda é algo que vem sendo evidenciado por meio de estudos
e publicações, mas apesar das conquistas do povo surdo, materializada através Lei 10.436/02 e o Decreto 5.626/05, ela precisa ser levada em consideração de fato no seio educacional, disseminada entre as questões de debates
políticos e pedagógicos.
Assim, pode-se ver que a cultura surda carrega em si, grandes elementos
e aspectos que definem, explicam e denotam o comportamento, pensamento
e valores do povo surdo, representando deste modo uma cultura legítima e
diferente, portanto não inferior ou inexistente como muitos pensam.
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Sinal-nome como traço cultural do surdo
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Para refletir sobre características culturais e em particular a cultura surda,
no intuito de observar aspectos e artefatos relacionados a ela, fora feito uma
análise do vídeo “Sinais como nomes próprios”, que faz parte da primeira
unidade do livro didático que está sendo construído pelo projeto: “Produção
de recurso didático para o ensino ao surdo e de material didático para o ensino de Libras como L2”.
Como forma de informar sobre os aspectos culturais da comunidade surda através do ensino de Libras, foi decidido por ter vídeos no final de cada
unidade, perfazendo um total de 16, sobre várias temáticas. Para o registro
dessas temáticas, foram realizas entrevistas com surdos na comunidade surda, e esses assinaram termo de uso de imagem. Nas entrevistas, as perguntas foram sobre a temática da unidade: módulo Libras I – esporte, relação do
surdo com a família, dia do surdo e associação dos surdos; módulo Libras II –
pontos de contatos surdos, vida cotidiana do surdo, convívio do surdo com
a igreja e valor cultural surdo ao corpo; módulo Libras III – direito à gratuidade no transporte público, a experiência do surdo com viagens, educação
de surdos e uso da tecnologia pelo surdo para se comunicar; módulo Libras
IV – experiência no mercado de trabalho, profissões exercidas por surdos,
dia da Libras e maneiras de comprar.
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Como as unidades foram montadas a partir de um contexto cognitivo, as
temáticas dos elementos culturais surdos foram pensadas a partir da temática
de cada unidade. É importante ressaltar que a preocupação com o contexto se
deve à compreensão abordada por Silveira (2005) de que o contexto é
entendido como um conjunto de suposições (informações) que vêm à mente
do indivíduo no processamento inferencial da informação. Tais suposições
podem advir do ambiente físico, observável, através do código linguístico
ou de estímulos perceptuais, da memória enciclopédica, que armazena as
nossas crenças e conhecimentos, e de raciocínios dedutivos.
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A proposta é apresentar para o aluno a possibilidade de construir conhecimento sobre a cultura surda a partir da temática discutida ao longo de
cada unidade, pois, ao fim de cada unidade já se considera que ao longo da
unidade o aluno tenha formado um novo repertório linguístico e que ele poderá resgatá-lo ao assistir aos vídeos sobre cultura. Além disso, o aluno será
exposto a uma informação cultural expressa em vídeo o que o fará recorrer
às habilidades de percepção de imagem, uso da significação e da memória
enciclopédica e reavaliação dos valores culturais próprios e dos surdos.
No entanto, dentre os vídeos que acompanham os livros, apenas, os vídeos sobre culturas possuem legendas. Esta mudança de formato se deve
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Sumário
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ao objetivo da abordagem sobre cultura, pois, pretende-se levar ao aluno
informações culturais que podem ser ou não melhor exploradas pelo professor através da apresentação de determinadas temáticas sobre cultura.
Para além, da aprendizagem do vocabulário e da gramática de uma língua
é necessário compreender a cultura de seu falante. Este é um aspecto muito
importante porque muitos elementos linguísticos são explicados por intermédio do valor e da prática cultural de seu falante. Um curso de língua além
de habilitar para a fala e escrita precisa, sobretudo, contribuir para a valorização da cultura de seus falantes. Em se tratando de uma comunidade que é
formada por conterrâneos e que sofre com a exclusão, o compromisso com a
valorização de sua cultura se torna um imperativo ético e social da educação
que nesse caso é promovido pelo curso de Libras. Para os surdos usuários de
língua de sinais, a comunidade, cultura e a língua de sinais são seus maiores
bens culturais, a manutenção deles é preponderante para sua vivência no
mundo dos ouvintes. Regidos pelas normas dos ouvintes, os surdos tem lutado por respeito a sua diferença, portanto, para que haja a inclusão desses
sujeitos no mundo é necessário respeitá-los como tal. Compreender a cultura surda significa compreender seus integrantes, suas características e sua
forma de olhar, avaliar e inserir-se no mundo. Para Perlin e Miranda (2003),
o surdo possui uma experiência visual que origina sua cultura envolvendo a
língua de sinais, sua maneira de ser, de se expressar, de conhecer o mundo e
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de participar das artes, dos conhecimentos científicos e acadêmicos. Assim,
é importante além de estudar a língua compreender as características desses nossos conterrâneos que por muito tempo foram relegados à margem
da sociedade.
A temática escolhida para demonstrar nesse capítulo como traço cultural da comunidade surda foi a forma surda de nomear as pessoas. Ele foi
elencado por demonstrar um traço cultural que só é possível nas línguas de
sinais. Primeiro, porque esse nome é criado em sinais, segundo porque esse
nome é utilizado em contextos formais e informais. Esse é um aspecto que
se diferencia da cultura oral, sobretudo, porque não tem a mesma função de
um apelido, assim, não pode ser comparado com ele, por isso, denominamos esse sinal de sinal-nome.
A apresentação da análise deste vídeo é uma forma de perceber que há
diferenças culturais entres surdos e ouvintes para a mesma funcionalidade,
pois, esta forma de denominação faz com que sejam criados nomes próprios
em Libras para pessoas e lugares.
No vídeo analisado, o entrevistador pergunta ao entrevistado o motivo
de referir-se aos nomes das pessoas pelos sinais e como eles são criados.
O entrevistado por sua vez afirma que cada pessoa da comunidade surda
ou um lugar específico possui um sinal que a/o representa, que é criado de
acordo com uma característica física que pode ser juntada (não necessa-
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riamente) à primeira letra do nome da pessoa ou local referenciado. Nesta
linha, ele exemplifica que o seu sinal originou-se através da junção de uma
característica física dele, nesse caso “Alto” mais a primeira letra de seu nome
“Fábio”, e sendo assim, transcrevendo o sinal na língua portuguesa, resultou
em: “Alto F”.
É importante ressaltar que os surdos precisam do contato visual para a
criação de um sinal. A criação de sinais é, em geral, atrelada às características físicas marcadamente perceptíveis. Assim, o sinal de uma pessoa está
sempre atrelado a uma característica do seu corpo que se sobressai ou a um
cacoete da pessoa. Se uma pessoa tem o cacoete de mexer de determinada
forma no cabelo, essa forma será a primeira proposta de criação do seu sinal, primeira porque a pessoa é consultada quanto à aceitação deste sinal.
Caso, ela não goste se procura em sua aparência ou outro jeito de portar-se
um outro aspecto que possa ser representado em sinal para denominá-la.
Quanto aos lugares: bairros, cidades, Estados, países ou até mesmo empresas, geralmente, há sinal-nome próprios para designá-los. Esses lugares
são onde os surdos moram, frequentam, visitam ou visualizam cotidianamente. Assim, pontos turísticos que os surdos visitam possuem sinais característicos do ponto turístico, se é um farol o sinal será relacionado ao sinal
de farol, em casos de empresas com logotipo aparente em sua fachada será
a imagem inspiradora da criação do sinal-nome e assim sucessivamente. O
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importante a ressaltar é que a criação do sinal é motivada pela maneira do
surdo vivenciar o mundo: através da percepção visual.
Essa necessidade de criar sinal-nome para pessoas e lugares é uma demonstração clara de que a cultura surda se diferencia da cultura ouvinte. É
norma, em estudos de línguas estrangeiras, manter os nomes próprios por
respeito à cultura dos grupos falante da língua. Porém, essa regra não se
aplica à língua de sinais porque é uma língua que tem um modo de produção gestual e não oral, assim, cria-se maneiras de expressar o mundo que
muitas vezes é diferente da maneira ouvintista. McIlroy e Storbeck (2011)
afirma que a identidade surda é assumida como diferença, assim, ao analisar o vídeo sobre sinal-nome constata-se que realmente a marca do surdo
se baseia na diferença e não na deficiência. O surdo ao criar sua maneira
própria de produzir sinal-nome demonstra que há uma outra forma de denominar pessoas e lugares e que cumpre as mesmas funções que qualquer
denominação em qualquer língua. McDonald (2010) e Sutton-Spence (2010)
defendem a experiência visual como princípio da identidade surda em contraposição ao princípio da perda auditiva. Essa questão da identidade explica
a necessidade do surdo denominar-se em língua de sinais, porque é a língua
de sinais que o representa e é essa mesma língua que pode autodenominar-se. O sinal-nome é uma representação fiel da afinidade que o surdo possui
com a língua de sinais e o que ela representa para si e para sua comunidade.
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É realmente um elemento que está intrínseco ao seu modo de ser e de colocar-se no mundo.
Desta forma, através do vídeo, vemos o artefato cultural linguístico em
destaque, onde a comunicação em língua de sinais torna-se o diferencial
da cultura surda, além do aspecto identificado pelo uso do sinal-nome.
Assim, pode-se observar que isso é uma característica peculiar da cultura
surda, no intuito de identificar as pessoas e os lugares e com isso facilitar
a comunicação na língua de sinais.
Conclusão
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Sumário
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Ensinar ou aprender Libras significa aprender sua gramática e forma de
comunicação, sobretudo, aprender sobre um povo. É importante que a educação, especialmente no que tange ao ensino de Libras, seja para surdos,
seja para ouvintes, considere o trabalho com os elementos culturais da comunidade surda. É importante que as pessoas ao lidarem com os surdos
não estejam lidando com pessoas que possuem as mesmas necessidades e
valores culturais dos ouvintes, pois, ser surdo não é uma outra forma de ser
ouvinte. É preciso olhá-los e respeitá-los a partir de seus traços culturais. É
nesse ponto que o curso de Libras e o material produzido no projeto “Pro-
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Sumário
dução de recurso didático para o ensino ao surdo e de material didático
para o ensino de Libras como L2” deve contribuir. Não se pode pretender
valorizar a Libras sem valorizar a cultura de seus falantes, nem tão pouco ter
a capacidade de comunicar-se com esses sujeitos, mas, lançar-lhes um olhar
carregado de estereótipos e pré-conceitos.
Compreender a cultura surda é atentar às singularidades do povo surdo,
respeitando sua forma de ver o mundo e de se expressar, entendendo suas
necessidades como fatores fundamentais e reconhecendo-os como cidadãos de direitos, com uma diferença cultural que os permite ter uma identidade própria.
Sendo assim, não há como garantir uma inclusão sem observar os
valores culturais dos surdos, a fim de lhe garantir o direito de uma educação de qualidade, respeitando sua identidade e língua. Para isto, é preciso observar e garantir o ensino da Libras nas instituições escolares,
assegurar uma educação bilíngue, com profissionais qualificados, atentando aos diferentes níveis educacionais e aos sujeitos surdos que deles
fazem partem.
