UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A ARTE EM HEGEL João Pessoa – PB 2011 1 MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A ARTE EM HEGEL Trabalho dissertativo apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do prof. Dr. Edmilson Alves de Azevedo em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Filosofia. João Pessoa – PB 2011 2 MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A ARTE EM HEGEL Trabalho dissertativo aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do prof. Dr. Edmilson Alves de Azevedo em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Filosofia. APROVADA EM:_____/______/_____ Prof. Dr. Edmilson de Azevedo (Orientador) Prof. Dr. Oliver Toller (Membro Externo) Prof. Dr. Bartolomeu Leite da Silva (Membro Interno) João Pessoa – PB 2011 3 AGRADECIMENTOS À minha mãe, Socorro Ramalho, que com sua alma poética e apaixonada pela beleza e pela sabedoria, desvendou em mim o anseio e a paixão pela arte e pela filosofia. Dedico a alegria sentida por essa etapa realizada, no devir de minha existência à sua memória, com a certeza de que acolherás em seu coração o mais sincero agradecimento e a eterna declaração do meu amor. Ao Espírito Absoluto, por sua fulgurante e inefável presença que tem me fortalecido, iluminado e conduzido meus passos indicando o caminho a seguir. À minha família, que com sua presença de amor e incentivo me ensina que o mais valoroso na vida é aprender a viver intensamente cada momento junto aos que amamos, pois eles são o nosso maior tesouro. Em especial, agradeço à minha irmãe Luzi que tanto amo e que tem sido a minha fortaleza e exemplo a seguir. Ao meu cunhado Ariosvaldo, pelo seu apoio e pelas lições de superação que demonstra ao longo da sua trajetória de vida. Ao meu pai que amo e admiro, porque em sua simplicidade nos revela uma sabedoria de vida, encontrada em poucos filósofos! Aos mestres, a minha gratidão por terem dividido conosco o seu saber ao desvelar os nossos olhos o amor à sabedoria. E, de modo especial, o meu reconhecimento ao meu orientador que considero um amigo, por sua competência, dedicação e compreensão. 4 Porque é assim mesmo que é composta a vida humana. Ela é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito para fazer disso um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas de sua sonata [...] o homem inconscientemente compõe sua vida segundo as leis da beleza (Milan Kundera). 5 RESUMO Ao propormos uma reflexão sobre a temática arte e liberdade, segundo o pensamento hegeliano, no que concerne ao primeiro volume dos Cursos de Estética, temos como finalidade, lançar uma discussão a respeito do modo como Hegel afirma a arte enquanto expressão da liberdade, já que por meio dela o Absoluto se manifesta na finitude. Ela anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma, mediante a possibilidade de unir essas duas dimensões no Conteúdo por ela expresso em suas produções artísticas. Assim, mediante a contemplação do belo na arte o espírito finito encontra a possibilidade de ascender à esfera do infinito e desvelar a consciência da liberdade, o saber que se sabe livre. Sendo assim, o fio condutor de nossa investigação, versa sobre a problemática da arte, compreendida como uma instância fronteiriça situada entre a finitude e o domínio do infinito. Palavras-chave: Arte; Liberdade; Estética; Absoluto; Contemplação. 6 ABSTRACT By proposing a reflection upon art and liberty, by means of Hegel’s work, Lectures and Aesthetics, we intend to discuss the way Hegel asserts art, which is, as an expression of liberty whereby the Absolute is manifested in the finite sphere. It (art) announces the reconciliation between spirit and nature, matter and form by means of the possibility of uniting these pairs of dimensions into the Content expressed in artistic productions. Thus, by means of the contemplation of beauty in art, the finite spirit comes to the possibility of rising to the infinite sphere and of unfolding the consciousness of liberty, and the freedom of knowledge. Therefore, the basis of our investigation entails the issue of art that is understood as a borderline between the finite sphere and the infinite field. Key words: Art, Liberty, Aesthetics, Absolute, Contemplation. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena ............................................................ 14 Figura 2 – Deusa Atena ............................................................................................... 40 Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza....................................................................... 59 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO DE HEGEL.......................... 18 2.1 RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO........................... 19 2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA......................................................................... 23 2.2.1 O pensamento de Kant.................................................................................... 24 2.2.2 O pensamento de Fichte.................................................................................. 29 2.2.3 O pensamento de Schelling.............................................................................. 34 2.3 O SISTEMA DE HEGEL..................................................................................... 40 3. HEGEL E A PROBLEMÁTICA DA ESTÉTICA............................................. 51 3.1 HEGEL E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA.................................................... 52 3.2 A ESTÉTICA NO SISTEMA FILOSÓFICO DE HEGEL.................................. 58 3.3 A ARTE LIVRE COMO OBJETO DA ESTÉTICA............................................ 62 4. A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE........................................... 73 4.1 A ARTE COMO REFLEXO DO ABSOLUTO................................................... 74 4.2 O DOMÍNIO DAS NECESSIDADES FINITAS E A PREOCUPAÇÃO COM A ARTE..................................................................................................................... 77 9 4.3 A ARTE LIVRE COMO RECONCILIAÇÃO ENTRE ESPÍRITO E NATUREZA......................................................................................................... 82 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 89 REFERÊNCIAS. ............................................................................................................ 94 10 1 - INTRODUÇÃO O presente trabalho dissertativo pretende lançar uma reflexão sobre a temática arte e liberdade, tomando como referencial teórico Hegel, em sua obra Cursos de Estética, especificamente o primeiro volume, ressaltando a análise que o autor faz da arte enquanto primeiro modo pelo qual o absoluto se manifesta na esfera finita, como expressão da liberdade. Um alçar vôo acima das querelas da existência finita e, portanto, imediatas, e lançar-se no reino da contemplação do infinito. O que significa dizer que partiremos da seguinte problemática: pensar a arte como um elo intermediário entre a finitude da existência imediata e o infinito reino do pensamento conceitual. Nossa pesquisa será norteada pelas seguintes hipóteses: poderíamos afirmar que a relação arte-liberdade no pensamento hegeliano seria resultado do desenvolvimento progressivo da consciência de liberdade ao longo da história da civilização, que, no que concerne a esta investigação, centra-se na manifestação da arte enquanto expressão primeira da ideia de liberdade na esfera finita, mediante a forma fenomênica do belo artístico. Outra conjectura hipotética seria a compreensão de que a partir da evolução do pensar que se sabe livre no século XVIII, é possível refletir sobre a discussão da problemática da autonomia da arte a ser afirmada como arte livre e objeto de especulação filosófica. Além disso, também é possível afirmar que o espírito finito por ter em si a dualidade na natureza e do espírito, mesmo quando ainda está envolto nas necessidades finitas, está inconscientemente em busca de sua liberdade. Com base nessas considerações, nosso objetivo é apontar para a compreensão de que a estética hegeliana assinala, através da dialética do pensamento conceitual e da existência fenomênica do belo artístico, para 11 uma visão da totalidade e universalidade da ideia de liberdade que é intrínseca ao Absoluto e, por extensão, também o é ao espírito finito, já que nele reside a síntese entre a natureza e o espírito. O desenvolvimento do conceito de arte, no sistema de Hegel, está atrelado ao desenvolvimento histórico e cultural do contexto da Alemanha do final do século XVIII, pois é justamente nesse momento da história que a arte desponta enquanto estética filosófica, nesse período, surge a necessidade da compreensão filosófica acerca da arte. Não estamos a afirmar que antes a arte não teria sido objeto de atenção na filosofia, mas o que se apresenta como novidade, no período acima citado, é o despertar para uma análise da arte, vista como estética filosófica e, essa nova visão acerca desse objeto é o que confere uma explicação fundada na filosofia e, assim, enquanto parte de sua totalidade. Assim, o conceito de arte em Hegel compreende a consideração do fenômeno concreto e histórico através do qual esse conceito se revela, pois a arte é um aparecer que não se restringe à matéria exterior, mas que expressa o universal. O conceito de arte se desenvolve a partir de uma dinâmica interna do Espírito que se dá a conhecer e se concretiza em suas representações artísticas. A arte livre anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma, mediante a possibilidade de unir essas duas dimensões no conteúdo por ela expresso, em suas produções artísticas. Estas são engendradas pelo espírito, sendo, portanto, de natureza espiritual. Destacamos que a relação arte-liberdade, segundo o pensamento hegeliano, sugere a conexão de ambas de modo que uma se justifica a partir da outra. A arte, em sua essência, por si só é essencialmente livre, não se vincula a interesses ou necessidades imediatas, mas antes, aponta para a contemplação da ideia da beleza que prescinde do 12 caráter utilitário. E a liberdade tem, em sua intrínseca constituição, o não atrelamento às querelas finitas, é o livre desprendimento das necessidades e interesses que a possam cercear. Deste modo se estabelece a relação entre elas como expressão da consciência de liberdade que o espírito finito vai progressivamente adquirindo mediante o desenvolvimento de sua racionalidade. Assim sendo, pretendemos indicar que é através da contemplação da beleza que o espírito finito vai se desprendendo da imediatez de sua existência e alça vôo rumo ao infinito, ao mundo conceitual dos livres pensamentos. Por esta razão, importa dizer que o amor pela sabedoria inerente à filosofia se estende à estética por meio da paixão pela contemplação da beleza, através da sabedoria expressa na forma fenomênica da arte. É assim que compreendemos a arte enquanto o brilho sensível do espírito absoluto. Em nossa pesquisa situamos o contexto histórico no qual Hegel se insere, nos séculos XVIII e XIX. Além disso, elencamos os pressupostos referentes à noção de sistema nos precursores de Hegel, notadamente na filosofia de Kant, Fichte e Schelling, afim de ilustrar os aspectos centrais debatidos por eles, que posteriormente foram retomados e reformulados por Hegel em sua filosofia sistemática. Lembramos que não temos a pretensão de nos alongar no diálogo sobre a filosofia dos autores apontados, mas somente almejamos trazer à tona o que eles legaram de contribuição para o ulterior desenvolvimento do sistema filosófico hegeliano, pois como nos adverte Hegel, devemos filosofar a partir do universal que se manifesta e se dá a conhecer mediante o seu processo de desvelamento histórico-conceitual. Apresentamos a problemática da estética inserido-a na dinâmica do pensamento hegeliano, de modo a refletirmos acerca do processo de autonomia da arte em sua 13 afirmação enquanto arte livre. Essa discussão sobre o processo da progressiva emancipação da arte como produção espiritual, perfaz um itinerário argumentativo que se inicia na Idade Média e se estende ao século XVIII, momento de fundação da estética enquanto disciplina filosófica, através do pensamento de Baumgarten. Nesse sentido, dialogamos com pensadores que nos auxiliarão nessa gradual reconstrução do caminho percorrido pela arte rumo à sua emancipação e autonomia. Tal intento pretende reconstruir teoricamente os momentos históricos do desenvolvimento da arte e a busca por uma definição teórica que a apresente enquanto disciplina filosófica, posto que ela reflete o saber adquirido no decorrer da história e o desenvolvimento do pensamento e/ou da racionalidade mediante o desvelamento de suas representações artísticas. Além disso, situamos o lugar da estética no contexto do sistema hegeliano como parte desse todo. Apresentamos o sistema hegeliano em suas partes constitutivas: Ideia, Natureza e Espírito, mas sem adentrarmos em uma análise pormenorizada, pois nosso objetivo é situar o lugar que a estética ocupa na completude do sistema. Assim, a estética seria produto do espírito e manifestação de sua imagem na esfera sensível, já que através dela é possível contemplar o infinito. Por meio da arte se pode vislumbrar o brilho sensível da Ideia. Esse percurso argumentativo visa situar o momento em que Hegel se atém à temática da estética que, para ele, é a “filosofia da arte”. Esse é o momento em que se configura a emancipação da arte, concebida como um fenômeno que se realiza na história e se afirma como disciplina filosófica da arte no século XVIII, em sua singularidade de conduzir à dimensão mais sublime a que se pode chegar na esfera sensível, o saber e a 14 consciência da liberdade. Nesse processo de afirmação da arte em sua autonomia e liberdade é que se localiza a obra Cursos de Estética, de Hegel, estando sua obra inserida no contexto que lhe permite lançar uma discussão histórico-estética da arte. Dessa maneira, o autor comunica em sua obra que a abertura para uma concepção filosófica e científica da arte se funda em transformações históricas que viabilizaram a reflexão acerca da arte livre. Apresentamos a arte e a liberdade correlacionadas enquanto âmbitos reciprocamente imbricados na dinâmica da progressiva iluminação do espírito finito que se desvela enquanto ser livre, ao longo da história. Nesta perspectiva, a arte é concebida como reflexo do Absoluto. Na arte, o Espírito se desenvolve a partir de si mesmo como um estranhamento rumo à sensibilidade para apreender-se e reconhecer-se em sua alienação, sob a Forma fenomênica do belo artístico. Ele impregna de pensamento os seus produtos e os transforma em parte de si. Essa correlação entre a arte e a liberdade pertence ao domínio da evolução do pensamento racional, o qual vai paulatinamente se compreendendo em sua dimensão subjetiva enquanto razão que se desenvolve na história. É assim que a arte, em sua configuração imagética, anuncia uma efetividade superior que significa através de si e aponta para a dimensão do infinito. Nesses termos, ela poderia ser compreendida como reflexo do Absoluto, posto que ilumina a esfera sensível com o seu brilho que é figurado nas suas produções, visto que ela manifesta a Ideia. Com efeito, através da preocupação com a arte é que o espírito finito vai se desprendendo da finitude imediata e ascendendo em direção ao reino do pensamento conceitual. Esse percurso atravessa diferentes esferas, que como degraus, vão conduzindo o espírito ao livre pensamento, a saber, à liberdade do ser que por ter atingido a 15 consciência de si, produz na arte a representação desse Conteúdo, o ilustrando mediante cores, formas e tons. Entretanto, para chegar a esse estágio, o espírito finito percorre as esferas das necessidades imediatas, tais como os impulsos, as inclinações, a ausência de satisfação decorrentes da existência finita que se apresenta em suas carências, o levando a buscar organizar sua existência através da criação da indústria, do comércio, da técnica, do direito, da vida em família e do Estado. Imerso em inúmeras necessidades imediatas e perante a insatisfação delas proveniente, o espírito busca formas que o ajude a suprir tais necessidades, até o momento em que se apercebe de que a resolução da contradição entre Espírito e Natureza deve ser buscada no domínio que lhe comunique a satisfação no saber e no conhecimento, pois aquele que não sabe não é livre. Sua liberdade está vinculada à consciência de que ele, embora sendo natureza, também é espírito, pois nele encontra-se a resolução da contradição por ele sentida mediante suas insatisfações e exteriorizada em suas necessidades imediatas. Ele é um ser espiritual, racional, mas também, dotado de natureza sensível, assim como a arte que tem em sua constituição a Matéria da qual é produzida, mas também a Forma que lhe confere o caráter de produção espiritual e reflexo do infinito. Para chegar a essa universalidade e unidade em si e para si, o Espírito Absoluto manifesta-se segundo três etapas: o espírito subjetivo que é identificado com as paixões humanas, o espírito objetivo referente às instituições e, o espírito absoluto que corresponde à forma mais perfeita, pois nele reside a identidade e o infinito. Desse modo, a arte surge quando o pensamento passa a ocupar-se do infinito. 16 Esse trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, situaremos o contexto histórico de Hegel, buscando elaborar um fio condutor das principais inflexões elaboradas por ele em seus escritos, considerando também a contribuição de pensadores como Kan, Fichte e Schelling para o ulterior desenvolvimento de sua filosofia sistemática. No segundo capítulo, refletiremos sobre a problemática da estética, afim de situar o momento em que a arte desponta no pensamento de Hegel enquanto preocupação filosófica e como parte da totalidade do seu sistema, além de discutirmos acerca da progressiva emancipação do espírito no seu desprendimento das querelas da finitude e conhecimento de sua natureza espiritual. No terceiro capítulo, apresentamos a arte e a liberdade correlacionadas enquanto âmbitos pertencentes ao infinito, ao domínio das necessidades espirituais e, portanto, livres. 17 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO PENSAMENTO DE HEGEL Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena. 18 2.1 - RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO Para pensarmos a problemática da relação arte-liberdade em Hegel, nos propomos nesse momento, elencar o contexto histórico no qual o autor se insere, a análise do momento em que a estética se coloca como questão a ser refletida por Hegel em seus escritos filosóficos, bem como, a consideração da arte que em sua própria constituição e autonomia, na modernidade, afirma-se enquanto arte livre. Ressaltamos que a consciência da liberdade é conseqüência da progressiva iluminação que o Absoluto vai desvelando ao longo da história, essa iluminação se dá a conhecer mediante a racionalidade “vista como aquilo que nos leva a descobrir, a estabelecer e a consolidar a verdade” (CASSIRER, 1992, p.32). Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão do século XVIII, nasceu em 1770 na cidade de Stuttgart. Foi influenciado pelas ideias iluministas de sua época1, contudo, percebeu as limitações desta corrente teórica e tentou recuperar a discussão sobre Deus, entendido por ele como o Absoluto. A compreensão sistemática da filosofia de Hegel teria possibilitado ao idealismo alemão2 chegar ao ápice da sua sistematização, pois o pensamento de Hegel é apontado como o ponto culminante do racionalismo (ZILLES, 1991, p.61). Hegel é um dos principais expoentes do idealismo alemão. Sua ambição intelectual consistiu em expressar a unidade do Todo mediante uma síntese universal. A filosofia hegeliana pode ser descrita na realização do Espírito em suas manifestações, nas quais desenvolve a consciência de si através da dialética da lei universal do devir. O contexto histórico no qual o autor se insere, os séculos XVIII e XIX, corresponde ao período do florescimento da filosofia moderna, momento em que o sujeito se coloca como objeto do conhecimento, ocupando-se do pensamento. Há nesta época uma 1 A época das Luzes, no tocante ao conteúdo de seu pensamento é dependente de séculos precedentes, como movimento de idéias pelo qual o espírito adquire a consciência de si mesmo. O iluminismo buscou enfatizar a capacidade do homem de conhecer a realidade e interferir nela através do uso da razão, organizando-a racionalmente. 2 “Idealismo” para Hegel consiste na certeza da consciência de ser toda realidade, a afirmação de que tudo é consciência (ROVIGHI, 2000, p. 720). 19 predileção pelo pensamento conceitual, devido à maturidade da cultura reflexiva. A razão é compreendida como o ponto a partir do qual tudo é ordenado. Assim, a filosofia hegeliana funda-se na racionalidade e na concepção idealista. Sua vida teórica pode ser entendida a partir dos dois momentos de sua produção intelectual, o da juventude e o de sua maturidade (cf. ZILLES, 1991, p. 61; ROVIGHI, 2000, p. 696). Na juventude, Hegel busca compreender o espiritual partindo das questões teológicas. Pretende fundamentar a religião a partir de uma atitude crítica e mediante princípios racionais. Nesta fase, foi influenciado sobremaneira pela educação familiar e religiosa, as quais seriam fundamentais para a sistematização do seu pensamento. Educado no cristianismo, de tradição protestante, que primava pelo aspecto racional e moral da religião, demonstrou interesse, desde cedo, pela dimensão religiosa, tanto que aos dezoito anos começou a estudar teologia em um seminário protestante. Esta formação foi marcante em seus escritos da juventude que versavam sobre teologia. Assim, escreve obras como Religião popular e cristianismo; Vida de Jesus; A positividade da religião cristã. Nesta fase, Hegel apresenta a sua concepção de Deus como unidade que se faz multiplicidade, por meio da oposição entre finito e infinito, o qual realiza o retorno à unidade primeira Dele consigo mesmo, no outro de si (ZILLES, 1991, p. 62). Ele pensa o Absoluto na elevação do pensamento religioso e o compreende como o Uno: a vida criadora, aqui definida como Deus e que posteriormente será definida como Espírito. Nesta fase, o jovem Hegel coloca o dogma da Trindade no qual o Pai representa a totalidade divina; o Filho enquanto aquele que se encontra no seu eu finito; e o Espírito Santo, entendido como a superação da finitude e o retorno à totalidade. Esta dialética do dogma trinitário é um esboço do que será a dialética do Absoluto. Assim, em seus primeiros escritos, tendia a desprezar o rigor metodológico da compreensão conceitual. Só na maturidade é que ele iria desenvolver uma filosofia adequada à conceitualização do mundo como um todo, e especificamente do mundo moderno (INWOOD, 2000, p. 608). A transição dos escritos teológicos para os escritos filosóficos, na dinâmica do pensamento hegeliano, ocorre depois de 1800. Neste período, ele visa unir a reflexão religiosa à filosofia, a fim de favorecer o finito a atingir a consciência do Absoluto, que 20 corresponde à consciência de sua liberdade. Este é o processo lógico da resolução da oposição finito-infinito, o processo dialético da unificação e reconciliação dos contrários, no Absoluto. Desse modo, Hegel desenvolve seu sistema filosófico, pois acredita que só é possível filosofar em continuidade, ou seja, acompanhando a história da filosofia em sua totalidade. Assim, na Fenomenologia do Espírito, considerada por muitos como a sua obra mais genial, Hegel aponta o desenvolvimento cultural humano de acordo com as fases da história. Esta obra tem como objeto de estudo a consciência como saber concreto imerso na exterioridade: “obra concebida como introdução à filosofia, que para Hegel, é saber absoluto” (ROVIGHI, 2000, p. 716). Nela Hegel apresenta os postulados do idealismo alemão: o Absoluto em seus três momentos, o em-si, o por-si e o em-si-e-por-si, na dialética do devir,3 em que cada momento consiste na superação do anterior. Podemos citar ainda outras obras como a Ciência da Lógica, na qual apresenta as partes de seu sistema: Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito, fazendo um exame das determinações do pensamento para a compreensão sistemática do mundo. E, ainda, a Filosofia do Espírito onde começa a articular a distinção entre arte, religião e filosofia, que virá a ser posteriormente elaborada nas Lições de Estética. Filosofia do Direito e Enciclopédia das Ciências Filosóficas. A primeira edição da Enciclopédia mantém a concepção tratada na Fenomenologia de que apenas a arte grega é digna de consideração, mas aparece na terminologia de Hegel o Espírito Absoluto. O primeiro capítulo é dedicado a estética e intitula-se Religião e arte. Em seguida, Hegel apresenta a religião e a filosofia. “Já surge, pois, o conjunto da divisão tricotômica que terá seu pleno desenvolvimento no posterior e clássico sistema hegeliano” (LUKÁCS, 2009, p. 51). A segunda edição passa por algumas transformações de modo que o antigo título: Religião e arte é nomeado apenas como Arte, refletindo uma mudança de conteúdo e de método. Surge a periodização fundamental da estética hegeliana, a caracterização dos períodos artísticos simbólico, clássico e romântico. 