A PROBLEMÁTICA DA TRADUÇÃO DOS VERBOS ENVOLVENDO “MANEIRA DE MOVIMENTO” EM INGLÊS1 Linda Gentry EL-DASH (Universidade Estadual de Campinas) Resumo. A tradução dos verbos que expressam “maneira de movimento” do inglês para o português apresenta dificuldades, conforme já indicou Talmy (1985) em seu texto clássico, No português o verbo traz informações sobre o deslocamento, assim como o percurso deste; no inglês o verbo traz informações sobre o movimento e a maneira pela qual se desenvolveu enquanto as informações sobre o percurso permanecem no satélite. Estas diferenças dificultam o trabalho do tradutor, esse trabalho investiga como aprendizes e professores de inglês brasileiros lidam com o problema a partir das suas traduções de uma narrativa com vários desses verbos. Palavras-chave: tradução; verbos de maneira de movimento; percurso; eventos de movimento 1. Introdução A tradução dos verbos do inglês para o português apresenta uma série de problemas especiais devido a diferenças tipológicas entre as duas línguas. Um dos problemas enfoca a relação entre os traços semânticos do evento de movimento e a forma superficial utilizada para a sua expressão. A dificuldade é previsível, conforme já apontou o trabalho seminal de Talmy (1985). O autor destaca que em qualquer evento de movimento, há a existência do deslocamento (motion), que é feito por algum objeto (figure) que se move em relação a um contexto ou outro “objeto(s)” (ground). Além disso, se movimenta por um percurso (path) de alguma maneira específica (manner), às vezes impulsionado por alguma razão (cause). Na oração João entrou na sala correndo porque estava com fome a figura é João, o contexto é a sala, o percurso é de fora para dentro, a maneira é correndo e a causa é fome. O fato de que houve movimento de um lugar para outro consta como um dos traços semânticos do verbo entrar. As línguas diferem entre si sobre a explicitação ou não desses aspectos do evento de movimento. Nas línguas românicas, como o português, quando há informações sobre o percurso de um movimento, essas geralmente fazem parte dos traços semânticos do verbo lexical junto com o fato que houve movimento. Assim, entrar, no exemplo acima, faria, simultaneamente, referência a um movimento e ao percurso de fora para dentro. Outro exemplo é o seguinte: João atravessou a ponte 1 No VII CBLA, este artigo foi submetido com o seguinte título: “A tradução de informações sobre maneira de movimento em inglês”. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Esta oração indica que João estava inicialmente em um lado da ponte, mas que se mudou de posição em relação à ponte e agora (depois) está(va) no outro. Atravessar indica que houve movimento de um lugar para um outro e simultaneamente define o seu percurso, um padrão comum na língua portuguesa que se encontra com outros verbos, tais como sair, subir e descer. Em inglês, por outro lado, tal informação sobre o percurso tende a ser fornecida por preposições de movimento (ou outras partículas parecidas, como os advérbios forward, up, down, etc.), denominadas de satélites por Talmy. Esses satélites podem, dependendo da situação, contribuir com diversas para a mensagem, mas o que é relevante para esta discussão refere-se aos que mostram aspecto (término, início, continuação, etc.) e principalmente aos que trazem informações sobre o percurso. Neste respeito, a sintaxe do inglês é bastante diferente daquela que regula as orações em português. Em inglês, a expressão across the bridge traz toda a informação sobre o percurso embutida na oração atravessou a ponte. O mesmo tipo de informação faz parte das expressões into the house, out of the store, up the hill, and down the street, que informam sobre o percurso de uma ação. Ao mesmo tempo, toda sentença precisa ter um verbo. Uma vez que, em inglês, os verbos em sentenças informando que houve movimento não precisam trazer informações sobre percurso (porque isso já está indicado pelo satélite), podem trazer outras informações sobre a situação. No caso de inglês, o que se comumente inclui são informações sobre a maneira (ou causa) como o movimento foi realizado – velocidade, tipo de movimento, sons típicos etc., como veremos abaixo. Essa diferença já foi investigada em várias línguas dos dois tipos (o do português que inclui a informação sobre o percurso do movimento no verbo e o do inglês que inclui a informação sobre maneira de movimento no verbo (Özçalýskan e Slobin, 1998; 1999; 2000a; 2000b; El-Dash, 2003; El-Dash e Busnardo, 2002). Vamos olhar algumas sentenças em inglês que correspondem a nossa sentença em português: John ran across the bridge John shot across the bridge John glided across the bridge