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Referências
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Sumário
eLivre
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A Extensão Universitária
UMA EXPERIÊNCIA COM A ESCRITA DE SINAIS
Edneia de Oliveira Alves8
Ezequiel Adney Lima da Paixão9
Janilson Nóbrega de Moura10
Marianne Rossi Stumpf 11
Willames Pontes de Souza12
Introdução
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O desejo de disseminar e contribuir com o fortalecimento da Escrita de
Língua Brasileira de Sinais (Libras) tem despertado e atraído pesquisadores
Sumário
8 Professora Doutoranda de Libras do DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
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10 Professor de Libras da rede municipal de ensino da cidade de João Pessoa-PB e Assistente Social na Cidade de
Guarabira-PB. E-mail: [email protected]
9 Professor Especialista da UFRN
11 Professora Pós-Doutora da UFRSC E-mail: [email protected]
12 Graduando em Ciências Sociais pela UFPB. E-mail: [email protected]
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A Extensão Universitária
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Sumário
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e professores que visam divulgar e esclarecer sobre essa modalidade da língua, que é capaz de expressar todo e qualquer pensamento, ideia e produção do surdo de forma escrita.
Deste modo, esse capítulo apresentará um relato de experiência gerado
a partir de um minicurso de escrita de sinais, denominado de: “Alfabetização
em escrita de sinais”, ministrado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
A ação promovida esteve atrelada ao “Programa ­­Libras (Língua Brasileira de
Sinais): ensino, pesquisa e tradução em questão”, sob a coordenação da Professora Doutoranda Edneia Alves e a vice-coordenação da Professora Mestre
Marie Gorett Dantas. Inclusive, a participação da Professora Doutora Marianne Stumpf foi possível devido ao financiamento do MEC em 2014. A inclusão
desta professora se deve ao seu envolvimento com um dos projetos: “Produção de recurso didático para o ensino ao surdo e de material didático para o
ensino de Libras como L2” que compõe o Programa, ao reconhecimento do
seu pioneirismo ao trazer a escrita de sinais para o Brasil e da importância do
seu conhecimento para a legitimação das atividades do projeto na produção
de lições de escrita de sinais. Este projeto vem mobilizando, conscientizando
e instigando seus participantes e a comunidade surda e ouvinte ao interesse
pela escrita de sinais, proporcionando contribuições e aprimorando conhecimentos já existentes.
O evento contou com a participação da Profª Drª Marianne Stumpf, de-
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A Extensão Universitária
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Sumário
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fensora, pesquisadora, disseminadora e referência da escrita de sinais no
Brasil. Além da colaboração do Profº Ezequiel Adney Lima da Paixão, Especialista em Libras e conhecedor da escrita de sinais na Paraíba e para execução desta atividade contou com uma equipe de monitores para colaborar na
organização de apostilas e do evento como um todo. Destinado aos alunos
de Letras/Libras e professores de Libras, a ação teve em seu público, pessoas
ouvintes e surdos, entres eles, professores e estudantes da cidade de João
Pessoa e do interior da Paraíba e integrantes do referido projeto.
A oferta do minicurso teve como objetivo complementar as ações dos
projetos de extensão da área de Libras, implementados em 2014, submetido e aprovado no edital do Probex e do Proext 2014 através do MEC.
Outro objetivo foi disseminar o conhecimento no interior da Paraíba através dos alunos e ex-alunos do Letras-Libras da UFPB. Este trabalho foi um
tipo de conhecimento de apoio às ações das extensões, que contribuem
para o ensino à medida que capacita os professores de Libras e alunos do
curso de Letras/Libras, subsidiando futuras pesquisas na área de Libras.
Essa ação pretendeu naturalizar e fortalecer o ensino de Escrita de Sinais
Brasileira, ao mesmo tempo difundi-la na sociedade como um todo, pois,
respeitando sua língua em todas as modalidades respeita-se também sua
cultura, autonomia e história.
Dessa forma, o objetivo geral da ação foi capacitar os alunos do curso de
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A Extensão Universitária
Letras Libras e os professores de Libras na leitura e escrita de sinais. Associado a isso, foram pensados em alguns objetivos específicos como: valorização da escrita de sinais no meio acadêmico; habilitação para compreender
e ensinar as lições e atividades de escrita de sinais expostas nas lições dos
livros do curso de Libras e habilitação para compreender e praticar a Escrita
de Sinais no curso de Letras/Libras. Assim, nessa produção, procura-se apresentar uma breve reflexão e visão sobre a importância do ensino da escrita
de sinais como forma de registro escrito e representação gráfica da Libras.
Uma breve introdução à escrita de sinais
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Sumário
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A discussão acerca do desenvolvimento da escrita/leitura é algo que
compõe o processo histórico social e, percorrendo essa trajetória é possível
identificar que desde muito tempo as ações humanas já eram representadas
através dos signos escritos em diversos lugares, que com a revolução da escrita associaram sons a esses signos. No entanto, podemos perceber que a
escrita de signos não é algo recente, desta forma, é com grande interesse de
inserção social que a Comunidade Surda Brasileira vem ao longo dos tempos lutando na construção de suportes de um modelo educacional próprio,
que utilize a língua sinalizada (Libras) e sua escrita (SignWriting), havendo
assim, um processo de alfabetização natural das pessoas surdas, na qual elas
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A Extensão Universitária
possam interagir “normalmente” em um âmbito social.
No Brasil, adota-se o SignWriting – considerado por Lodi, Harrison e
Campos (2013) como um sistema de transcrição gráfico das línguas de sinais
– como modalidade escrita da Libras. Porém, ainda há muito a ser desenvolvido nesse campo e a academia tem muito a contribuir nesse aspecto. No
entanto, faz-se necessário reconhecer a importância e a necessidade de implementação da escrita de sinais no sistema escolar e o empenho da academia nas pesquisas sobre o assunto, pois, a valorização social de uma língua
em uma cultura do letramento perpassa pelo seu registro gráfico. Conforme
Marcuschi (2001, p. 16),
a escrita enquanto manifestação formal dos diversos tipos do letramento,
é mais do que uma tecnologia. Ela se tornou um bem social indispensável
para enfrentar o dia-a-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Nesse
sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo
moderno.
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Sumário
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A partir do entendimento do valor atribuído pela sociedade brasileira à
escrita, cobra-se o desenvolvimento da escrita e a aquisição dessa modalidade escrita de uma língua por seus falantes para o reconhecimento da valoração do status de uma língua. O não respeito à escrita de sinais repercute
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A Extensão Universitária
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no reconhecimento do status linguístico da Libras, que tem ocupado status
de segunda ordem na sociedade brasileira. Outro argumento relevante para
o uso e difusão da Escrita de Sinais se deve a fato de ser a escrita, conforme
Marcuschi (2001), é uma modalidade complementar à fala, no caso da Libras:
complementar à sinalização.
Até precário tempo atrás, as línguas de sinais foram consideradas ágrafas, quer dizer, não existiam uma escrita para a língua de sinais. Esse fato
impediu a formação de uma memória cultural do povo surdo. De acordo
com Campos e Stumpf (2012), são poucos os fatos históricos e culturais do
surdo relatados e os que existiam foram sempre registrados em uma língua
diferente daquela da própria comunidade surda, na maioria das vezes, por
pessoas que não faziam parte da cultura surda. Diante da necessidade de
um código representativo das línguas de sinais, originou-se um sistema que
evoluiu da própria língua de sinais, essa criação tem significado uma mudança cultural importante para o povo surdo e elevado seu status. Tendo em
vista a concepção de Freire (1987) de que a cultura letrada surge da cultura
de um povo e que a palavra escrita torna a realidade distante e ao mesmo
tempo distante de si, a criação da escrita de sinais é um importante acontecimento cultural para o povo surdo, pois, com ela não só sua cultura será
registrada, mas, permitirá aos seus usuários representar e modificar a si e a
sua comunidade.
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A Extensão Universitária
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É forte o impacto que a escrita de uma língua exerce na cultura de
uma determinada comunidade e no desenvolvimento social de seus indivíduos. A incorporação da escrita poderá trazer muitas vantagens aos
usuários dessas línguas. Além das questões apontadas, ela ainda tem um
forte potencial a impactar na qualidade educacional do surdo, sobretudo
na legitimação de uma educação bilíngue que respeite e valorize a língua
do surdo, é nesse ponto que ela gera polêmicas de perspectiva para Educação Bilíngue. Como afirma Antunes (2009, p. 21), tratar sobre a língua
envolve “questões políticas, históricas, sociais e culturais” sendo assim, o
trabalho com a língua precisa considerar esses aspectos socio-culturais e
com a Libras não é diferente. Falar sobre Libras significa abordar questões
de valores culturais e em uma sociedade letrada o registro escrito eleva o
status dos seus falantes, assim, como exige desse sujeito o letramento em
sua língua. O valor atribuído pela sociedade ouvinte sobre um falante de
outra língua parte da perspectiva da valorização cultural sobre o registro
escrito e não é diferente com a língua de sinais.
Alguns pesquisadores da Língua de sinais tentaram desenvolver uma forma gráfica para representar essa língua visual, de modo que ela pudesse ser
compreendida a partir de sua própria escrita, porém, de acordo com Klimsa, Sampaio e Klimsa (2011) essa realidade só tornou-se possível através da
criação de um sistema de escrita de língua de sinais (SignWriting) desen-
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volvido por Valerie Sutton, na Dinamarca em 1974. Klimsa, Sampaio e Klimsa ainda destacam que o uso da escrita de sinais através desse sistema no
Brasil, iniciou-se em 1996, sendo Marianne Stumpf a pioneira em divulgar e
representar esse trabalho. Essa forma de escrita permite registrar a língua e
todos os seus elementos constituintes, desde as configurações de mãos até
os movimentos.
A Lei brasileira nº 10.436/02, documento legislativo de grande valor para
a comunidade surda, além de trazer um reconhecimento legal de comunicação e expressão da Língua Brasileira de Sinais, deixa aberto claramente o uso
de recursos a ela associados, nesse caso, entendemos que a escrita de sinais
seja um desses recursos, visto que trata-se de uma forma de registro é capaz
de expressar a língua visual, fortalecendo sua classificação enquanto língua.
O Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue: Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, que foi elaborado por profissionais
surdos e ouvintes no ano de 2014, por solicitação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (profissionais designados pelas Portarias nº1.060/2013
e nº91/2013), pondera sobre a educação bilíngue de surdos, seus objetivos também reconhece e incentiva o uso de metodologias específicas que
atendam as reais necessidades dos alunos surdos. Este documento inclui
nas adaptações necessárias à educação de surdos, o processo de alfabe-
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A Extensão Universitária
tização em Libras e letramento visual que faz parte da educação bilíngue.
Considera que na educação bilíngue pode-se desenvolver e utilizar metodologias específicas, criar ambientes linguísticos favoráveis e indica o documento em questão:
A Educação Bilíngue de surdos envolve a criação de ambientes linguísticos
para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no
tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças
ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação
Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo
e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição
necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e
cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade
com as crianças ouvintes e falantes do português (THOMA ET. AL., 2014,
p.6).
