1 OS DESDOBRAMENTOS DO RACISMO NA REALIDADE ESCOLAR E OS DESAFIOS PARA O SERVIÇO SOCIAL: CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE Jussara de Cássia Soares Lopes1 Epifânia Santos Oliveira Barros2 Thaís Fernandes de Deus3 RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar os mecanismos de discriminação aos quais as crianças negras são expostas nas escolas, visto que esse é um processo construído historicamente, socialmente e culturalmente. Também objetiva refletir sobre o papel do Serviço Social nessa relação, detectando se ele contribui na reprodução da discriminação e na manutenção das desigualdades raciais, ou se busca combater os estigmas e preconceitos, fomentando a construção de uma sociedade menos desigual. Dessa forma, buscaremos realizar uma articulação com o tratamento que era imposto às crianças escravas e as consequências que esse tratamento acarreta nos dias de hoje nas escolas brasileiras e, a partir dessas análises, propor mecanismos que possam contribuir para a implementação das políticas públicas educacionais que visam o combate do racismo e a valorização da identidade das crianças negras. Palavras-chave: Crianças negras, educação, didática,discriminação 1 Assistente Social, mestra em Serviço Social pela PUC/Rio, professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. 2 Graduanda do 6º período de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Bolsista de Iniciação Científica no projeto “A Constituição Histórica da Política de Assistência Social nos Municípios de Mariana e Ouro Preto”/ PROBIC-DECSO. 3 Graduanda do 6º período de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. 2 INTRODUÇÃO O tema das questões raciais e as discriminações no ambiente escolar abrangem várias perspectivas que se contradizem em suas concepções, mas se aproximam quando vamos nos referir ao processo sócio histórico do tema e suas disseminações que acarretaram em um processo desigual nas didáticas dos professores ao referirem esse tema para seus alunos, como relata Oliveira (2006). A discriminação racial está presente nas relações sociais, sendo importante relevar que, muitas vezes, as escolas que favorecem esse tipo de pensamento e os disseminam deveriam debater com os alunos sobre a questão racial e suas contradições. A relação do preconceito eminente nas escolas e na vida social dos indivíduos quando se destina à criança negra, transcendem gerações. O pensamento que está interiorizado no cotidiano vem desde o sistema de escravidão que foi implementado no Brasil logo após a sua descoberta; como relatam Goés e Florentino (2005), crianças eram escravizadas juntamente com os seus pais, forçadas a trabalhar em prol da sua sobrevivência. É a partir dessa recordação trágica no cenário brasileiro que o tratamento à criança negra gera consequências graves a forma de pensar as condições dessa criança; é nesse momento que a escola deveria entrar com a sua função educadora, porém, ela se submete a uma forma de precarização da igualdade entre raças e gêneros. O interessante seria um desenvolvimento na forma crítica de pensar a sociedade como um todo e consequentemente acarretar em uma especialização na questão do preconceito contra o negro nas escolas, havendo assim uma didática conjunta entre ambos os professores, interagindo docentes e discentes para o tema. Uma atuação que tem de ser diária, não apenas disseminada em uma aula expositiva, mas sim um trabalho didático, modificando a sua forma de pensar e atuar diante a essas dificuldades. Diante disso, não podemos deixar de ressaltar a importância das políticas públicas contra as desigualdades étnico-raciais na educação brasileira, que estão presentes quotidianamente nas nossas relações sociais e, quando administrada 3 corretamente, se faz presente para uma específica orientação, sendo tomadas decisões nos assuntos públicos, políticos ou coletivos. Como um forte aliado no combate ao racismo, o Serviço Social torna-se uma das profissões indispensáveis, pois o assistente social é um dos profissionais que também pode fomentar a promoção da cidadania e da autonomia, conforme indica o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais: “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras;” (CFESS, 1993, p.3). Desse modo, é fundamental discutir o Serviço Social como uma opção para o enfrentamento dessa realidade. 2. Didática racista e professores excludentes Será realizada uma análise do processo sócio-histórico, articulando o tratamento destinado a criança escrava negra com a forma com que crianças negras são tratadas atualmente nas escolas brasileiras. A didática é um dos percursores que possibilita a forma de discriminação da criança negra nas escolas, inferiorizando-a diante das crianças brancas, sem contar com o tratamento diferenciado que muitos professores tratam essas crianças. Sendo necessária uma articulação com as políticas públicas para a melhoria dessa problemática, juntamente com a mudança da forma de atuação dos profissionais da educação mediante a discriminação racial nas escolas brasileiras. 