3 Esse termo foi empregado por Heráclito de Éfeso para designar o movimento perpétuo do mundo, o fluxo e o vir-a-ser como uma constante mudança. Rovighi (2000, p. 728) esclarece que este termo em Hegel diz respeito ao método dialético, o movimento que tende para a perfeição que está no fim do processo, do finito ao infinito. 21 Na Propedêutica Filosófica, Hegel estuda os estilos artísticos: antigo, que considera como plástico e objetivo e, moderno, tido por ele como romântico e subjetivo. Apesar disso, em suas análises posteriores ainda dedica-se ao estilo antigo, porque sua estética contempla a Antiguidade como o período próprio da autêntica arte. Um dos grandes méritos da estética hegeliana seria a consideração das contradições dialéticas características desses períodos da arte. Ele delineia a linha do processo histórico, necessário à correta avaliação histórica e estética dos fenômenos particulares. Além de obras póstumas resultantes de sua atividade como professor em Berlim, tais como: Filosofia da Religião, Estética e as Lições de Estética, e também a História da Filosofia (VERCELLONE, 2001, p. 28). Essas obras póstumas foram organizadas por alunos que participaram de cursos por ele ministrados em Berlim, de 1818 a 1831, ano do seu falecimento, vítima de cólera. Dentre elas destacamos o primeiro volume das Lições de Estética, objeto de nosso estudo. Assim, em linhas gerais podemos afirmar que: Hegel criou um grande e importante sistema filosófico, abrangendo metafísica, epistemologia, e lógica; ética, filosofia política, social e do direito; estética, religião e a natureza da própria filosofia. Ele se ocupou principalmente com a racionalidade, a liberdade e a autoconsciência, mas via-as como fenômenos históricos, desenvolvendo-as através de uma sucessão inteligível de formas, movidas pelo espírito e estruturadas pela dialética (INWOOD, 2002, p. 23). Trilhamos esse percurso na intenção de melhor situar o momento em que Hegel se atém à temática da estética que para ele é a “filosofia da arte”, lembrando que, por se tratar de um filósofo que defende a compreensão da totalidade, consideramos que uma breve exposição das linhas gerais que conduziram seus escritos - tais como a busca da totalidade na figura do Absoluto, a dialética do seu pensamento, a liberdade da consciência em se saber livre, a compreensão histórica e sistemática da filosofia - tem muito a contribuir para uma melhor elucidação do papel que a filosofia da arte desempenha na dialética do pensamento hegeliano, ressaltando que a arte encontra-se intimamente correlacionada à idéia de liberdade, enquanto emanação do Absoluto. 22 2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA Iniciamos nossa pesquisa a partir da análise do contexto histórico no qual Hegel se insere, ressaltando a relevância de considerarmos a dialética inerente ao pensamento do autor e à constituição de seu sistema filosófico. Nesse momento, refletiremos sobre a ideia de sistema4 presente em Kant, Fichte e Schelling, de modo a estabelecer um nexo histórico e sistemático nas filosofias e compreensões desses autores acerca da noção que cada um deles desenvolveu de sistema no cerne de suas teorias filosóficas. Estas teorias filosóficas foram denominadas por Hösle como principais estações do desenvolvimento do idealismo alemão5. Segundo Hösle, “a filosofia de Hegel surgiu na discussão imanente com as filosofias transcendentais finitas de Kant e Fichte, cuja problematização ela quer levar adiante” (2007, p. 27). Para tal finalidade, contaremos com a indispensável orientação da seguinte obra filosófica de Hegel: Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling, traduzida por Morujão (2003). E, no tocante à leitura do pensamento de Kant, analisaremos os escritos de alguns comentadores, além da Crítica da Razão Pura e de comentários elaborados por Hegel no primeiro volume dos Cursos de Estética. O escrito sobre a Diferença afirma-se, segundo o tradutor, como um divisor de águas em filosofia, pela audácia e segurança do jovem Hegel, que na época estava com 31 anos. De acordo com Morujão, neste primeiro escrito de Hegel, transparece uma análise da cultura alemã e do romantismo e, a intenção de colocar a filosofia no contexto das manifestações espirituais de seu tempo, enquanto expressão do desenvolvimento histórico da humanidade. O contexto em que Hegel escreveu a obra indica a efervescência do debate entre o público filosófico acerca das discussões sobre o pensamento de Fichte e de 4 Segundo Inwood (1997) o termo Sistema provém do grego systema; um todo orgânico composto por diferentes partes, assim o objeto da filosofia, a ideia ou o Absoluto, forma ele próprio um sistema, pois em Hegel a Verdade é concreta, ela se desdobra em si mesma, mantendo, desse modo a sua unidade. 5 A filosofia idealista se fundamenta no pensamento de Kant, pois ele seria o primeiro filósofo a buscar conciliar conceitos tidos como opostos, tais como, realidade e razão, afirmando a prioridade da razão em face da natureza, sem com isso, desmerecer a importância da experiência sensível para a constituição do conhecimento. Essa filosofia se desenvolveu vinculada ao Romantismo, o movimento artístico e literário que foi influenciado sobremaneira pelo pensamento de Rousseau. 23 Schelling. Nesse sentido, convém sabermos quais eram as diferenças vistas por Hegel entre os dois autores, acima mencionados, e em seus sistemas filosóficos. Cada sistema filosófico se situa em uma época e busca responder às suas necessidades, esse desenvolvimento do pensar impulsiona para a totalidade, ou seja, para a completude dos conhecimentos, pois todos eles surgem a partir de uma dada situação histórica. De tal modo, segundo Hegel, a filosofia poderia ser compreendida como “uma espécie de arte manual, que se deixaria aperfeiçoar através de novos procedimentos técnicos incessantemente descobertos.” (HEGEL, 2003, p. 34). É possível perceber na metáfora hegeliana que se trata do processo através do qual a filosofia, em seu constante devir, vai se revelando em sua potencialidade de iluminar, ou seja, de revelar a sua essência de acordo com o desenvolvimento cultural da história. Não se trata de melhoramentos constantes e nem de pontos de vistas próprios, já que o racional não poderia ser visto como uma coisa própria. O que ocorre é a atividade exercida pela razão, atividade universal sobre si mesma, pois o filosofar, segundo Hegel, surge da necessidade de produzir uma totalidade do saber, um sistema que contemple a totalidade de suas manifestações. 2.2.1 O pensamento de Kant Kant inicia o prefácio, da segunda edição, da Crítica da Razão Pura, esclarecendo que na elaboração de uma ciência que se fundamente nos conhecimentos pertencentes ao domínio da razão, se deve julgar os resultados, para assim, chegar ao caminho mais seguro. Desse modo, o autor analisa o caminho seguido pela Lógica, pela Matemática, pela Física, pela Ciência Natural e pela Metafísica. Segundo Kant, o limite da Lógica reside no fato dela ser uma ciência que expõe as regras formais do pensamento e as prova somente de modo rigoroso, abstraindo-se de todos os objetos do conhecimento e das suas diferenças, restando-lhe apenas, se ocupar consigo mesma e com a sua forma. A Matemática e a Física, são denominados como conhecimentos teóricos da razão, os quais devem determinar seus objetos de modo a 24 priori. A Ciência da Natureza, nas palavras de Kant, se desenvolveu mais lentamente no caminho da ciência, tendo em vista que ela se funda em princípios empíricos. Kant afirma que pensadores como Galileu, Torricelli e Stahl “compreenderam que a razão só vê o que ela mesma produz segundo seu projeto, que ela deve ir à frente com princípios dos seus juízos segundo leis constantes” (KANT, 1974, p. 11). E, apresenta a Metafísica vista como um conhecimento especulativo da razão, o qual se eleva acima do ensinamento da experiência, pois nela a razão é aluna de si própria e, desse modo, a razão sempre emperra em si mesma. Dessa forma, segundo Kant, o procedimento da Metafísica se constitui como um mero tatear, como simples conceitos. Tendo apresentado os aspectos, acima citados, Kant expõe o objetivo da sua obra: Crítica da razão pura especulativa, a saber: a “tentativa de mudar o procedimento tradicional da Metafísica e promover assim uma completa revolução nela” (KANT, 1974, p. 14). Essa obra teria o encargo de delinear o esboço do sistema de uma nova Metafísica, posto que a ela caberia a felicidade de ser conduzida por essa Crítica em direção ao caminho seguro de uma ciência. Tal incumbência da Metafísica é denominada como um tesouro, esse tesouro é descrito por Ferry (2009), como a inversão completa de perspectiva, a qual consiste no fato de Kant pensar: Inicialmente a finitude, portanto, a sensibilidade e o corpo situados no espaço e no tempo, e somente em seguida o Absoluto ou a divisão intemporal. Tal é a razão pela qual a primeira parte da Crítica da razão pura chama-se Estética, do grego aisthesis, que significa sensibilidade (FERRY, 2009, p. 23). A Crítica da razão pura postula que o conhecimento começa com a experiência, pois o conhecimento é despertado pelos objetos que impressionam os nossos sentidos e, a partir desse despertar é que o entendimento produz a sua representação, de modo a que possa trabalhar a matéria bruta das impressões sensíveis, afim de obter o conhecimento do objeto. Entretanto, também existiriam conhecimentos puros, ou seja, desprovidos da experiência sensível: os chamados conhecimentos a priori, que se distinguem dos conhecimentos empíricos. Desse modo, Kant esclarece que há uma diferença entre o 25 conhecimento puro e o conhecimento empírico, pois este se principia com a experiência através dos objetos que afetam os nossos sentidos e que dão origem a representações operadas pelo entendimento; aquele independe da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Assim, os conhecimentos a priori, são definidos como aqueles que se realizam independentemente da experiência, sendo denominados como conhecimentos puros, os quais são proposições necessárias e não derivadas, já que neles há uma rigorosa universalidade. A diferença entre o conhecimento puro ou a priori e o conhecimento empírico ou a posteriori também é discutida em relação ao juízo analítico e ao juízo sintético. Kant explica que no juízo analítico a conexão do predicado com o sujeito é pensada por identidade e, no juízo sintético, essa conexão é pensada sem identidade, ou seja, enquanto o primeiro é um juízo de explicação, o segundo é um juízo de extensão. Sobre essa diferença entre os juízos analíticos e sintéticos podemos observar o seguinte exemplo explicativo, na leitura de Kant: Se eu, por exemplo, digo: todos os corpos são extensos, então é este um juízo analítico. De fato, não necessito ir além do conceito que ligo com a palavra corpo para encontrar a extensão enquanto conexa com tal conceito, mas necessito apenas desmembrar aquele conceito, quer dizer, tornar-me consciente do múltiplo, que penso sempre nele, para encontrar ai este predicado; é, pois um juízo analítico. Do contrário, quando digo: todos os corpos são pesados, então é o predicado algo bem diverso do que penso no mero conceito de um corpo em geral. O acréscimo de um tal predicado fornece, portanto, um juízo sintético (KANT, 1974, p. 27). A citação, acima apresentada, nos faz compreender que, segundo Kant, a razão tem a função de nos fornecer os princípios do conhecimento a priori. Assim, a Crítica da razão pura afirma-se como um sistema da razão pura que a partir de uma crítica 26 transcendental6 pretende “fornecer a pedra de toque que decide sobre o valor ou desvalor de todos os conhecimentos a priori” (KANT, 1974, p. 33). Nesse sentido, ela pretende superar a dicotomia entre o racionalismo o empirismo, examinado as condições de possibilidade do conhecimento. A partir do pensamento de Kant, Hegel pretende descobrir como as categorias kantianas poderiam influir na vida dos homens, trazendo essa reflexão para o plano prático, no campo da religião e do direito. Hegel estaria deslocando a problemática da unidade sintética, situada em Kant no domínio do conhecimento puro, para o âmbito da vida espiritual concreta, sob as esferas das manifestações artísticas, religiosas e políticas. De acordo com Hegel, Kant entende a matéria como o objetivo oposto ao Eu, compreendendo-a como supérflua ou ideal, sendo assim, os fenômenos seriam desprovidos de qualquer necessidade, pois a construção de suas sínteses, por meio das categorias, não teria a sua comprovação na natureza, tendo em vista que ela apenas oferece esquemas contingentes (HEGEL, 2003, p. 101). A razão teria se colocado a si mesma como reflexão mediante a oposição ao objeto. Nessa ótica, Nóbrega indica que o pensamento de Kant se atém ao problema do conhecimento, mediante a distinção entre as categorias sensíveis e as categorias a priori, posto que ele defende que existam categorias provindas da experiência: as chamadas categorias sensitivas, tais como cor, som, odor e, outras que, segundo o autor, não seriam provenientes da experiência sensitiva, como por exemplo: totalidade, unidade e pluralidade. Estas últimas estariam no indivíduo de modo a priori, ou seja, estariam presentes nele, mesmo antes da vivência possibilitada pela experiência sensível, enquanto categorias que independem da sensibilidade imediata. Assim, Nóbrega afirma que, segundo a filosofia de Kant, a mente, tem determinadas estruturas sob as quais percebe o Universo: são as categorias a priori [...] Como uma pessoa que coloca óculos azuis e vê tudo azulado, também a mente já traz em si, anterior a qualquer 6 Segundo Ferry (2009) as três partes que compõem a Crítica da razão pura são a estética transcendental enquanto teoria da sensibilidade, a analítica transcendental na qual o entendimento opera através do conceito e, a dialética transcendental, a qual se funda na Ideia, respectivamente: intuição, conceito e ideia. 27 experiência, estas categorias, pelas quais percebe o mundo (NÓBREGA, 2005, p. 24). Nesses termos, o indivíduo é que projeta a partir de si, através dessas categorias, a imagem do que é observado por ele. Logo, as categorias a priori são identificadas como os primeiros princípios do conhecimento, pois é a partir delas que o conhecimento se constitui. Em virtude do exposto, é possível destacar a significativa contribuição do pensamento kantiano, por meio da sua busca pelos princípios do conhecer, através das categorias, pois a Crítica da Razão Pura pretende justificar as proposições sintéticas, as quais seriam pensadas como necessárias, já que não poderiam ser demonstradas em casos experimentados, restando à filosofia realizar a determinação dos princípios, bem como, fundamentar o âmbito do conhecimento sintético a priori, afim de garantir a sua necessidade. Após essas considerações preliminares, cabe-nos investigar os limites presentes na concepção kantiana. De acordo com Kant, conhecemos o fenômeno e não a coisa em si, assim, a unidade entre eles só pôde ser desenvolvida na filosofia de Hegel, mediante a unidade dos opostos: a identidade que contém em si também a multiplicidade. Segundo Hösle, o princípio que enfraquece a filosofia transcendental de Kant se justifica pelo fato dele não conseguir fundamentar as proposições sem recair numa constante regressão infinita, posto que, não é apenas a fundamentação das proposições transcendentais de Kant que depende de pressupostos não provados [...] não se vislumbra como Kant poderia fundamentar irreflexivamente tais proposições sem cair na regressão infinita (HÖSLE, 2007, p. 34). Hösle salienta que é preciso romper esse dualismo kantiano entre conceito e intuição7, tendo em vista que tais princípios tidos como irredutíveis um ao outro, são, na verdade, idênticos segundo a consideração de que ambos são definidos como princípios, apesar de suas especificidades. Impõe-se, assim, que “conceito e intuição são ambos 7 Em relação a discussão kantiana acerca do conceito e da intuição, conferir Pascal (2007). 28 conceitos, e isso significa que a intuição não pode ser algo totalmente diferente do conceito, porque existe dela mesma um conceito” (HÖSLE, 2007, p. 36). Não obstante a esse limite apresentado por Hösle, Hegel, no primeiro volume dos Cursos de Estética, atribui a Kant o mérito de ter transformado “em fundamento a racionalidade que se refere a si, a liberdade e a autoconsciência que se encontra e se reconhece infinitamente em si mesma” (HEGEL, 2001, p. 74). Esse seria o caráter absoluto da razão em si mesma. Tal consideração, segundo Hegel, representa o ponto de partida a ser reconhecido em Kant. Hegel, no entanto, indica que Kant teria proferido a unidade somente através de ideias subjetivas da razão, as quais não poderiam ser demonstradas em sua efetividade. Hegel, por sua vez, estaria sustentando que o pensamento, assim como a razão, não podem ser cerceados por limites à sua atividade e mesmo que existissem tais limites, o pensamento, em Hegel, seria sempre capaz de traspô-los, de superá-los e de transcendê-los em seu desenvolvimento. Além disso, de acordo com a perspectiva de Hegel, Kant teria se restringido à contraposição entre subjetivo e objetivo, mesmo quando ele pretende indicar a solução de tal contradição através de uma reconciliação subjetiva e não em algo em si e para si verdadeiro e efetivo. É assim que o juízo estético de Kant afirma-se como proveniente do jogo do entendimento e da imaginação e não do entendimento enquanto tal, pois em Kant “o belo deve ser aquilo que é representado sem conceito, isto é, sem categorias do entendimento, pois ele seria resultado do comprazimento, uma questão mais referente ao gosto” (HEGEL, 2001, p. 76). 2.2.2 O pensamento de Fichte O pensamento de Fichte8 é visto por Hegel, na sua obra: Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling (2003), como um idealismo subjetivo, pois, segundo ele, Fichte defende que a harmonia entre o sujeito e o objeto e entre a liberdade e 8 Para uma melhor compreensão dessa discussão, conferir a Doutrina da Ciência de Fichte (1794). O princípio da filosofia de Fichte é a absoluta auto-identidade do Eu, retratada no axioma A=A (conf. HÖSLE, 2007, p. 56-57). 