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A proposta de educação bilíngue para surdos preconiza, sobretudo, o
trabalho pedagógico na perspectiva de ensino de Língua e no caso do surdo
esse trabalho se inicia com o desenvolvimento de ensino/aprendizagem da
língua de sinais. O desenvolvimento linguístico da criança surda deve ser
iniciado na educação infantil por meio do ensino e uso da língua de sinais e
deve ser continuado em outros níveis da educação básica. Portanto, consi-
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A Extensão Universitária
derar e respeitar a língua de sinais preconiza o respeito ao seu status linguístico e as suas modalidades. O sistema de escola regular tem considerado
essa língua apenas como sistema de comunicação, que é importante, mas,
não suficiente. O sistema ao integrar essa língua no convívio escolar deve
também lançar um olhar pedagógico sobre ela e incorporá-la ao currículo pedagógico, assim, considerando suas modalidades: sinalizada e escrita.
Partindo dessa premissa, é importante que o sistema de escrita de línguas
de sinais - SignWriting – seja considerado nesse currículo, inclusive, já há
escolas que o utilizam em práticas pedagógicas com alunos surdos. Este trabalho é perfeitamente possível porque é imbuído da visualidade. De acordo
com o documento:
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Sumário
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O letramento visual das crianças surdas em escrita da língua de sinais envolve leitura de textos em Libras, sinalizados e escritos. A escrita da Libras
é uma forma de registro que utiliza grafemas (visemas) que representam
constituintes da própria língua. A leitura e escrita da língua de sinais podem motivar os estudantes surdos a lerem e escreverem também na Língua
Portuguesa. A leitura e escrita em Libras deve estar inserida no currículo
escolar, considerando a importância da escrita para o desenvolvimento da
cultura da humanidade (THOMA ET. AL, 2014, p. 10).
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A Extensão Universitária
Portanto, vê-se que a escrita de sinais simboliza algo contributivo em
meio às conquistas de uma luta que já vinha sendo batalhada a longo prazo
por um grupo da sociedade – comunidade Surda. Essa contribuição pode
propiciar aos indivíduos surdos a alfabetização na escrita de sua língua desde os seus primeiros momentos de socialização com o conhecimento propício as suas habilidades e competências, ou seja, uma primeira língua ou uma
língua materna.
Desenvolvimento das atividades
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Sumário
eLivre
A partir da ação do referido projeto e da iniciativa de sua coordenadora
foi possível registrarmos no Estado da Paraíba, especificamente, na cidade
de João Pessoa, a contribuição para o conhecimento, aprofundamento e divulgação da Escrita de Sinais com professores, alunos e alguns seguimentos
da sociedade local, tais como: Escolas Estaduais e Municipais, Fundação de
Apoio ao Deficiente (Funad); Associação de Surdos de João Pessoa (ASJP);
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) e instituições sociais que vem atualmente trabalhando a inclusão em seu dia a dia.
A iniciativa do minicurso contou com o planejamento dos responsáveis,
elaboração do projeto, agendamento com as datas marcadas com todos os
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A Extensão Universitária
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Sumário
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participantes e divulgação do período de inscrição. O processo de inscrição
foi realizado de forma eletrônica pelo endereço de e-mail disponibilizado
pela equipe organizadora no período de 28 de julho a 01 de agosto de 2014.
Tendo em vista o grande número de públicos interessados na discussão, foi
preciso o estabelecimento da quantidade de participantes, levando em consideração um maior aproveitamento e rendimento deles, visto que a proposta do minicurso era capacitar em escrita de sinais os(as) professores(as)
de Libras e alunos(as) do curso de Letras/Libras, devido a esta delimitação,
participaram em torno de vinte e seis pessoas.
A ação ocorreu de maneira presencial nas dependências da Universidade
Federal da Paraíba, nos dias 06 e 07 de Agosto do ano de 2014, resultando
em dois dias muito proveitosos, com discussões teóricas e práticas a partir
do material didático desenvolvido, exclusivamente, para o curso pelos ministrantes. Como previsto e divulgado antecipadamente a todos os inscritos,
as aulas foram ministradas em Libras sem interpretação para a língua portuguesa, com exposição do conteúdo e a avaliação foi realizada continuamente com a aplicação de atividades.
Durante a ação, foram apresentados os seguintes conteúdos programáticos: Alfabetização e Letramento; Psicogênese da língua escrita baseado em
Ferreiro e Teberosky; Evolução do sistema de notação para escrita em língua
de sinais; A proposta de Educação Bilíngue; Produções escritas e as leituras
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Sumário
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e Pesquisas sobre escrita de sinais no Brasil.
No que tange a temática, a Profª Marianne expôs sobre a importância
da Escrita de Sinais para alfabetização e letramento do surdo e, de maneira
introdutória e simples, ensinou a escrita de sinais, sendo possível o aperfeiçoamento prático a partir de um conhecimento mais nacional das pesquisas
e trabalhos desenvolvidos pela mesma.
Desde o primeiro dia, ao turno da manhã, foi ofertada uma sessão teórica, tendo à frente a Profª Drª Stumpf, com exposição de conhecimentos,
tais como: o desenvolvimento de habilidades, formas e construção didática
de ser trabalhada a alfabetização da infância ao adulto (surdo) na escrita de
sinais como uma língua primária (L1) e com ouvintes como L2.
Consideramos que este trabalho pode contribuir e tornar-se uma referência na Educação Bilíngue de Surdos àqueles que trabalham as duas línguas
escritas. A metodologia utilizada possibilitou o desenvolvimento da escrita
de sinais em momentos distintos de interação, inspirados no método de exploração crítica das situações experimentais, objetivando explorar os conhecimentos das crianças nas atividades de aquisição do sistema SignWriting.
Considerando que se propõe uma educação bilíngue para surdo, não podemos deixar esquecer a língua portuguesa, mas, é importante trabalhar com
as duas línguas paralelamente. Porém, as crianças surdas deveriam conhecer
as duas estruturas distintas: dos sinais e de português ao mesmo tempo no
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A Extensão Universitária
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Sumário
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processo de aprendizagem. Isto porque as crianças surdas podem perceber
as duas línguas distintas (L1 e L2) e não é difícil seria como aprender duas
línguas orais ao mesmo tempo. A alfabetização em escrita de sinais possibilita a compreensão das formas de produção de textos escritos. Embora
haja resistência dos surdos em aprenderem a escrita de sinais, alguns alunos
adultos perceberam que a aprendizagem do SignWriting pode aperfeiçoar
sua sinalização de sinais e reconheceram que o sistema auxilia a reconhecer
as estruturas da Libras. Os pontos positivos da oferta do minicurso foram
muitos, porém, pode-se aponta como ponto negativo a falta de tempo e de
recursos para ler os sinais escritos e para se adaptar a leitura natural como
outra língua.
A segunda sessão, que ocorrera ao turno da tarde e fora ministrada pelo
Profº Ezequiel Paixão e esteve relacionada à introdução sobre a escrita de
sinais propriamente dita, desenvolvendo as atividades que contavam com a
participação individual e em grupo dos participantes. Foram vistos o registro
dos aspectos fonológicos e morfológicos da Libras.
Essa escrita permite ao surdo enxergar no papel a língua que expressa
com as mãos e permite um percurso metodológico de alfabetização que
representa a língua que utiliza no cotidiano, isso permite ao surdo compreender a representação do código escrito a partir da produção da própria língua. Assim, Stumpf tem desenvolvido o trabalho com a alfabetização em es-
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Sumário
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crita de sinais a partir da apropriação do código escrito através do estímulo
da percepção de correlação entre sinais sinalizados e escritos. A apropriação
das crianças às representações do sistema SignWriting inicia com o reconhecimento dos símbolos básicos de configurações das mãos: punho fechado,
punho aberto e mão plana. É possível trabalhar essas configurações através de exposição em cartazes e estabelecimento de correspondência dos
símbolos escritos com as próprias mãos sinalizando. Também é importante
explicar como são adicionadas linhas para os dedos nos mesmos símbolos
básicos de configurações das mãos. Sobre o ponto de vista, ou como ler o
sinal escrito ou símbolo.
Com isto, se ensina que é preciso ler ou escrever os sinais, como se o
sinalizador estivesse olhando para suas próprias mãos, da sua própria perspectiva. Cada aprendizagem das crianças que possam construir os sinais escritos e, inclusive, as crianças já conhecem os símbolos, orientações e posições e podem começar a ler e construir os sinais escritos. Identificam e
procuram associar o critério de fácil memorização do símbolo com o critério
de significado para que o primeiro sinal possa ser aprendido de maneira fácil e prazerosa para as crianças também para os alunos maiores. Essa é uma
experiência que tem dado certo em todos os locais que tem sido aplicado,
apontando para a eficácia e que é possível alfabetizar em escrita de sinais.
É de extrema importância, a alfabetização dos surdos em escrita de sinais,
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A Extensão Universitária
isto significa o respeito à sua língua e cultura em plenitude e favorece um
desenvolvimento rápido e adequado à sua realidade linguística. Conforme
Vigotsky (2008) a aquisição da escrita contribui para o uso consciente das
habilidades linguísticas. Sendo assim, a aquisição da escrita de sinais deve
ser estimulada logo na infância.
Publicamos o artigo sobre Analises lingüísticas do SignWriting: sintaxe e
morfologia pelo Abralin 2015 cujo objetivo foi analisar as produções em sala
de aula com os alunos do curso de Letras Libras presencial da UFSC. O que
acontece por meio de distanciamento e de teorização que permite passar do
conjuntural, gerado pelo oral, ao estruturado, expresso pelo texto. Escrever e
ler em língua de sinais são habilidades distintas entre língua falada e língua
escrita. Como Vigotsky (2008, p. 123) afirma:
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Sumário
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o desenvolvimento da escrita não repete a história do desenvolvimento da
fala. A escrita é uma função linguística distinta, que difere da fala oral tanto
na estrutura como no funcionamento. Até mesmo o seu mínimo desenvolvimento exige um alto nível de abstração. [...] a criança precisa se desligar
do aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras.
[...] a escrita exige uma ação analítica deliberada por parte da criança. [...] a
fala interior é condensada e abreviada. A escrita é desenvolvida em toda a
sua plenitude...
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A Extensão Universitária
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Sumário
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A partir da importância social da escrita e do desenvolvimento do pensamento que ela promove, percebe-se que a aquisição da escrita é fundamental para o ser humano e, em se tratando de surdo, é fundamental o acesso à
escrita de sinais.
Como sequência dos trabalhos no minicurso, além da apresentação e
exercício da escrita de sinais foram trabalhados seus aspectos fonológicos e
morfológicos. O início do ensino pelos elementos quirêmicos – elementos
mínimos da escrita de sinais – se torna importante para despertar no aluno
a percepção da relação da escrita com o sinal produzido pelas mãos. Nesse
momento, faz-se uma analogia entre desenho e escrita de sinais, no entanto, depois do estabelecimento de relação, desenho e escrita de sinais vão se
dirimindo e a norma da escrita vai sendo inserida na produção escrita do sinal. Nessa introdução, os elementos quirêmicos são apresentados em cores
diferentes para despertar a atenção dos alunos e a montagem do sinal vai
acontecendo conforme vai se juntando as unidades mínimas. A reação dos
alunos é sempre de boa recepção com esse tipo de estratégia. Para o surdo,
o ensino da escrita de sinais se torna pertinente devido ao fato dela expressar os significados e seguir as normas da sua própria língua, também porque
ela explora o aspecto visual.
