Zimbabwe É a economia, estúpido! Por Biriba Venichande em Harare Certamente que os que escreveram os livros de economia não tinham Zimbabwe em mente. Primeiro, não se sabe quando é que a expressão crescimento económico sumiu da linguagem económica do Zimbabwe. A economia zimbabweana tem estado a contrair-se desde os finais dos anos 90 e registado um crescimento negativo. O governo já tentou várias medidas visando estimular a economia, que se descreve como em estado de coma, sem sucessos palpáveis. Segundo, no Zimbabwe fala-se mais de híper-inflação e com razão: a inflação ronda os 100.580 por cento. Nem nos tempos mais difíceis a inflação em Moçambique chegou a esses níveis, tendo-se quedado em 74 porcento. A prova de que os níveis de inflação no Zimbabwe atingiram proporções estratosféricas são as constantes e quase diárias mudanças de preços dos produtos alimentares. O zimbabweano sabe que deixar de comprar um produto de manhã pode significar a compra de menos produtos ao fim do dia – o custo de oportunidade do dinheiro é justamente não o utilizar na hora. O que está mais do que certo é o facto de que a economia, ou o que resta dela, está nas mãos dos comerciantes informais. O sector informal da economia é que acaba servindo de motor para toda a economia. E o governo acha que este sector é que é um dos grandes males da economia zimbabweana, e já apareceu com várias medidas concebidas para combatê-la. Até aqui o resultado tem sido um grande zero. Por ironia, grande parte dos comerciantes informais são figuras ligadas à nomenklatura. Analistas dizem que estes nem estão interessados que a situação ou o actual status quo seja alterado. São pessoas cujas vozes em apoio ao octogenário presidente Robert Mugabe são mais audíveis. O governo tem tentado controlar os preços sem sucesso. A National Incomes and Prazins Commission [(NIPC) Comissão Nacional de Rendimento e Preços] submeteu recentemente uma proposta solicitando permissão para controlar o preço de combustíveis e outros produtos. Desde que parcialmente se desregulou o sector de combustíveis em 2005 para permitir que as empresas importadoras conseguissem abastecer o mercado, as bombas têm marcado o seu preço em função dos preços no mercado internacional. A medida permitiu que não houvesse escassez de combustível. Agora é possível comprar combustível só que com um senão: compra combustível quem tem as famosas “verdinhas”. Todavia, esse não é um processo tão simples e directo como chegar numa bomba de combustível e abastecer. É preciso comprar senhas na companhia petrolífera estatal ou numa importadora privada e só depois é que se pode dirigir a uma bomba de gasolina para se efectuar a compra. A mania pelas “verdinhas” é tão grande que mesmo um livro publicado há dez anos vai sofrendo alterações no seu preço em função da taxa de câmbio paralelo, isto porque o preço é marcado em dólares norte-americanos, apenas se fazendo a conversão para os dólares zimbabweanos. A caça ao dólar E nesta altura de eleições o governo encontrou uma outra forma para captar divisas: um jornalista estrangeiro é obrigado a dispender US$600 (US$500 para ter licença temporária para exercer as suas funções como jornalista, e mais EUA$100 para cobrir as eleições). Um zimbabweano que trabalhe para um órgão estrangeiro terá de pagar USD$ 4200. Já os passageiros da companhia aérea zimbabweana (Airzim) são desde 29 de Fevereiro obrigados a pagar um imposto especial de combustível aéreo (jet fuel). Um passageiro que viaje para a China paga um imposto de US$110, para além dos US$12 da taxa de embarque. Para África do Sul paga-se US$90 mais a taxa de embarque. Analistas dizem que a medida radica do facto de que a Airzim estava a debater-se com falta de divisas para satisfazer os custos operacionais e de combustível. Aparentemente esses dólares acabam parando nos cofres do Banco Central, o Reserve Bank of Zimbabwe (RBZ). O Banco Central é que determina o montante que cada indivíduo ou companhia pode levantar. Por lei, todos os que recebem em dólares norte-americanos devem ser detentores de uma conta em divisas, mas nem sempre que querem levantar o seu dinheiro o conseguem. Muitas ONGs não têm conseguido pagar os salários