John walked across the bridge Todas seriam traduzidas como João atravessou a ponte. Mas as sentenças em inglês trazem informações adicionais sobre a maneira em que a travessia foi feito (correndo, como se fosse projetado por um revólver, deslizando sem esforço, suave e serenamente, ou andando). Esta informação que está presente na oração em inglês reflete conceitos culturais estabelecidos. Mas a tradução desses conceitos é problemática. Talmy (1985) também aponta que nenhuma informação no complexo verbal (raiz e satélites) é enfocada. Assim essas informações (até certo ponto culturais) sobre a maneira pela qual é feita uma ação não são destacadas, mas servem de pano de fundo para as outras informações na oração. O problema para brasileiros é que tais informações sobre maneira não são normalmente expressas em português. Para incluí-las, seria necessário acrescentálas em uma posição de destaque na oração, tal como um gerúndio ou um advérbio (Talmy, 1985): VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Atravessou a ponte correndo Atravessou a ponte como uma bala, Atravessou a ponte deslizando sem esforço, suave e serenamente Atravessou a ponte a pé com passos normais Desta forma, garante-se que a informação está presente, mas ao mesmo tempo, a informação está em posição de destaque e chama uma atenção desmerecida a ela em relação a expressão original em inglês. O fato de que as línguas inglesa e portuguesa estruturam a expressão de idéias de maneiras diferentes leva a uma série de dificuldades na tradução do inglês para o português e força o tradutor a fazer certas escolhas sobre a necessidade de incluir ou omitir essas informações na versão em português. As duas línguas versam sobre a mesma realidade, mas é comum fazer isso de maneiras diferentes. Um exemplo corriqueiro está relacionado com o sol. Essa fonte de luz e calor desempenha a mesma função na vida humana, independentemente da língua que se fala. Entretanto, referência a ele se faz de maneira diferente em inglês e português. Em português normalmente se diz que o sol está lindo ou forte, mas na forma neutra, o sol não age -- está. Em inglês, por outro lado, o sol normalmente age: The sun shines (ou bakes ou scorches the earth, burns, e blazes ou beats down) todas ações. Quando consideramos a oração the sun shone hot on his head percebemos o efeito da ação do sol na cabeça do homem, mas o que talvez se diria em português seria o sol estava muito forte. O problema surge quando as duas línguas não versam sobre as mesmas coisas. As informações sobre a maneira de acontecer movimentos, por exemplo, freqüentemente são irrelevantes para os falantes de português, e tal informação geralmente não seria explicitada nessa língua. Mesmo conseguindo perceber esses aspectos de um evento, fica quase impossível de incluí-los em uma frase em português, pelo menos sem colocar um ou outro traço semântico em posição de destaque, como nas orações acima sobre a travessia da ponte, o que normalmente não ocorre em inglês.Qualquer uma das escolhas possíveis modifica o efeito do trecho em questão no texto. 2. O estudo Dado essas dificuldades potenciais em lidar com as diferenças entre inglês e português, foi montado o presente estudo para averiguar as soluções encontradas por aprendizes brasileiros e professores de inglês competentes quando confrontados com tais elementos. A pesquisa foi realizada a partir dos dados obtidos com 13 alunos matriculados em uma disciplina de inglês pré-intermediário e 10 em uma de tradução (de nível intermediário) em um curso de lingüística numa universidade pública do estado de São Paulo ( sub-grupo de alunos) e 19 professores de inglês cursando uma disciplina de pósgraduação na mesma universidade (sub-grupo de professores).. O texto foi baseado numa narrativa usada para investigar eventos de movimento num estudo de Yu (1996). O texto, contendo 27 complexos verbais com satélites, foi entregue aos sujeitos para tradução em casa. Foi permitido uso livre do dicionário, como também consulta aos amigos. O que interessava era o produto aceito e colocado no papel pelos sujeitos. Os resultados são discutidos abaixo. 