Em seguida, foi trabalhada a escrita de texto de modo contextualizado,
assim, pode ser iniciado o processo de alfabetização e letramento ao mesmo
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A Extensão Universitária
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tempo. A Professora Stumpf, ao escrever um pequeno texto no qual continha
informações de autoapresentação promoveu uma prática social da escrita.
Os alunos, por sua vez, reproduziram o texto inserindo as informações pessoais. Esta prática demonstrou a possibilidade de desenvolver a alfabetização a partir da perspectiva do letramento. De acordo com Marcuschi (2001,
p. 21), o letramento envolve “aprendizagem social e histórica da leitura e
escrita em contextos informais e para fins utilitários” e a alfabetização “é um
aprendizado mediante ensino e compreende o domínio ativo e sistemático
das habilidades de ler e escrever”.
Outro aspecto a se pontuar é a necessidade de produzir um ensino que
faça sentido para o aluno e toda prática que envolve o aspecto afetivo torna
o momento de aprendizagem prazeroso. No ensino de escrita de sinais, também pode ser utilizado, contos de fada e histórias traduzidas para a escrita
de sinais, assim, como possibilita ao surdo a criação e/ou recriação de textos
literários, o registro de uso dessa escrita para fins utilitários no seu cotidiano.
Portanto, a prática de ensino do código escrito da Língua de Sinais no curso
de escrita de sua cultura sinais envolveu essas três perspectivas, gerando um
sentimento – conforme relatado por alguns participantes – de compensação
e prazer.
Este resultado é compreensível porque, conforme Vygotsky (2007), o ser
humano se relaciona histórico-culturalmente com o meio. De acordo com
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Lodi, Harrison e Campos (2013, p. 44), a aquisição de escrita pode ser promovida “quando ela for tratada e concebida como prática social de linguagem, cultural, social, histórica e ideologicamente determinada”.
Com relação à escrita de sinais, toda discussão acaba sendo muito recente na medida em que o reconhecimento legal da Língua de Sinais é recente.
Sanando dúvidas e operando e construindo conhecimento, o minicurso proporcionou oportunidades de aprendizado, treinamento e reflexão acerca da
escrita de sinais, conduzindo à construção e fortalecimento da identidade
surda na Paraíba. No ensejo, foi apresentado a todos, um programa de nível
nacional e internacional denominado de SIGN PUDDLE ONLINE, no qual pode-se consultar e contribuir no registro escrito de sinais regionais e alimentar o glossário das línguas de sinais do mundo, inclusive, do Brasil, pois, esse
programa pode ser acessado em qualquer lugar por meio a internet, sendo
possível a consulta de sinais nacionais e internacionais como já foi dito.
Sabendo que a escrita é uma modalidade gráfica e representativa de
uma língua, e que desde a antiguidade é utilizada como forma de registro
de um povo e de sua cultura, vê-se a importância da escrita de sinais para a
comunidade surda, pois, trata-se de uma forma capaz de registrar qualquer
língua de sinais no mundo, tornando-se indispensável e essencial na constituição da língua visuo-espacial.
Assim, a temática abordada no minicurso pôde-se perceber a importân-
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Sumário
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cia que tem a escrita de sinais e que, infelizmente, muitos professores de
Libras e até alguns surdos têm resistido em aprendê-la e/ou ensiná-la, seja
por dificuldade, ignorância ou até por falta de oportunidade de entender
a formação e o significado desse registro gráfico. A participação de pessoas tidas como referências no curso foi de grande importância, pois, eles
apresentaram sua trajetória social de estudos e pesquisas, tornando-se um
elemento estimulador para cada descoberta e contribuição. A metodologia
abordada tornou-se algo muito motivador, fazendo com que todos os participantes interagissem no decorrer das atividades desenvolvidas, além disso,
o material desenvolvido conduziu a um aprendizado pela simplicidade enriquecida, inibindo qualquer aversão a favor das possíveis dificuldades.
Em meio a isso, essa ação promovida, surgiu como forma de disseminar de maneira simples e esclarecedora essa modalidade, através de
surdos defensores e estudiosos brasileiros, que abraçam e reconhecem
que a escrita de sinais é o melhor meio para alfabetização e letramento
do surdo, tendo em vista que é a língua de sinais utilizada para sua comunicação cotidiana.
O marco das contribuições desse projeto pôde ser observado diante de
conversas com alguns participantes e com isso percebeu-se o quanto vem
sendo proveitoso cada ação desenvolvida que contribui com o avanço nos
conhecimentos profissionais e estudantis de cada participante ou integran-
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A Extensão Universitária
te, fazendo com que seja despertado neles o interesse pela escrita de sinais
e sua aplicação na construção de materiais didáticos e cotidianos que proponham o acesso da pessoa surda a uma educação de qualidade, inclusive
no interior da Paraíba.
Conclusão
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Sumário
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Aceitar e conhecer a escrita de sinais é valorizá-la em suas diferentes
modalidades, é entender que a forma gráfica dessa língua visual torna-se
uma oportunidade e realidade do povo surdo poder construir, manifestar
e registrar as suas histórias e ações. É permitir uma alfabetização igualitária
onde o surdo tenha acesso ao aprendizado e letramento em sua primeira
língua, assim como o ouvinte possui.
Considerando o grupo social hegemônico de ouvintes, a construção e
perpetuação de sua história que sobressaem sobre as minorias culturais, podemos nos posicionar no tocante do quanto a escrita de sinais é representativa e importante para o fortalecimento da Comunidade Surda, que há tanto
tempo foi excluída de toda a demanda deste social hegemônico. Muitas vezes ela foi considerada como uma patologia social e colocada à margem da
sociedade, que desconsiderando a forma de pensar e de se comunicar dos
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A Extensão Universitária
surdos, impedindo que suas manifestações fossem registradas ou repassadas.
Diante dessa exclusão e opressão, vê-se o quanto o quadro social da
comunidade surda tem se transformado, através das conquistas alcançadas e inserção no meio acadêmico. Assim, é preciso aproveitar o momento
e o espaço para refletir sobre a importância da língua de sinais, que a partir da junção das modalidades: sinalizada e escrita, alcançam a plenitude,
permitindo não só o registro escrito, como o acesso a educação e a cultura
dos surdos.
Referências
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2009.
Capa
Sumário
eLivre
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120
A Extensão Universitária
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LODI, Ana Cláudia B.; HARRISON, Kathryn Marie P., CAMPOS, Sandra Regina L; TESKE,
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Capa
Sumário
eLivre
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THOMA, Adriana da S., et. al. Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue
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121
A Extensão Universitária
VYGOTSKY, Levy Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
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2008.
WANDERLEY, Débora Campos. A leitura e escrita de sinais de forma processual e
lúdica. Curitiba: Prisma, 2015.
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Sumário
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A Extensão Universitária
A DIFERENÇA ESTRUTURAL ENTRE
A FRASE DO PORTUGUÊS E DA LIBRAS
Isadora de Carvalho Correia13
Edneia de Oliveira Alves14
Introdução
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A proposta deste capítulo é apontar a diferença da estrutura frasal entre
a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a Língua Portuguesa. A constatação
dessa diferença tornou-se clara para nós a partir das atividades de tradução
da Libras para o português de textos gravados por surdos sobre cultura surda. Esta seção compõe cada unidade do livro didático de Libras que é uma
das atividades do projeto “Produção de recurso didático para o ensino ao
surdo e de material didático para o ensino de Libras como L2”. Em 2014, este
projeto fez parte do programa Libras (Língua Brasileira de Sinais): ensino,
13 Graduanda em Letras/Libras pela UFPB
14 Professora Doutoranda de Libras do DLCV/CCHLA/UFPB E-mail: [email protected]
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A Extensão Universitária
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pesquisa e tradução em questão, que contou com o apoio do MEC.
O projeto visou elaborar recursos didáticos por meios digitais e oferecer
material impresso de apoio às aulas de Libras e ao ensino de conteúdos escolares para o surdo. Neste capítulo de livro, abordaremos sobre uma das
atividades desempenhadas durante a construção dos livros didáticos de Libras. O intuito em desenvolver o livro didático foi contribuir com a difusão
da Libras por meio da oferta de material didático que possa auxiliar o professor de Libras em seu fazer pedagógico. Além desta preocupação, houve
o compromisso em difundir a cultura e a escrita de sinais através da distribuição dos livros didáticos de Libras. Com isso, havia o objetivo de melhorar a qualidade do ensino de Libras por surdos e para surdos e valorizar sua
cultura surda.
O público-alvo previsto para distribuição do material didático produzido
são as instituições em que ocorre o ensino aos surdos e os professores de
Libras, especialmente, professores surdos. Pensando nesse professor surdo,
cada livro é acompanhado por um DVD contendo as lições gravadas em Libras e a tradução de todos os trechos do livro que estão escritos em língua
portuguesa, para que o surdo estando de posse do material não sofra nenhum tipo de limitação induzida pelo uso da língua portuguesa.
O programa foi muito importante para viabilizar a participação de profissionais surdos e ouvintes, que compartilharam ideias e experiências bus-
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A Extensão Universitária
cando produzir atividades e explorar o campo de estudo de Libras. Para os
participantes, este programa e respectivo projeto contribuiu para a aprendizagem sobre o ensino de língua de sinais e para o amadurecimento dos
conhecimentos adquiridos em sala de aula. Também, contribuiu para a compreensão de que trabalhar na área de Libras, até o momento, significa enfrentar a falta de produção resultante de pesquisa aprofundada sobre sua
gramática e sobre a cultura surda. Assim, com este capítulo de livro pretende-se contribuir com a reflexão sobre a sintaxe da Libras e despertar para a
necessidade de maiores estudos nesse campo.
Aspectos teóricos e práticos da estruturação sintática
em português e na Libras
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Sumário
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A língua surge para fins comunicativos e no ato de comunicação ela é
estruturada de maneira a produzir sentido possível de ser compreendido
pelo outro. Em um contexto de discussão sobre a língua em que a forma é
o objeto de interesse, compreende-se que a língua – conforme Silva (2011)
– natural é composta de estrutura e sentido. A partir da perspectiva da funcionalidade da língua, a estrutura serve à produção de sentido, assim, cada
língua dentro da cultura de seus falantes assume uma determinada forma de
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A Extensão Universitária
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estruturar-se para atender ao objetivo de comunicar. Sendo assim, pode-se
depreender que não existe uma forma universal de estruturação linguística
de uma língua, mas, a premissa vigente é as possibilidades de organização
dos vocábulos para se fazer compreender.