dos seus trabalhadores porque o RBZ não tem divisas. Fala-se de esquemas em que as “verdinhas” acabam nos bolsos de figuras ligadas à nomenklatura que as compram ao câmbio oficial de 30 mil dólares zimbabweanos por um americano e as vendem no mercado negro (onde um dólar americano compra 44 milhões de dólares zimbabweanos), fazendo um gordo lucro – o câmbio oficial está claramente desajustado com a realidade económica do país. A economia está largamente dolarizada mas o governo nem quer ouvir falar nem aceitar que essa seja a realidade, mantendo o controle sobre a taxa de câmbio. Numa situação dessas existem duas estratégias que o governo devia seguir para eliminar as distorções de uma taxa de câmbio desajustada: ou se permite que a taxa de câmbio oficial flutue até atingir os níveis do mercado ou que se dolarize toda a economia. Todavia, os fundamentos económicos desencorajam a última estratégia visto que à partida os desafios de implementação desqualificam a sua aplicabilidade no Zimbabwe. A saída seria mesmo deixar o dólar zimbabweano flutuar, mas seria necessário que as instituições multilaterais dessem garantias de que apoiariam tal estratégia. A seguir seria uma questão de escolher um modelo económico adequado e eficiente para estimar a taxa de câmbio num país como o Zimbabwe. Entretanto os azares do Zimbabwe são uma bênção para os países vizinhos. A África do Sul é um dos grandes receptores dos trabalhadores zimbabweanos (qualificados e não qualificados). Estima-se que haja acima de um milhão de zimbabweanos no Botswana, 155 mil na África do Sul, e outros dois milhões espalhados pelo mundo. Vários sectores da economia sofreram uma razia, sendo que, por exemplo, as companhias de telefonia móvel estão a perder muitos peritos. Consequentemente, as redes não conhecem melhorias – tentar ligar para um cliente de uma telefonia móvel é preciso ter-se paciência de chinês. Talvez nesta fase de integração regional a Mcel começasse a considerar fazer um investimento deste lado da fronteira. Um dado interessante é que as prateleiras dos supermercados andam cheias de produtos dos países vizinhos. Há vários produtos moçambicanos que este correspondente conseguiu identificar em alguns supermercados, começando pelo queijo (diversos sabores), entre outros. O açúcar abunda, o que é uma ironia pois do lado moçambicano também há açúcar do Zimbabwe. Mexer na economia Os quatro candidatos presidenciais [Langton Towungana (independente), Morgan Tsvangira (MDC-Tsvangirai), Robert Mugabe (Zanu-FP) e Simba Makoni (independente)] e os partidos políticos tentam a todo o custo convencer o eleitorado de que têm a solução para os problemas económicos que o país enfrenta. Makoni é o antigo ministro das finanças e secretário executivo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Makoni era até recentemente membro do partido no poder, a Zanu – FP (Frente Patriótica), tendo sido irradiado quando declarou no dia 5 de Fereveiro a sua intenção de se candidatar à presidência da República como candidato independente. Neste momento o que os zimbabweanos querem é um líder que pode cumprir com as suas promessas eleitorais. Os analistas económicos dizem que os manifestos dos dois candidatos da oposição são quase idênticos pela forma como abordam a crise económica que afecta o país. “Ambos os manifestos parecem os mesmos,” disse Daniel Ndlela. Ambos colocam ênfase na criação de políticas visando reverter a actual situação de crise. Um dos grandes problemas é o da corrupção. Os dois candidatos da oposição vincam que é necessário combater a corrupção e assegurar que todos os corruptos sejam levados a julgamento. Quando à questão de terra, ambos afirmam que deve haver transparência e os processos de aquisição de terra devem ser equitativos – o que acontece neste momento é que quando se deu a invasão de terras de farmeiros brancos quem acabou ficando com as mais férteis foram os acólitos de Mugabe. Defendem também a necessidade de apoiar o sector industrial como um dos motores de crescimento económico, gerador de emprego e de divisas. Tanto Makoni como Tsangirai falam da necessidade do país voltar a engajar a comunidade internacional na resolução dos problemas do