29 a natureza, está apenas idealmente contida no Eu, o qual se configura como o princípio supremo da filosofia9 e, desse modo, essa harmonia contida no Eu, não poderá se tornar completamente objetiva, por que se assim o fizesse, estaria se negando a si mesma e ameaçando a sua própria liberdade. Hegel pondera que essa característica do sistema de Fichte representa a sua nulidade teórica, pois o sistema fichteano, assim compreendido, estaria restrito somente ao ponto de vista da reflexão, restando à natureza a dimensão do sempre já posto, que como tal é desprovido da dimensão espiritual. Desse modo, nas palavras de Hegel “a intuição transcendental que permite ao Eu aceder à posse de si mesmo nunca se transforma na auto-intuição do absoluto, permanecendo fixada na sua própria subjetividade” (HEGEL, 2003, p. 12). O princípio do sistema de Fichte, expresso na proposição Eu=Eu, ou A=A, exprime apenas a unidade do subjetivo e do objetivo no âmbito do sujeito que se toma como objeto, ou seja, representa uma unidade lógica, não aplicada a matéria, restando à multiplicidade dos fenômenos naturais ser oposta a unidade transcendental. Isso porque, o sujeito-objeto é compreendido como o sujeito-objeto subjetivo, captado apenas pela reflexão filosófica. Sendo assim, essa filosofia é vista por Hegel como uma filosofia da reflexão, já que nela a cisão entre o sujeito e o objeto é apenas superada subjetivamente e o não-Eu, ou seja, a multiplicidade empírica é desprovida de espírito. Para uma melhor compreensão dessa crítica de Hegel à filosofia de Fichte, analisemos os princípios nos quais Fichte fundamenta a sua Doutrina da Ciência, conforme as palavras de Luft: Lembremos aqui os princípios em que está assentada a Doutrina da Ciência: 1) o eu produz a si mesmo; 2) ao eu é oposto, sem mais, um não-eu; 3) o eu produz em si mesmo uma divisão entre sujeito (eu) e objeto (não-eu), ambos mutuamente limitados. Sem o postulado expresso na segunda proposição, ou seja, sem essa contraposição primeira de um não-eu, mesmo que este apareça inicialmente como negatividade pura, a construção da existência não seria possível. Ora, enquanto essa oposição é originária, ela 9 O conceito de filosofia em Fichte se remete à compreensão de que cabe ao pensamento explicar a realidade, pois ele seria o ponto de partida de todo o conhecimento, assim a atividade da reflexão possuiria um caráter infinito enquanto explicação de tudo o mais. 30 não pode ser superada no interior do próprio sistema – entendo superar como a possibilidade de provar um dado elemento como constituído pela própria subjetividade e somente por ela condicionado (LUFT, 2001, p. 106). Assim, segundo a leitura de Hegel, a filosofia de Fichte, centrada na subjetividade do Eu, não estaria respondendo às necessidades da época que buscava a unificação do sujeito e do objeto, do homem e da natureza. Desse modo, a filosofia de Fichte apresentava-se como um idealismo meramente subjetivo, por não alcançar a unidade sistemática exigida a todo autêntico filosofar. Destarte, o princípio supremo da filosofia de Fichte, se atém ao absoluto, visto como algo de superior e oposto aos contrários cindidos, por considerá-los como algo intrinsecamente contraditório. Essa afirmação de Hegel é melhor compreendida quando consideramos que nas palavras dele “a filosofia é amor a sabedoria, mas tal amor é já saber efetivo. Se o não fosse, seria um formalismo vazio de qualquer conteúdo” (HEGEL, 2003, p. 14). Poderíamos assim pontuar o cerne da crítica de Hegel à filosofia de Fichte a partir do que ele chama “idealismo do dever”, ou seja, o fato de Fichte transformar o absoluto apenas em um produto da reflexão e entender o racional como algo que se restringe ao entendimento, o que nos permite dizer que, em Fichte o sujeito e o objeto permanecem sempre como opostos e, essa cisão entre eles nunca poderia ser resolvida. Acerca dessa cisão, Ferrer nos esclarece que o “eu absoluto fichteano com a sua diferença e posterior determinação é uma ligação exterior, e não determinada a partir do próprio princípio absoluto. O eu absoluto concebido por Fichte é essencialmente abstrato” (FERRER, 2006, p. 24). Desse modo, em Fichte se evidencia a impossibilidade da constituição de um sistema, pois a realidade ou o conteúdo não poderá se reconhecer como saber efetivo, posto que o absoluto fichteano é essencialmente abstrato. Acompanhemos o modo como Hegel expõe o sistema de Fichte em sua obra Diferença entre os sistemas de Fichte e de Schelling. Hegel inicia sua exposição esclarecendo que o fundamento do sistema de Fichte é a intuição intelectual, ou seja, o puro pensar de si mesmo, a autoconsciência apresentada na proposição Eu=Eu, a identidade entre sujeito-objeto subjetivo. O pensar abstrai de si tudo o que lhe é estranho, 31 ou seja, a objetividade, nesse sentido, a intuição transcendental afirma-se como objeto da reflexão filosófica, a identidade originária, assim, essa intuição afigura-se como busca pela totalidade do ser idêntico. Segundo Hegel (2003), Fichte expõe o seu sistema a partir de três proposições-defundo, a primeira afirma o absoluto pôr-se a si mesmo do Eu, a segunda apresenta a oposição absoluta do finito visto como não-Eu e, a terceira, indica a unificação das duas proposições anteriores, as três proposições são vistas como três atos do Eu. Esses atos absolutos do Eu solicitam uma unificação transcendental que construa uma síntese. Entretanto, essa síntese apresenta o Eu objetivo: o não-Eu, como diferente do Eu subjetivo: o Eu=Eu, gerando assim uma incompletude na síntese em sua idealidade, visto que o nãoEu tem em si o caráter negativo, enquanto o Eu=Eu afirma-se como o positivo. Nesse sentido, Hegel indica que a identidade entre o sujeito e o objeto e entre o finito e o infinito, não é afirmada na filosofia de Fichte, já que: O Eu igual a Eu transforma-se em: Eu deve ser igual a Eu; o resultado do sistema não regressa ao seu começo [...] a intuição transcendental, da qual parte o sistema, era algo de subjetivo sob a forma da reflexão filosófica, que se eleva ao puro pensamento de si própria por meio da abstração absoluta; para ter a intuição transcendental na verdadeira ausência de forma [...] permanece um sujeito = objeto subjetivo, para o qual o aparecimento é algo de absolutamente estranho e que não consegue instituir-se a si mesmo no seu aparecimento (HEGEL, 2003, p. 74). Em outras palavras, no sistema de Fichte a identidade diz respeito ao sujeitoobjeto subjetivo, posto como consciência de si, o que nos permite perceber que, com isso, permanece a cisão entre o sujeito e o objeto, pois Fichte teria posto apenas um dos opostos no absoluto: o sujeito, relegando ao outro: o objeto, a posição contingente de não ser posto por ele, já que segundo Hegel: “o seu ponto de vista não é, por conseguinte, o supremo; ele é a razão posta numa forma limitada” (HEGEL, 2003, p. 97). Essa crítica a Fichte não apaga o seu mérito, reconhecido por Hegel no primeiro volume dos Cursos de Estética (2001), o qual consiste no estabelecido o eu total, constantemente abstrato e formal, 32 enquanto princípio absoluto do saber, da razão e do conhecimento, visto como negação de toda particularidade, determinação e conteúdo. Todavia, segundo Hegel, esse eu, assim compreendido, tende a sucumbir nessa sua unidade abstrata, em sua forma vazia, por ser fundada num eu abstrato. Acrescentamos a interpretação de Hösle no tocante ao pensamento de Fichte, a qual sugere que a teoria de Fichte assinala a relevância de se retirar as determinações de um conteúdo da consciência até chegar ao limite daquilo de que nada mais se pode abstrair, a saber, o Eu que se põe a si mesmo: a razão, vista como o princípio último e absoluto. A partir desse princípio, Fichte investiga as estruturas fundamentais do mundo, a fim de afirmar a filosofia como a suprema ciência. A esta altura, é possível atentarmos para o fato de que esses princípios fichteanos foram paulatinamente concretizados por Schelling e Hegel, pois eles teriam partido do pensamento fichteano, afim de ultrapassá-lo. Assim, a filosofia ao ser considerada como uma ciência requer o esclarecimento do que seja o conceito de ciência, de modo a buscar elucidar o conteúdo que a fundamente e a forma que confere legitimidade ao seu método. Afim de resolver esse pré-requisito, aparece a exigência de uma ciência própria: a ciência da ciência enquanto tal, ou a doutrina da ciência. Caberia a ela: Provar os princípios das ciências particulares [...] assim como [...] fundamentar a forma sistemática da dedução que faz uma ciência ser ciência. Em segundo lugar, porém, a doutrina da ciência seria ela mesma uma ciência. Por isso ela mesma deveria ter um princípio, o qual, no entanto, não poderia mais ser, ele mesmo, provado, devendo ser antes o fundamento de todo saber e ser pressuposto por todo saber. A própria doutrina da ciência tem de possuir também a forma sistemática (HÖSLE, 2007, p. 40). Com efeito, Fichte teria também o mérito de ter desenvolvido em sua filosofia a divisão entre a doutrina da ciência e a doutrina da lógica, mediante a seguinte diferenciação: a primeira seria a forma e o conteúdo das ciências e, a segunda, a forma das ciências, pois sua essência consiste na abstração de todo conteúdo. Acerca de todo esse projeto elaborado por Fichte em sua filosofia, importa reconhecer a sua relevância para o 33 desenvolvimento da filosofia, pois seu pensamento contribuiu significamente para o desenvolvimento do pensamento de Schelling e de Hegel, os quais “foram marcados do modo mais decisivo pelo conceito fichteano de filosofia” (HÖSLE, 2007, p. 44). 2.2.3 O pensamento de Schelling De acordo com Hegel (2003), a compreensão do sujeito-objeto schellinguiano entendido como algo objetivo, abarca tanto a filosofia transcendental (a inteligência) quanto à filosofia da natureza e fornece o acabamento do seu próprio sistema. Assim, essa compreensão de Schelling, traz a possibilidade de recuperar a unidade entre o finito e o infinito, a harmonia que permeava a vida social da cidade-estado grega e que teria se ausentado da vida moderna. Esse seria o momento em que a filosofia poderia recuperar a compreensão das determinações opostas como momentos do seu ser-posto. Tal compreensão remete ao fato de Schelling conceber a multiplicidade dos fenômenos naturais como a manifestação da atividade sintética do espírito, o qual estaria se encaminhando para a consciência de si. Desse modo, segundo Hegel, o sistema filosófico schellinguiano aponta a importância de chegar a uma “comprovação material do idealismo, que mostrasse de que modo a natureza pode ser deduzida do Eu, não, obviamente, do eu subjetivo do filósofo, mas sim do Eu objetivo” (2003, p. 18). De tal modo, o princípio absoluto da totalidade traz em si a identidade que não se perde em suas partes, mas que compõe o todo. Hegel nos diz que nele figura-se o “relâmpago do ideal no real e o seu constituir-se a si mesmo como ponto” (2003, p. 107). Nesse sentido, a filosofia de Schelling, por meio do princípio da identidade absoluta: a totalidade, realiza a união do subjetivo e do objetivo na intuição do absoluto, o qual se torna também objetivo, pois ele se configura ao se encontrar objetivamente a si mesmo. E assim, a intuição unificadora do absoluto como totalidade, aparece em três dimensões, a saber: na arte, a qual embora seja objetiva apresenta-se como possibilidade de comunicar algo que é duradouro; na religião, como um movimento vivo de algo que é subjetivo, mas que pertence também ao indivíduo e, na especulação, enquanto o agir da razão subjetiva. 34 Desse modo, a filosofia transcendental é então entendida como uma ciência do absoluto, já que o sujeito é sujeito-objeto, é razão que se põe a si mesma. A partir de Schelling, segundo Hegel (2001), a ciência teria alcançado seu ponto de vista absoluto, além disso, ele teria vislumbrado o conceito da arte e a sua posição científica. A filosofia de Schelling se propôs a buscar o saber mediante a unidade entre subjetividade e objetividade, embasando-se na noção de que a filosofia da natureza e a filosofia transcendental deveriam avançar uma em direção à outra, de modo que tanto a natureza transite para a ideia, quanto esta, transite em direção àquela. No entanto, Schelling não teria conseguido esclarecer de que modo a inteligência produz ou constitui a natureza e nem tampouco, como a natureza transita para a inteligência, gerando essa lacuna em seu pensamento. Essa lacuna conduziria à falta de desenvolvimento lógico do absoluto, assim como o compreende Schelling, posto que o autor não teria conseguido fundamentar a filosofia da realidade de modo consistente e, por esta razão, segundo Hösle, é que se justifica a relevância da contribuição do pensamento de Hegel, através da concretização do princípio absoluto, entendido por ele como a mais importante descoberta de Hegel (HÖSLE, 2007, p. 60). De outro modo, podemos perceber uma aproximação entre as filosofias de Schelling e de Hegel, no tocante a reflexão sobre a arte, pois segundo Machado (2006), a arte é concebida por ambos como uma revelação ontológica e, assim, ela tem uma função especulativa, apesar dessa aproximação, não poderíamos esquecer que ainda existe um ponto que diferencia esses autores, que, segundo Machado, diz respeito a relação hierárquica entre a arte e a filosofia, Schelling afirma a superioridade da arte em relação à filosofia e Hegel acredita na superioridade da filosofia em face da arte. E assim, Machado esclarece que, Schelling cria a teoria ontológica das artes em que o absoluto é dado por um conhecimento imediato e incondicionado: a intuição intelectual como intuição estética. Hegel elabora uma teoria especulativa histórico-sistemática das artes em que a arte também é pensada como manifestação do espírito (MACHADO, 2006, p. 116). 35 Nesse sentido, em Hegel, a arte é uma encarnação da Ideia, tendo em vista que ela a expõe na forma sensível, o que significa dizer que o conteúdo figurado nas representações artísticas é a Ideia. Além disso, é importante pontuar que em Hegel a realidade e o verdadeiro são concebidos enquanto sujeito e espírito, e enquanto tal é atividade, processo, movimento e automovimento. Nesse aspecto, Hegel difere tanto de Fichte quanto de Schelling, pois: O eu fichteano não alcança o seu termo, visto que o limite é removido e afastado ao infinito, mas nunca inteiramente superado [...] conseqüentemente [...] Fichte não consegue mais restaurar a situação do Eu e não-eu, sujeito e objeto, infinito e finito. Portanto, permanece nele uma oposição ou antítese estrutural não superada, que, porém, deve ser superada. Uma tentativa de superar essas cisões já a fizera Schelling com sua filosofia da identidade [...] mas a concepção da realidade como identidade originária de Eu e não-eu, sujeito e objeto, infinito e finito, como Schelling a defendia, logo pareceu a Hegel vazia e artificiosa, porque na realidade não deduzia nem justificava os seus conteúdos, que já pressupunha como dados (REALE, 1991, p. 101). Desse modo, a novidade do sistema de Hegel é o fato dele estabelecer que o Espírito se autogera a partir de sua determinação, pois ele é sempre ativo e, sendo assim, sempre está realizando-se através da finitude, porém também está sempre superando essa finitude e retornando a si própria. Esse movimento é o que constitui a essência desse manifestar-se, desse autogerar-se, o qual é comparável a um círculo que percorre todos os pontos e tende sempre a retornar à identidade perfeita consigo mesmo, pois em Hegel o infinito é descrito como o positivo que se realiza em sua negação, em sua determinação. Em Hegel o Espírito não se afigura em materiais diferentes, mas ao se plasmar em figuras diversas, em sua diversificação, guarda em si o gérmen da igualdade consigo mesmo, unidade que se realiza através do múltiplo. O Absoluto em Hegel abarca em si a totalidade das partes e os seus momentos constitutivos, pois cada momento lhe é indispensável e tem a sua importância, como momentos da unidade orgânica do todo. Esse 36 é o movimento do refletir-se em si mesmo, o qual abarca em si os três seguintes períodos da reflexão triática: o ser em si, que corresponde ao momento da ideia, estudada pela lógica; o ser fora de si, referente à filosofia da natureza, e o ser em si e por si, que é concernente à filosofia do espírito. O sistema de Hegel implica a compreensão da unidade sintética do múltiplo no âmbito do universal, que não existe sem o particular, enquanto particularização do universal. O que nos conduz à concepção do real como auto-movimento da razão. Hegel “pretende como Platão, Parmênides e Heráclito juntos, compreender Ser e movimento como uma única coisa. Daí não ser o absoluto repouso, mas resultado do seu próprio processo” (CESARINO, 1991, p. 45). Desta feita, segundo Cesarino, o Uno se torna realidade através do múltiplo, ele concilia o universal e o particular, por meio do movimento dialético que possibilita ao universal se particularizar. Esse movimento é impulsionado pela dialética, concebida como “o movimento mesmo do Ser, o pulsar do Absoluto onde todas as coisas ganham vida” (CESARINO, 1991, p. 46). Ela é inerente ao real, e também o é ao procedimento do pensar filosófico, no sentido de que, tanto a realidade quanto o pensamento filosófico é devir e dinamismo. Ao falar sobre dialética10, convém esclarecer as respectivas ponderações acerca da dialética clássica e da dialética hegeliana, pois esta guarda algumas especificidades. A dialética nasceu no cerne da filosofia eleática e atingiu seu ponto culminante com Platão, sendo na modernidade retomada por Kant e, por fim, reelaborada e redefinida por Hegel. Segundo Reale (1991), apesar da dialética clássica ter buscado elevar o particular ao universal, notadamente em Platão, na sua busca pela elevação ao mundo das ideias, e em Aristóteles, em sua intenção de relacionar o particular ao conceito universal, porém, é em Hegel que se pode encontrar a reformulação da dialética enquanto movimento, sendo este definido como o seu coração, capaz de transformar os puros pensamentos em conceitos. A dialética hegeliana perpassa a concepção da mediação, e afirma-se por ser o método utilizado por Hegel para a elaboração do seu sistema, o qual visa garantir o 10 Inwood nos esclarece que etimologicamente a dialética se remete à arte da conversação e diálogo, todavia, em Hegel ela é afirmada como o movimento dialético do Espírito que em sua manifestação, reflete sobre si mesmo (INWOOD, 2002 p. 610-611). 37 conhecimento em sua totalidade. Sendo assim, a dialética hegeliana é movida pelo ritmo triático da tese, também denominada por Hegel como o lado abstrato ou intelectivo; a antítese ou o lado dialético; e a síntese: o lado especulativo, positivamente racional. A tese consiste na capacidade intelectiva de abstração no tocante a universalidade, capaz de elevar o particular ao universal. Entretanto, é primordial que o pensamento filosófico ultrapasse os limites do intelecto, caso contrário, ficaria restrito ao abstrato em si cristalizado. Daí a necessidade do segundo momento: a antítese, que se coloca como o momento da negação e da contradição antes sufocadas pela rigidez do intelecto. Já o momento especulativo, ou seja, a síntese é visto como o que confere unidade às determinações encontradas na antítese, agrupando-as como partes do todo. Ao chegarmos ao final dessa exposição referente às filosofias de Kant, de Fichte e de Schelling, a partir das interlocuções da leitura de Hegel, feitas ao longo de nossa discussão, antes de adentrarmos na apresentação do sistema de Hegel, pretendemos construir uma visão geral dos aspectos discutidos em suas filosofias, os quais são destacamos por Luft (2001), de modo a que possamos concluir a discussão acerca da influência e, da contribuição, desses autores para o desenvolvimento do sistema hegeliano. Os filósofos do idealismo alemão seguiram o fundamento encontrado por Descartes como a possibilidade da atividade crítica universal da Nova Metafísica11, vista como o princípio da Ontologia, entendido, segundo Luft, como o núcleo fundador da ordem do cosmos e não mais como elemento externo à atividade do conhecimento, pois ela é compreendida como a própria subjetividade e sua capacidade legisladora. Nessa Nova Metafísica, o processo de esclarecimento da razão é delineado por ela mesma, essa característica a torna uma metafísica crítica, pois ela entende o sujeito como um ser cognoscente. Nesse sentido, os juízos sintéticos a priori são possíveis devido aos conceitos universais e a sua estrutura lógica, pois eles se sustentam em elementos transcendentes pressupostos através dos conceitos de espaço e tempo, como condições de possibilidade do 11 A metafísica é a ciência primeira e, como tal, a ela cabe a hierarquia do saber, pois ela estuda o ente enquanto ser, o ente no seu ser e busca a totalidade. Ao longo da história, a metafísica trilhou diferentes caminhos. Ela se apresentou como metafísica teológica, tendo como objeto o ser perfeito do qual todas as coisas eram dependentes. Ela também se mostrou como ontologia, tendo como objetivo o ser enquanto ser, posto que ela pretendia estudar os caracteres fundamentais do ser enquanto a ciência do ser. A metafísica também foi denominada como gnosiologia, já que, assim compreendida, pretendeu estudar as formas ou princípios cognitivos da razão humana, que condicionaria o saber e a ciência. 38 conhecimento puro. Já a experiência resulta da sensibilidade e, sendo assim, cabe à razão afirmar-se como a reguladora desses conhecimentos, pois ele se inicia na recepção sensível: a percepção que será, em seguida, trabalhada pelo entendimento que produz os juízos, esses juízos são então produzidos pelo entendimento. Fichte, em certa medida, pode ser afirmado como um seguidor de Kant, pois segundo Luft, ele defende em sua filosofia que “o mundo experienciado por cada um de nós, a totalidade dos objetos, é uma realidade construída pelo próprio sujeito cognoscente” (LUFT, 2001, p. 87). Entretanto, o autor afirma que, Fichte teria criticado Kant por acreditar que em sua filosofia restariam indícios do dogmatismo, já que não seria possível conhecer a coisa-em-si. Na verdade esse crítica resultaria do fato de que para Fichte o sujeito conhece a si mesmo, devido ao fato dele ser autoconsciente, ou seja, o eu não conhece o mundo porque é afetado pela experiencia dele, mas o conhece porque ele é uma autoconsciência. Assim, a realidade é produzida pela subjetividade, pois o eu ao intuir a si mesmo como autoconsciente, desenvolve as suas experiências. Esse desenvolvimento de suas intuições poderia ser exemplificado na compreensão do procedimento utilizado por Fichte em sua filosofia, segundo Luft (2001), o autor utiliza o procedimento analítico, de modo que a partir de elementos mutuamente condicionados, tais como eu e não-eu, ele pressupõe a unidade sintética que torna possível constituir a oposição do condicionado e do condicionante. A síntese desse processo, do eu e do não-eu, seria o eu divisível que contem a subjetividade e a objetividade. Esse método nos parece ser um prelúdio do que iria se constituir na dialética hegeliana, é claro que, com as devidas ressalvas, pois Fichte pretendia eliminar progressivamente os pensamentos contraditórios em busca da verdade, com vistas a atingir o procedimento que legitimasse a sua Doutrina da Ciência, para se encontrar a verdade era preciso eliminar as contradições e os pensamentos inadequados, segundo o procedimento dedutivo da subjetividade, a qual parte da intuição intelectual de si mesma enquanto autoconsciência. De outro modo, Hegel não teria acreditado na postulação da intuição intelectual enquanto fundadora da certeza, de modo que ele introduz o elemento do negativo da contradição dialética, enquanto movimento do desenvolvimento da Ideia, pois a superação da contradição é inerente a ela em sua afirmação. 39 Em Schelling percebemos que existe uma tendência a estabelecer a compreensão de que a filosofia deve se elevar além do dualismo, acima discutido, pois se não é possível encontrar o conhecimento sem contrapor-se ao mundo dos objetos, nesse sentido, Luft aponta que, seria preciso “encontrar um lugar em que essas próprias proposições entre eu e não-eu, sujeito e objeto, finito e infinito percam seu sentido. Esse lugar é o ponto [...] do saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 100). Desse modo, a intuição intelectual seria então aquilo que permite o acesso ao absoluto e que eliminaria a oscilação entre dois procedimentos12, herdados da filosofia de Kant e, ainda presentes, na filosofia de Fichte. Desse modo, a filosofia da Identidade de Schelling pretende eliminar a oposição entre o método e a coisa: a forma e o conteúdo, a qual é desenvolvida por ele na sua maturidade enquanto o procedimento metológico de sua filosofia. Esse método, posteriormente seria adotado por Hegel no desenvolvimento da Ideia. 2.3 O SISTEMA DE HEGEL “O sistema de Hegel é incontestavelmente um dos mais coesos projetos de pensamento da história da filosofia” (HOSLE, 2007, p. 17). Na epígrafe acima, Hösle destaca que o traço mais importante do pensamento de Hegel é a tentativa de sistematizar o pensamento na história da filosofia, o que se manifesta na estrutura rigorosa e na amplitude das análises contempladas. É um todo orgânico que abarca em si toda uma conjuntura de temas que engendram uma dialeticidade e uma completude, próprias ao movimento do pensamento hegeliano, culminando em uma análise cíclica e consideravelmente fascinante. O sistema hegeliano é o universal que se constitui no seu desenvolvimento, no qual cada uma de suas partes é um modo pelo qual o espírito se reconhece a si mesmo no outro de si. O sistema se divide em três partes: a Ideia, a Natureza e o Espírito, sendo composto pela Fenomenologia do Espírito, a introdução ao sistema da ciência; pela 12 Tais procedimentos são, explicados por Luft (2001) como o regressivo-crítico e o progressivo-dogmático. 