A concepção geral sobre a sintaxe é a de que se trata de olhar a estrutura
frasal da língua observando os entrelaçamentos que as palavras são postas
para produzir sentido. Nas palavras de Silva (2011, p. 106), a sintaxe é “a relação estabelecida entre os elementos linguísticos que atuam na formação
dos enunciados”. Nas línguas orais, o encadeamento dos vocábulos acontece linearmente, de forma que os elementos são organizados e postos em
determinado lugar da sentença para que na ordem escolhida se possa construir sentido. Assim, um qualificador estará sempre próximo do nome que
se quer qualificar. A expressão dessa forma indica que as palavras precisam
necessariamente estarem postas em uma sequência que se possa permitir
que sua proximidade, além de seus conectores, promovam sentido. Nesse
contexto, a ordem é primordial para a construção de sentido porque o falar
só lhe permite dizer uma palavra de cada vez criando a lógica da linearidade.
Já nas línguas de sinais, a lógica da estrutura frasal correlaciona-se a uma
forma de produção visual-espacial, portanto, a lógica é diferente da utilizada
nas línguas orais. Conforme Santos, Santos e Santos (2013, p. 504), as línguas de sinais “possuem na estrutura de suas sentenças, restrições e orde-
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A Extensão Universitária
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nações complexas e específicas de uma língua visual”. A língua de sinais, por
apresentar aspectos de simultaneidade, permite que os vocábulos em uma
sentença sejam produzidos de forma simultânea. Essa é uma demonstração
de que, conforme Santos, Santos e Santos (2013), a estrutura da sentença
das línguas de sinais seja flexível. Como os vocábulos não precisam necessariamente aparecerem de forma sequenciada, cria-se a lógica que tem como
base o aspecto viso-espacial. Essa lógica contraria a lógica temporal que
expressa semanticamente uma ideia de sequencialidade. A lógica espacial
não estabelece ordem, assim, um sujeito de uma oração pode livremente
aparecer no início ou no final da oração da Libras.
Os falantes de língua oral dispõem do sentido da audição para apreender a língua oral-auditiva, isto lhes possibilita o usufruto da apreensão desse sentido através da produção linear da língua que faz parte do repertório
linguístico de sua gramática internalizada. Dessa forma, eles dispõem, segundo Correia (2013), de uma ordenação das palavras e dos mecanismos de
concordância para abstrair o sentido de uma sentença. Portanto, na língua
portuguesa a ordenação é extremamente importante para a compreensão
do sentido. Vejamos que numa sentença simples como “O cachorro matou
o gato” a relação sujeito predicado é estabelecida como causa e efeito, uma
vez que, o agente é João. Sabe-se disso porque em língua portuguesa, no
caso da oração na voz ativa, o agente que comete a ação é o sujeito da ora-
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A Extensão Universitária
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Sumário
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ção e está no início da frase. Também no caso desse exemplo a concordância
é primordial para a confirmação do sentido que se quer produzir.
Com relação à língua dos surdos, seu repertório linguístico é da língua
de sinais e quando se comunicam nessa língua possuem como gramática
internalizada a Libras e em sua gramática o elemento espacial é fundamental. Segundo Quadros (2012), o espaço é utilizado para estabelecer funções
gramaticais.
Brito aponta que na Libras há o verbo de concordância com o sujeito ou
com o objeto como na frase EU-AVISAR-VOCÊ. Na forma de sinalização desta sentença, embora esteja na estrutura SVO, é importante perceber que o
sinal AVISAR é realizado no espaço neutro e tem como referência o próprio
corpo. Assim, o eu é indicado pela proximidade da configuração de mão do
verbo avisar junto à própria boca. Esta localização da mão, possuindo a configuração de mão apropriada, indica o sujeito da oração: EU. A finalização da
realização do sinal AVISAR em um tu que se tem como referência, não necessariamente presente, uma outra pessoa em frente ao próprio corpo indica o
objeto da oração. Sendo assim, a espacialidade, o movimento e o referencial
são aspectos sintáticos importantes para a compreensão do sentido que se
quer produzir em uma frase da Libras.
De acordo com Quadros e Karnopp (2004) e Brito (1987), a estrutura sintática da frase na Libras pode seguir a estrutura comum das línguas orais em
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A Extensão Universitária
SVO, ou as estruturas em SOV, VSO e OSV. Para ilustrar essas possibilidades de
estruturação frasal, Quadros e Karnopp apresentam os seguintes exemplos:
SVO: EL@ GOSTAR FUTEBOL
SOV: EL@ FUTEBOL GOSTAR
OSV: TV EL@ ASSISTIR
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Sumário
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Na Libras é frequente o uso de topicalização, em que há o uso do verbo
como nuclear, incorporação do complemento (BRITO, 1987), há concordância verbal percebido através do estudo sobre verbo com concordância e
construções de frase com foco (QUADROS; KARNOPP, 2004).
A topicalização é o emprego do objeto na ponta da sentença (BRITO,
1987). O verbo possui centralidade nas orações da Libras, pois, estes determinam a quantidade e os tipos de concordâncias e por topicalização a ponta o uso do objeto no tópico da sentença (BRITO, 1987). A incorporação da
concordância ou do argumento é quando há incorporação de um elemento
gramatical a outro, como é o caso da incorporação do objeto pelo verbo
(BRITO, 1987). Em Libras as construções com foco são realizadas com o uso
de repetição de termos e mantém elemento nuclear (QUADROS; KARNOPP,
2004). A concordância é estudada por intermédio do estudo de verbo com
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A Extensão Universitária
concordância em que este deve concordar com o sujeito ou com o objeto
(QUADROS; KARNOPP, 2004).
Com relação à sintaxe da Libras não se tem muitos dados que possa ser
explorados em uma análise sintática geral como propomos a seguir, assim,
nas análises nos apoiaremos nesses aspectos apontados pelas gramáticas
citadas e em gamáticas de língua portuguesa. Outra postura necessária a
ser esclarecida aqui é que consideramos que a Libras já está legitimada pela
linguística, sendo assim, o esforço será em ter uma visão geral da estrutura
frasal da Libras tentando ao máximo respeitar sua originalidade de estruturação. Os contrapontos realizados com a Língua portuguesa será apenas um
apoio para a reflexão.
Reflexão a respeito da estrutura frasal da Libras
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Como dito anteriormente, cada unidade dos livros didáticos de Libras foi
acompanhada por um vídeo com temáticas sobre cultura cujo objetivo foi
informar e provocar reflexões dos alunos dos prováveis cursos de Libras sobre a cultura surda. Diante desse objetivo que se diferencia do objetivo do
ensino/aprendizagem de Libras, como previsto na criação dos vídeos de diálogos, houve a necessidade de traduzir as entrevistas realizadas por surdo,
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A Extensão Universitária
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Sumário
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um surdo com outro em Libras para o português, porém, para a análise também foi utilizada frase de vídeo de diálogo para atividade de interpretação.
Esta tradução da Libras para o português das entrevistas fornecidas por
surdos da cidade de João Pessoa foi uma das atividades no processo de criação do livro didático e motivou diversas reflexões sobre a diferença entre a
estrutura da língua portuguesa e da Libras. Esta foi uma atividade demasiadamente difícil, tendo em vista que os textos produzidos por surdos em Libras
sinalizada tinham uma estrutura gramatical muito característica da Libras e
distante do português. As estruturas frasais mais difíceis eram as que não se
aproximavam da estrutura frasal da língua portuguesa, portanto, consideramos estas entrevistas como textos puros, sem recurso de interlíngua.
No desenvolvimento das traduções, conhecer os sinais, ou não conhecê-los, ou não ter uma palavra correlata em língua portuguesa e a falta de
conhecimento gramatical aprofundado da língua portuguesa e/ou da língua
de sinais e a não habilidade em escrever em escrita de sinais para realização
das transcrições foram elementos que dificultaram o processo.
Havia momentos em que se conhecia o sinal, mas, não se sabia qual palavra em língua portuguesa seria correlata. Muitas vezes, um sinal é conhecido e se tem um correlato em língua portuguesa para ele, porém, há sinais
que não possuem. Nesse caso, a saída é explicar seu significado, assim, é
introduzida na tradução uma explicação da significação do sinal na frase em
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A Extensão Universitária
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português para que ele seja compreendido nessa língua, prezando pela fidelidade ao sentido da frase.
Como o conhecimento da transcritora não tinha o nível de aprofundamento necessário em língua de sinais, nem em língua portuguesa para realização das traduções, foram sentidas muitas dificuldades. As dificuldades
foram encontradas no momento em que era necessário perceber o movimento, a expressão facial e a direção do olhar. Esses aspectos gramaticais
geravam muitas dúvidas e as indagações que surgiam eram: estão fazendo
perguntas ou não? Esse olhar representa um aspecto gramatical ou não?
As dificuldades também foram sentidos com relação à compreensão de
sentido a partir da ordem frasal. No caso de estruturas frasais muito específicas da Língua de sinais, é necessária uma inversão da ordem dos vocábulos
para que o mesmo sentido seja transmitido na estrutura da língua portuguesa. Nesse aspecto, é necessário um conhecimento aprofundado da gramática das duas línguas para que se consiga ser fiel ao sentido do enunciado intencionalmente produzido pelo falante de Libras, o inverso também é
verdadeiro. Essas dificuldades motivaram a produção deste capítulo de livro,
no intuito de fomentar a discussão sobre a sintaxe da Libras tão necessária
para o desenvolvimento do ensino de Libras e para os trabalho de tradução.
Para compreender melhor a motivação dessas dificuldades, é importante salientar que foram utilizadas Glosas para transcrever os textos em Libras
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A Extensão Universitária
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sinalizada. Essa é uma forma de uso do português adaptado para transcrever as línguas de sinais, no entanto, não é eficiente tendo em vista que o
olhar sobre um vocábulo escrito em escrita alfabética não revela as nuances
próprias das línguas de sinais, tais como: movimentos repetidos, expressões
faciais e corporais e uso de sinais com carga semântica própria. Porém, era
o que se tinha no momento para seguir com os trabalhos porque na equipe
não havia quantidade suficiente de pessoas com conhecimento da escrita de
sinais para abarcar toda a carga de trabalho em que a escrita de sinais estava
presente. No entanto, é preciso pontuar que o sistema de escrita de sinais
SignWriting é o melhor transcritor para as línguas de sinais que dispomos
no momento.
As dificuldades foram vencidas, por isso, propomos a reflexão sobre algumas estruturas frasais retiradas de um vídeo de diálogo e de algumas
entrevistas sobre cultura surda. Os exemplos utilizados para a reflexão são
frases retiradas de alguns textos em vídeos sobre cultura surda e de vídeos
produzidos para atividades de interpretação. Os exemplos foram retirados
das seguintes temáticas, na ordem seguinte: Copa do mundo; associação de
surdos, o surdo e a família e o surdo e o esporte.
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A Extensão Universitária
Análise - Exemplo 1
Na análise seguinte temos um trecho de fala retirado do vídeo de diálogo produzido para uma atividade do livro Libras I capítulo I – Libras básico
– Unidade I – Esporte. É uma frase produzida por um surdo não oralizado,
portanto, espera-se que em sua produção linguística em Libras haja pouca
ou nenhuma interferência da língua portuguesa. A temática deste vídeo é
sobre copa do mundo e copa das confederações.