2.1 – O processo sócio-histórico da criança negra e o preconceito nas escolas O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e, mediante a isso, nota-se uma articulação constante entre esse passado cruel e os preconceitos existentes atualmente. O preconceito gestado diante da raça negra se dá, a partir, de um processo sócio-histórico, diferenciando e estereotipando a raça negra. Munanga (2002) relata que, 4 Infelizmente desde o início, eles se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor de pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente superiores aos da raça negra e amarela. (...) principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita a escravidão e a todas as formas de dominação. (MUNANGA, 2002, p.5) Articulando o passado com o presente, criando concepções e rótulos a essa população, que por anos sofreu com a escravidão e que, nos dias de hoje, sofre com o preconceito e a exclusão da sociedade. A criança escrava negra era vista como um indivíduo que tinha por finalidade trabalhar para a satisfação do seu senhor. Os seus afazeres eram destinados como forma de um adestramento, como relata Goés e Florentino (2010), onde a criança aprendia um ofício e a ser escravo: o trabalho era o campo privilegiado da pedagogia senhorial. Os chamados adestramentos tinham por finalidade ensinar um ofício à criança escrava, criança essa, que passava por humilhações e repressões de seus donos, era muitas vezes vista como um brinquedo mediante dos filhos dos senhores. O adestramento da criança também se fazia pelo suplício. Não o espetaculoso, das punições exemplares (reservadas aos pais), mas o suplício do dia a dia, feito de pequenas humilhações e grandes agravos, como descreve excepcionalmente. É necessariamente o processo sócio-histórico que traz para a atualidade a concepção de que a criança negra tem por finalidade trabalhar e assim conseguir desenvolver seus conhecimentos por via da prática. Essa ideologia propagada e dissemina a contradição das raças, entretanto, a criança branca tem de estudar para garantir o seu futuro, mas a negra não, por via desse pensamento racista, ela tem por necessidade adentrar ao mercado de trabalho mais cedo. Há assim uma exclusão e diferenciação, quando referimos à criança negra e a criança branca no Brasil. A escola tem uma grande importância na disseminação dos preconceitos e da discriminação com os negros em seu geral, tanto no que se refere à didática escolar, como à forma com que os professores diferenciam o tratamento entre estas crianças. Como descreve Munanga (2005), os professores, a quem é atribuída a ação de contemplar as diferenças culturais na sua prática pedagógica, poderiam ter 5 internalizado o senso comum da desigualdade das diferenças culturais e não evidenciar na sua prática pedagógica essa ação. É evidente uma diferenciação de tratamento entre as crianças brancas e as negras, isso pode se dar por via desta concepção de que a criança negra tem como obrigação trabalhar e não se ingressar com veemência no processo acadêmico, acarretando em uma exclusão constante dessas crianças muitas vezes potencializada por profissionais educadores. É com base nessa articulação que se analisa a necessidade de uma atuação crítica do professor, mediante a visão cultural, social e histórica sobre a criança negra do Brasil. Concepção essa, que se assemelha ao tratamento escravocrata e que atualmente ainda assume essa forma de pensar a criança negra como trabalhadora, retirando a ideia de que ela tem como finalidade estudar para garantir um aprendizado. Deve-se haver uma articulação entre escola, professores e alunos, e,a partir dessa articulação,criar mecanismos que impossibilitem a discriminação da criança negra nas escolas brasileiras, assim direcionando a criança negra uma boa interação com os demais indivíduos da área acadêmica. 2.2 – Crítica de profissionais da educação mediante a didática escolar A forma com que profissionais da educação lidam com a questão do preconceito racial, se desmitifica de diversas formas, alguns lidam de uma maneira crítica e outros seguem os estereótipos do senso comum. Munanga (2005) afirma que cabe uma formação específica para o professor de ensino fundamental, com o objetivo de fundamentá-lo para uma prática pedagógica, com as condições necessárias para identificar e corrigir estereótipos e a invisibilidade constatados nos materiais pedagógicos, especialmente nos textos e ilustrações dos livros didáticos. Para que o professor tenha um pensamento crítico sobre a forma de ver a criança negra na sociedade é necessário, acima de tudo, que haja um estudo referente ao tema. A partir da retirada ideológica do senso comum, que exclui a criança negra, oprime e a minimiza diante da criança branca, esse profissional necessita estabelecer uma articulação com a teoria e a prática, atuando de forma crítica. Oliveira (2006) relata a forma que pode ser a abordagem nas salas de aulas com muita clareza, onde, segundo ela, a situação ideal é a emergencial/sistemático, pois, mesmo incluindo os 6 estudos raciais no seu projeto de trabalho para uma atuação determinada, o profissional se defrontará com situações cotidianas, geradas espontaneamente, que exigirão abordagens emergenciais. É necessário explicitar que a própria didática utilizada pelas escolas brasileiras torna o mecanismo de desmistificação da descriminação racial um empecilho, pois neles estão disseminadas diversas concepções do senso comum referente ao ser negro. Levando em conta que a educação está precária, com salas de aulas cheias e poucos profissionais capacitados que consideram o tema do preconceito racial, uma didática crítica, que não excluísse o negro, poderia auxiliar nessa nova forma de pensar esses indivíduos na sociedade suprindo, assim, as necessidades pedagógicas. Segundo Munanga (2005), ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa e uma representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação do Estado, dos processos civilizatórios indígenas e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural da nação. (MUNANGA, 2005, p.23) Essa didática excludente proporciona aos alunos uma concepção deturbada sobre ser negro, os moldando a uma realidade que não os pertence. Estereótipos são criados, a fim de inferiorizar a raça negra e reerguer a raça dita branca. Toda esta concepção inserida nos livros acadêmicos causam graves consequências aos indivíduos negros e em especial as crianças negras, que vivenciam preconceitos vindos de professores e alunos, e ainda, leem materiais escolas que lhes inferiorizam, se sentindo assim excluídos. Pois é afirmado nos livros acadêmicos que a sua cor de pele não é ideal, o seu cabelo é dito como ruim e outros fatores que podem influenciar no seu psicológico e por via disso, o seu rendimento escolar se tornar inferior. Munanga (2005) relata que o professor pode vir a ser um mediador inconsciente dos estereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e por uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de ação e reflexão. Por isso é necessário que o professor atue de maneira crítica, não deixando que essas formas de preconceito se disseminem nas salas de aulas e indo contra a esta 7 didática excludente. Podendo assim criar articulações e mecanismos para minimizar a concepção racista e evitar que seus alunos interiorizem estereótipos equivocados. 2.3 – Políticas Públicas contra as desigualdades étnico-raciais na educação Nos tempos presentes da sociedade brasileira experimenta-se grande movimentação de atores sociais em vários campos de atuação que não só a educação. Nesses mesmos tempos, a educação parece ser o lócus de maior polêmica e tensão quando o assunto são as relações étnico-raciais. O tema da educação sempre recebeu destaque tanto na atuação da militância negra como nos estudos acadêmicos sobre desigualdades raciais devido à sua inquestionável importância na compreensão e no enfrentamento das desigualdades sociais e raciais no país. Em geral, a educação é considerada e analisada como atributo individual, capital primordial no processo de realização dos indivíduos. No entanto, a compreensão das desigualdades educacionais deve tratar a educação não somente nessa perspectiva, mas também como um processo de aquisição que agrega as políticas educacionais e as características institucionais no seu modelo analítico. Entre as principais políticas públicas de âmbito federal com recorte racial na educação destacam-se a Lei 10.639 (assinada pelo presidente Lula logo no início de seu mandato, alterando a Lei 9.394/1996), que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", o Prouni (Programa Universidade Para Todos) e o apoio às ações afirmativas nas universidades públicas. Em termos de mudanças institucionais, destaca-se a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), criada em julho de 2004, no âmbito do Ministério da Educação, responsável pela execução de diversos programas. O objetivo principal para inserção da Lei 10.639/03 é o de divulgar e produzir conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir objetivos comuns que garantam respeito aos direitos legais e valorização de identidade cultural brasileira e africana, como outras que, direta ou indiretamente, contribuem para a formação da identidade cultural brasileira.Contudo, a consolidação desse aparato jurídico não significou a efetivação dos objetivos esperados. 