Zimbabwe. Analistas mencionam que é aqui onde reside a diferença entre os dois candidatos e Robert Mugabe. O manifesto de Mugabe coloca mais ênfase na defesa “da nossa terra e soberania nacional”; uma clara alusão ao falhado programa de reforma agrária. O cavalo de batalha de Mugabe é a actual vergonhosa campanha de compra de voto através de um programa de indigenização da economia e empoderamento das massas. Numa medida claramente política o governador do RBZ, Gideon Gono, tem aparecido ao lado de Mugabe a distribuir tractores, charruas, geradores e outros insumos agrícolas às populações, para além de autocarros – o que dá para questionar quais são de facto as funções de um governador de um banco central. Mugabe também aparece a distribuir computadores em escolas rurais onde não há energia eléctrica Há sinais de descontentamento e mesmo nas zonas rurais onde Mugabe parece ter grande parte do seu eleitorado, as populações começam a não vê-lo como o futuro do país mas alguém que representa o passado. Talvez os tractores e charruas, entre outros, tenham chegado tarde para salvar o reinado do velho presidente. Disse bem o antigo presidente norte-americano, Bill Clinton, ao desafiar o então presidente George Bush Sénior que “é a economia, estúpido.” Mesmo após ter “ganho” a guerra do Golfo, Bush Sénior perdeu as eleições para sua re-eleição porque que em países normais o que faz ganhar as eleições em tempo de paz é a percepção que se tem do candidato sobre a sua gestão de economia. Quem quer que for o vencedor destas eleições terá mesmo que voltar a ler os manuais de economia. Processo eleitoral zimbabweano sofre novo revés A credibilidade das eleições harmonizadas de 29 de Março no Zimbabwe acaba de sofrer mais um revés devido à mudanças a última hora à lei eleitoral. A lei eleitoral dizia claramente que a polícia tinha que estar a 100 metros das assembleias de voto, mas o presidente zimbabweano, Robert Mugabe, usando do Poder Presidencial (Medidas Temporárias) surpreendeu todo o mundo ao legislar a autorizar que membros da polícia se posicionem dentro das assembleias de voto. O que isto quer dizer é que os agentes da polícia podem ajudar os eleitores que precisam de assistência a votarem. As mudanças foram feitas unilateralmente e mesmo a comissão zimbabweana de eleições (ZEC) foi apanhada em contrapé. Numa reunião na terça-feira com políticos, parceiros e observadores, a questão foi colocada ao presidente da comissão que teve dificuldades em responder porque ainda nem tinha visto a lei. Vários observadores acreditam que as mudanças vão minar a confiança do público, sobretudo no que concerne à noção de que o voto é secreto – corre um rumor, especialmente nas zonas rurais, de que vai ser possível saber em quem um eleitor votou. Mas isto é mais uma forma que o partido no poder encontrou para “encorajar” as populações rurais a votarem na Zanu-FP. De qualquer forma a presença da polícia dentro das assembleias de voto é intimidatória e contraria a letra e espírito da Artigo 2.1 dos Princípios e Guiões da SADC Governando Eleições Democráticas que requer que os Estados membro criem condições para uma participação ampla dos seus cidadãos em processos políticos – será interessante ouvir o que a missão de observação eleitoral da SADC vai dizer. Já na semana passada levantou-se a preocupação de que a ZEC estava a alocar poucas assembleias de mesa nas cidades. Harare com 766,478 eleitores registado (o maior círculo eleitoral) tem apenas 379 assembleias de voto – segundo analistas, isso vai requerer que se leve 22 segundos por cada eleitor e em alguns casos nove segundos. A preocupação dos partidos políticos da oposição, principalmente o MDC, é de que muitos eleitores nas cidades poderão não votar e olham para isso como mais uma manobra política do partido no poder para que haja menos votos nas cidades, áreas da oposição. Entretanto a ZEC jura de pés juntos de que os números providenciados das assembleias de voto são provisórios. Com menos de duas semanas para as eleições há muitos cépticos que a ZEC terá de convencer de que de facto está a conduzir o processo de forma “independente, imparcial e transparente” como diz no seu lema. SAVANA – 21.03.2008