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LIBRAS – ENTÃO. TUDO-BEM? VOCÊ ENTENDER VER TODO-MUNDO-ASSISTIR, CERTO? EU EXPLICAR HISTÓRIA EXPLICAR MUNDO DOIS QUAL?
UM EXPLICAR OUTRO EXPLICAR, LEGAL?
Tradução - Então, Tudo bem? Você vai entender porque vê todos estão
assistindo, certo? Eu vou explicar sobre duas histórias de copas mundiais.
Primeiro eu explicarei sobre uma e depois sobre a outra. Está certo?
Primeira frase
Análise da primeira frase do exemplo 1: VOCÊ ENTENDER VER TODO-MUNDO-ASSISTIR, CERTO?
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Ao analisar a frase, compreende-se que o locutor iniciou sua fala se dirigindo aos seus interlocutores com o uso do pronome VOÇÊ, dando um tom
informal ao texto, pois, este é um texto produzido em vídeo para qualquer
tipo de pessoa assistir. Ele contextualiza a temática chamando a atenção
para o fato de que todos acompanham a Copa do Mundo.
Como a Libras não possui flexão verbal, segundo Brito (1997), a forma
encontrada para a transcrição em código alfabético do texto em Libras foi
transcrever o verbo no infinitivo e dessa forma foi feita em todas as demais
transcrições. Assim, percebe-se que, em Libras, a concordância entre verbo
e sujeito acontece na perspectiva semântica. Diferente do que Silva (2011)
põe sobre a língua portuguesa de que o verbo concorda em número e pessoa com o sujeito. A ação de entender é desempenhada por VOCÊ tendo
em vista que há a presença do pronome em função de sujeito próximo dos
verbos ENTENDER VER na frase, assim, assume a estrutura SVO. De acordo
com Quadros e Karnopp (2004) e Brito (1987) a estrutura SVO também é encontrada na Libras e esta ocorrência analisada é um exemplo.
A ocorrência de dois verbos nos faz refletir se esse é um caso de orações
coordenadas, uma vez que é possível traduzi-la como: “entender porque vê
todos...”, essa tradução é possível devido à depreensão de que esse discurso
foi produzido em momento de copa e porque a frase segue com o esclarecimento do locutor de que irá explicar sobre duas copas. Pode-se aceitar essa
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Sumário
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explicação da sequência de dois verbos sem que nenhum assuma a função
de auxiliar porque Brito (1987) afirma que não há conectores na Libras. Casos de coordenadas explicativas na Libras muitas vezes são realizadas sem
os conectores e para seu entendimento são utilizadas formas não lineares
de produção, porém, essas são conjecturas o que, embora embasada teoricamente, é necessário um estudo aprofundado sobre.
Com relação ao verbo VER, ele aparece com sujeito elíptico. No entanto, considerando que o sujeito do verbo assistir é TODO MUNDO conforme
análise posterior. Percebe-se que ele encontra-se isolado, porém, o verbo
ver aparece logo após o verbo ENTENDER cujo sujeito é VOCÊ. Essa sequência aliada ao sentido produzido pelo locutor depreende-se que o sujeito
do verbo VER é VOCÊ. Conforme Brito (1997), a Libras contém poucas conjunções. Assim, essa estrutura diferencia-se do português devido à ausência
da conjunção “e”, porém, seu arranjo possibilita uma compreensão aditiva
perfeita da intenção comunicativa do interlocutor.
No caso de TODO-MUNDO-ASSISTIR, podemos considerá-lo como objeto do verbo VER. Porém, ele é um caso de verbo com incorporação de argumento, como cita Brito (1987). O verbo assistir realizado com a sinalização
de oito dedos, em forma de 4 x 4 dedos, com o mesmo movimento de VER
indica que são várias pessoas realizando essa ação, como não há o sinal vários na frase a compreensão é de TODO-MUNDO. Realizado dessa foram o
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argumento incorporado é o sujeito TODO-MUNDO. Neste caso a construção
verbal TODO-MUNDO-ASSISTIR está subordinada ao verbo VER. Esse tipo
de construção é bem diferente das normas gramaticais da língua portuguesa, o que demonstra que a língua de sinais tem seus próprios meios de fazer
sentido.
Até o momento, o locutor não definiu o objeto da oração, o que pode
ser uma marca de produção de Libras informal. Nesse aspecto, pode-se
perceber uma diferença entre a produção em português e em Libras. Em
português é muito comum encontrar a estrutura SVO mesmo em produção informal de texto.
No caso da análise do período como um todo, podemos refletir que este
foi produzido em um período composto por coordenação e subordinação,
em que ENTENDER VER são coordenadas e TODO-MUNDO-ASSISTIR é subordinada de VER. Não há na gramática da Libras essa preocupação com a
classificação, porém, é importante pontuar para que possamos compreender
que a Libras possui formas tão complexas quanto as línguas orais. É uma língua rica, porém, sua sinalização provoca estranhamento naqueles ouvintes
fluentes em Libras porque sua estruturação não responde às expectativas da
língua oral.
Análise da segunda frase do exemplo 1: EU EXPLICAR HISTÓRIA EXPLICAR MUNDO DOIS QUAL? UM EXPLICAR E OUTRO EXPLICAR, LEGAL?
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A Extensão Universitária
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Nesta frase, em EU EXPLICAR, não há a indicação de tempo verbal, porém a sequência com HISTÓRIA nos leva a compreender que essa estrutura
equivale à seguinte estrutura do português: “eu vou explicar sobre a história”,
portanto, remete a um futuro próximo. Esse entendimento é possível porque
não há a presença de nenhum vocábulo indicador de tempo, por exemplo:
depois, futuro, amanhã, ontem, passado ou datas específicas (BRITO, 1997).
Quando não há nenhum desses itens lexicais, subtende-se que o locutor
está se referindo ao presente ou ao futuro próximo.
O uso recorrente do verbo EXPLICAR é um exemplo de foco, como afirma Quadros e Karnopp (2004), de modo que o núcleo dessa sentença é
EXPLICAR. Assim, ele é retomado várias vezes. A aparição do vocábulo UM
e OUTRO é apenas uma adaptação para a explicação sobre dois aspectos
sinalizados, com uma mãos o quantificador DOIS e com a outra realização
de apontação para um dedo e para o outro dando a ideia de UM e OUTRO.
Este é um recurso que possibilita as retomadas aos pontos específicos do
discurso, utilizando-se do referencial não presente. O locutor diz que vai explicar sobre dois temas referentes a campeonatos mundiais, quando ele diz
que vai explicar UM ele aponta para o dedo indicador e faz a sinalização de
EXPLICAR em seguida e quando diz que vai explicar o outro aponta para o
dedo médio e faz o sinal de EXPLICAR em seguida. Este é um recurso discursivo adotado em Libras para indicar que a fala será constituída por dois
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A Extensão Universitária
momentos de explicação, portanto, mantém-se o foco até o final da sentença. Essa também é uma estrutura bastante diferente da língua portuguesa
tendo em vista que nessa língua evita-se as repetições e opta-se por construções mais complexas.
Análise - Exemplo 2
Nesta análise, temos uma frase retirada do vídeo “Associação de surdos”
produzido para a seção cultura surda do livro Libras I capítulo I – Libras básico – Unidade IV – Estados do Brasil.
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LIBRAS - ENTÃO SABER NÓS-DOIS EU-ENTREVISTAR-EL@ EU-ENTREVISTAR-EL@ ENTÃO COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA O-QUE SURGIR EXPLICAR COMO EL@.
Tradução – Então, estamos aqui em uma entrevista. Então, ela vai explicar a história do surgimento da associação de surdos de João Pessoa. Você
pode me explicar como foi?
Para que possamos melhor compreender essa estrutura vamos apresentar
a análise por partes e em seguida analisaremos sua estrutura como um todo.
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A Extensão Universitária
Primeira frase
Análise da primeira frase do exemplo 2: ENTÃO SABER NÓS-DOIS EU-ENTREVISTA-EL@ EU-ENTREVISTAR-EL@
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A palavra ENTÃO SABER é um elemento introdutório para chamar a atenção da pessoa que está vendo o vídeo. Em seguida, há o elemento NÓS-DOIS que é o pronome dual em Libras equivalente a nós em português.
Este pronome representa duas pessoas envolvidas no discurso: um EU e um
EL@. Segundo Klimsa e Klimsa (2011), ele é utilizado pela comunidade linguística dos surdos para representar o dual (mão com o formato do numeral
2 com movimento direcionado para um EU e outro EL@ ambos envolvido no
discurso). Este pronome é seguido da forma nominal EU-ENTREVISTA-EL@
que assume no exemplo a função de elemento nuclear no sintagma nominal. Este sintagma não pode ser classificado como oração, pois, Silva (2011)
afirma que a condição para existência de uma oração é a presença do verbo.
Isto porque o elemento que segue o pronome não pode ser considerado um
verbo, mesmo tendo em sua transcrição uma forma verbal no infinitivo. Vale
relembrar que a transcrição da língua de sinais em código alfabético não dá
conta das especificidades da produção de uma língua visuo-gestual e esse é
um desses casos.
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A Extensão Universitária
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Pois bem, ao termo ENTREVISTAR foram aglutinados os pronomes EU e
ELA. A essa forma, Brito (1987) denomina de incorporação de argumento. O
elemento EU-ENTREVISTA-EL@ é realizado com a sinalização repetida, seu
sentido indica a situação em que os interlocutores estão inseridos, no caso,
em uma entrevista. Sendo assim, a significação dessa construção se realiza
denominando uma situação, o que o torna um elemento gramatical da classe dos substantivos, assim, consideramos que ele assume na frase a função
de sintagma nominal. Como afirmam Silva, Batista e Arrais (2011) o núcleo
do sintagma nominal é o nome. Concluindo, em NÓS-DOIS EU-ENTREVISTAR-EL@, o núcleo é EU-ENTREVISTAR-EL@ e estamos diante de um sintagma nominal constituído por NÓS-DOIS EU-ENTREVISTAR-EL@.
Depreende-se, nesta frase, a seguinte tradução: “estamos aqui em uma
entrevista”. Em Libras não há em sua origem os verbos “ser” e “estar” que
usamos em língua portuguesa como verbos de ligação. Sendo assim, percebe-se que mesmo sem o uso desse verbo é possível produzir sentido. O
fato de colocarmos na tradução o verbo “ser” demonstra que essa é uma
necessidade da língua portuguesa e não da Libras. Como consequência, a
necessidade desse verbo para a produção de sentido é exclusivamente da
cognição das pessoas que usam línguas orais que tem verbos “ser” e “estar”
em sua estrutura, para o surdo esse sentido é produzido naturalmente e a
comunicação flui normalmente sem a presença desse tipo de verbo. No caso
141
A Extensão Universitária
da frase analisada, podemos dizer que é uma frase complexa e não uma
oração e que em Libras há frases sem verbos que produzem sentido sem
necessariamente haver um verbo.
Segunda frase
Análise da segunda frase do exemplo 2: ENTÃO COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA O-QUE SURGIR.