40 Ciência da Lógica, a ciência da ideia em si e para si; pela Filosofia da Natureza, ciência da ideia em seu ser-outro, e pela Filosofia do Espírito, a ideia que em seu ser-outro retorna a si. Esse edifício filosófico é constituído através da dialética, o que implica dizer que o sistema está presente em toda a obra de Hegel. O movimento dialético perpassa todas as tríades do sistema, do mais abstrato ao cada vez mais concreto, dando origem a algo novo. A primeira série de tríades é a Ideia, a segunda é a Natureza e a terceira é o Espírito (cf. NÓBREGA, 2005; FERRER, 2006). Lembramos que não é nossa pretensão, nesse trabalho, apresentar pormenorizadamente cada parte que compõe o todo do sistema, mas apenas apresentar em linhas gerais essas partes constitutivas, na intenção de situar a estética como pertencente à totalidade desse sistema filosófico. A Fenomenologia do Espírito é uma espécie de introdução ou propedêutica à filosofia, e se constitui como um momento do caminho que conduz a consciência finita ao Saber Absoluto ou infinito, o reencontrar-se em-si do ser-outro, por meio da dialética. Luft nos indica que essa obra de Hegel se propõe a narrar a história do desenvolvimento do saber humano do seguinte modo: “não como a caminhada serena de quem desde sempre possui a verdade, mas como desbravamento tenso da única via correta entre os caminhos e descaminhos da consciência na busca do saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 112). Essa obra é descria por Hegel como sendo a primeira parte de seu Sistema da Ciência, ela começa pela analise na consciência imediata, a mais simples manifestação do espírito e, se encaminha para a consciência filosófica. Tal fenomenologia remete à significação de ciência do aparecer, do manifestar-se, pois segundo Hegel: O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta [...] porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz deles momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo (HEGEL, 1997, p. 22). 41 No contexto do sistema, a Fenomenologia do Espírito afirma-se como mediação entre a fenomenologia e a lógica, porque ela afigura-se como o elo que conduz a consciência ao mais alto grau a que se possa chegar, a saber, à lógica. Assim sendo, a Fenomenologia indica que “os progressos da consciência ou do espírito humano constituiriam ao mesmo tempo um exemplo do devir em geral” (TIMMERMANS, 2005, p. 76). Desse modo, a Fenomenologia do Espírito, apresenta o vir-a-ser da ciência ou do saber, assim, importa conduzir o espírito finito, do estado inculto para o saber, afim de que ele atinja a consciente-de-si mediante a sua formação histórico-cultural. O que nos conduz a percepção de que se trata do progresso do desenvolvimento do espírito no mundo, conforme as palavras de Hegel: “a meta final desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber” (HEGEL, 1997, p. 36). Destarte, iniciamos considerando o período de Jena, contexto em que escreveu a Fenomenologia do Espírito. Nesse momento ele “concebe a arte como parte da evolução religiosa, como transição entre a pura religião natural e a religião revelada, ou seja, o cristianismo” (LUKÁCS, 2009, p. 49). Isso nos permite inferir que essa obra conserva traços dos seus ideais juvenis. Os capítulos estéticos versam sobre a escultura grega, as epopéias homéricas, a Antígona de Sófocles e a comédia grega. Tais considerações são muito relevantes por indicarem o modo como Hegel relaciona, em suas análises estéticas, a origem dos gêneros, sua sucessão e sua desaparição com a evolução da sociedade grega, apresentando os fundamentos da dialética histórica das categorias estéticas. No primeiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas Hegel apresenta a Ciência da Lógica e, inicia seu escrito afirmando que a filosofia não pode pressupor seus objetos como imediatamente dados, assim como fazem as demais ciências, já que o seu objeto é de ordem espiritual, pois ela procura a verdade, por isso, filosofia precisa mostrar a necessidade de seu objeto. Ela é a consideração pensante de seus objetos e se efetua através do pensar, conforme Hegel nos esclarece: Enquanto as determinidades do sentimento, da intuição, do desejo, da vontade, etc., na medida em que delas se sabe, são chamadas em geral representações, pode-se dizer de modo geral que a filosofia põe, no lugar das representações, pensamentos, categorias 42 e, mais precisamente, conceitos. As representações em geral, podem ser vistas como metáforas dos pensamentos e conceitos (HEGEL, 1995, p. 42). O que consiste dizer que a filosofia considera o conteúdo de nossas representações e não elas em si mesmas, pois importa conhecer o conteúdo, já que é através desse conhecer que o pensar se torna pensar sobre o seu ser-aí. Nesses termos, o pensar da Lógica é o pensar dialético, ele busca se elevar da dimensão natural e sensível para a dimensão da ideia da essência universal e abstrata que origina todos os fenômenos imediatos, através do movimento do devir. Essa noção de devir reflete a totalidade das relações de cada parte com o todo e dele com as suas partes. Isso se esclarece com a afirmação de Hegel, segundo a qual: O artesão desse trabalho é o espírito vivo e uno, cuja natureza pensante é trazer à sua consciência o que ele é; e, quando isso se tornou assim seu objeto, sua natureza pensante é ser, ao mesmo tempo, elevado acima dele, e ser em um grau superior (HEGEL, 1995, p. 54). A Lógica de Hegel remete ao desenvolvimento do pensar em sua universalidade total que é a Ideia, nesse sentido a filosofia é um todo que se apresenta como um círculo, no qual cada uma de suas partes é necessária e tem o seu lugar no desenvolvimento do sistema, pois a lógica é a ciência da ideia pura. Assim, segundo Hegel, a lógica coincide com a metafísica, pois o objeto da lógica é o pensamento puro, desprovidos de qualquer determinidade e como pertencente ao pensamento. Isso se justifica pelo fato de que, segundo Hegel, “a maneira mais perfeita de conhecer está na pura forma do pensar” (1995, p. 83). A Ideia em si mesma, na sua interioridade e subjetividade é composta pelos universais: o ser, entendido como tese; a essência vista como antítese, e o conceito ou noção, como síntese de ambos: esses universais juntos constituem a Lógica do Sistema. O Ser subdivide-se em três categorias: qualidade, a determinação mais imediata da coisa; quantidade, na qual a qualidade é negada; e a medida, que corresponde à síntese dos dois 43 momentos anteriores, sendo a unidade do qualitativo e do quantitativo. Esse movimento ocorre na sua simplicidade e na igualdade da Ideia em si mesma e consiste no método absoluto do conhecer. Nestes termos, a lógica investiga as essencialidades puras, a Ideia apreendida em sua pureza e abstração enquanto inteligibilidade pura. A primeira parte da Ciência da Lógica é a doutrina do Ser, definido como o conceito somente em si, no qual suas determinações são apenas essentes, pois dizem respeito ao adentrar-se em si do ser, um aprofundar-se em si mesmo. Ela exprime o Absoluto na forma do pensamento, desse modo, Hegel indica que “cada esfera da ideia lógica se mostra como uma totalidade de determinações, e como uma apresentação do absoluto. Assim também o ser, que contém em si os três níveis da qualidade, da quantidade e da medida” (HEGEL, 1995, p. 174). A qualidade é definida como a determinidade idêntica com o ser, o que faz com que o ser seja e o que é; a quantidade é vista como a determinidade exterior ao ser e, a medida, corresponde à unidade dos dois primeiros níveis. Essas são as três primeiras formas do ser e as mais abstratas. A segunda parte da Ciência da Lógica é a doutrina da Essência, a qual investiga as raízes do ser, posto que, o ser se volta para si e reflete sobre si mesmo. Hegel compreende a essência como o conceito enquanto conceito posto é o ser que foi para dentro de si para refletir sobre si mesmo. A essência, assim compreendida corresponde à identidade consigo mesma, ela é identidade e aparência em si mesma, pois é a essência do aparecer como reflexão-sobre-outro em sua relação consigo mesma. A doutrina do Conceito13 é a terceira parte da Ciência da Lógica hegeliana. Nela Hegel define o conceito como aquilo que é livre, pois: “é totalidade, enquanto cada um dos momentos é o todo que ele mesmo é, e é posto com ele como unidade inseparável; assim, na sua identidade consigo, o conceito é o determinado em si e para si” (HEGEL, 1995, p. 292). Assim, a Lógica do Conceito é descrita como a lógica subjetiva, pois ela tem a função de conduzir a uma esfera superior, a razão obtida pelo sujeito, à Ideia, a totalidade dessas categorias da lógica hegeliana. A Lógica do Conceito se divide na doutrina do conceito subjetivo ou formal, na doutrina do conceito como determinidade e objetividade e, na ideia do sujeito-objeto: a unidade do sujeito e da objetividade. 13 Para maiores esclarecimentos acerca da Metafísica do Conceito, conferir Moraes (2003). 44 No segundo volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1997), Hegel apresenta a sua Filosofia da Natureza. A natureza é definida como a ideia na forma do seroutro, enquanto a sua determinação e, portanto, enquanto necessidade e contingência. A Filosofia da Natureza, reflete as divisões feitas na Lógica, no sentido de que nela também se encontra a progressão das seguintes tríades: a natureza mecânica, a natureza física e a natureza orgânica. A primeira fase remete a corporeidade universal e a exterioridade espacial, sendo governada por puro mecanismo, o que a torna carente de unidade e subjetividade. A natureza física sucede à primeira, está presente na superação das características da massa, na concretização dos caracteres e atributos enquanto individualidade posta na matéria. Já a natureza orgânica, é descrita como a natureza que se exterioriza e possibilita o nascimento da vida, de plantas a animais. Assim, a Filosofia da Natureza é o momento em que a Ideia se exterioriza e objetiva sendo, portanto, a Ideia em outro momento dialético. E, por fim, situa-se a Filosofia do Espírito, momento em que a Ideia retoma a sua alteridade primeira, posto que retorna a si, esta é a mais elevada forma de manifestação do Espírito. Segundo Hegel, o conhecimento do espírito é o mais alto e o mais difícil, ele se remete ao conhece-te a ti mesmo, ou seja, tem a significação do conhecimento do verdadeiro em si e para si que constitui a essência do espírito. A esse respeito Hegel, na Enciclopédia das Ciências Filosóficas, nos sugere que esse convite da filosofia socrática representa um desafio lançado por Apolo aos gregos, um preceito dirigido ao espírito humano, que impele ao auto-conhecimento, e nos termos da filosofia hegeliana, ele corresponde à lei absoluta do espírito, tal como nos diz Hegel: “todo o agir do espírito é só um compreender de si mesmo, e a meta de toda a ciência verdadeira é que o espírito se conheça a si mesmo em tudo” (HEGEL, 1995, p. 10). Pois a essência do espírito é a liberdade, a absoluta identidade consigo mesmo que implica o não-ser-dependente de um outro. Na Filosofia do Espírito também há uma subdivisão, assim como nas demais que foram apresentadas. Aqui Hegel estabelece as seguintes categorias: o espírito subjetivo, em suas manifestações na antropologia, na fenomenologia e na psicologia; o espírito objetivo, manifesto no direito, na moralidade e na eticidade e, o espírito absoluto, momento de 45 revelação da arte, da religião e da filosofia. Importa ressaltar que a estética se localiza nesse momento do sistema hegeliano, mais especificamente no espírito absoluto, enquanto parte constitutiva dessa totalidade orgânica. Hegel vê nesse momento especulativo a superação, o ponto culminante da razão, a dimensão do Absoluto, pois o universal deve expressar o sentido do real, numa identidade dinâmica e recíproca entre sujeito e predicado, pois o que é real é racional e o que é racional é real, segundo a ótica de que sujeito e predicado não estão justapostos, mas cada qual faz parte do todo. Isso porque segundo Hegel, a sucessão das formas do pensamento é “o primeiro modo e o mais superficial em que aparece a história da filosofia” (HEGEL, 1976, p. 25). Assim, ele indica a necessidade de se conhecer a finalidade, compreendida como o geral que unifica o múltiplo e o diverso, numa unidade que forma o todo. Nesse sentido, afirma Hegel: Primeiramente queremos ter uma visão total de um bosque, para depois conhecer demoradamente cada uma das árvores. Quem considera as árvores primeiro e somente está dependente delas, não se dá conta de todo o bosque, se perde e se desnorteia dentro dele (HEGEL, 1976, p. 25). De modo similar, é preciso pensar a filosofia em si mesma e não as múltiplas formas em que ela se apresenta, porque não se deve partir do particular para o universal, já que a multiplicidade não conduz à totalidade. Assim, nosso estudo busca alicerçar-se na análise da filosofia como unidade e totalidade, seguindo a ótica hegeliana segundo a qual aquele que possui interesse pela verdade deve buscar o uno e a unidade. Desse modo, Hegel indica que a história da filosofia é a história do pensamento livre e concreto, o qual se ocupa consigo mesmo. Posto que “não existe nada racional que não seja resultado [...] do pensar concreto, que é a razão” (HEGEL, 1976, p. 26). O que implica dizer que a história da razão pensante só pode ser compreendida pelo pensamento. Eis o que confere significação a todas as coisas14, pois a significação é o essencial de um 14 Na obra de arte é possível perguntar pela significação da forma; na linguagem, pela palavra; na religião, pela representação do culto, e nos atos, pelo valor da moral. 46 objeto, o substancial, é o pensamento concreto do objeto. Segundo Inwood, essa noção de pensamento concreto em Hegel remete-se à concepção de que “os pensamentos que aplicamos a intuições constituem a essência das coisas resultantes” (1997, p. 248). A história do pensamento livre encontra o seu sentido no próprio pensamento, entendido também como consciência. Nesse sentido, afirma Kojève: “para que haja consciência-de-si, para que haja filosofia, é preciso que haja transcendência de si” (2002, p. 163). E, a partir dessa compreensão, Hegel apresenta algumas determinações do pensamento, conceitos gerais e abstratos. Estes conceitos são suposições, e como tais, não são demonstrados especulativamente. Desse modo, apresenta as determinações preliminares do pensamento, conceito, ideia ou razão e a evolução dos mesmos. Assim, a filosofia é descrita como uma atividade pensante e o pensamento é o que lhe é mais íntimo, pois “o pensar do filósofo é o pensar do universal” (HEGEL, 1976, p. 28). Logo, a filosofia deve ocupar-se com o universal que tem seu conteúdo em si mesmo: “o Absoluto, quer dizer, o todo ou a coisa efetivada em sua totalidade” (CHAGAS, 2008, p. 15). O pensamento enquanto puro pensamento: o ser, a essência, o uno. O pensamento é determinante de si mesmo e se concretiza no conceito, portanto, ele não é vazio e abstrato, antes, é um pensamento concreto. O conceito difere do pensamento puro porque é um pensamento determinado, e aquele é universal. É o pensamento em sua vitalidade e atividade, uma vez que se dá a si mesmo. Já a Ideia é o conceito enquanto ele se realiza, e para tal, determina-se a si mesmo15. O seu conteúdo é ela mesma, é o infinito relacionando-se consigo mesmo, conforme se percebe na seguinte afirmação de Hegel: “posso muito bem dizer o conceito de alguma coisa, mas não posso dizer a ideia de alguma coisa. Porque esta tem o seu conteúdo em si mesma” (1976, p. 30). Conseqüentemente, é possível compreender que Hegel está a nos propor que para compreendermos a evolução como tal, devemos distinguir o ser em si, a existência e, o ser por si, ou dito de outro modo, o que é desenvolvido: o gérmen, a aptidão, a potência, ou 15 “Uma idéia não é transcendente e separada de particulares: está plenamente realizada em certos tipos de particular. Apesar do seu respeito a Platão, Hegel rejeita qualquer divisão de dois mundos e inclina-se mais para a noção aristotélica de que as idéias estão nas coisas” (INWOOD, 1997, p. 169). 47 seja, aquilo que é em si; a existência16, na qual o em si se desenvolve na medida em que existe como algo distinto e que imediatamente se diferencia em si, e a terceira determinação: o ser por si, que estabelece a unidade entre o que existe em si (subjetivo), e o que existe por si (objetivo), como uma mesma coisa. Na evolução, o outro que resulta do movimento é algo que sempre esteve contido na unidade, esta contradição impulsiona a evolução. Cada fase refuta e contradiz a outra, mas a unidade permanece nas diferentes fases. Logo, a história da filosofia é a história das representações da consciência em evolução até atingir seu fim que coincide com a consciência da liberdade. O primeiro momento é caracterizado pelo em si da realização, o espírito subjetivo. O segundo momento é a existência, o espírito objetivo. E o terceiro momento consiste na identidade, na síntese de ambos. Este é o fruto da evolução e o resultado de todo o movimento: o ser em si e para si. Quando o Eu se torna objeto do pensar, o espírito produz-se e sai de si, para saber o que ele é. Nesta dialética o homem se duplica, pois uma vez que é razão, é pensar em si, e porque pensa, ele converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Neste momento, a Ideia que se alienou de si ao tornar-se por si, volta a encontrar-se consigo mesma, mediante o movimento da consciência rumo à liberdade, a finalidade absoluta que o espírito alcança através do desenvolvimento do pensar, pois em Hegel: “alcançar esta finalidade, é o interesse da ideia, do pensar, da filosofia” (1976, p. 43). Com efeito, a evolução se dá como concreção, pois se manifesta como um processo, um movimento através do qual vai se revestindo de certa concretude, por meio das formas do espírito e da evolução do pensamento. Logo, quanto mais o espírito evoluir, mais profundo e mais consciente de si ele será. Porque o desenvolvimento é um aprofundar-se do espírito em si. Isto significa que a evolução no nível da consciência se manifesta através do desenvolvimento do pensar ao longo da história. Ademais, o espírito tem por finalidade se compreender a si mesmo em seu desenvolvimento mediante os graus 16 “O que chamamos existência é um mostruário do conceito, do germe [...] à existência na consciência, no espírito, chamamos saber, conceito pensante. O espírito também é isto: trazer à existência, isto é, à consciência” (HEGEL, 1976, p. 35). 48 de sua evolução, de modo que cada nova determinação torna essa evolução mais rica e, por conseguinte, mais concreta. A partir do seu sistema, Hegel elabora novas formulações para diversas questões fundamentais da estética, mediante a análise histórica e dialética do conteúdo expresso na arte. Dessa análise, deduzem-se as categorias da beleza, das formas e dos gêneros artísticos, isto não significa a superação do papel ativo do sujeito estético, antes se refere à ressalva de que tal atividade está inserida em condições históricas já postas. O conteúdo expresso na arte corresponde ao estado de desenvolvimento da sociedade e da história, o estado do mundo. O sujeito estético sente a necessidade de reproduzir esteticamente esse conteúdo expressando-se por meio da arte e, assim, vão surgindo as formas artísticas. Em Hegel, a concreção histórica do conteúdo não pode ser confundida com um relativismo histórico. Ela possibilita a determinação dos critérios estéticos, como a avaliação estética das obras, porque anuncia a riqueza de cada conteúdo histórico particular. Assim, a compreensão do discurso sobre a estética hegeliana implica a consideração de um percurso teórico em evolução no âmbito do pensamento de Hegel. Um universo em movimento, passando pelas obras da juventude, as da maturidade, até chegarmos propriamente aos Cursos de Estética, ou Lições de Estética17. Cabe então atentar para a visão estética hegeliana no seu desenvolvimento, tendo como fio condutor da investigação a correlação entre arte e liberdade, ou melhor, a arte vista como expressão da liberdade. Pois, “a reflexão estética de Hegel conhece um longo período que precede as lições de estética proferidas em Heidelberg e depois em Berlim” (VERCELLONE, 2000, p. 26). Desse modo, de acordo com as indicações que constam no prefácio do primeiro volume das Lições de Estética, esta obra é resultado da compilação, feita do material elaborado por Hegel quando ministrava cursos para seus alunos em Berlim, bem como das anotações dos próprios alunos. Assim, como podemos ver na próxima citação: A matéria mais confiável foi fornecida pelos próprios papéis de Hegel sempre utilizados em suas preleções orais. O caderno mais 17 Esta é uma questão referente à tradução da obra original de Hegel. Aqui optamos pela denominação Cursos de Estética, conforme a tradução de Marco Aurélio Werle, utilizada neste trabalho (HEGEL, 2001). 49 antigo é da época de Heidelberg e data de 1818. Ele provavelmente serviu para ser ditado oralmente, pois é dividido em parágrafos curtos e concisos e em observações detalhadas [...] pode ter sido esboçado para o propósito do ensino filosófico ginasial em Nüremberg. Em outubro de 1820 (Hegel) começou a fazer uma nova modificação, da qual nasceu o caderno que a partir de então se tornou o fundamento para todas as lições posteriores sobre o mesmo objeto (HEGEL, 2001, p. 18-19). As Lições de Estética define o lugar sistemático da arte, de acordo com uma estrutura tripartida, em que contempla a ideia do belo artístico ou ideal; seguido do desenvolvimento do ideal nas formas particulares, e por fim, apresenta o sistema de cada arte individual (VERCELLONE, 2000, p. 30). Mas nossa pretensão, contudo, é apenas contemplar, nesta obra, o modo como Hegel estabelece a relação entre arte e liberdade, na dialética da manifestação fenomênica do Absoluto. Pois a reflexão da arte livre remete para o âmbito da elaboração espiritual, para o pensamento que anuncia a idéia na forma sensível e que em sua aparência, manifesta a emancipação da subjetividade individual. As Lições de Estética evidentemente relacionam os diversos gêneros e os diversos tipos de arte com as etapas do desenvolvimento temporal do absoluto [...] para chegar à conclusão de que em sua época o absoluto já não expressa-se adequadamente a não ser no discurso conceitual (HUISMAN, 2001, p. 470). Este percurso que diz respeito ao domínio do nascimento da estética é o fundamento para a compreensão da arte como emanação do Espírito e, por conseguinte, expressão da liberdade. Um percurso em que a consciência desvela a sua liberdade ao longo da história. É neste sentido que compreendemos a estética hegeliana em sua dimensão reflexiva e contemplativa do Absoluto que se manifesta de forma imagética na arte: momento de exteriorização da Ideia. 50 3. HEGEL E A PROBLEMÁTICA DA ESTÉTICA Figura 2 – Deusa Atena. 