8 2.3. A inserção do Assistente Social na escola: um debate emergente Entendemos que o ambiente escolar é um dos mais afetados pelo processo que atualmente se apresenta de formas mais latente, como a exclusão, a pobreza, a fragilização dos vínculos familiares, a diversidade, entre outros fatores que afetam diretamente sua aprendizagem. Mediante esse contexto, a inserção do assistente social no espaço educacional contribuiria positivamente na resolução de tais questões4, uma vez que é reconhecido como um profissional que atua diretamente com as mazelas sociais. Segundo Almeida (2009): O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com outras políticas setoriais. (...) O que parece ser central aqui e que já vem sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de nenhum profissional (ALMEIDA, 2009, p. 08). É notório refletir que existe a necessidade de um profissional para intervir nas expressões da questão social que se refletem nos espaços escolares, já que o assistente social é um dos vários profissionais que trabalham com a questão social. Sobre isso argumenta Gouvêa (2009) que esta realidade vivenciada pelas escolas muitas vezes é sinalizada pelo “tráfico de drogas, trabalho infantil, violência doméstica, gravidez precoce, etc.; situações que, muitas vezes, levam à evasão escolar, empurrando crianças e adolescentes para a marginalidade, transformando-os em público do setor judiciário, entre outros” (GOUVÊA, 2009, p. 313). Isso tem interferido 4 Entendendo que o assistente social tenha embasamento teórico-metodológico e comprometimento político aliado aos instrumentais que podem dar suporte crítico a essas questões. 9 diretamente na qualidade das relações sociais existentes no espaço escolar e ainda, na qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, percebe-se que os professores, a direção da escola, bem como o serviço pedagógico não tiveram, na sua formação profissional, a preparação e os conhecimentos necessários para responder as demandas que chegam até eles, o que pode ser evidenciado a partir das análises das grades curriculares da maioria dos cursos da área da educação. Logo, ao se inserir no âmbito escolar, o Serviço Social poderá diagnosticar a realidade da escola, propor estratégias e alternativas à problemática social vivida por muitas crianças e adolescentes. Essa possibilidade de intervenção corrobora para a redução da evasão escolar, para o aumento do rendimento escolar dos alunos e resolução de outros problemas decorrentes das desigualdades e carências vividas pelo educando. Nesse sentido, pode-se dizer, de acordo com Almeida (2009) que: A presença dos assistentes sociais, sobretudo nas escolas, tem sido tomada como a presença de um profissional que possa contribuir com a ampliação do processo educacional em sentido amplo, ou seja, contribuindo para o acesso e permanência das crianças e jovens na educação escolarizada, assim como para a extensão dessa convivência para outros membros da família, que por razões sociais diversas não concluíram ou experimentaram esta oportunidade (ALMEIDA, 2009, p. 59). Assim, devemos enfatizar que sua atuação no espaço escolar não deve se pautar somente em solucionar os problemas sociais que já estão postos neste local e afetam negativamente os estudantes, mas deve-se organizar de forma mais ampla, atuando junto à família, realizando trabalhos que possam amenizar e/ou prevenir uma série de situações. Dessa forma, percebe-se que um dos caminhos para isso acontecer é que ocorra maior integração entre escola/comunidade/família. Assim, com a interação dos responsáveis pela formação dos alunos e com as intervenções do assistente social, poder-se-á melhor responder às demandas sociais presentes na comunidade escolar. Sobre isso, assinala Gouvêa (2009) (...) o assistente social deve desenvolver ações que possam caminhar junto com a Coordenação Pedagógica, porém articulando contatos com as 10 famílias, diagnosticando as condições socioeconômicas, culturais, profissionais, a fim de detectar casos específicos relacionados às questões sociais que interferem na aprendizagem do aluno (GOUVÊA, 2009, p. 10). Nessa perspectiva, acredita-se que a inserção do profissional de Serviço Social na Política de Educação é mais um passo a ser conquistado pela categoria (QUINTÃO, 2007), mas é necessário ressaltar que sua efetivação depende de vários fatores, sendo um deles o maior conhecimento por parte dos profissionais que atuam na educação do trabalho do assistente social. É através de uma maior divulgação do papel do Serviço Social que poderemos conquistar esse espaço, especialmente rompendo com alguns mitos que rondam o assistente social, sobretudo na perspectiva da caridade, entendendo ainda que esse profissional não possui uma “varinha de condão”5, capaz de solucionar todos os problemas e desafios advindos das expressões da questão social, mas que poderia minimizá-los. 2.4. Serviço Social, abordagens étinico-raciais e suas possíveis contribuições para a educação³ É válido enfatizar a importância do assistente social no trato das questões ligadas à diversidade étnico-racial, uma vez que o seu Código de Ética determina “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” (CFESS, 1993, p.3). Assim sendo, enfatiza-se a importância de uma intervenção de forma a prevenir e superar as relações discriminatórias que surgem na escola, descobrindo como os professores trabalham com o problema e a postura da escola em relação à discriminação étnico-racial e, desse modo, desenvolvendo um trabalho que consiga atender às demandas apresentadas no contexto escolar. 