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Antes de analisarmos esta frase com um todo é preciso esclarecer que o
termo ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO PESSOA (ASJP) é apenas um sinal em Libras, pois, na cultura linguística da Libras os nomes de associações
são nomes próprios, diferente do português que tem o nome da instituição
(associação) como base e utiliza-se de outras palavras para determiná-las.
Dessa forma, é preciso conhecer o sinal para saber que se trata de uma determinada associação. Em transcrição com código alfabético optou-se por
transcrever as palavras ligadas por hífen para dar a ideia de que se trata de
um único sinal. Esse é mais um arranjo de transição que não dá conta de todas as especificidades representação do sinal em língua de sinais.
A frase: COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HIS-
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TÓRIA O-QUE SURGIR é constituída por topicalização, o que não se estranha quando se analisa a estrutura frasal da Libras porque, como afirma Brito
(1987), esse recurso é bastante comum nessa língua. Neste caso, a frase é
topicalizada pela apresentação da circunstância do momento de produção
do discurso, assim, o tópico está em: COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA. A intensão é comunicar que a fala do locutário versará sobre a história da associação de surdos. De acordo com Travaglia (2009) o recurso de topicalização traz o efeito de envolver o locutário,
que nesse caso serão as pessoas que assistirão ao vídeo, à circunstância da
intensão comunicativa. Em se tratando de estruturação sintática, Silva (2012)
afirma que a topicalização é um deslocamento de um elemento sintático
para a esquerda. Tanto pela explicação sintática quanto pela semântica, então, percebe-se que essa estrutura é um recurso de topicalização.
No caso dessa topicalização, observa-se que trata-se de objeto do verbo
SURGIR, ligando-se ao verbo VER pelo elemento catafórico O-QUE. O recurso
catafórico é muito comum no discurso em Libras e remete para um elemento
posterior como forma de ligar o tópico ao restante da frase sobre a qual trata.
Agora, observando essa oração como um todo, percebe-se que ela ainda
é remetida a uma oração posterior. A oração [COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA O-QUE SURGIR] vincula-se a oração [EXPLICAR COMO EL@]. Ao observar a relação entre estas duas orações
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A Extensão Universitária
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percebemos que a primeira oração é completiva da segunda. Souza e Silva e
Koch (2005) considera as orações completivas as equivalentes às denominadas
pela gramática tradicional de subordinadas. Veja que em ordem relativamente direta ela ficaria da seguinte forma: EXPLICAR COMO EL@ COMO DAQUI
ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA O-QUE SURGIR. Essa
é uma construção mais próxima da construção da língua portuguesa, porém,
é importante ressaltar que devemos respeitar a estrutura original da Libras e
analisá-la a partir de seus próprios elementos constituintes. Retomando, nesta frase estamos diante da oração completiva em posição de topicalização,
porém assume a função sintática de completiva substantiva. Esta classificação
se dá porque Souza e Silva e Koch (2005) afirmam que ela assume a função
de sujeito, objeto direto ou indireto. Como em Libras não há muitas ocorrência de uso de preposições e conjunções, não nos interessa aqui verificar se a
relação de objeto assumida é de forma direta ou indireta, contudo, como em
qualquer língua percebe-se que na Libras há a presença de objeto.
Em se tratando de ordem frasal, na oração COMO DAQUI ASSOCIAÇÃO-DE-SURDO-DE-JOÃO-PESSOA HISTÓRIA O-QUE SURGIR temos a estrutura
OV, portanto, há uma alteração da ordem de forma que o verbo vem depois
do seu objeto. Com relação à oração EXPLICAR COMO EL@, também temos
uma alteração da ordem de forma que estamos diante de uma estrutura VS.
Ao considerar que o tópico é seu objeto temos a seguinte ordem: OVS. Essa
144
A Extensão Universitária
é um estrutura não indicada nas gramáticas de Libras existentes, assim, é
passível de averiguação assim como qualquer outra análise realizada neste
capítulo. É importante relembrar que este capítulo tem o intuito de demonstrar reflexões acerca da sintaxe encontrada que foram entraves no momento de tradução dos textos para composição do material didático. Quanto
ao elemento COMO, dentro da construção: EXPLICAR COMO EL@, exerce a
função anafórica do tópico. Essa também é uma construção muito comum
em Libras, porém, também carente de investigação.
Além dessas questões, é importante pontuar que essa estrutura causa
quebra de expectativa no usuário de língua portuguesa como L1, pois, a expectativa de um interlocutor desse tipo é pela ordem linear. Cognitivamente
falando, lidar com uma estrutura tão diferente da própria língua causa estranhamento e muitas vezes posicionamentos de rejeição à estrutura original
da língua de sinais, buscando sempre adequá-la aos moldes da estrutura
sintática da língua portuguesa.
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Análise - Exemplo 3
A frase analisada neste exemplo também foi retirada do vídeo “Associação de surdos” produzido para a seção cultura surda do livro Libras I capítulo
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A Extensão Universitária
I – Libras básico – Unidade IV – Estado do Brasil.
LIBRAS – COMO DIA CRIAR ONDE? ESTADO DIA ORIGINAR ONDE? UM
ESTADO QUAL? QUEM?
Português – Onde foi criado? Em que dia se originou? Em qual Estado?
Quem criou?
Primeira frase
Análise da primeira frase do exemplo 3: COMO DIA CRIAR ONDE?
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Nessa passagem, a frase em Libras é bastante elíptica e só é bem compreendida graças ao contexto semântico. O contexto semântico é o de
que o locutor quer saber do seu locutário mais detalhes sobre a criação
de associações de surdos, assim, eles faz uma série de perguntas. Nesta
frase o locutor quer dois tipos de informação: dia e local de criação da
associação. Assim ele introduz o questionamento com o advérbio COMO
solicitando a informação sobre a maneira da criação da associação. Este
é um recurso muito comum em Libras e pouco comum na língua portuguesa. Em língua portuguesa opta-se pelo uso exclusivo do pronome in-
146
A Extensão Universitária
terrogativo nos questionamentos diretos. Para conclusão da pergunta o
advérbio interrogativo ONDE é introduzido no fim da frase. Para efeito de
complementação da pergunta realizada em Libras sinalizada a pergunta
é acompanhada de expressão facial com levantamento de sobrancelhas
(BRITO, 1987; QUADROS; KARNOPP, 2004). A expressão facial em Libras é
um recurso gramatical importante.
Segunda frase
Análise da segunda frase do exemplo 3: ESTADO DIA ORIGINAR ONDE?
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Nesta frase, há o uso da topicalização ao introduzir a pregunta com o
tema, que neste caso é: ESTADO DIA. Mais uma vez constata-se o uso da
topicalização que é apontado por Brito como muito recorrente na Libras.
Este tópico é seguido do verbo seguido do sujeito, demonstrando uma estrutura de OSV. Esse sujeito na pergunta é o advérbio interrogativo, que novamente aparece no final da frase.
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A Extensão Universitária
Terceira frase
Análise da terceira frase do exemplo 3: UM ESTADO QUAL?
Nesta frase, novamente estamos diante de uma topicalização e uso do
pronome interrogativo QUAL no final da frase. Como esta frase transcrita da
Libras sinalizada tratava de uma pergunta, o ponto de interrogação foi colocado, porém, esta interrogativa na Libras é indicada pela expressão facial
utilizada durante a realização da pergunta. O que também mostra que existe
indagação é o pronome interrogativo QUAL, exercendo a mesma função dos
pronomes interrogativos O QUE, COMO, ONDE, POR QUE, QUEM apontados
por Quadros e Karnopp (2004).
Quarta frase
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Análise da quarta frase do exemplo 3: QUEM?
Nessa passagem há isolamento do pronome interrogativo, mas, refere-se à frase anterior retomando a questão que tem como núcleo o verbo criar.
148
A Extensão Universitária
Análise - Exemplo 4
O exemplo 4 é composto por uma frase retirada do vídeo sobre cultura,
cuja temática é “Comunicação do surdo com a família” do livro Libras I capítulo I – Libras básico – Unidade II – Família.
LIBRAS – COMO SABER SU@ ENSINAR LIBRAS MÃE LIBRAS DESENVOLVER ONDE? ENSINAR Q-U-E-M?
Português – Eu gostaria de saber como foi ensinado Libras à sua mãe.
Onde ela se desenvolveu. Quem a ensinou?
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Na busca de informação detalhada, o locutor lança uma sequência de três
perguntas para que o locutário organize seu discurso em torno delas. Para
efeito de análise, temos quatro blocos de informação: [COMO SABER] [SU@
ENSINAR LIBRAS MÃE LIBRAS] [DESENVOLVER ONDE?] [ENSINAR Q-U-E-M?] e será analisada em dois momentos, como se pode ver a seguir.
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A Extensão Universitária
Primeira frase
Análise da primeira frase do exemplo 4: COMO SABER SU@ ENSINAR LIBRAS MÃE LIBRAS DESENVOLVER ONDE?
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Para efeito de compreensão da significação da mensagem analisada, esta
frase foi retirada do meio da entrevista após ter sido realizada a contextualização da entrevista e após ter sido realizada duas perguntas. Assim, para
que possamos compreender a análise posta aqui é preciso compreender
que o assunto de interesse foi saber como era a comunicação entre o surdo
entrevistado e sua família. Além disso, essa foi uma pergunta realizada pelo
entrevistador posterior à informação de que a pessoa com quem o locutário
mais se comunicava na família era sua mãe.
Da mesma forma que as frases anteriores, o que chama a atenção na frase é a não indicação de tempo que, segundo Brito (1987), é realizado através da sinalização dos termos passado, futuro ou por advérbios de tempo.
Nesta frase, há os verbos SABER, ENSINAR e DESENVOLVER, porém nenhum
é acompanhado de termo marcador de tempo. No entanto, o contexto semântico revela que o verbo SABER se trata de um tempo presente porque
ele é o elemento que segue o advérbio COMO logo no início da frase que
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A Extensão Universitária
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introduz a frase interrogativa do entrevistador. A observação da organização
do discurso nos faz perceber que esse verbo SABER é utilizado para referir-se a si mesmo e que foi utilizado elipse do sujeito por não ter sido utilizado
o pronome EU para que ficasse claro o sujeito deste verbo. É interessante
observar que o contexto semântico do discurso é essencial para a revelação
dos sujeitos falantes, pois, é muito comum em Libras haver a elipse de sujeito,
assim, o interlocur que não tenha acompanhado a construção do contexto
semântico do discurso não consegue reconhecer as falas e seus respectivos
locutores o que impossibilita a compreensão do enunciado e este é um fator
relevante para o intérprete de Libras.
O elemento COMO tem a função de introduzir a pergunta solicitando a
informação sobre a forma como a mãe tinha desenvolvido sua aprendizagem de Libras. Mais uma vez esse advérbio é o elemento introdutório de
uma questão que tem a intensão de obter informação de modo.