51 3.1 HEGEL E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA O movimento dialético da afirmação da arte enquanto produção do Espírito poderia indicar a dinâmica da sua progressiva emancipação, enquanto fenômeno que se realiza na história e se afirma como disciplina filosófica da arte no século XVIII, em sua singularidade de conduzir à dimensão mais sublime a que se pode chegar na esfera sensível, o saber e a consciência da liberdade. Essa emancipação da estética não se restringe à problemática proposta por Hegel enquanto a filosofia da bela arte, mas engloba a totalidade da discussão da arte livre que se afirma em sua autonomia ao longo da história. Assim, os Cursos de Estética situam-se como o ápice dessa dinâmica da progressiva emancipação da arte. A fundação da estética como disciplina autônoma e, portanto, livre, constitui um acontecimento de um alcance considerável (JIMENEZ, 1999, p. 31). Este acontecimento não se restringe ao acréscimo de um novo ramo à árvore da ciência, criado para reunir e designar um saber até então difuso. Antes, trata-se de um novo modo de contemplar a arte, os artistas e as obras. A reflexão específica e autônoma da criação artística, que resultou de um longo percurso de descobertas e transformações no modo de pensar do Ocidente, a fim de emancipar o homem das tutelas teológica, metafísica, moral e social rumo à emancipação, poderia indicar a alma moderna da estética. Ao partir desse pressuposto histórico que fundamenta e lança as bases para o surgimento da reflexão filosófica da estética moderna, pretendemos situar as condições necessárias à fundação da filosofia da arte conforme se desenvolve em Hegel. A palavra arte, originada na língua latina com o termo ars, a partir do século XI, era designada como um conjunto de atividades e habilidades vinculadas à técnica e ao ofício, atividades genuinamente manuais. Assim, a concepção moderna de arte enquanto objeto de reflexão da estética só é desvelada a partir do século XVIII18, no momento em 18 Com Baumgarten (1993, p. 97) pretenso fundador da estética, surge no século XVIII a discussão da estética como disciplina filosófica e a compreensão de que nela estaria a perfeição do conhecimento sensitivo: a beleza. Isso porque existem duas faculdades na alma que a possibilitam conhecer: a clara e distinta, que corresponde a metafísica, e a obscura e confusa, que diz respeito ao conhecimento sensitivo. A estética, segundo o autor, pertence ao domínio da faculdade inferior, porque é um discurso sobre o que 52 que a arte passa a ser reconhecida e se reconhece mediante seu conceito, tornando-se uma atividade intelectual (JIMENEZ, 1999, p. 32). Daí resulta a importância da reconstrução teórica dos momentos históricos do desenvolvimento da percepção da arte enquanto subjetividade19 que se torna manifesta nas nuances que assume em suas formas fenomenais, já que: As periodizações, as fronteiras precisas e as cronologias exatas são artifícios históricos a que se recorre para explicar transformações que se prolongam no tempo, deixando meros vestígios [...] que, estratificando-se uns sobre os outros, formam um percurso ao longo do qual podemos dispor alguns marcos de orientação (FRANZINE, 1999, p. 13). Acompanhemos algumas etapas necessárias à emancipação da arte, pois as múltiplas nuances no modo de concebê-la, resultam de uma trajetória histórica que reflete as mudanças ocorridas após a Idade Média que permitem a progressiva libertação do artista das tutelas a que estava submetido. Na Idade Média era corrente a concepção da impossibilidade de se atribuir ao homem um poder criador, mesmo que fosse de criação artística, pois criar era um privilégio unicamente divino. Não havia lugar para a ideia de criação artística, porque mesmo ao produzir uma obra, o artista nela apenas estaria refletindo o poder de Deus que o criou. No século XIV já é possível notar indícios germinais do que viria a se constituir posteriormente com a arte autônoma. Os artistas vão paulatinamente atentando para a consciência do seu poder criador para a sua força criativa, tanto que alguns passaram a rubricar seus auto-retratos. Esse fato implica o deslocamento da obra à personalidade do autor que não se esquiva de expor-se tomando-se como objeto. 19 aparece como confuso e obscuro, ressaltando que a confusão sugere a ordenação do conhecimento sobre o belo. Assim, por ocupar-se do conhecimento sensitivo apenas na figura da beleza, ela pode educar a percepção sensível para o conhecimento superior, sendo compreendida enquanto lugar intermediário entre a matéria (sensível) e a forma (inteligível), rumo ao conhecimento claro e distinto. Desse modo, “a Estética como teoria das artes liberais, como gnoseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do análogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo” (BAUMGARTEN, 1993, p. 95). A subjetividade é para Hegel o princípio dos novos tempos que se caracteriza pela liberdade da reflexão, pois “a grandeza do nosso tempo é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito pela qual este está em si consigo mesmo” (HABERMAS, 2000, p. 25). 53 Nesse sentido, a ideia da criação como atributo unicamente divino dá lugar à nova concepção de que ela também dependeria da ação humana que a concretiza em suas obras. E, assim, no século XV, o conceito de criação artística passa a ser pensado e aceito através da produção de obras. Emerge, na Renascença, o reconhecimento social do artista antes considerado unicamente como artesão que dominava uma técnica, agora passando a ser reconhecido como “artista humanista, dotado de um verdadeiro saber e não mais somente de perícia, depois como artista que negociava as próprias obras no mercado” (FRANZINE, 1999, p. 33). Surge, assim, a compreensão da produção artística como atividade intelectual que se utiliza das faculdades e aptidões do artista, o que significa dizer que, através da consciência da complementação entre razão e sensibilidade, progressivamente, vai sendo constituída a idéia de um sujeito autônomo. Na Renascença, abre-se espaço para o questionamento do próprio pensamento, através de uma possível correspondência entre o conteúdo da arte e o do pensamento conceitual (CASSIRER, 1992, p. 368). Segundo Fullerton, podemos entender a Renascença como renascimento segundo a seguinte explicação: “o que estava renascendo na Europa, no começo do século XIV, era o interesse e o respeito pelo passado clássico” (2002, p. 26). Despontam as ideias de criação autônoma através do gênio criador do artista, instaurando uma ruptura com o pensamento medieval. Nesse momento, o artista passava a receber uma determinada quantia pela sua produção, trabalhando para um empregador que estabelecia critérios que definiam o que deveria ser pintado, o prazo a entregar a obra e os materiais a serem utilizados. E, já em meados de 1530, o preço das obras aumentava conforme o renome e o talento e não mais, apenas, em vista dos materiais utilizados em sua elaboração. O artista vai conquistando o reconhecimento de autor e proprietário do seu talento, destacando-se em sua notoriedade. Tanto que alguns são convidados a morar nos palácios reais, além de receberem títulos de nobreza. Contudo, neste período, a autonomia da arte ainda não pôde ser afirmada, pois o objeto artístico ainda encontrava-se atrelado a finalidades simbólicas ou utilitárias, tais como: ornar, embelezar, decorar igrejas, palácios, ou celebrar a glória de Deus. O princípio estético dominante era a imitação da obra divina na natureza e no homem, pois “render 54 homenagem a Deus, imitando sua obra, a natureza ou o homem, permite aceder à beleza” (FRANZINE, 1999, p. 45). Decorrerão ainda dois séculos para a instauração da estética como disciplina filosófica. Por conseguinte, no século XVI, busca-se saber que forças impelem o artista na produção de suas obras, se a razão ou a emoção, já que se trata da percepção da arte e de sua produção. Surge neste período uma preocupação teórica na definição da arte, a partir da “exigência mediadora de um contexto cultural no qual se procura colocar o mundo da contingência no plano da razão” (FRANZINE, 1999, p. 16). Cabe afirmar a arte não apenas em sua dimensão sensitiva que diz respeito ao sentimento por ela suscitado, mas também afirmá-la como possibilidade de conferir ordem e unidade ao que aparece como múltiplo e disforme. É a ascensão de uma concepção racional para a arte. Seria preciso ainda que a razão e a sensibilidade não fossem mais tidas como dimensões contrastantes e conflitantes, o que se manifestará ainda timidamente no século XVII. Conviria acrescentar que este século está perante a busca do sensato, da moderação, do verossímil, da busca do gosto, e do cálculo da razão. Assim, somente na metade do século “surge a suspeita de que a razão não é una, absoluta, e de que não constitui a única fonte de conhecimento” (FRANZINE, 1999, p. 58). É precisamente neste momento que desponta uma abertura para a sensualidade, quando a beleza passa a ser objeto de investigação. Apesar de algumas mudanças nos temas de investigação filosófica não há ainda o aparecimento claro e consciente da reflexão científica da arte, enquanto disciplina filosófica. O que se pode notar neste período são as bases da discussão estética, a atenção voltada ao sensível e a vontade de racionalizar e reconduzir tudo aos ditames da razão. Concatenada a esta discussão, vale lembrar que o pensamento de alguns empiristas também contribuiu para a elaboração de um estatuto teórico e filosófico ao outro da razão: a natureza, os sentimentos e a experiência. Desenha-se o debate entre antigos e modernos20 no que toca ao desenvolvimento da reflexão estética devido às novas 20 De acordo com Jimenez poderíamos entender o debate entre antigos e modernos a partir da perspectiva segundo a qual eles teriam um ponto de concordância: “a chamada razão estética ou poética. Ela poderia ser um elo intermediário entre a razão e a imaginação, entre o entendimento e a sensibilidade. E finalmente, é o indivíduo, o sujeito que realizaria de alguma maneira a harmonia entre as faculdades, de 55 divisões do saber, através do espírito de mediação e de equilíbrio entre as dimensões contrastantes. Desta feita, surge: Uma rica variedade de fenômenos diversos, teorias e ideias que, estando presentes há séculos [...] vêm a revelar, de um modo geral, uma amplitude [...] sem precedentes, no âmbito de um quadro onde se cruzam complexidade e confusão (FRANZINE, 1999, p. 37). No século XVIII é que a arte passa a ser vista não apenas como imitação da natureza, posto que na arte os aspectos contraditórios e até antagônicos da atividade humana, se enlaçam de modo privilegiado, como atividade intelectual e material. A criação artística também é dotada de racionalidade, pois “criar uma obra de arte significa realizar um ato ao mesmo tempo abstrato e concreto” (FRANZINE, 1999, p. 36). O que implica dizer que este ato de produzir algo, que não se submete ao uso e que não se perde na dimensão utilitária, envolve a habilidade do artista e a matéria de que se constitui, mas também as faculdades racionais daquele que a produz. Assim, a “produção de obras de arte implica a utilização de mecanismos psíquicos e mentais, portanto a dimensão racional para a invenção de algo que se oferece à percepção” (JIMENEZ, 1999, p. 36). Dessa maneira, na arte evidencia-se o poder demiúrgico do artista mediante a capacidade de criar objetos que não se reduzem pura e simplesmente a imitação da natureza. Objetos esses que refletem todo o saber adquirido no decorrer da história, de modo a manifestar este conteúdo na forma concreta, já que na experiência estética, a racionalidade se une à experiência sensitiva. Esta é a tendência mediadora que caracteriza o século XVIII. O húmus, a essência ou o espírito fundador desse século seria a reflexão sobre temas estético-artísticos, com o foco nos problemas relativos ao sentimento e a sensibilidade (FRANZINE, 1999, p. 17). Isto porque a teoria estética insere a sensibilidade no contexto de uma teoria gnoseológica, pois o século XVIII institui a racionalização da um lado, porque é o autor da experiência estética e, de outro lado, porque cabe a ele [...] pronunciar-se sobre o que sente: cabe a ele emitir um julgamento de gosto. Esta maneira de expor o problema já anuncia as soluções que serão propostas por Baumgarten” (JIMENEZ, 1999, p. 73-74). 56 beleza através da possibilidade de atribuir um plano de saber para a arte. Desta forma, a razão esclarecida, sob a influência do pensamento cartesiano, representa um dos momentos imprescindíveis para a constituição da estética moderna. Pois temas como progresso, unidade na variedade, concepção dinâmica da natureza e fantasia, característicos da filosofia iluminista, são encontrados no momento inaugural da estética, perante a possibilidade de unificar o múltiplo mediante a racionalização do saber. Além do mais, com o racionalismo foi possível indagar se a beleza obedeceria a regras exatas ou se seria mais vinculada ao sentimento. Questão crucial para a definição do campo de especulação estética (JIMENEZ, 1999, p. 52). A busca de um fundamento universal, de verdades absolutas almejada pela certeza do cogito: penso, logo existo21, foi decisiva para a reflexão científica da arte, tendo em vista que a afirmação do sujeito como dono e criador de suas representações artísticas foi fundamental para o nascimento da estética (JIMENEZ, 1999, p. 56). Elencamos as novidades dos conceitos cartesianos afim de destacar que o devir entre razão e emoção marca o surgimento da estética setecentista na sua orientação para a espiritualização do prazer. Especialmente no que concerne ao status do sujeito pensante, o cogito que coloca o sujeito no centro do racionalismo, afirmando-se autônomo através da dúvida e da certeza que lhe advêm do seu próprio pensamento. Sublinhe-se, além disso, que os postulados fundamentais aqui elencados, seguindo um percurso histórico, no que toca ao desenvolvimento da estética enquanto disciplina e reflexão filosófica autônoma, nos serviu como norte que conduziu à argumentação para o século XVIII, momento da fundação da estética. Nisto salientou-se que esse acontecimento remete às épocas precedentes, as quais lançaram as raízes para a sua afirmação enquanto tal. Precisamente nesta dinâmica das mudanças ocorridas ao longo da história que no final do século XVII e início do século XVIII, manifesta-se uma profunda transformação no modo de conceber a arte. Ocorre o reconhecimento da experiência e das sensações na 18 Conforme a explicação de Cottingham, o Cogito ergo sum: penso, logo existo é talvez a frase mais famosa da história da filosofia, “ela aparece primeiro em francês – jê pense donc jê suis – na Parte IV do Discurso (1637): Notei que, enquanto tentava pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, era algo. E observando que essa verdade continha em si tamanha certeza e firmeza que resistia incólume às mais extravagantes suposições dos céticos, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulos, como o primeiro princípio da filosofia que procurava” (COTTINGHAM, 1995, p. 37). 57 reflexão estética, promovendo o surgimento de uma nova mentalidade que desloca o foco de investigação do objeto para o sujeito pensante. Dessa forma, o nascimento da estética22 é setecentista, pela definição de seu nome e pelos horizontes teóricos. 3.2 A ESTÉTICA NO SISTEMA FILOSÓFICO DE HEGEL Hegel nos convida analisar a arte na esfera do infinito: domínio em que a liberdade se manifesta de modo pleno, buscando atentar para o lugar que ele confere a arte no seu sistema: a visão dialética de modo a perceber que “o verdadeiro sentido da filosofia e da estética hegelianas é conhecido na dialética que se encontra no próprio âmago de seu sistema” (JIMENEZ, 1999 p. 182). A estética hegeliana representa um marco na história da reflexão sobre a arte, pois Hegel percebe o verdadeiro sentido da estética moderna não mais puramente como o estudo do belo em si, nem tampouco como o estudo dos juízos sobre o que seria a beleza dos objetos, mas como o estudo do belo em-si-e-para-si, segundo o movimento dialético que possibilitou essa tomada de consciência do que seria a estética na modernidade. Com efeito, a Ideia Absoluta é o primeiro momento da dialética, o qual consiste na tese, posto que é a ideia subjetiva em si e por si, desprovida de existência e de aparência sensível, porque sendo universal não tem existência na concretude do mundo. É pensamento puro e verdadeiro. Nela situa-se a plena identidade do sujeito com o objeto, ambos encontrando-se totalmente imbricados formando uma unidade, de modo que o objeto não é exterior ao sujeito, mas antes é também ele mesmo. Assim, ela é o pensamento que se pensa a si mesmo, é a unidade universal, o pensamento do pensamento. Nela, encontra-se a verdade absoluta, o infinito absoluto, uma vez que é a síntese na identidade de si. Portanto, é entendida como a primeira razão, a plena racionalidade, posto que “a razão se explica a si própria [...] e por isto, porque tem em si a explicação de si, a 22 Franzine nos esclarece que a palavra estética deriva do grego “aisthetike e remete, conseqüentemente, para o âmbito da sensação, da sensibilidade, da imaginação. Em Baumgarten, a estética é ciência, gnoseologia inferior, originariamente situada a meio caminho entre filosofia, poética e retórica” (FRANZINE, 1999, p. 35). 58 razão pode ser dita e aceita como razão de si mesma” (NÓBREGA, 2005, p. 59-60). Neste primeiro momento da dialética, a razão conserva uma unilateralidade absoluta, apartada do existente, pois “a Ideia Absoluta em sua efetividade verdadeira é espírito [...] absoluto, universal e infinito” (HEGEL, 2001, p. 108). Assim sendo, a transição da ideia para a natureza é um processo de dedução de universais, o que nos permite dizer que Hegel não se atém a objetos particulares e mensuráveis, mas a ideias, enquanto conceitos, já que as coisas existentes são a soma de universais. Espírito e natureza correspondem a âmbitos justapostos, existindo uma cumplicidade entre eles por serem âmbitos igualmente essenciais. A natureza “não se situa nem como tendo valor idêntico nem como fronteira, mas mantém a posição de ser posta por ele” (HEGEL, 2001, p. 108). Através dela, o Espírito Absoluto é apreendido como diferença de si em si mesmo. É o outro que ele distingue de si, dotando-o de sua essência. Desse modo, a ideia engendra a natureza para desvelar e ganhar aparência, porque a verdade necessita aparecer e tornar-se manifesta. Dessa forma, a Ideia universal e abstrata na sua forma mais plena, ao colocar o seu outro: a natureza, a fim de ganhar existência na concretude do mundo, se desvela e ganha aparência, todavia, porque projeta a sua imagem ou essência em uma esfera finita, perde a sua identidade inicial, já que o conceito se determina a si mesmo. Assim, a Ideia necessita, na sua existência mais plena, da alteridade da natureza. A natureza é a Ideia exteriorizada, a Ideia fora de si. É a determinação objetiva da Ideia na esfera finita. Nela, a Ideia se aliena de si porque adquire existência e aparência, tornando-se ilógica, pois se antes havia plena identidade entre sujeito e objeto, neste estágio, surge uma antítese entre eles. A natureza se apresenta como não liberdade já que está submetida às necessidades imediatas e contingentes da existência finita. Essas discussões são importantes porque indicam o modo como o espírito finito apreende a natureza. Não é a natureza que se vê como não-liberdade, é a consciência comum que assim a compreende. A natureza é posta pelo Espírito e tem a essência do absoluto em si mesma, como o outro que o Espírito distingue de si. No entanto, ela afigura-se para o espírito finito como não-liberdade, enquanto algo criado, pois quando o Absoluto se particulariza se nega em si mesmo. Entretanto, o Espírito tende a superar esta 59 particularização e negação de si mesmo ao se unir ao seu outro numa universalidade livre. Desse modo, tem em si a idealidade e a negatividade infinita. A contraposição entre Espírito e Natureza, enquanto grandezas lógicas, também persiste no espírito finito, agente da resolução de todas as contraposições. O espírito finito torna-se o mediador entre a exterioridade e a interioridade, porque tanto é parte da natureza, quanto é um ser espiritual e, portanto, é razão objetivada. É a possibilidade de reconciliação entre Espírito e Natureza, finitude e infinito, e de retorno à identidade perfeita. Na reconciliação, “cada parte se torna compreensível a partir da totalidade; podese entender cada finito somente partindo do infinito” (NICOLA, 2005 p. 355). O espírito finito é aquele que realiza a síntese entre o Espírito e a Natureza, já que nele a razão inicia o retorno em direção à Ideia, que no primeiro momento era em si, depois na natureza tornou-se para si, e agora, com o pensamento conceitual, torna-se em-si-e-para-si. Daí se deduz o papel imprescindível do espírito finito, pois ele promoverá o retorno da natureza à esfera infinita, por que ele contém em si mesmo a interioridade, uma vez que é espírito, e também a realização deste interior no exterior. Logo, esta contraposição entre espírito e natureza, que configura também a existência humana, só poderá resolver-se na esfera infinita. E, nessa busca por uma satisfação sempre mais plena, o espírito finito vai se apercebendo que entre o Espírito e a Natureza há uma cumplicidade e que ambos estão apenas justapostos, como âmbitos igualmente essenciais. A natureza não lhe é contraposta, ela é o seu outro. Em linhas gerais poderíamos entender a tríade da dialética hegeliana do seguinte modo: a tese seria a Ideia, também denominada de Espírito Absoluto23, nela está a essência e o pensamento puro, a identidade absoluta. Todavia, uma vez que existir significa aparecer, a Ideia abstrata se efetiva e ganha aparência na natureza para poder pensar-se e revolver-se na realidade sensível. Na antítese da Ideia: a natureza há o espírito finito, o homem, ser dotado de natureza finita e razão infinita, a última possibilita a reconciliação entre a natureza e o espírito. Assim, o espírito finito é o agente do retorno à identidade primeira. 23 Os filósofos idealistas entenderam por Absoluto uma interpretação racionalista de Deus. Para Hegel, Absoluto é o Espírito ou Razão, devendo-se esclarecer que a razão hegeliana não é algo estranho e contraposto à natureza, mas coincide com ela (NICOLA, 2005 p. 358). 60 O espírito deve separar-se da natureza, negá-la, antes de descobrir nela o seu reflexo, ao se tornar objeto de seu saber e vontade. Assim, o Absoluto se torna objeto do espírito, uma vez que “o espírito entra no estágio da consciência e se diferencia em si mesmo como aquele que sabe e, em face desse saber, como objeto absoluto do saber” (HEGEL, 2001, p. 109). Neste ponto se localiza a solução da não-liberdade, a identidade perfeita entre o sujeito e o objeto, a Ideia e o fenômeno. Tem início a possibilidade da solução da não-liberdade, já que o espírito finito vai se apercebendo que não há oposição entre Espírito e Natureza. Esse movimento do espírito finito passa pelo saber e pela vontade no sentido de resolver a contraposição entre espírito e natureza, pois ele se vê como objeto absoluto do saber. Nesse passo para a liberdade é que se localiza o início da filosofia da bela arte, o pensamento que se volta ao infinito. Nesta perspectiva, o Espírito Absoluto põe a finitude para nela se tornar objeto do saber, pois, no dizer de Hegel, “ele é espírito absoluto em sua comunidade, o absoluto efetivo como espírito e saber de si mesmo” (HEGEL, 2001, p. 109). Assim sendo, o belo artístico não é a ideia lógica, o pensamento absoluto como puro pensamento, nem é a ideia natural, desprovida do espírito ou de racionalidade. Ele pertence ao âmbito espiritual, ao reino do Espírito Absoluto, é criação do espírito e manifestação de sua imagem na esfera sensível. A partir dessa dialética que move o pensamento hegeliano, a arte afirma-se como produção espiritual, porque quando o espírito finito contempla o infinito ele se apropria da Ideia e produz o belo na arte como reflexo do Absoluto. O que implica dizer que “trata-se então de reconhecer, sob a aparência do temporário e do transitório, a substância que é imanente e o eterno que é atual” (NICOLA, 2005 p. 356). Com isto, entendemos que “substância imanente” e “eterno atual”, dizem respeito à forma assumida pela exposição fenomênica da arte e, ao seu conteúdo absoluto, a liberdade presente na Ideia e comunicada à arte enquanto produção do espírito. Desse modo, segundo Vercellone, a arte se afirma como “o lugar principal onde se manifesta a íntima e intrínseca unidade do Eu e da Natureza, do Sujeito e do Objeto” (2000, p.15). 