5 Ver IAMAMOTO, Maria Vilela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. 11 O profissional do Serviço Social tem como objeto de trabalho a questão social que está ligada também à viabilização de direitos e garantia de equidade, cidadania, justiça social e dignidade. Sendo assim, é relevante pensar formas de combate à discriminação racial e enfrentamento à exclusão sofrida pelos pretos e pardos brasileiros. Contudo, devemos nos ater para o questionamento de como o assistente social trabalhará com a situação, visto que em sua formação acadêmica existe uma lacuna referente ao trato das questões específicas da população negra, população essa bastante expressiva no Brasil. Estaremos mais uma vez perpetuando o status quo? Rocha (2009) avalia que: O impacto da pouca reflexão acerca da temática racial no processo de formação certamente será sentido no exercício da prática profissional. Diante do quadro de grande desigualdade social de nosso país, em que está subjacente a discriminação racial, o profissional que foi educado no seio de uma sociedade cuja cultura, ainda hegemônica, é a do mito da democracia racial e que não obteve no período de sua formação instrumentos de análise crítica das relações raciais constituintes do seu país, poderá ter dificuldade em intervir de forma competente e comprometida com a restituição de direitos violados da população historicamente discriminada por condição étnico-racial (ROCHA, 2009, p. 544). Observamos que, dentre os poucos estudos que discutem a questão racial relacionada ao Serviço Social, todos destacam a invisibilidade dessa reflexão na formação profissional. Estudos de Filho (2006) destacam algumas hipóteses para a invisibilidade do negro no Serviço Social: a) A histórica influência da Igreja Católica na origem do Serviço Social na Europa e na criação das primeiras escolas brasileiras; b) A adoção do materialismo histórico-dialético no pós-movimento de reconceituação; c) O secular preconceito contra a cultura negra; d) A falta de conhecimentos específicos por parte dos professores; e) A falta de demanda por parte dos alunos e/ou sociedade; 12 f) Não-incorporação pelo Serviço Social da questão racial ou do negro como uma expressão da questão social. Conforme assinala o autor: Ocorre que, assim como a maioria dos profissionais brasileiros que teriam maior possibilidade de garantir o respeito na interação com o diferente, seja em sala de aula, seja fora dela, os assistentes sociais também não dominam os conhecimentos mínimos sobre a questão do negro na sociedade brasileira (FILHO, 2006, p.66). Não há dúvida de que os assistentes sociais reconhecem a desigualdade, mas precisamos destacar que ela também é fruto da discriminação racial e que o racismo é tão profundamente enraizado no tecido social e na cultura de nossa sociedade, que todo repensar da cidadania precisa incorporar os desafios sistemáticos à prática do racismo. É preciso destacar, sobretudo, que o preconceito e a discriminação estão para além da classe social (HASENBALG, 1978). Nesse sentido, Amaro (2005) analisa que,embora na atualidade o governo brasileiro tenha dado visibilidade à questão racial, com a implantação das políticas afirmativas, observa-se que a política de assistência social6 não tem acompanhado essa conjuntura, uma vez que secundariza sua atenção a essa questão. A apropriação crítica do racismo enquanto questão social, tanto pela sociedade como pelas políticas públicas, tem sido lenta. Muitas vezes ignora-se por que o usuário dos serviços sociais é majoritariamente negro, por que são as mulheres negras as chefes de família que recebem salários mais baixos e por que são as crianças negras quem mais precocemente ingressam no mercado de trabalho e abandonam a escola (AMARO, 2005, p. 79). Em consonância com essas ideias, Ribeiro (2004) aponta que, levando-se em consideração o papel do profissional de Serviço Social, é válido dizer que, se o racismo e o preconceito fazem parte das relações de dominação e exploração, é o assistente social – que tem como principal função trabalhar as relações sociais através de uma 6 Enfatizamos que a política de assistência social não é o único campo de intervenção do assistente social, mas é o espaço de trabalho que mais absorve esse profissional. 13 ação educativa, visando à consciência e à participação – um profissional indispensável para a eliminação das situações de discriminação que vivemos. Embora Iamamoto(2001) não discuta a questão racial, é importante ressaltar sua afirmação de que: Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem (IAMAMOTO, 2001, p. 28). Assim sendo, tratando-se de profissionais que lidam cotidianamente com as parcelas mais pauperizadas da população brasileira, constituída em sua maioria por pretos e pardos, acreditamos que o domínio de conhecimentos acerca da história, da cultura afro-brasileira e das questões concernentes à raça no Brasil pelos assistentes sociais seja imprescindível, tanto para um melhor aprimoramento pessoal, como para um desempenho profissional mais consciente e crítico de intervenção diante da realidade do público que busca seus serviços. É relevante destacar que a relação entre teoria e prática constitui-se como fundamental na formação e exercício profissional do assistente social, sendo resultante do construto formado pela indissociabilidade entre as dimensões éticopolítica7, teórico-metódologica8 e técnico-operativa9. 7 Competência ético-política – o Assistente Social não é um profissional “neutro”. Sua prática se realiza no marco das relações de poder e de forças sociais da sociedade capitalista – relações essas que são contraditórias. Assim, é fundamental que o profissional tenha um posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa ter clareza de qual é a direção social da sua prática (SOUSA, 2008). 8 Competência teórico-metodológica– O profissional deve ser qualificado para conhecer a realidade social, política, econômica e cultural com a qual trabalha. Para isso, faz-se necessário um intenso rigor teórico e metodológico, que lhe permita enxergar a dinâmica da sociedade para além dos fenômenos aparentes, buscando apreender sua essência, seu movimento e as possibilidades de construção de novas possibilidades profissionais (idem). 9 Competência técnico-operativa – o profissional deve conhecer, se apropriar, e sobretudo, criar um conjunto de habilidades técnicas que permitam ao mesmo desenvolver as ações profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado, empresas, Organizações Não-governamentais, fundações, autarquias etc.), garantindo assim uma inserção qualificada no mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto pelos empregadores, quanto pelos objetivos estabelecidos pelos profissionais e pela dinâmica da realidade social (ibidem). 14 É sabido que articular essas três dimensões coloca um desafio fundamental e que vem sendo um tema de grande debate entre profissionais e estudantes de Serviço Social: a necessidade da articulação entre teoria e prática. Desse modo, o assistente social precisa refletir sobre o seu papel diante das questões que envolvam os afrodescendentes, e, a partir daí, pensar estratégias metodológicas para a realização dessa abordagem, contribuindo para o enfrentamento das questões raciais em todos os âmbitos institucionais nos quais esteja inserido. 3. Considerações Finais Qualquer análise das políticas educacionais no país não pode negligenciar os marcos históricos, políticos, econômicos e a relação com o Estado e a sociedade civil nos quais essas se inserem. É imprescindível que no tempo presente haja o envolvimento dos atores sociais em busca da construção de uma educação e uma sociedade que reconheçam a necessidade de redimensionar as abordagens metodológicas inerentes ao campo da educação. Atualmente é necessário que as políticas públicas educacionais tenham a marca do combate às desigualdades raciaiscomo viés principal nas suas objetivações. Para, a partir disso, minimizar as expressões da exclusão racial, proporcionando assim, um incomodo moral aos indivíduos. Também podemos considerar que a temática aqui apresentada representa um grande desafio para os assistentes sociais. São poucos os trabalhos que conseguem realizar um recorte racial na área do Serviço Social e, considerando que este profissional lida com as várias formas de exclusão, que afeta diretamente os negros, faz-se necessário repensarmos o posicionamento crítico e responsável diante das questões raciais. Embora nosso estudo tenha como foco o preconceito racial na instituição escolar, também fazemos um recorte sobre a inserção do Serviço Social na escola, entendendo-o como possibilidade de enfrentamento ao racismo e valorização da diversidade. No entanto, esta reflexão nos despertou para o questionamento de como 15 o assistente social trabalharia com a temática, visto que em sua formação a questão racial e/ou das identidades culturais não é devidamente debatida. O que percebemos é a existência de uma lacuna no que se refere à abordagem étnico-racial no Serviço Social. Pouquíssimos estudos conseguem fazer com precisão o recorte racial. Destacamos, pois, que buscamos aprofundar nos estudos sobre preconceito e desigualdade racial, contudo, não se pretendeu esgotá-lo, e acreditamos ser de extrema importância o surgimento de novas análises e reflexões que possam contribuir para este debate, ainda pouco incentivado na academia e, mais precisamente, no Serviço Social. 16 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ney Luis Teixeira. O Serviço Social na Educação: Novas perspectivas sócioocupacionais. Disponível em: http://www.peepss.org/documentos/. Acesso em 22 de setembro de 2009. AMARO, Sarita. 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