Na passagem: SU@ ENSINAR LIBRAS MÃE LIBRAS, percebe-se uma ordem não linear, o que é comum em Libras. A frase inicia-se pelo pronome
SU@ assumindo a função de elemento catafórico, afim de preparar o locutário para o elemento MÃE que só aparece após ENSINAR LIBRAS. O termo
LIBRAS se repete assumindo a função de foco que Quadros e Karnop (2004)
apontam como recorrência na Libras. É justificável que esse elemento se repita porque seu interesse maior é compreender como a mãe tornou-se capaz
151
A Extensão Universitária
de comunicar-se em Libras com seu filho. No entanto, este trecho aparece
como topicalização tendo em vista que o pronome interrogativo Q-U-E-M
aparece como pergunta independente no final da fala.
Essa passagem é seguida da frase DESENVOLVER ONDE? Com sujeito
elíptico e com uso de advérbio interrogativo no final. Essa é um estrutura
recorrente da Libras, porém, carente de investigação científica como já foi
alertado anteriormente.
A construção: SU@ ENSINAR LIBRAS MÃE LIBRAS DESENVOLVER ONDE?
Assume a função de completiva substantiva porque assume a função sintática de objeto do verbo SABER.
Segunda frase
Análise da segunda frase do exemplo 4: ENSINAR Q-U-E-M?
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A aparição do verbo ENSINAR nesta frase, que surge como pergunta independente, é uma forma de retomada da pergunta iniciada anteriormente
sobre o ensino de Libras para a mãe do locutário. Mais uma vez, é necessário
recorrer ao contexto semântico da fala para que se possa compreender ao
que e a quem esta frase se refere. No entanto, é interessante observar que
152
A Extensão Universitária
houve uma retomada de elementos de perguntas anteriores para concluir a
pergunta. Essa retomada pode ser um caso de foco explicitado por Quadros
e Karnop (2004), afim de esclarecer o foco da pergunta. Embora esses sejam
elementos de retomada o pronome interrogativo aparece no final da frase,
indicando mais uma vez a recorrência dessa forma de uso.
Análise - Exemplo 5
Nesta análise temos uma frase, com apenas um bloco, retirada do vídeo
de fala retirado do vídeo produzido para a seção cultura com temática esporte do livro Libras I capítulo I – Libras básico – Unidade I – Esporte.
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LIBRAS – EU SABER COMO POSSÍVEL SURDO CAMPEONATO FUTEBOL
POSSÍVEL VENCER OUVINTE QUALQUER POSSÍVEL? QUAL?
Tradução – Eu queria saber se é possível os surdos vencerem os ouvintes
em um campeonato de futebol, eles podem vencer qualquer ouvinte? Qual?
Nesta frase, mantém-se a ordem frasal na perspectiva da gramática normativa da língua portuguesa em: SVO. Ocorre que o objeto do verbo saber é
uma oração completiva substantiva. No caso da oração principal EU SABER,
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A Extensão Universitária
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tem-se um sujeito explícito, o que não é muito comum na estrutura frasal
da Libras. Com relação ao tempo verbal do verbo SABER, depreende-se que
seja o tempo presente. O contexto de entrevista revela que esse verbo é utilizado pelo locutor/entrevistador para referir-se a si mesmo.
Na oração objetiva ou completiva substantiva, mantém-se a estrutura
SVO mantendo-se na ordem esperada pela gramática normativa da língua
portuguesa. No entanto, é importante fazer a observação de que em geral,
nós ouvintes falantes de língua oral, tendemos a considerar normal a estrutura da Libras que correspondente à norma da gramática normativa da
língua portuguesa. A partir desta reflexão e da recorrência de estrutura em
topicalização encontradas recorrentemente nas frases analisadas anteriormente, podemos afirmar que essas estruturas de SVO não são as estruturas
normais da Libras. Porém, mais uma vez frisamos que esta afirmação poderá
ser confirmada ou não quando for resultante de uma investigação científica específica para análise dessas ocorrências. Embora haja essa semelhança
dessa estrutura com a língua portuguesa, que poderia ser justificado com a
declaração de Santos, Santos e Santos (2013) de que as semelhanças entre
a língua portuguesa e a língua de sinais são decorrentes dos princípios universais, é necessário ter cuidado em realizar uma análise focada na estrutura
de Libras, caso contrário, pode-se incorrer no erro de explicar essa estrutura
sob as normas da LP.
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A Extensão Universitária
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Essa oração completiva substantiva foi introduzida pelo advérbio de circunstância, diferentemente das ocorrências anteriores nas quais o pronome
ou advérbio interrogativo são postos no final. Outra ocorrência interessante
de se observar nesta oração é a presença do foco repetido. O locutor no intuito de enfatizar sua intensão em saber sobre a possibilidade do surdo vencer o ouvinte, repete três vezes o sinal POSSÍVEL. De acordo com Quadros
e Karnop (2004) esse é um caso de foco com construções duplas em que o
foco é repetido, porém, neste caso a repetição acontece mais de duas vezes.
No caso da informação sobre a circunstância CAMPEONATO FUTEBOL,
houve um deslocamento, não tão para a esquerda como aponta Silva (2012),
mas, esse trecho poderia estar no início ou no final. Sendo assim, o recurso
de topicalização aqui não ocorreu necessariamente com o deslocamento do
objeto ou do sujeito, mas, em uma estrutura apositiva.
Outro caso distinto do uso recorrente da estrutura gramatical da língua
portuguesa é o uso do determinante QUALQUER utilizado posteriormente
ao substantivo que determina. Em geral, na língua portuguesa os pronomes
indefinidos como função de determinante antecedem os substantivos que
determina.
Com relação à pergunta QUAL?, este termo foi utilizado como retomada
da pergunta anterior que foi introduzida com a intenção de saber sobre a
possibilidade. Assim, este elemento pode ser compreendido recobrando o
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A Extensão Universitária
sentido do advérbio de circunstância COMO. É uma repetição com função
de foco novamente, é comum a repetição do pronome interrogativo para
realização da pergunta. Essa forma de utilização do foco é muito comum
nas sentenças interrogativas. Como afirmam Quadros e Karnop (2004), o
uso dos interrogativos, da negação e de advérbios como foco é recorrente.
Neste caso em especial, não houve a repetição do mesmo pronome núcleo,
mas, uso de dois pronomes com a mesma função: marcar a interrogação.
Conclusão
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Os trabalhos desenvolvidos no projeto de construção do livro didático
foi uma oportunidade de vivenciar novas experiências permitindo ampliar
os conhecimentos acerca do ensino da Libras e sobre a Libras propriamente
dita. Participar da equipe do projeto favoreceu o nosso amadurecimento e
aumentou nossa habilidade no uso dos recursos necessários ao trabalho.
Através deste projeto, foi possível a produção do material adequado concorrendo para melhorar a relação entre os surdos e os ouvintes, assim como
entre alunos e professores. O projeto nos permitiu enxergar novas possibilidades na didática voltada para o ensino de Libras para as pessoas surdas e
ouvintes. Aprendemos que é importante se adaptar aos conhecimentos da
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A Extensão Universitária
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cultura, identidade, histórias dos surdos, porque a convivência dos ouvintes
ou surdos oralizados com a comunidade surda ajuda muito e facilita a adaptação à língua de sinais.
Parecia difícil fazer transcrições e traduções entre a Libras e o português porque há muita diferença entre eles. Na pesquisa, aprendemos a
comparar a estrutura da língua de sinais, que é utilizada pela comunidade
surda, com a do português, que é usada pelo restante da sociedade. Compreendemos que no processo de ensino/aprendizagem da Libras, é fundamental para o aluno adquirir os tipos de frases da Libras; sem elas, não se
produz ou compreende os enunciados. Por outro lado, foi uma experiência
desafiadora, Percebeu-se também que as dificuldades comuns se davam por
falta de recursos para a realização dos trabalhos.
A comparação entre as estruturas frasais entre português e Libras demonstra que a língua de sinais tem uma estrutura complexa e regras próprias. As orações são organizadas de forma a produzir sentido, assim como
o português, e para que seu significado possa ser compreendido tem uma
forma de organização própria, além disso, percebemos que a Libras é autônoma e isto quer dizer que é independente da língua oral.
Constatamos que a estruturação das sentenças em Libras difere da forma
como são estruturadas em português. Observamos também que a sintaxe da
Libras tem uma estruturação própria e que ela deve ser respeitada. Alertamos
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A Extensão Universitária
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também para a necessidades de pesquisas em sintaxe da Libras: registro e análise para a compreensão da sua estruturação sintática e semântico-pragmática.
As reflexões apontadas neste capítulo acerca da estruturação sintática da
Libras, conhecimento tão importante para um eficiente trabalho de tradução, são pontuais e não decorreram de um estudo científico. Esta apresentação da análise se deve à necessidade de alertar para a necessidade de maior
quantidade de pesquisa na área e da vontade de partilhar algumas observações realizadas no decorrer do desenvolvimento do trabalho de tradução
dos vídeos sobre cultura produzidos para o livro didático de Libras.
Como não podemos generalizar as ocorrências gramaticais encontradas
nesta breve análise, indicamos como possibilidade de norma de estruturação sintática da Libras as seguintes ocorrências: não preocupação de marcação de tempo verbal no discurso; uso de sujeito elíptico; posposição dos
determinantes ao nome formado por pronome indeterminado; a estrutura
SVO não é recorrente em Libras e há ocorrência de da ordem OVS; comum
uso de topicalização e foco; pouco uso de conjunções, porém, com possibilidade de apreensão de seu sentido pela forma de estruturação da frase; não
uso de preposições, porém, há alteração na estrutura da frase para que seu
sentido surja; utilização de incorporação de argumento pelo verbo; alguns
tipos de pronomes pessoais incorporam a noção de quantidade de pessoas
envolvidas no discurso; incorporação de pronomes em alguns verbos com o
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A Extensão Universitária
uso do movimento; não uso de verbo ser e estar; nomes de instituição são
nomes próprios em Libras; uso de elementos anafóricos e catafóricos; há
estruturas complexa com formação de orações subordinadas e uso do pronome interrogativo no final da frase.
Algumas dessas ocorrências corroboram com as observações encontradas nas gramáticas de Libras e outras se apresentam como novas. Essa é
uma demonstração de que há a necessidade do aumento da quantidade de
estudo sobre normas gramaticais da Libras e do aprofundamento do nível
de conhecimento das estruturas linguísticas dessa língua.
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CORREIA, Francisco J. G. Tópicos de gramática. João Pessoa: Ideia, 2013.
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KLIMSA, Bernardo Luís Torres; KLIMSA, Severina Batista Farias. Libras II. In: FARIA, E. B.;
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QUADROS, Ronice Muller. Libras IV. In: FARIA, Evangelina Maria de Brito; ASSIS, Maria
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SANTOS, Emmanuelle Félix dos; SANTOS, Camila Fernandes dos; SANTOS, Robevaldo
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SILVA, Camilo Rosa. Sintaxe. In: FARIA, Evangelina Maria Brito; ASSIS, Maria Cristina. Língua Portuguesa e LIBRAS: teorias e práticas 4. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011.
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SOUZA e SILVA, Maria Cecília P.; KOCH, Ingedore Vilaça. Linguística aplicada ao português: sintaxe. São Paulo: Cortez, 2005.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo: Cortez, 2009.
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