61 3.3 A ARTE LIVRE COMO OBJETO DA ESTÉTICA O século XVIII afirma-se como o século da estética que teria como ponto de partida a indicação da possibilidade de lançar uma reflexão sobre aquilo que é obscuro, confuso e que pertence ao domínio da sensibilidade. E, assim, o pensamento filosófico passaria a ocupar-se do belo, do sublime e do gosto, tendo a experiência como uma questão a ser refletida. Nesse momento, a estética se desliga do vínculo com a religião para se dizer por si mesma, e afirma-se como uma reflexão filosófica da arte, mas também como manifestação sensível da beleza, situando-se entre a busca de um controle racional do sujeito pensante e o discurso sensível. Poderíamos dizer que se trata de uma metafísica do belo que eleva os fenômenos de arte à dimensão conceitual, posto que ela se ocupa da totalidade da experiência do belo e sugere uma definição geral da arte. Assim, no momento da fundação da estética, a beleza é compreendida como o lugar intermediário e fronteiriço entre o domínio do puro pensar e da inteligibilidade e o domínio da sensibilidade. Neste sentido, ela teria a função de conduzir a percepção ao conhecimento. Colocada desta maneira, a estética seria comparável ao brilho sensível da idéia, pois através dela é possível ascender ao domínio espiritual do conceito, pois “em Hegel a filosofia do belo, e o belo já não é julgamento de origem subjetiva, mas uma Ideia que existe na realidade, em obras de arte reais e históricas” (LACOSTE, 1986, p. 42). A estética seria a contemplação do Absoluto mediante as formas fenomênicas da beleza, a convergência do que se apresenta como diverso na unidade conceitual do belo. Isto porque o conceito estabelece a harmonia, a unidade e a ordem, a fim de estabelecer um discurso filosófico sobre o belo. O belo estaria, desta forma, organizando o que aparece como confuso, a percepção sensível, para a sua ascensão à luz. Ela surge como propedêutica da lógica e se propõe a estender a aprimoração do conhecimento além dos limites do conhecimento distinto e preparar a percepção para os estudos contemplativos. Porque surge a necessidade de organizar a percepção sensível, mas sem prejudicar a razão 62 lógica24. Caberia à estética educar a percepção sensível a fim de atingir a perfeição do conhecimento sensitivo: a beleza. Este modo de educar a percepção para o que de perfeito há na esfera sensitiva é uma gnoseologia, um modo de conhecer através da contemplação da beleza, visto que a alma possui duas faculdades do conhecimento, uma inferior, que diz respeito ao que aparece como confuso e obscuro, e outra superior, porque se trata de algo claro e distinto. A confusão corresponde à dimensão sensível e a clareza à esfera inteligível. O que consiste dizer que no seu nascimento a estética é entendida como uma gnoseologia inferir por ocupar-se do conhecimento sensitível. Ela amplia o modo de conhecer para além da racionalidade e se estende à realidade sensível a fim de iluminá-la com o brilho inteligível (BAUMGARTEN, 1993, p. 95). Assim, a origem da estética encontra pontos norteadores no Renascimento com a auto-reflexão e a autonomia em relação à metafísica e a teologia, a partir das mudanças na dimensão do pensamento filosófico, intelectual, teológico e moral, com o movimento de emancipação da arte e busca de sua autonomia como discurso livre. Isto porque, na modernidade, surge a certeza de si mesmo, a subjetividade da consciência de si através da racionalidade. Fundamento universal do pensamento que se sabe livre e autônomo, a substância pensante. Neste momento, a arte passa a se dizer por si mesma. A reflexão sobre a arte “surge da necessidade universal de reencontrar o eu na alteridade [...] trata-se de um momento prático da duplicação do eu [...] através do qual se alcança a consciência de si” (VERCELLONE, 2000, p. 36). Isso porque o século XVIII visa o esforço de classificar os conceitos de modo universal como um movimento de libertação intelectual que funda uma nova disciplina, a filosofia estética, da qual advém uma consciência filosófica da arte. Nesse processo de afirmação da arte em sua autonomia e liberdade é que se localiza os Cursos de Estética de Hegel, estando sua obra inserida no contexto que lhe permite lançar uma discussão histórico-estética da arte. Dessa maneira, o autor comunica 24 Baumgarten afirma que a estética visa a perfeição composta da matéria e da forma, de modo que a arte possa ser demonstrada e elevada à categoria de ciência, uma metafísica do belo (BAUMGARTEN, 1993). 63 em sua obra que a abertura para uma concepção filosófica e científica da arte se funda em transformações históricas que viabilizaram a reflexão acerca da arte livre. Hegel tem algumas reservas quanto à terminologia estética devido ao seu significado epistemológico. Segundo o autor, esta nomenclatura não é propriamente adequada, porque ela indica precisamente a ciência do sentido e da sensação. Para Hegel, o ideal seria designá-la como filosofia da bela arte, mas devido à propagação que o termo estética já havia alcançado na linguagem corrente, ele decide mantê-lo apenas como um mero vocábulo. Ressaltando que a autêntica expressão para a nova ciência é filosofia da arte, e de modo mais preciso, filosofia da bela arte. A estética, em Hegel, é definida como a filosofia da bela arte, tendo o belo artístico por objeto de investigação, o que significa que dela se exclui o amplo reino do belo natural. Logo de início, esclarece que “estas lições são dedicadas a estética, cujo objeto é o amplo reino do belo; de modo mais preciso, seu âmbito é a arte, a bela arte” (HEGEL, 2001, p. 27). O autor justifica a delimitação do objeto artístico a partir de argumentos esclarecedores quanto à dignidade e superioridade da produção artística em face da natureza, porque as obras são engendradas pelo Espírito e, ele, em sua liberdade, é superior a natureza e as suas produções. Embora na vida cotidiana seja comum a atribuição da qualidade da beleza à natureza, quando se fala de um belo céu, um belo rio, de belas flores e de belos animais, de modo a colocar o belo artístico ao lado do belo natural, essa atribuição não é válida para a discussão filosófica da arte, pois a existência natural é indiferente, não é livre em si mesma e autoconsciente, e assim, não se sabe bela. Ela precisa ser nomeada para que seja considerada como bela, já que em si mesma, apenas possui existência exterior. A superioridade do belo artístico lhe advém do espírito, pois tudo o que o espírito produz é superior à natureza. O belo natural é apenas um reflexo do belo pertencente ao espírito, um modo incompleto e imperfeito. Ademais, a delimitação ao belo artístico ainda pode ser justificada pelo fato das coisas naturais não serem vistas em sua beleza, antes, elas sempre são consideradas a partir do caráter de utilidade. A este respeito Hegel nos adverte: 64 Uma ciência das coisas naturais que serve para combater as doenças, uma descrição de minerais, produtos químicos, plantas, animais que são úteis para a cura, mas as riquezas da natureza nunca foram compiladas e julgadas do ponto de vista da beleza (HEGEL, 2001, p. 28-29). O belo da arte está acima do belo natural porque sua beleza nasce do espírito como produção espiritual. O Espírito é o pensamento que pensa a si mesmo, sendo dotado de Idéia e, portanto, livre. Ele comunica esta liberdade à suas produções. A sua aparição visa tornar o exterior adequado ao seu conceito. Neste sentido, Hegel pondera que qualquer idéia pensada pelo homem é superior à natureza, devido ao fato de aquela ser dotada de espírito, ou dito de outro modo, de racionalidade. No seu ponto de vista: Sob o aspecto formal, mesmo uma má idéia, que porventura passe pela cabeça dos homens, é superior a qualquer produto natural, pois em tais idéias sempre estão presentes a espiritualidade e a liberdade (HEGEL, 2001, p. 28). Ao afirmar que o espírito e a sua beleza artística estão acima do belo da natureza, o autor tem o cuidado de esclarecer que o termo acima apenas estabelece uma diferença quantitativa e exterior, porque leva a concluir que a beleza artística e a beleza natural estariam lado a lado, quando na verdade não se trata de algo relativo, mas de caráter bem mais significativo. Porque “somente o espírito é o verdadeiro, que tudo abrange em si mesmo, de modo que tudo o que é belo só é verdadeiramente belo quando toma parte desta superioridade” (HEGEL, 2001, p. 28). A exclusão do belo natural não é arbitrária, nem fruto do capricho. E, “a necessidade do belo artístico nasce da imperfeição da efetividade finita” (GONÇALVES, 2001, p. 59). O conceito filosófico do belo é a um só tempo constituído de matéria e forma, ou seja, de aparência sensível sob a forma imagética da arte e também de pensamento abstrato e racional. Ele “reúne a universalidade metafísica com a determinidade da particularidade” (HEGEL, 2001, p. 45). Assim, à exigência do método científico de que o objeto seja válido e comprovado como verdadeiro e necessário, Hegel responde que a filosofia da arte 65 encontra sua fundamentação em uma ciência que a antecede e que em seu conceito lhe confere o caráter de necessidade: a filosofia. De modo que a filosofia no seu conjunto: É o conhecimento do universo como uma totalidade orgânica em si mesma, que se desenvolve a partir de seu próprio conceito e, sua necessidade de se relacionar consigo mesmo como um todo que retorna a si, se une a si como um verdadeiro um mundo da verdade. No conjunto dessa necessidade científica cada parte singular é igualmente [...] um círculo que retorna a si. (HEGEL, 2001, p. 47). Hegel não pretende demonstrar a idéia do belo, segundo os ditames da ciência positiva que se baseia na verificação e experimentação do seu objeto, mas esclarecer que o conceito do belo e da arte são um pressuposto dado pelo sistema da filosofia, pois “a filosofia da arte constitui um capítulo necessário no conjunto da filosofia” (HEGEL, 2001, p. 31). Assim, importa defini-la enquanto parte da totalidade que compõe a filosofia e como ciência do belo artístico, para elucidar essa questão, Hegel parte as seguinte problemática: “por onde iremos abordar a nossa ciência que nos servir de introdução na filosofia do belo” (HEGEL 1999, p. 29), pois para que a estética seja afirmada como ciência, precisa de seja definido o seu objeto, o seu método e a sua fundamentação. O objeto da estética enquanto ciência é o belo artístico que existe em obras produzidas pelo espírito e que refletem o seu conteúdo, esse objeto de ordem espiritual não encontra a sua necessidade imediatez da existência puramente imediata como ocorre, por exemplo, nas ciências naturais. O belo artístico não se ocupa com a imediatez, mas com algo que eleva o espírito a uma dimensão livre de toda necessidade imediata e transitória, nesse sentido, segundo Duarte (1997), o belo artístico é a Ideia transfigurada em realidade efetiva. A estética, assim compreendida, apresenta ligações com a filosofia enquanto a ciência que a antecede, uma vez que esta se ocupa do absoluto, da totalidade e do ser, desse modo, a estética encontra na filosofia a sua fundamentação, enquanto um capítulo no conjunto da filosofia. Só pensada nesse conjunto é que a estética pode ser demonstrada e justificada a partir do caráter de necessidade, que lhe advém da filosofia. Nesse sentido, a 66 filosofia no seu conjunto possibilita o conhecimento como totalidade que se desenvolve a partir do conceito, na qual cada uma de suas partes, ou seja, suas disciplinas, constituem um círculo que regressa ao conjunto da filosofia. Após ter definido o objeto da estética, o autor esclarece ainda que à argumentação sobre a estética enquanto uma nova ciência, insurgem algumas objeções, e aqui convém acompanhar como Hegel as apresenta e as refuta, alcançando uma base sempre mais sólida para a fundamentação da filosofia da arte. A primeira é referente à dignidade científica da arte e a apresenta como algo servil e não livre. De acordo com ela, o belo e a arte estão presentes nas diversas ocupações da vida com a função de adorno dos ambientes, suavizando a seriedade das relações, enquanto entretenimento e diversão para tornar a vida agradável. Assim, a arte estaria “presente por toda parte, desde os enfeites mais rudes dos selvagens até o esplendor dos templos adornados com toda a riqueza” (HEGEL, 2001, p. 29). Segundo tal objeção, a arte ao assumir uma forma, necessita da ilusão da aparência e aquilo que é verdadeiro em si mesmo, não seria gerado da ilusão. A forma seria um modo contingente, já que a aparência e a ilusão não podem gerar o Verdadeiro, pois somente ele pode gerar-se. A este raciocínio se pode deduzir que a bela arte não mereça ser tratada cientificamente, pois “a ciência tem que refletir sobre os verdadeiros interesses do espírito” (HEGEL, 2001, p. 30). A ciência funda-se a partir de regras e procedimentos e a arte não se deixa subjugar por eles. A segunda objeção centra-se na inadequação da arte à consideração científica. De acordo com esta hesitação à nova ciência, apesar da arte permitir a reflexão filosófica, ela não seria adequada ao trato científico, pois só há ciência do necessário e não do contingente. A beleza artística por se apresentar aos sentidos, à sensação, a intuição e a imaginação, situa-se numa dimensão diferente do pensamento científico. A fruição da beleza provém da liberdade das produções, uma atividade livre da fantasia. A arte, assim compreendida, pertenceria ao domínio da fantasia, intuição e imaginação. E, “a ciência, segundo sua forma, ocupa-se com o pensamento que abstrai da massa de particulares” (HEGEL, 2001, p. 31). Dela, se exclui a imaginação e a fruição, pois o conteúdo da ciência 67 é o si mesmo necessário e a estética ao prescindir do belo natural, estaria se afastando do que é necessário. Com efeito, Hegel nos adverte que: Segundo todos estes aspectos parece que a bela arte, tanto em sua origem quanto em seu efeito e âmbito de abrangência, em vez de se mostrar adequada ao esforço científico, antes resiste em sua autonomia contra a atividade reguladora do pensamento (HEGEL, 2001, p. 31). Segundo Hegel (2001) tais dificuldades à ocupação científica com a bela arte são extraídas de concepções usuais em escritos franceses. De acordo com estas, a configuração do belo e sua difusão parece ser tão múltipla que se torna praticamente impossível a existência de leis gerais sobre ele, já que suas representações são variadas e particulares. Hegel as contra-argumenta ao declarar que o que pretende examinar é a arte livre em seus fins e em seus meios. E pondera que o fato dela atender a outros fins, objeção que apresentou a arte como um jogo fugaz a serviço da diversão e do entretenimento, esse aspecto ela tem em comum com o pensamento, pois a ciência também pode ser empregada como entretenimento servil para fins finitos e meios causais, não sendo determinada a partir de si mesma, mas a partir de outrem. Contudo, a arte se liberta dessa servidão aos fins finitos e, em sua autonomia livre, se eleva à Verdade: o Absoluto, instância independente, que possui o seu próprio fim em si mesma (HEGEL, 2001, p. 32). Além disso, a ciência da arte tem como ponto de partida a ideia do belo e não a sua contingente configuração fenomênica. Além do mais, “a verdade nada seria se não se tornasse aparente e aparecesse” (HEGEL, 2001, p. 33). A arte dá conta da necessidade que a Verdade tem de se tornar conhecida. A aparência da arte é somente um modo particular através do qual o verdadeiro se efetiva e se dá a conhecer. Não se trata de uma mera aparência restrita ao objeto observado, mas da autêntica efetividade do transcende, de modo a elevar-se acima da imediatez da sensação. A arte através de sua forma imprime uma efetividade superior, nascida do Espírito à sua aparência, e em sua aparência, ela significa além de si apontando para algo espiritual por meio dela representado. Todavia: “longe de ser [...] mera aparência, deve-se atribuir aos fenômenos da arte a realidade superior e a existência verdadeira, que 68 não se atribui à efetividade cotidiana” (HEGEL, 2001, p. 33), pois a essência da arte é a liberdade. Ainda no tocante à hesitação ao caráter de cientificidade da filosofia da arte, Hegel pondera: Considero o filosofar completamente inseparável da cientificidade [...] e isso porque é tarefa da filosofia considerar um objeto segundo a necessidade, que não pode [...] ser subjetiva ou estar submetida a uma ordem de classificação exterior [...] a filosofia deve desenvolver e demonstrar seu objeto segundo sua própria natureza interior. Somente esta explicação constitui em geral a cientificidade de uma consideração [...] na medida em que a necessidade objetiva de um objeto reside essencialmente em sua natureza lógico-metafísica, não somos obrigados a nos ater ao rigor estritamente científico [...] a configuração da necessidade deve [...] ser buscada no progresso interior de seu conteúdo e em seu meio de expressão (HEGEL, 2001, p. 36). O método utilizado na fundamentação científica da estética consiste em ter a idéia como ponto de partida, e assim, o intelecto vislumbra a luz da Verdade expressa na arte. Desse modo, a nova ciência “recebe o seu conteúdo e o seu sentido filosófico quando compreende o que representa na totalidade do saber, o lugar [...] que lhe compete nesse conjunto” (CASSIRER, 1992, p. 443). Ela é parte da filosofia. As objeções não se sustentam à consideração de que as obras de arte são geradas pelo Espírito, uma consciência pensante sobre si e sobre suas produções, pois o pensar constitui a sua natureza mais íntima e essencial. As obras de arte são de natureza espiritual, embora sua exposição acolha em si a aparência sensível. Estando mais próximas do Espírito do que a natureza destituída de pensamento (HEGEL, 2001, p. 37). Na arte, o conceito se desenvolve a partir de si mesmo como um estranhamento rumo à sensibilidade para apreender-se e reconhecer-se em sua alienação, sob a forma fenomênica do belo artístico, a fim de reconduzir-se de volta a si mesmo. E assim, Ele impregna de pensamento os seus produtos e os transforma em parte de si. A tarefa da arte, 69 assim compreendida, é comunicar os interesses do Espírito à consciência, apesar de suas formas serem variadas e inesgotáveis, tendo em vista que: Numa obra de arte partimos daquilo que nos é apresentado de modo imediato e somente então perguntamos por sua significação ou conteúdo. A exterioridade em sua imediatez não tem valor para nós, mas admitimos que por trás dela haja algo de interior, um significado, por meio do qual a aparição exterior é espiritualizada. A exterioridade aponta para o que é a sua alma [...] o significado é [...] algo mais amplo do que aquilo que se mostra no fenômeno imediato. É deste modo que a obra de arte deve ter significado [...] É preciso que ela manifeste uma vitalidade interior, um sentimento, uma alma, uma substância, um espírito (HEGEL, 2001, p. 43). A arte expõe a contraposição reconciliadora entre forma e conteúdo, razão e sensibilidade. Nesta ótica, ela difere dos interesses prosaicos,25 não visa finalidades imediatas, nem está atrelada às necessidades finitas da existência, mas antes, encontra nela mesma a sua razão de ser. A respeito da liberdade e autonomia da arte, podemos dizer: Infinitização do infinito, transformação do passageiro e do contingente em algo necessário, em algo permanente, em algo ideal: esta é uma das formas de se entender o fenômeno da beleza. A arte supera a natureza e a vida prosaica na medida em que a transforma em algo independente de suas condições imediatas e retira das coisas a forma imediata de ser contingente ou dependente, de ser-para-outro. Essa transformação constitui o trabalho artístico, que é, em si mesmo, livre (GONÇALVES, 2001, p. 53). A bela arte se destina a fins superiores que nada tem a ver com as querelas da existência imediata. É a contemplação de algo que nos permite vislumbrar o infinito e 25 Interesse prosaico refere-se às carências naturais imediatas do mundo que se encontra alienado imerso na efetividade finita, na existência imediata. (GONÇALVES, 2001, p. 14). 70 conceber-nos como livres. Nela o pensamento pode ultrapassar a visão imediata da matéria e lançar-se ao infinito ali representado. A liberdade da arte bela é o primeiro momento em que a aparência se une a essência estabelecendo uma unidade concreta entre o conteúdo e a forma26 sensível, a fim de espiritualizá-la. Essa compreensão da arte se justifica a partir do desenvolvimento percorrido por ela ao longo de suas manifestações na história. A relação existente entre a arte e a consciência da liberdade, resulta do seu desenvolvimento ao longo da história, daí resulta o motivo pelo qual partimos de uma exposição sintética do contexto histórico de Hegel, passamos pela evolução do pensamento hegeliano em sua vida teórica, bem como da análise do processo gradual da afirmação da arte em sua livre autonomia, para assim, podermos acompanhar a descrição de Hegel acerca de como esse processo de iluminação da consciência vai sendo delineado: a partir das questões finitas da existência imediata, para projetar-se ao infinito pensamento conceitual e se saber livre. Desse modo, na época da cultura reflexiva, a arte só sobrevive como objeto de ciência, ela conquista sua autonomia, mas perde o lugar que lhe pertencia enquanto expressão da verdade: compreendida como o Absoluto. Neste contexto, é notório o apelo da arte para que a ciência a torne objeto de reflexão conceitual, pois ela encontra-se relegada à representação, por está submetida à consideração pensante do juízo estético, sendo impossível a restauração do seu antigo lugar, enquanto expressão da verdade e do Absoluto. Desse modo, Hegel nos explica que, nesse momento da história, a arte nos chama “a contemplá-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar o seu antigo lugar, mas para que seja conhecido cientificamente o que é a arte (HEGEL, 2001, p. 35). Assim, o cogito afirma-se em sua superioridade em relação à manifestação fenomênica que se apresenta como exterior à consciência pensante, pois a verdade passa a ser buscada internamente. Tudo se submete ao crivo da razão, já que essa época pensa 26 O termo Conteúdo, com a letra inicial maiúscula é a tradução do termo Gehalt e designa um conteúdo em sentido amplo, e em Hegel, no âmbito da estética, refere-se ao conteúdo total do pensamento. Diferente de Inhalt traduzido como conteúdo que em si mesmo é simples, seria a coisa reduzida à simples determinação da forma imediata em que se apresenta. O termo Forma com a inicial maiúscula é a tradução de Form: termo universal. Já a forma, com a inicial minúscula, consiste na forma efetiva e determinada, sendo a tradução de Gestalt (HEGEL, 2001, p. 12-13). 71 conceitualmente e não sensitivamente, pois se afirma como abstrata e conceitual. Nesse sentido, a discussão sobre a arte pretende relembrar o modo como ela representou e desvelou o Absoluto ao longo da história, até o momento em que Ele se desvela apenas através do conceito com o pensamento filosófico, passando pela esfera da religião. O pensamento consciente de si mesmo pode refazer todo o percurso do progresso de iluminação de sua consciência. A razão projeta ao infinito, ao puro pensamento, e a beleza enquanto manifestação do espírito se presta também ao pensamento conceitual. Este é o primeiro momento para a compreensão da estética em Hegel, que sugere o lugar da arte enquanto expressão fenomênica do Absoluto, refletido sob a aparência da beleza artística que se desvela como liberdade à consciência que se sabe livre, pois o conteúdo expresso na arte é a liberdade. 