3. Resultados VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Os diversos problemas encontrados serão discutidos separadamente. Além disso, as restrições de espaço impedem uma discussão mais extensa de todos os exemplos. Serão então selecionados exemplos típicos para a discussão. O primeiro tipo de problema envolve o tratamento dos satélites. Esses são de dois tipos, os que refletem aspecto e os que traduzem o percurso. Depois serão dados exemplos mostrando as dificuldades de lidar com a presença de informações sobre a maneira de movimento entre os traços do significado lexical do verbo. Satélites de aspecto Quatro dos 27 complexos verbais contendo satélites identificados como potencialmente problemáticos no texto envolvem aspecto: saddle up, set out, continue on, e set off. Uma investigação mais aprofundada mostra, entretanto, que nenhum desses exemplos foi problemático. Os alunos dispunham de dicionários, e muitas vezes os satélites de aspecto são tratados como expressões idiomáticas, o que acontece com set out e set off. Aparentemente foi suficiente para 16 dos 23 alunos e 14 dos 19 professores (16 A; 14 P), que fizeram traduções que deixaram claro essa idéia de começo. Para set off, entretanto, 15 dos alunos e 12 dos professores não incluíram explicitamente a idéia de começar a viagem de volta para casa (com traduções como voltar para casa, ir para casa, andar rumo a, subir, ir em direção a e seguir para). Entretanto, essas traduções são cultural e contextualmente adequados e não atrapalham a narrativa, mesmo que não fique claro se a falta de menção da idéia de começo se deve à falta de percebê-lo ou a uma escolha de ignorá-lo. O único aluno que deixou explícito a idéia do começo (começou a voltar para) não conseguiu fazer uma tradução que soasse natural em português, falta de naturalidade esta que, alias, tende a acompanhar a maioria das traduções desse tipo de estrutura. A situação dos outros dois exemplos de satélites de aspecto era um pouco diferente, porque as informações aspectuais eram redundantes em relação ao contexto. Assim a falta de explicitação da idéia de termino de preparação na tradução de saddle up não constituiu um problema porque selar o cavalo (escolha de 15 dos alunos e 15 dos professores) já implica o termino do preparo do cavalo para sair. As traduções de montar o cavalo e subir no cavalo eram infelizes por não mencionar o preparo do fazendeiro, mas no contexto não apresentaram dificuldade na compreensão; somente 1 professor aparentemente não entendeu a narrativa (ou não sabe muito sobre o preparo de cavalos) porque usou a expressão atrelar cavalo. No caso de on in continue on, o aspecto de continuidade é totalmente redundante em relação ao verbo continuar. A maioria (10 A; 12 P) simplesmente ignorou a sua presença, e os que tentaram explicitá-lo de alguma maneira escolheram advérbios adequados para o texto, que retomaram aspectos da ação que continuou.. Assim, os satélites de aspecto nesse texto não se mostraram problemáticos.Aliás, tende a ser o caso que tais satélites são considerados como parte integrante de expressões idiomáticas, estratégia que facilita a tradução quando se utiliza o dicionário, mas que pode levar o aprendiz a não perceber um aspecto sistemático da língua inglesa que poderia lhe fornecer subsídios para uma melhor compreensão de certos textos sem a necessidade do uso tão assíduo do dicionário. Satélites de percurso VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Os satélites explicitando o percurso estão potencialmente associados a dois tipos de problema: a questão do percurso em si (que seria explicitado no significado da raiz do verbo lexical no português) e o fato de que os verbos de movimento que os acompanham tendem a trazer detalhes sobre a maneira pelo qual se fez tal percurso, informação esta normalmente não presente no texto em português. O texto deste estudo continha 23 expressões com satélites de percurso (1 com along, 3 com up, 1 com off, 1 com forward, 3 com over, 6 com into, 3 com out of, 3 com down, 1 com across, e 1 com through). Duas dessas consistiam em expressões idiomáticas nos dicionários (get off e pick up) e foram facilmente resolvidos com o uso do mesmo. Além disso, os satélites out of (traduzido com a preposição para fora de) e down (traduzido como [colina] abaixo) que apareceram com verbos relativamente comuns resultaram em traduções adequadas (embora houve a tradução de the ball jumped out of the basket como pulou fora da cesta (3 A; 2 P), que não sugere o movimento de dentro da cesta para fora. Quando a situação descrita não era tão corriqueira, entretanto, as dificuldades apareceram, especialmente quando a maneira de desempenhar o movimento não era uma ação previsível. Assim, a expressão pulled himself out of era extremamente difícil para os tradutores darem conta de ambas as idéias de puxar-se para cima e de sair. Alguns simplesmente se concentraram na informação sobre a maneira de agir, sem mencionar a saída da água (com traduções como puxar-se2 (1 A), erguer-se (2 P), puxar o tronco (1 A), levantar-se (1 A; 1P), arrancar-se (1 A; 1P), dar impulso para sair (1 A; 1P) e levantar (1 P) ) enquanto outros prestigiaram a informação sobre a saída do córrego (sair (4 A; 2 P) sair de (8 A; 7 P) . Somente 3 alunos e 1 professor conseguiram incluir ambas as idéias com a tradução puxar-se para fora de. Houve uma tendência de tentar traduzir ambos as partes do complexo verbal (raiz do verbo lexical e satélite), o que levou a redundância desnecessária e não muito natural em português, como nas traduções dos itens fell into e run into. Especialmente para os alunos intermediários, há uma tendência de traduzir o satélite explicitamente, o que às vezes leva a expressões não naturais. No caso de fall into, a maioria dos alunos o traduziam como cair dentro de (13 alunos e 2 professores); já a maioria dos professores deram uma tradução mais natural da língua escrita de cair em (6 alunos; 16 professores). No caso de ran into [the room], a maioria dos alunos fizeram a mesma coisa, traduzindo separadamente as duas palavras (correr para dentro: 13 alunos e 4 professores), enquanto 6 alunos e 8 professores optaram para uma forma mais natural (correr para), forma esta que não menciona a entrada na sala mas somente o modo de se avançar para o destino. 4 professores e 1 aluno priorizaram o aspecto de entrar, com 2 incluindo as duas idéias numa forma natural, embora com ênfase exagerada no aspecto da maneira de entrar (entrar correndo). O exemplo de flutuar é típico das armadilhas que enfrentam tradutores de inglês para o português que tentam seguir a rigor a estrutura superficial de inglês, o que leva a expressões pouco naturais no português. Como no exemplo clássico de Talmy de uma garrafa flutuando no mar que entra numa caverna, em inglês se descreveria a situação como: The bottle floated into the cave. Em português, entretanto, flutuar, que compartilha o traço de boiar sem afundar com float não tem o traço semântico de movimento 2 No relato das traduções, os verbos foram “reduzidos” à forma do infinitivo para evitar complicação devido às diferentes estruturas sintáticas escolhidas. A questão do tempo verbal foi avaliada em separada e somente em poucos instâncias revelou diferenças interessantes. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil horizontal. Se dizer a garrafa flutuou na caverna, assume-se que já estava lá – não houve movimento para dentro da caverna. Para incluir tal informação, teríamos que dizer a garrafa entrou na caverna flutuando, o que põe em destaque a informação de flutuação. No texto desse experimento, a bola veia flutuando até os pés da mulher, mas somente 2 dos sujeitos conseguiram traduções adequadas (ir flutuando até (1 A) e vir flutuando diretamente para (1 A). A maioria dos participantes reconheceram float como flutuar ou boiar e o traduziram quase que literalmente, com os seguintes complementos de flutuar: em direção a (2 A; 1 P), perto de (1 A), até junto (3 A; 3 P), direto até (1 A); bem perto (1) sobre (1 P) direto em (1 P), bem diante (1 P), bem a ((2 A; 2 P) e direto para (5 A; 3 P), sem perceber as diferenças sintáticas. Outros traduziram com boiar e um complemento, tais como até (1 A; 1P), próximo (2 A); na direção (1 P) e bem em (1 A). Percebe-se que o uso de para e até dão uma certa idéia de movimento, mas a frase não soa natural. Além do mais, o que fica importante no texto é a aproximação da bola aos pés da mulher e não o modo pelo qual acontece – o movimento é crucial para compreender o texto, mas não transparece na maioria das traduções. O caso de ride up é semelhante. A maioria dos sujeitos traduziu ride como cavalgar, mas há diferenças. O dicionário Aurélio define cavalgar como montar sobre, encavalgar e dá um exemplo do seu uso: contava histórias de bruxas que cavalgavam cabos de vassoura e saíam voando. Parece que o verbo cavalgar se refere mais ao estado de estar montado ou sentado no [cavalo] do que de mover-se para frente montado num cavalo, embora o fato de que um cavalo anda para frente pode deixar tal movimento implícito (como seria no exemplo de mounted on [a horse] em inglês), . A situação descrita em inglês e português é idêntica, mas o ponto de vista não é compartilhado, e dependendo do contexto imediato, a tradução soa estranha. Normalmente, quando se quer fazer referência ao movimento para frente em cima de um cavalo, fala se em andar de cavalo. No caso desse texto, a referencia ao cavalo já era redundante, devido à sua menção na frase anterior, e certamente o enfatizou demasiadamente. As traduções mais naturais aproveitaram de expressões como subir (10 A; 10 P), subida de (3 A; 1 P) e subir em (1 A) mas não faltaram traduções com cavalgar: cavalgar a colina (1 A), cavalgar para cima (1 A), cavalgar a colina acima (1 A; 1 P), cavalgar sobre a colina (1 P) e cavalgar para o alto da colina (1 P), todas mostrando