72 4. A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza. 73 4.1 A ARTE COMO REFLEXO DO ABSOLUTO A concepção da arte enquanto liberdade, de acordo com a argumentação proposta no primeiro capítulo, perfaz um longo trajeto histórico marcado por transformações no modo de conceber a beleza artística em suas configurações, e na instauração da estética como disciplina e ciência filosófica. Poderíamos afirmar que este processo está subordinado a outro processo mais amplo, pelo qual a consciência vai caminhando em direção à racionalidade, que se desvela como liberdade àquele que se sabe livre. Neste sentido, a arte participa desse processo de iluminação, sendo uma das formas pelas quais o Absoluto se desvela para a consciência, pois, segundo Werle, a função da arte consiste no seu ideal de exprimir os interesses do espírito, ou seja, de revelar o Absoluto, nesse sentido “a arte é livre: a ideia que lhe dá existência, e sobretudo, vitalidade e eficácia” (Werle, 2009, p. 81). Sendo assim, pensamos a arte inserida num contexto histórico em evolução no âmbito do próprio pensamento racional, que tende a se subjetivar e desprender-se acentuadamente daquilo que se afigura por meio da expressão sensível, para se dizer de modo mais preciso através do pensamento conceitual. A arte, pensada neste contexto afirma-se como o primeiro modo pelo qual o pensamento se desprende da finitude, puramente imediata, e lança-se na dimensão conceitual da contemplação do infinito. Esta retomada de aspectos do primeiro capítulo nos permite rever a posição de Hegel em face de todo o processo de emancipação da arte. O itinerário do pensamento em busca de sua afirmação enquanto pensamento que pensa a si mesmo e, a partir de si, pensa tudo o mais, o qual se estende à arte, que ao longo dos séculos foi construindo sua própria alteridade, ao afirmar-se como arte livre, tanto em seus fins quanto em seus meios de expressão. Segundo essa linha de pensamento, rememoremos os conceitos primordiais através dos quais Hegel fundamenta sua concepção da filosofia da bela arte. A delimitação da estética ao âmbito da bela arte, como vimos, poderia parecer arbitrária já que dela se exclui o belo natural, mas tal restrição justifica-se devido ao fato de que o belo na arte é produção do espírito e, portanto, dotado de racionalidade. A existência natural, por sua vez, 74 não é considerada por si mesma, “é apenas um reflexo do belo pertencente ao espírito, sendo um modo incompleto e imperfeito” (HEGEL, 2001, p. 28). Hegel nos indica que frente à beleza natural nos sentimos “demasiadamente no elemento do indeterminado, não possuindo critério” (HEGEL, 2001, p. 29) que nos permita julgá-la como bela em termos conceituais. A esta predileção ao belo na arte, como acompanhamos no primeiro capítulo, insurgiram algumas possíveis objeções, dentre elas gostaríamos de realçar, neste momento a primeira, a qual se baseia na opinião da impossibilidade de um tratamento científico à arte, pois a arte pareceria algo supérfluo, um luxo que serve aos fins imediatos e utilitários da existência prática. Hegel retoma a primeira objeção para indicar a possibilidade de conhecer o Absoluto, a Verdade, tendo em vista que a arte desvela esse Conteúdo à consciência. Sendo assim, o autor refuta esta objeção de forma magistral ao esclarecer que apesar do belo possuir sua vida na aparência, ele encontra seu fim em si mesmo, não se destina a interesses imediatos, é algo que em sua aparência se reporta à essência, ao puro pensamento, à liberdade do pensar de modo belo. A arte, nesta sua liberdade verdadeira é um modo de trazer à consciência os interesses do Espírito. Essa dignidade da arte é justificada por Hegel porque ela: “expõe sensivelmente o que é superior e assim o aproxima da maneira de aparecer da natureza, dos sentidos e da sensação” (HEGEL, 2001, p. 32). Neste sentido, o sensível é nela espiritualizado. Assim, a refutação desta primeira objeção nos apresenta aquilo que é específico da estética de Hegel, a possibilidade de conhecer o Absoluto através do conceito do belo na arte. É por meio do conceito que o espírito finito pode chegar gradativamente ao conhecimento do Absoluto, pois a aparência da arte não é tomada como algo que não deva ser antes, é o meio através do qual a essência se manifesta na efetividade finita, se dando a conhecer e, se reconhecendo a si mesma neste seu reflexo. Ela precisa aparecer, desvelarse e ser para alguém. A beleza na arte, como um farol, indica que a “autêntica efetividade apenas pode ser encontrada além da imediatez da sensação e dos objetos exteriores (HEGEL, 2001, p. 33). Na arte é possível conhecer o verdadeiro conteúdo: o Absoluto, mediante a configuração artística, pois em seus produtos é impressa uma efetividade superior, nascida 75 do espírito e que se remete a ele. Sua aparência não é uma mera aparência sensível, já que em seus fenômenos está contida a presença do Absoluto na efetividade finita, desse modo, “a aparência da arte [...] significa através de si e aponta a partir de si para algo de espiritual, que por meio dela deve ser representado” (HEGEL, 2001, p. 34). Desse modo, na arte é possível contemplar a beleza artística, como um produto da atividade humana: “produção consciente de algo exterior que pode ser objeto de saber” (HEGEL, 2001, p. 49). E, também enquanto produção do espírito, posto que, o espírito confere duração e existência exterior ao conteúdo que retira de seu próprio interior. Assim compreendida a arte é uma produção do espírito feita pelo homem. Na obra de arte, segundo Hegel: Por exemplo, uma paisagem apresentada com sentimento e conhecimento pela pintura, como obra do espírito, assume uma posição superior à paisagem meramente natural. Pois tudo o que é espiritual é melhor do que qualquer produto natural. Aliás, nenhum ser natural expõe ideais divinos, como a arte o faz (HEGEL, 2001, p. 51). Nesse Sentido, o homem é uma consciência pensante que “faz a partir de si mesmo para si o que ele é e o que em geral é” (HEGEL, 2001, p. 52). Reconhecendo-se nas suas produções, de modo a adquirir a consciência de si mediante o impulso de modificar as coisas exteriores imprimindo nelas o selo de seu interior. Essa atitude do homem reflete a sua identidade enquanto sujeito livre, pois: O homem faz isso para também retirar o mundo exterior de sua rude estranheza e para gozar, na forma das coisas, somente uma realidade exterior de si mesmo [...] a necessidade universal da arte é, pois, a necessidade racional que o ser humano tem de elevar a uma consciência espiritual o mundo interior e exterior, como se fora um objeto no qual ele reconhece o seu próprio si-mesmo (HEGEL, 2001, p. 53). A arte, assim compreendida, comunica à consciência os interesses do Espírito, estendendo o pensamento conceitual aos produtos da bela arte, pois “o conteúdo da arte é a Ideia e [...] sua Forma e a configuração sensível imagética” (HEGEL, 2001, p. 86). O conteúdo e a forma artística estão configurados reciprocamente, assim, o sensível possibilita ao conteúdo, tornar-se representável. Em Hegel, a arte visa “expor a Ideia para a 76 intuição imediata numa forma sensível e não na Forma do pensamento [...] esta exposição possui valor e dignidade na correspondência e na unidade dos dois lados, da Ideia e da sua forma” (HEGEL, 2001, p. 88). Desse modo, a bela arte “é apenas um modo determinado de manifestação e exposição do verdadeiro e encontra-se, por isso, completamente aberta [...] ao pensamento conceitual” (HEGEl, 2001, p. 107). Sendo um reflexo do Espírito Absoluto, ela revela em seus traços, formas e cores, a beleza presente no Verdadeiro que ilumina a esfera finita mediante o brilho do belo na arte. Portanto, Hegel considera a arte como manifestação da Ideia, este é o seu conteúdo absoluto. E este conteúdo se desvela como a liberdade do pensamento conceitual, pois “a reflexão da arte bela remete para o abandono das dimensões naturais da beleza para penetrar no âmbito da elaboração espiritual” (VERCELLONE, 2000, p. 31). Esta é uma verdade processual que se afirma no percurso histórico do desenvolvimento no modo de conceber a arte, um devir que abarca, segundo Vercellone, o “caráter processual propriamente histórico de todo o devir artístico [...] e que testemunha a laboriosa disposição da verdade espiritual no seio da forma sensível” (2000, p 31). Essa compreensão conduz à superioridade do espírito e atribui à arte a alta posição de comunicar os interesses espirituais, visto que ela “assume e exibe deste modo a sua completa autonomia expressiva” (VERCELLONE, 2000, p. 33). Assim, a retomada da primeira objeção que apresenta a possibilidade de conhecer a essência, a coisa-em-em, o Absoluto, conduz à discussão da arte livre. 4.2 O DOMÍNIO DAS NECESSIDADES FINITAS E A PREOCUPAÇÃO COM A ARTE Assim como na arte este processo de iluminação conhece um longo trajeto em sua afirmação enquanto tal, de igual modo, para que o espírito finito se desprenda da sua finitude imediata e se lance no reino do pensamento conceitual, ele atravessa diversas esferas que, como degraus, a cada passo o lançam ao livre pensamento. Este é o progresso do espírito finito rumo à sua infinitude, a possibilidade de contemplar o Absoluto dentro de si e, na arte, ver refletido aquilo que constitui a sua essência, que permanecia oculta aos 77 seus olhos meramente sensíveis e presos na existência imediata. Trata-se da liberdade do ser que atinge a consciência de si e produz na arte a representação desse Conteúdo, que na forma artística adquire aparência, cores, tons e formas, de modo a iluminar a visão até então obscurecida pela existência puramente imediata. É assim que a existência finita caminha rumo ao infinito: a consciência de sua liberdade. Este é o segundo momento apresentado na dinâmica do pensamento de Hegel, no tocante a discussão entre arte e liberdade, quando o espírito finito cansado de buscar satisfazer-se nas querelas da finitude, lança-se a procura de satisfações mais plenas. Na esfera das necessidades finitas o espírito finito ainda não conhece a liberdade enquanto sua essência, e conserva a visão confusa da vontade, a aspiração e as paixões. Nesta esfera, o espírito apreende a própria finitude como algo negativo e como uma carência. Erguem-se os impulsos, os sentimentos, as inclinações, e tudo o que o coração do homem como um ser singular contém em si mesmo, gerando certa nostalgia pela ausência de uma plena satisfação, segundo Hegel, “este é o ponto de vista do espírito apenas finito, temporal, contraditório e, por isso, passageiro, insatisfeito não beato. Pois as satisfações que esta esfera oferece são na forma de sua finitude” (HEGEL, 2001, p. 109). No conteúdo total da existência encontra-se uma diversidade de interesses e de insatisfações. Podemos descrevê-las do seguinte modo, temos inicialmente o amplo sistema das necessidades físicas, as insatisfações e carências da existência imediata. Como tentativa de solucionar essas necessidades imediatas da existência sensível, surge a indústria em sua larga produção e conexão, o comércio, a navegação, as artes técnicas, o direito, as leis, a vida em família, a divisão de classes, e todo o âmbito que compõe o Estado. Também aparece a necessidade da ciência enquanto conjunto dos conhecimentos adquiridos. Estas atividades podem ser vistas como círculos, momentos do desenvolvimento da consciência que caminha a fim de atingir o ápice, a consciência de sua liberdade. Neste domínio, imperam as necessidades finitas ou físicas que correspondem à insuficiência e carência de satisfações. De início, apresentam-se as inquietações que se manifestam como uma limitação, tais como uma dor, um incômodo, como algo negativo que precisa ser superado para remediar a deficiência sentida. Essas inquietações impulsionam para a transposição das 78 restrições puramente naturais, tais como: comer, dormir, organizar-se em comunidade para garantir a sobrevivência. Tal é a deficiência do espírito finito que é uma totalidade composta por uma forma e um conteúdo: matéria e espírito, mas que na efetividade finita, apenas enxerga as determinações da existência enquanto uma separação do que é espiritual, como uma contradição entre natureza e espírito. Isso se explica a partir da seguinte compreensão: O indivíduo se encontra imediatamente emaranhado em um sistema de relações no qual ele se vê obrigado a servir como meio para fins estranhos a ele, ou seja, no qual ele ainda não é um fim em-si-mesmo. O conceito de necessidade exterior pode ser traduzido ainda como necessidade contingente, já que [...] baseiase em uma relatividade presente na vida mundana imediata, a qual Hegel denomina prosaica, e na qual as relações se fundam tãosomente nos impulsos e nos interesses imediatos, que são obviamente sempre contingentes (GONÇALVES, 2001, p. 34-35). Em meio a inúmeras necessidades e insatisfações, o espírito finito tende a procurar formas de suprir suas carências e começa a criar mecanismos que lhe possibilite a obtenção de certa satisfação frente à necessidade sentida. Assim como podemos observar com o surgimento da unidade simples da família, ao passo que esta, por sua vez, suscita o surgimento da sociedade civil, que se revela insuficiente e requer o surgimento da indústria, do comércio, da navegação, do direito, das leis, e todo o aparato de instituições que formam o Estado. Este último pode ser visto como a “substância ética [...] a reunião do princípio da família e da sociedade civil; a mesma unidade que está na família como sentimento de amor é a essência do Estado” (NICOLA, 2005, p. 365). A liberdade na ação é a razão da vontade que se efetiva no Estado, “um organismo inteiro, acabado, completo e realizado” (HEGEL, 2001 p. 114), organizado segundo a razão, no qual as leis e instituições são a realização da liberdade, segundo sua determinação na esfera finita. Em seu todo, constitui uma totalidade em si mesma completa, formada por governo, exército, instituições, sociabilidade. Desse modo, embora as necessidades físicas sejam supridas, mesmo que de forma imediata, o conteúdo de tal satisfação permanece ainda limitado e a liberdade mantém o aspecto da finitude, haja vista que, a satisfação é unilateral e relativa a uma determinada necessidade e, conseqüentemente, outras necessidades sempre tendem a surgir. 79 De igual modo, no direito, o reconhecimento da liberdade se restringe a aspectos singulares relativos a determinados objetos: a casa, a lei, a propriedade, o dinheiro, enquanto efetividades singulares, como é possível observar na seguinte citação: Por exemplo, minha racionalidade, minha vontade e sua liberdade são de fato reconhecidas, valho como pessoa e sou respeitado enquanto tal; possuo propriedade que deve permanecer como minha; caso ela corra perigo, a justiça outorga o direito. Mas [...] o que a consciência neste caso tem à sua frente são singularidades [...] apenas categorias relativas e submetidas a condições variadas, em cujo domínio a satisfação pode igualmente num momento acontecer como também noutro não acontecer (HEGEL, 2001 p. 114). Todavia, com a necessidade científica busca-se conhecer a conexão e a necessidade recíproca dessas esferas, porque o surgimento da ciência possibilita ao homem começar a pensar um conteúdo que seja inerente a todas as esferas. Segundo esse conteúdo, cada esfera, ou seja, cada domínio apresentado na finitude impele para além de si à satisfação de interesses mais profundos, de modo a se obter a satisfação que no âmbito anterior não se pôde conseguir, logo, “é isso que fornece a necessidade de uma conexão interior” entre essas esferas (HEGEL, 2001, p. 110). Já que elas não se restringem à mera utilidade de umas em relação às outras, antes, se completam, pois a cada nova esfera surge um modo de atividade mais alto do que o existente na esfera precedente. Ocorre que cada esfera impele para além de si, em busca de uma satisfação mais plena, de modo a completar o que não se pôde realizar no âmbito anterior. Desse modo, as leis do direito, os impulsos dos homens, os sentimentos, as inclinações e paixões, e todas as esferas que compõem a finitude, têm o seu ponto de origem na ânsia por uma satisfação mais plena, isso porque, na verdade, o que se busca é a liberdade, embora nesta esfera, não se tenha consciência disto. Esta é a conseqüência do pressuposto de uma conexão entre as esferas da finitude, o aproximar-se crescentemente da consciência da liberdade. O ímpeto de atingir a plena satisfação de suas necessidades move constantemente o espírito finito a uma esfera mais alta que o conduz ao conhecimento de sua liberdade que é um reflexo da essência do Absoluto. Por esta razão, o espírito finito aspira à satisfação e a 80 liberdade no saber e no conhecimento: a ciência, posto que, “aquele que não sabe não é livre, pois diante dele se coloca um mundo estranho [...] do qual ele depende (HEGEL, 2001 p. 113). Assim, o saber representado no conceito possui um conteúdo, uma finalidade e um significado, os quais se encontram interpenetrados de tal modo que, por exemplo na arte: “o exterior e particular aparecem exclusivamente como exposição do interior. Na obra de arte nada está presente que não tenha relação essencial com o conteúdo e o exprima” (HEGEL, 2001, p. 110-111). Deste modo, no momento em que o espírito finito adentra no âmbito espiritual, ao produzir obras de arte, ele lança-se em busca das necessidades espirituais, as quais não dizem respeito às querelas da finitude, mas fitam o reino do infinito, dos pensamentos e da contemplação do Absoluto. A arte assim compreendida se afirma, no pensamento de Hegel, como: “a primeira etapa de libertação do espírito, de sua elevação acima das relações contingentes e não-livres do mundo finito, posto que ela é a primeira forma espiritual efetiva de produção de si mesmo (GONÇALVES, 2001, p. 61). Neste ponto, surge a questão da necessidade interna da arte no contexto dos restantes âmbitos da vida e do mundo, pois o espírito finito se sente sufocado na finitude e procura uma satisfação e uma verdade mais alta e mais substancial, na qual as contraposições e as contradições da finitude possam ser solucionadas e a liberdade possa enfim encontrar sua completa satisfação. A necessidade universal e absoluta, a ânsia por uma satisfação mais plena é aquilo que leva o homem a produzir obras de arte, já que a busca pelo conhecimento emana da aspiração de superar a não-liberdade e de se apropriar do mundo através da representação e do conceito (HEGEL, 2001 p. 113). Esta é a liberdade no pensar, mas ainda não de modo pleno, pois este saber se dá a conhecer, neste estágio, por meio de uma representação sensível: o belo artístico. 81 4.3 A ARTE LIVRE COMO RECONCILIAÇÃO ENTRE ESPÍRITO E NATUREZA O processo do desenvolvimento lógico do espírito finito também pode ser pensado em relação à arte, na possibilidade de resolver as contradições entre espírito e natureza. O Espírito insere a necessidade de projetar-se para o infinito, libertando o espírito finito de suas necessidades imediatas para lançar-se em direção ao puro pensamento. Essa liberdade subjetiva procura uma forma de se tornar concreta na esfera do infinito, por esta razão, quando o espírito finito se volta para a arte, está à procura de sua liberdade. Esta consiste na conexão necessária que liga todas as esferas e as impele para além de si, em busca da satisfação no infinito. A arte é o momento inicial de unidade entre estas duas dimensões: espírito e natureza, pois o conteúdo supremo da arte é a liberdade, conteúdo subjetivo que implica ir além daquilo que se destina unicamente as necessidades imediatas. Não se trata mais, tão somente, de garantir a possibilidade da existência física através das instituições, da saciação de necessidades imediatas, da legitimação do direito, mas de um tipo de necessidade do infinito, da própria razão de ser, daquilo que corresponde à identidade: a idéia de liberdade. Assim, a satisfação impulsionada pela racionalidade possibilita ao espírito finito apreender-se como objeto do saber, pois segundo Hegel, a liberdade é a determinação suprema do espírito. Segundo seu aspecto formal, a liberdade consiste “no fato de que o sujeito não tem nada de estranho, nenhuma fronteira e limite naquilo que se lhe defronta, mas se encontra a si mesmo no que se lhe defronta” (HEGEL, 2001, p. 112). Isso ocorre porque o Espírito gera a partir de si mesmo a arte em suas manifestações fenomênicas, como o primeiro elo intermediário entre o que é meramente exterior e sensível e o puro pensar, entre a natureza e a liberdade infinita do pensamento conceitual. Neste sentido, na arte é possível contemplar os dois domínios, a natureza e o espírito, reconciliados no fenômeno que aponta para uma esfera superior, nascida do Espírito: a Liberdade. A arte brota do espírito e também pertence ao terreno espiritual, ela “foi batizada pelo espiritual e somente expõe aquilo que é formado em sintonia com o espírito” 82 (HEGEL, 2001 p. 51). Por esta razão, a obra de arte situa-se acima dos produtos naturais, tendo em vista que o espírito expressa na arte o conteúdo que retira de seu próprio interior, conferindo-lhe uma duração exterior na forma da arte bela. Já a natureza, apresenta-se como mutável e efêmera, pois a pior apreensão para o espírito e a menos adequada é a meramente sensível, como o mero escutar, ver e tocar, o conduz á compreensão de que “o espírito não se limita à mera apreensão das coisas externas por meio da visão e do ouvido, ele as transforma para o seu interior” (HEGEL, 2001, p. 57). Desta forma, o que o Espírito produz o seu objeto, é ele mesmo. É um diferenciarse trazendo à existência para ser por outro, mas permanecendo idêntico consigo mesmo. Esta é a potência para regressar a si, e a finalidade mais elevada dessa evolução do pensamento que tem como finalidade a consciência da liberdade. Neste momento, a ideia que se alienou de si ao tornar-se por si na natureza, volta a encontrar-se consigo mesma, mediante o movimento da consciência rumo à liberdade, finalidade absoluta que o espírito alcança através do desenvolvimento do pensar, pois somente o pensar é que liberta o espírito finito da alienação para tornar-se livre em si mesmo. De acordo com Hegel: “alcançar esta finalidade é o interesse da ideia, do pensar e da filosofia” (HEGEL, 1976 p. 43). A arte é uma expressão do pensamento, de modo que o Espírito se vê na arte, nesse sentido, se dentro do sistema filosófico cada parte constitui uma disciplina e se o pensamento carece de uma existência concreta, a arte surge para conferir existência material à ideia, isso porque no reino da liberdade que é também do infinito, quando o pensamento se volta para a arte manifesta uma forma de relacionar-se com o Absoluto. O reino da liberdade seria a expressão mais pura do Espírito Absoluto, segundo Hegel, por estarem inseridas no contexto do infinito: “a arte e as obras artísticas são de natureza espiritual, até quando oferecendo a representação uma aparência sensível [...] por isso, a obra de arte [...] pertence ao domínio do pensamento conceitual (HEGEL, 2001 p. 38). Portanto, interessa destacar que a arte enquanto produção do espírito consiste num conteúdo que busca uma forma. Esta forma se apresenta no belo artístico, a manifestação sensível da unidade entre espírito e natureza. Esta unidade acontece na arte porque ela é 83 essencialmente arte livre, e sendo livre é também infinita, mas para esclarecermos um pouco melhor esse conceito de liberdade na arte, analisemos as palavras de Lacoste: Um objeto, um ser, uma ação são belos quando são livres, independentes, infinitos [...] quando estão em conformidade com a necessidade única de seu conceito. Um belo objeto é verdadeiro porque é o que deve ser [...] A verdadeira beleza encontrar-se-á, portanto, no belo artístico (LACOSTE, 1986, p. 50). Enquanto consciência pensante, ao criar a arte, o espírito finito representa para si mesmo o que ele é, o que constitui a sua essência enquanto um ser livre. Ele tem em si tanto a natureza quanto o espírito, tem a possibilidade de se intuir, se representar e pensar sobre si mesmo e sobre tudo o que existe. Logo, a ânsia por uma satisfação no infinito instaura a possibilidade de solução da não-liberdade, pois o espírito ao se tornar objeto do saber, coloca-se como objeto para a consciência e se sabe livre. Neste sentido, o espírito finito adquire a consciência de si de dois modos, pela teoria, na medida em que precisa intuir e representar aquilo que o pensamento toma por essencial, e pela atividade prática, quando a partir do impulso de produzir obras de arte, ele se reconhece no que produz, na medida em que imprime o selo de seu interior nas produções exteriores. Na arte a consciência passa a se ocupar e a pensar a verdade na forma da intuição sensível. Esta unidade entre forma e conteúdo é representada na sua aparição artística, de modo que segundo Hegel: “a unidade do conceito com o fenômeno individual é a essência do belo e de sua produção pela arte” (HEGEL, 2001 p. 116). A arte possui o Absoluto como seu objeto, e desse modo oferece a intuição de tal conteúdo por meio do conceito da beleza enquanto criação do espírito, e como tal, reflete em sua aparição fenomênica: A necessidade racional que o homem tem de elevar a uma consciência espiritual o mundo interior e exterior, como se fora um objeto no qual ele reconhece o seu próprio si-mesmo. A necessidade desta liberdade espiritual ele satisfaz na medida em que [...] traz à intuição e ao conhecimento o que nele existe. Esta é a livre racionalidade do homem. (HEGEL, 2001 p. 53). A aspiração universal da arte pela liberdade no espírito é justificada porque ela situa-se entre a sensibilidade imediata e o pensamento, ainda não é puro pensamento, mas 84 também não é mera existência material. Ela enfeita a sensibilidade com o pensamento racional, revelando em sua configuração artística a contraposição reconciliadora entre o espírito e a natureza, de tal modo que possui seu fim em si mesma, de modo a conduzir a finitude ao pensamento conceitual. A arte, compreendida nessa sua dimensão sublime e livre, é diferenciada da simples aparência dos fenômenos naturais, pois segundo Hegel: O aloé, que somente floresce por uma noite, murcha sem ser admirado nos ambientes mais selvagens das florestas do sul; e estas florestas, constituídas de densas aglomerações das mais belas e exuberantes vegetações, do mesmo modo desaparecem e se estragam sem serem fruídas com seus aromas os mais suaves e ricos em odores. No entanto, a obra de arte não é tão despreocupada por si, mas é essencialmente uma pergunta, uma interpelação ao coração que ressoa um chamado (HEGEL, 2001 p. 87). A Ideia enquanto o belo artístico é a determinação do verdadeiro: o Absoluto na efetividade. Assim, a consideração científica do objeto da estética, parte da universalidade do belo artístico em sua aparição fenomênica, pois ele pertence ao âmbito espiritual. O conceito do belo e da arte, possuem um duplo aspecto, um conteúdo: a finalidade e seu significado, e uma expressão: o fenômeno em sua aparição artística, realizando a unidade dos “dois aspectos de tal modo interpenetrados que o exterior e particular aparecem exclusivamente como exposição do interior” (HEGEL, 2001 p. 110-111). A aparência sensível da arte está intimamente imbricada com o conteúdo, na medida em que por meio de sua aparência contingente, a arte se abre para o infinito. Esses dois aspectos, forma e conteúdo, não permanecem indiferentes e exteriores um ao outro, mas apenas indicam que o conteúdo se objetiva como uma determinação de si mesmo, e perpassa as esferas da existência finita, caminhando até a esfera que melhor elucida a sua liberdade absoluta. O que significa dizer que o pensamento penetra na profundidade do mundo supra-sensível e o apresenta inicialmente como um além para a consciência imediata, na contemplação da arte como possibilidade de ascensão ao Absoluto. E, assim, o espírito gera a arte a partir de si mesmo como o primeiro elo intermediário entre a efetividade finita e a liberdade infinita do pensamento conceitual. 85 Da mesma forma que a Ideia tem em si a potência de determinar-se e objetivar-se na concretude do mundo para rever-se através de suas criações e, assim, poder contemplarse no outro de si, não como algo que seja estranho ou diferente, mas como ela mesma em uma esfera distinta, de igual modo, também na arte o Espírito contempla-se em suas produções e a arte, neste contexto, tem como finalidade exprimir os interesses mais profundos do Espírito. Ademais, a arte tem a tarefa de revelar em sua configuração artística a verdade, a reconciliação da natureza e do espírito. O seu conteúdo deve ser adequado à sua exposição, ou seja, ele necessita de uma forma, para que não seja em si mesmo abstrato, mas tenha concreção. Assim, a exigência de concreção da arte se explica porque, segundo Hegel (2001, p. 86) a universalidade apenas abstrata não possui em si mesma a determinação de progredir para a particularização. Ao conteúdo deve corresponder uma forma, configuração sensível, de modo que ambos coincidam e se correspondam, pois no conteúdo concreto reside o fenômeno. A arte é um elo intermediário entre a esfera finita e o infinito, tendo em vista que: O verdadeiro que enquanto tal é, também existe. Na medida em que o verdadeiro nesta sua existência exterior é imediatamente para a consciência e o conceito permanece imediatamente em unidade com seu fenômeno exterior, a Idéia não é apenas verdadeira, mas é bela. O belo se determina, desse modo, como aparência sensível da Idéia. Pois o sensível e objetivo em geral não guardam na beleza nenhuma autonomia em si mesmos, mas têm de abdicar da imediatez de seu ser, já que este ser é apenas existência e objetividade do conceito [...] e, por isso, nesta existência objetiva, que apenas vale como aparência do conceito, expõe a própria Idéia (HEGEL, 2001 p. 126). Conseqüentemente, quanto mais o espírito finito evoluir, mais profundo e mais consciente de si ele será, já que o desenvolvimento é um aprofundar-se em si manifestando sua profundidade à consciência finita, a fim de compreender a si mesmo em seu desenvolvimento e nos diferentes graus de sua evolução. Por conseguinte, a evolução do espírito tende para o conteúdo supremo, a Liberdade. Desta maneira, o caráter científico da arte corresponde à tendência que a modernidade tem de elevar a consciência espiritual o 86 mundo externo como um objeto, de modo a estabelecer a unidade entre sujeito e objeto, pois de acordo com Hegel: O conteúdo supremo [...] podemos, chamar, sem rodeios de liberdade. A liberdade é a determinação suprema do espírito. Ela consiste inicialmente, segundo seu aspecto totalmente formal, no fato de que o sujeito não tem nada de estranho, nenhuma fronteira e limite naquilo que se lhe defronta, mas se encontra a si mesmo no que se lhe defronta. Já segundo esta determinação formal, toda necessidade e cada infortúnio desapareceram, o sujeito está reconciliado, com o mundo, nele satisfeito e toda contraposição e contradição estão solucionadas. Mais precisamente [...] a liberdade tem a racionalidade em geral como seu Conteúdo (HEGEL, 2001, p. 113). Tendo, anteriormente, abordado a arte como uma emanação da ideia absoluta, sendo sua finalidade, representar sensivelmente o belo, cabe indicar de modo geral como os elementos particulares provêm do conceito do belo artístico, enquanto uma representação do Absoluto. Para tanto, é primordial fundamentar a necessidade do belo artístico, a partir da definição do seu conceito. Desse modo, se o conteúdo da arte corresponde a ideia representada numa forma concreta e sensível, então, “a função da arte consiste em conciliar, numa livre totalidade, estes dois aspectos: a idéia e a representação” (HEGEL, 2001, p. 49). A essa conciliação estão vinculados os seguintes requisitos: que o conteúdo a ser representado pela arte, se preste a representação, de modo que a forma e o conteúdo se adeqüem; que o conteúdo da arte seja sensível e concreto, em oposição ao abstrato e ao simples em si, pois “a arte exige conteúdos concretos para as suas representações” (HEGEL, 2001, p. 150). Desse raciocínio se deduz outro requisito, o qual prescreve que a forma ou a figura seja individual e concreta, de modo que os dois elementos da arte: conteúdo e representação encontrem seu ponto de convergência e correspondência. É assim que a arte, sendo um sensível concreto, exprime um conteúdo de essência espiritual, bem como, manifesta a forma exterior que a torna acessível à intuição e a representação. A obra de arte é uma interrogação, um apelo dirigido às almas e aos espíritos. Sua função consiste em tornar a ideia acessível à contemplação, através da forma sensível de que se reveste para representar o conteúdo. É assim que a arte vai ascendendo no 87 horizonte da busca da verdade, um caminhar que passa por formas diversas, nas quais se manifesta de modos diferentes e vai se aperfeiçoando até atingir a forma plena. Essa evolução é composta pelos seguintes aspectos: ela é de ordem espiritual e geral, porque se refere a sucessão gradual das formas com as quais a arte representa as concepções de mundo, as idéias que o homem tem de si, da natureza e do divino. Além disso, essa evolução é efetuada no interior da arte e se traduz em artes particulares, as quais, em suas diferenças, formam uma totalidade, pois os inúmeros modos de criação artística participam do espírito. Assim, Hegel pondera que é “esta ascensão para a expressão da verdade cada vez mais conforme ao conceito do espírito, cada vez mais espiritualizada que dá as indicações referentes às divisões da ciência da arte” (HEGEL, 2001, p. 151). Sendo assim, a Ciência da Bela Arte pode ser dividida em três seções. A primeira, composta por uma parte geral que tem por objeto o belo artístico; a segunda, referente às diferenças abrangidas por esse conceito nas sucessões de formas particulares e, a terceira, que se atém ao processo da arte na realização sensível das formas artísticas; a arte mais elevada tem a ideia e a representação mais próximas à verdade e as exprime mediante a forma sensível. Daí resulta a diferença entre a Ideia em si, a Ideia enquanto tal, considerada como absoluta na lógica metafísica já que é desprovida de objetividade concreta, e a ideia do belo na arte, que sendo mais precisa do que a primeira, se refere a uma realidade individual que adequa a Ideia a uma forma concreta, com efeito, “é dentro deste processo que a beleza artística aparece como uma totalidade de graus e de formas particulares” (HEGEL, 2001, p. 154). Nesse sentido, a bela arte encerra em si a condição de elevar-se ao sublime, ao infinito, à liberdade, pois ela é a revelação da Ideia na efetividade. 88 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo o percurso argumentativo por nós trilhado, percebemos que a estética oitocentista indica que a arte e a beleza artística não são desprovidas de referência, mas devem aludir a realidades que a transcendem, pois na modernidade o belo se torna refúgio do infinito. A essência do belo e de sua produção pela arte é a unidade do conceito e do fenômeno, do significado e da configuração individual, pois, em sua exposição imagética, a arte aponta para a contemplação do infinito. E, por conseguinte, entendemos que Hegel, enquanto um idealista defende que os pensamentos também estão implicitamente incrustados na natureza quando ela é idealizada pela atividade espiritual, como ocorre com os produtos da arte que transcendem a dimensão sensível e elevam o pensamento para o infinito. Neste sentido, a beleza é pensada por Hegel como expressão da liberdade do Absoluto no mundo, o que significa dizer que, a liberdade absoluta se encontra no espírito, enquanto autoconsciência que abarca a si mesma em suas produções. Com base nas considerações apresentadas é possível concluir que a relação arteliberdade no pensamento hegeliano seria resultado do desenvolvimento progressivo da consciência da liberdade ao longo da história da civilização, que no concernente a esta investigação, centra-se na manifestação da arte enquanto expressão primeira da Ideia de Liberdade na esfera finita, mediante a forma fenomênica do belo artístico. E, nesta evolução do pensar que se sabe livre no século XVIII, é possível refletir sobre o modo como Hegel consolida a discussão da estética enquanto ciência filosófica ao se inserir e refletir sobre a discussão da problemática da autonomia da arte, a qual encontra seus indícios germinais no século XV e vai paulatinamente se afirmando em sua liberdade no decorrer dos séculos subseqüentes, para então se afirmar como arte livre no século XVIII, a partir do surgimento da reflexão conceitual da estética, a filosofia da bela arte, vista como objeto de ciência no século XIX. Nesse sentido, percebemos que o espírito finito, por ter em si a dualidade da Natureza e do Espírito, mesmo quando ainda está envolto nas necessidades finitas, está inconscientemente em busca de sua liberdade e encontra na arte a primeira maneira de satisfazer esta necessidade do infinito. 89 Ademais, esta investigação aponta para a compreensão de que a estética hegeliana assinala, através da dialética do pensamento conceitual e da existência fenomênica do belo artístico, para uma visão da totalidade e universalidade da Ideia de Liberdade que é intrínseca ao Absoluto e, por extensão, também o é ao espírito finito, já que no Espírito Absoluto reside a síntese entre Natureza e Espírito. É a manifestação do Espírito Absoluto e da ideia de liberdade na história, pois a arte pode ser vista como um dos momentos pelos quais o Absoluto se desvela, ao possibilitar a iluminação da consciência da liberdade ao longo da história. Assim, neste trabalho indicamos que a estética hegeliana encontra a sua justificação enquanto reflexão racional acerca de seu objeto, a saber, o belo artístico, numa descrição da necessidade do aparecer concreto da ideia no mundo, enquanto manifestação cultural, humana e histórica. Além disso, a estética de Hegel consiste um ponto central para a compreensão do surgimento da estética enquanto disciplina filosófica no século XVIII, bem como para pensar a problematização da estética nos séculos posteriores. O desenvolvimento histórico da liberdade do homem, denominado por Hegel como o espírito finito, é traçado a partir do seu afastamento gradual em relação às determinações da natureza e, conseqüentemente, a partir do progressivo auto-referir-se-a-si mesmo do espírito. Esse processo se refere ao fato do espírito ir conquistando a consciência de si que o torna a norma e a medida de si mesmo, já que ele passa a se reconhecer como um ser espiritual, pois o espírito é um ser dotado de razão. Entretanto, antes de chegar ao verdadeiro conceito de sua essência, enquanto um ser livre, o espírito atravessa um longo trajeto formado por diversas etapas, tais como as instituições da existência finita: a família, o comércio, a indústria, a lei e o Estado. Assim, o movimento da história da arte em sua dimensão infinita e livre é marcado pela concepção de que a bela arte é um produto do espírito humano, mas sua existência não se situa na indiferença de ser mais um objeto fabricado por ele, antes, a arte afirma-se como um elo entre a finitude imediata e a contemplação do infinito, pois a beleza figurada na arte reflete a liberdade presente no Espírito, enquanto conceito concreto, que na aparição fenomênica da arte, supera a dicotomia ou o dualismo entre espírito e natureza. Através da arte, o espírito finito encontra a possibilidade de desvelar o infinito, de fitar seus olhos nele e contemplar a sua beleza, expressa nas formas fenomênicas do belo 90 artístico, pois a arte expõe em sua forma o brilho sensível da ideia e, a sua luz, pode ser compreendida mediante a racionalidade do conceito que se revela ao longo do desenvolvimento da história. Em nossa pesquisa acerca da estética hegeliana, buscamos, ao longo do nosso itinerário expositivo, lançar os fundamentos teóricos que pudessem edificar o nosso objeto de estudo: a arte enquanto expressão da liberdade, construindo-o a partir da exposição do pensamento de Hegel, bem como da análise da progressiva autonomia da arte, no concernente a discussão elaborada no século XVIII a partir da fundação da estética enquanto disciplina filosófica. O nosso ponto de partida foi o resgate do percurso argumentativo de Hegel em seus principais escritos, referentes à sua vida teórica desde a juventude até a produção elaborada na sua maturidade, buscando delinear um fio condutor de sua investigação sistemática, ou seja, a sua preocupação com o infinito e com o absoluto que se desenvolve e se revela na história, seja mediante a discussão teológica, presente em seus escritos juvenis, ou mesmo em relação à sua filosofia como produção de sua maturidade, pois é notório que o enfoque de Hegel em sua discussão teórica é a compreensão da filosofia como uma totalidade orgânica e constituída de partes que não se excluem, mas ao contrário se completam. Não podemos falar de uma parte da filosofia sem ligá-la, sem correlacioná-la com a filosofia como um todo que a fundamente e a legitime, pois a filosofia investiga a totalidade do ser. Apresentamos algumas considerações acerca do pensamento de Kant, Fichte e de Schelling, não com a pretensão de nos aproximar na leitura e no diálogo mais detalhado com esses autores, mas apenas de destacar pontos fundamentais de suas filosofias e a significativa contribuição que cada um deles transmitiu ao pensamento de Hegel. O fato de termos aludido a esses filósofos antes de atentarmos para a análise do sistema de Hegel, se justifica porque como foi discutido nesse trabalho, Hegel acredita que só é possível filosofar a partir da consideração da filosofia como um todo, sendo assim, não poderíamos deixar de reconhecer o mérito e a contribuição de filósofos como Kant, Fichte e Schelling, os três filósofos alemães que certamente influenciaram sobremaneira o pensamento de Hegel. 91 O saber, segundo a filosofia de Hegel, se realiza na história, ele não é algo dado de forma imediata, mas é algo que é construído, desenvolvido e, metaforicamente, poderíamos dizer que esse saber se apresenta como degraus de uma imensa escada que se apresenta diante do espírito finito e, que lhe convida a dar passos cada vez mais altos em direção ao topo dessa escada, em direção ao Absoluto. Essa caminhada é descrita por Hegel como o desenvolvimento da consciência finita, desde os estados mais rudes de sua história até o momento em que ela se reconhece como um ser racional, um ser que embora seja dotado de natureza é um ser livre, pois pode refletir sobre si mesmo e sobre tudo o mais que se apresenta de dele. Talvez essas palavras soem aos ouvidos de alguns como desprovidas de sentido, ou mesmo como um elogio exacerbado à razão, mas apesar de possíveis críticas ou incompreensões, no tocante ao pensamento de Hegel como o desenvolvimento da razão ao longo da história, ressaltamos em nossa pesquisa que esse desenvolvimento da razão não é desprovido de sensibilidade, a expressão mais pura desse argumento é a revelação do Absoluto na arte. Entretanto, sabemos que a arte não é a forma suprema de manifestação do Espírito, que tende sempre a se subjetivar em suas formas, e que se reconhecerá de modo mais pleno na filosofia, mas isso não extingue e nem desmerece à sua passagem pela arte e pela religião, enquanto modos pelos quais ele se revela, pois o Espírito, visto também como a Ideia, necessita aparecer e assumir uma forma, por isso ele se manifesta na finitude e conduz o espírito finito ao conhecimento espiritual de sua essência, enquanto um ser que carrega em si a ideia do infinito. Essa dignidade do espírito finito é o que o aproxima do infinito, ele não é um ser diferente ou mesmo oposto ao Absoluto, mas é a sua revelação, a sua imagem na finitude, já que traz consigo a razão parte de si. Será que esse atributo espiritual não seria o que move o espírito finito a fitar o infinito, a buscar erguer-se acima de suas necessidades imediatas e transitórias em busca de satisfações mais plenas como as encontradas na arte, na religião e na filosofia? O que será que move o espírito de modo a estabelecer e criar para si um mundo que não poderia ser adjetivado como superior ou inferior à natureza, mas que certamente, é um mundo dotado de racionalidade, de um sentido por ele criado? Bem, se há razão na história da humanidade, alguns poderiam retrucar afirmando que ela teria 92 produzido malefícios dificilmente apagáveis de nossa lembrança, tais como as guerras mundiais, mas o que podemos perceber na leitura de Hegel, é que ele nos ensina que a liberdade consiste em termos a possibilidade de realizar nossas escolhas, de nos sentirmos livres devido à consciência adquirida no processo histórico e cultural da civilização. O fato é que a discussão sobre a estética, enquanto contemplação do Absoluto, do divino ou da liberdade, nos remete à compreensão de que embora nossa época não busque no Absoluto, manifesto na representação fenomênica do belo artístico, a explicação para o sentido de suas indagações e necessidades explicativas, ela não poderia se esquivar de admirar-se frente a uma obra de arte, frente a algo que eleva o instante transitório do momento presente ao domínio do infinito atemporal e eterno, ao reino do infinito, que aqui não se trata se uma quimera, de um sonho ou mesmo de um além, mas que se refere a todo o processo de constituição do saber e da consciência desenvolvida pela humanidade e figurada de modo eterno na beleza artística. É o eterno que se torna atual e o atual que se sente eterno, por essa razão nós incluímos em nosso trabalho as representações artísticas do Partenon, de Atena e de Afrodite, pois conforme nos indica Fullerton (2002), essas figuras nos revelam a beleza revelada na arte grega e denotam a sensibilidade de uma cultura que encontra na arte a indicação da sua organização social e cultural, pois os frontões do Partenon ilustravam a representação das crenças nos deuses e de seus mitos explicativos para o que se apresentava como uma interrogação, como o desconhecido ou o inexplicável, já que a arte expõe a Ideia no contexto em que ela se encontra e esse tempo histórico é o que constitui a condição necessária para a manifestação da racionalidade como forma de pensar. Desse modo, como classificar ou denominar algo que transcende a finitude e que não se perde na utilidade da vida imediata, ou mesmo, como não reconhecer a filosofia: o amor à sabedoria, enquanto indagação que nos direciona além dos limites do presente imediato? Ela é o que impulsiona ao conhecimento de si, o socrático “conhece-te a ti mesmo”, um convite que se revela como chamado à contemplação e ao conhecimento interior, do mesmo modo, a arte traz consigo esse apelo à contemplação que nos transfere para o interior e para o conhecimento de nossa essência espiritual, a liberdade. 93 REFERÊNCIAS BAUMGARTEN. A estética: lógica da arte e do poema. Petrópolis: Vozes, 1993. CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Tradução: Álvaro Cabral. Campinas, São Paulo: UNICAMP, 1992. CHAGAS, E. F. (Org.) Reflexões sobre a fenomenologia do espírito de Hegel. Fortaleza: Edições UFC, 2008. COTTINGHAN, J. Dicionário Descartes. Tradução: Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. CESARINO, E. 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