uma tentativa de seguir estritamente a estrutura superficial de inglês, mas sem conseguir com isso expressões naturais no português. O problema principal com os satélites em si envolve partículas como over que não tem correspondência em português. Assim sendo, há equívocos na compreensão, como na expressão reached over to the ball que sugere que as mãos fizeram movimento em direção à bola, o que não aparece na maioria das traduções, tais como alcançar a bola (10 A; 6 P); outras traduções inadequadas incluem chegar sobre (1 A) abaixar [-se] para (1 A; 2 P), ir alcançar (1 P), inclinar-se (2 A; 1 P), ir até a bola (1 P), apanhar a bola (1 A). A tradução de esticar-se para alcançar (2 A; 2 P) foi provavelmente a melhor. Não está claro se a dificuldade com esse item se deve a problemas com a compreensão do satélite ou com a interpretação da ação do verbo, ou ainda com os dois. Verbos de movimento Os problemas mais graves relacionados com a tradução do inglês ocorrem quando o complexo verbal inclui satélites está relacionado à presença de verbos explicitando uma maneira de movimento que não seria normalmente explicitada em VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil português. O sentido de tais verbos é pouco conhecido entre brasileiros e, além disso, trazem informações culturalmente compartilhadas que normalmente não são reforçadas por outras informações no texto. Nesse caso, as dificuldades na tradução eram muitas. Um exemplo típico seria o verbo splash. .Este verbo traz duas idéias ao mesmo tempo, a de espirrar água por todos os lados e a de fazer barulho ao entrar na água com uma certa violência. Nesta situação, o falante de português brasileiro não se preocupa com esse tipo de ação e o barulho que o acompanha, culturalmente explicitados em inglês, que se associam com esta situação. Quando uma bola entra na água há um certo barulho e a água espirra / respinga para todos os lados, mas normalmente esses detalhes são irrelevantes para falantes de português. Pode-se até falar que a bola fez um barulho ao entrar na água e que a água espirrou por todos os lados, mas isso chamaria atenção do leitor aos detalhes. Em inglês, por outro lado, os sons e maneiras típicos são “perpetuados” pela língua e são freqüentemente invocadas como pano de fundo através dos verbos relevantes. Existem, por exemplo, vários situações associadas com líquidos, tais como splash, slosh, e splatter, mas cada uma dos verbos está ligada a uma situação específica. Splash envolve o impacto de um objeto sólido em um líquido e o comportamento desse líquido (espalhando gotas de líquido pelo ar). Slosh se refere à ação de ondas de um líquido batendo contra outras formadas pelo movimento desse líquido contra as paredes de um recipiente. E splatter se refere à situação em que uma substância com viscosidade relativamente alta (pastosa) entra em contanto com uma superfície dura, caindo /se distribuindo em manchas relativamente grandes, também acompanhada por um som típico. É necessário que se imagine a situação para recuperar o som/imagem. Os efeitos e sons relacionados com o impacto de sólidos contra líquidos, de líquidos contra si mesmo e de uma substância mais pastosa contra um sólido podem variar bastante, mas existem alguns traços que se mantêm. As mesmas situações acontecem no Brasil, mas os falantes de português brasileiro normalmente não fazem referência a eles como tal, nem ao comportamento dos líquidos, nem aos sons resultantes, enquanto em inglês essas informações geralmente constam como “pano de fundo” em textos, como se fossem lembranças de aspectos culturais compartilhados, sem destaque nenhum. Mesmo que conseguíssemos descrever o evento em português, teríamos que destacar os detalhes, porque não há um hábito, nem modo, de se referir a eles de uma maneira neutra. Torna-se muito difícil deixar essas informações como pano de fundo em um texto em português. A maioria dos sujeitos recuperaram a idéia da entrada na água com cair no lago (4 alunos; 9 professores), e é interessante notar que vários desses indivíduos incluíram dentro (6 alunos; 3 professores). Somente poucos sujeitos conseguiram juntar a idéia de entrada na água com alguma noção da maneira da entrada (ruidosamente (1 aluno), espirrando água por todos os lados (1 professor), mas nenhuma outra tradução aproximou-se de uma tradução adequada.Talvez uma re-lida cuidadosa auxiliasse a evitar questões problemáticas como algumas das traduções abaixo: A bola espirrou no/dentro do lago (nada saiu de dentro da bola) A bola respingou no lago (é água que respinga, não uma bola) Aspirrou dentro do lago (nem existe a palavra aspirrou) Se espatifou no lago (a bola não se desfez em pedaços) Esparramou sobre o lago (a bola não mudou de formato para espalhar e cobrir o lago) Salpicou dentro do lago (não pulou de leve no interior do lago) VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Jogou-se (sugere uma agenciação da bola) Precipitar-se (de novo sugere uma agenciação da bola) Bateu sobre o lago, espirrando água (à primeira vista parece razoável, só que é a batida que espirra água, e não a bola) É difícil saber se os erros refletem uma falta de conhecimento do significado exato das palavras em português ou o uso cego de uma tradução fornecida por um dicionário. Outro exemplo semelhante se encontra com a expressão crashed through the window. Nenhuma das traduções era adequada, mesmo que os alunos conhecessem a palavra crash como em acidente de carros. O problema deve refletir pelo menos parcialmente o fato que em português os dois conceitos envolvidos não se combinam. Ou se fala do crash (e a quebra da janela) ou se fala da travessia da bola através da janela. Nesse caso, não existe a solução *atravessou com impacto forte acompanhado por barulho porque não faria sentido. A travessia de um lado da janela para o outro veio depois, e em conseqüência, do impacto. As traduções não conseguem captar o significado: bater em (2 A; 4 P), bater contra (2 A), quebrar (10 A; 5 P), atravessar (2 A; 4 P), chocar[-se] com / contra (2 A; 2 P), entrar por (1 A), mover-se através (1 P), jogar-se contra (1 P), através de (2 A; 1 P), quebrar o vidro através da janela (1 A) e espatifar-se em/contra a janela (1 A; 1P). O levantamento dos problemas desse último item mostra a dificuldade envolvida em considerar somente o produto da tradução, e está sendo planejado uma extensão desse estudo usando protocolos orais para investigar o processo de tradução. Referências bibliográficas EL-DASH, L.G. 2003 Verbos que expressam maneira de movimento em inglês: Um problema pragmático. Trabalho apresentado no II Encontro Nacional do Grupo de Estudos de Linguagem do Centro-Oeste (GELCO), Universidade Federal de Goiás. _________ & BUSNARDO, J. 2002 Informational density and processing: A mapping problem for Brazilian students of English. Trabalho apresentado no 13th World Congress of Applied Linguistics (AILA 2002), Singapore. ÖZCALÝSKAN, S., e D. I. SLOBIN. 1998 Learning how to search for the frog: Expression of manner of motion in English, Spanish, and Turkish. IN A Greenhill, H. Littlefield, e C. Tano (orgs.). 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III: Grammatical VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil categories and the lexicon (p. 26-149). Cambridge: Cambridge University Press. Yu, L. 1996 The role of L1 in the acquisition of motion verbs in English by Chinese and Japanese learners. The Canadian Modern Language Review/La Revue canadienne des langues vivantes, 53.1: 191-218. Apêndice Once upon a time there lived a farmer and his wife in a cottage near a lake at the foot of a hill. They had lived there for 30 years, but they had no children. They prayed to God day and night, hoping that He would give them a child. One night, God spoke to the farmer in a dream: “You will have a child tomorrow. They baby will be up on the hill and then down in the lake. Early next morning, the farmer saddled up his horse, said good-bye to his wife, and set out for the hill. He followed the path along the lakeshore and soon started to ride up the hill. The trail was long, and the sun shone hot on his head. When he reached the top, he got off his horse and hurried forward. He stumbled over a log, and fell into the creek. He swore to himself as he pulled himself out and continued on. But he there was nothing on the hilltop but a big, round ball. Angry and upset, he kicked the ball down the hillside with all his strength. Then he stood beside a tree and watched as the ball rolled all the way down the hill, bounced over a bush, and into splashed into the lake. It so happened that at that time the farmer’s wife had walked down to the lake and was doing the washing. The ball floated right up to her feet. The shirt she was washing slid into the lake as she reached over and picked up the ball. To her, the ball looked just like a big baby’s face smiling up at her. After finishing the washing, she set off for her home with the ball in her basket. When she got to the cottage, the ball suddenly jumped out of the basket. It flew across the garden and crashed through the window into the cottage. The farmer’s wife ran into the room just in time to see the ball split into two halves and a child step out of it. The child shouted to her: “Mom, don’t be afraid. It’s me.” VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil