o brilho sensível do espírito absoluto: a arte em hegel - TEDE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO
O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A
ARTE EM HEGEL
João Pessoa – PB
2011
1
MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO
O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A
ARTE EM HEGEL
Trabalho dissertativo apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Universidade Federal da
Paraíba, sob a orientação do prof. Dr.
Edmilson Alves de Azevedo em
cumprimento às exigências para
obtenção de grau de Mestre em
Filosofia.
João Pessoa – PB
2011
2
MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO
O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A ARTE EM HEGEL
Trabalho dissertativo aprovado pelo Programa de Pós-Graduação
em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação
do prof. Dr. Edmilson Alves de Azevedo em cumprimento às
exigências para obtenção de grau de Mestre em Filosofia.
APROVADA EM:_____/______/_____
Prof. Dr. Edmilson de Azevedo (Orientador)
Prof. Dr. Oliver Toller (Membro Externo)
Prof. Dr. Bartolomeu Leite da Silva (Membro Interno)
João Pessoa – PB
2011
3
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Socorro Ramalho, que com sua alma poética e apaixonada pela
beleza e pela sabedoria, desvendou em mim o anseio e a paixão pela arte e pela filosofia.
Dedico a alegria sentida por essa etapa realizada, no devir de minha existência à sua
memória, com a certeza de que acolherás em seu coração o mais sincero agradecimento e a
eterna declaração do meu amor.
Ao Espírito Absoluto, por sua fulgurante e inefável presença que tem me
fortalecido, iluminado e conduzido meus passos indicando o caminho a seguir.
À minha família, que com sua presença de amor e incentivo me ensina que o
mais valoroso na vida é aprender a viver intensamente cada momento junto aos que
amamos, pois eles são o nosso maior tesouro. Em especial, agradeço à minha irmãe Luzi
que tanto amo e que tem sido a minha fortaleza e exemplo a seguir.
Ao meu cunhado Ariosvaldo, pelo seu apoio e pelas lições de superação que
demonstra ao longo da sua trajetória de vida.
Ao meu pai que amo e admiro, porque em sua simplicidade nos revela uma
sabedoria de vida, encontrada em poucos filósofos!
Aos mestres, a minha gratidão por terem dividido conosco o seu saber ao
desvelar os nossos olhos o amor à sabedoria. E, de modo especial, o meu reconhecimento
ao meu orientador que considero um amigo, por sua competência, dedicação e
compreensão.
4
Porque é assim mesmo que é composta a vida humana. Ela é
composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado
pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito para
fazer disso um tema que, em seguida, fará parte da partitura
de sua vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o,
desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor
com os temas de sua sonata [...] o homem inconscientemente
compõe sua vida segundo as leis da beleza (Milan Kundera).
5
RESUMO
Ao propormos uma reflexão sobre a temática arte e liberdade, segundo o pensamento
hegeliano, no que concerne ao primeiro volume dos Cursos de Estética, temos como
finalidade, lançar uma discussão a respeito do modo como Hegel afirma a arte enquanto
expressão da liberdade, já que por meio dela o Absoluto se manifesta na finitude. Ela
anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma, mediante a possibilidade
de unir essas duas dimensões no Conteúdo por ela expresso em suas produções artísticas.
Assim, mediante a contemplação do belo na arte o espírito finito encontra a possibilidade
de ascender à esfera do infinito e desvelar a consciência da liberdade, o saber que se sabe
livre. Sendo assim, o fio condutor de nossa investigação, versa sobre a problemática da
arte, compreendida como uma instância fronteiriça situada entre a finitude e o domínio do
infinito.
Palavras-chave: Arte; Liberdade; Estética; Absoluto; Contemplação.
6
ABSTRACT
By proposing a reflection upon art and liberty, by means of Hegel’s work, Lectures and
Aesthetics, we intend to discuss the way Hegel asserts art, which is, as an expression of
liberty whereby the Absolute is manifested in the finite sphere. It (art) announces the
reconciliation between spirit and nature, matter and form by means of the possibility of
uniting these pairs of dimensions into the Content expressed in artistic productions. Thus,
by means of the contemplation of beauty in art, the finite spirit comes to the possibility of
rising to the infinite sphere and of unfolding the consciousness of liberty, and the freedom
of knowledge. Therefore, the basis of our investigation entails the issue of art that is
understood as a borderline between the finite sphere and the infinite field.
Key words: Art, Liberty, Aesthetics, Absolute, Contemplation.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena ............................................................
14
Figura 2 – Deusa Atena ...............................................................................................
40
Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza.......................................................................
59
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO DE HEGEL..........................
18
2.1 RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO...........................
19
2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA.........................................................................
23
2.2.1 O pensamento de Kant....................................................................................
24
2.2.2 O pensamento de Fichte..................................................................................
29
2.2.3 O pensamento de Schelling..............................................................................
34
2.3 O SISTEMA DE HEGEL.....................................................................................
40
3. HEGEL E A PROBLEMÁTICA DA ESTÉTICA.............................................
51
3.1 HEGEL E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA....................................................
52
3.2 A ESTÉTICA NO SISTEMA FILOSÓFICO DE HEGEL..................................
58
3.3 A ARTE LIVRE COMO OBJETO DA ESTÉTICA............................................
62
4. A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE...........................................
73
4.1 A ARTE COMO REFLEXO DO ABSOLUTO...................................................
74
4.2 O DOMÍNIO DAS NECESSIDADES FINITAS E A PREOCUPAÇÃO COM
A ARTE.....................................................................................................................
77
9
4.3 A ARTE LIVRE COMO RECONCILIAÇÃO ENTRE ESPÍRITO E
NATUREZA.........................................................................................................
82
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................
89
REFERÊNCIAS. ............................................................................................................ 94
10
1 - INTRODUÇÃO
O presente trabalho dissertativo pretende lançar uma reflexão sobre a temática
arte e liberdade, tomando como referencial teórico Hegel, em sua obra Cursos de Estética,
especificamente o primeiro volume, ressaltando a análise que o autor faz da arte enquanto
primeiro modo pelo qual o absoluto se manifesta na esfera finita, como expressão da
liberdade. Um alçar vôo acima das querelas da existência finita e, portanto, imediatas, e
lançar-se no reino da contemplação do infinito. O que significa dizer que partiremos da
seguinte problemática: pensar a arte como um elo intermediário entre a finitude da
existência imediata e o infinito reino do pensamento conceitual.
Nossa pesquisa será norteada pelas seguintes hipóteses: poderíamos afirmar que a
relação arte-liberdade no pensamento hegeliano seria resultado do desenvolvimento
progressivo da consciência de liberdade ao longo da história da civilização, que, no que
concerne a esta investigação, centra-se na manifestação da arte enquanto expressão
primeira da ideia de liberdade na esfera finita, mediante a forma fenomênica do belo
artístico. Outra conjectura hipotética seria a compreensão de que a partir da evolução do
pensar que se sabe livre no século XVIII, é possível refletir sobre a discussão da
problemática da autonomia da arte a ser afirmada como arte livre e objeto de especulação
filosófica. Além disso, também é possível afirmar que o espírito finito por ter em si a
dualidade na natureza e do espírito, mesmo quando ainda está envolto nas necessidades
finitas, está inconscientemente em busca de sua liberdade. Com base nessas considerações,
nosso objetivo é apontar para a compreensão de que a estética hegeliana assinala, através
da dialética do pensamento conceitual e da existência fenomênica do belo artístico, para
11
uma visão da totalidade e universalidade da ideia de liberdade que é intrínseca ao Absoluto
e, por extensão, também o é ao espírito finito, já que nele reside a síntese entre a natureza e
o espírito.
O desenvolvimento do conceito de arte, no sistema de Hegel, está atrelado ao
desenvolvimento histórico e cultural do contexto da Alemanha do final do século XVIII,
pois é justamente nesse momento da história que a arte desponta enquanto estética
filosófica, nesse período, surge a necessidade da compreensão filosófica acerca da arte.
Não estamos a afirmar que antes a arte não teria sido objeto de atenção na filosofia, mas o
que se apresenta como novidade, no período acima citado, é o despertar para uma análise
da arte, vista como estética filosófica e, essa nova visão acerca desse objeto é o que confere
uma explicação fundada na filosofia e, assim, enquanto parte de sua totalidade. Assim, o
conceito de arte em Hegel compreende a consideração do fenômeno concreto e histórico
através do qual esse conceito se revela, pois a arte é um aparecer que não se restringe à
matéria exterior, mas que expressa o universal. O conceito de arte se desenvolve a partir de
uma dinâmica interna do Espírito que se dá a conhecer e se concretiza em suas
representações artísticas.
A arte livre anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma,
mediante a possibilidade de unir essas duas dimensões no conteúdo por ela expresso, em
suas produções artísticas. Estas são engendradas pelo espírito, sendo, portanto, de natureza
espiritual. Destacamos que a relação arte-liberdade, segundo o pensamento hegeliano,
sugere a conexão de ambas de modo que uma se justifica a partir da outra. A arte, em sua
essência, por si só é essencialmente livre, não se vincula a interesses ou necessidades
imediatas, mas antes, aponta para a contemplação da ideia da beleza que prescinde do
12
caráter utilitário. E a liberdade tem, em sua intrínseca constituição, o não atrelamento às
querelas finitas, é o livre desprendimento das necessidades e interesses que a possam
cercear. Deste modo se estabelece a relação entre elas como expressão da consciência de
liberdade que o
espírito
finito
vai
progressivamente adquirindo
mediante o
desenvolvimento de sua racionalidade.
Assim sendo, pretendemos indicar que é através da contemplação da beleza que o
espírito finito vai se desprendendo da imediatez de sua existência e alça vôo rumo ao
infinito, ao mundo conceitual dos livres pensamentos. Por esta razão, importa dizer que o
amor pela sabedoria inerente à filosofia se estende à estética por meio da paixão pela
contemplação da beleza, através da sabedoria expressa na forma fenomênica da arte. É
assim que compreendemos a arte enquanto o brilho sensível do espírito absoluto.
Em nossa pesquisa situamos o contexto histórico no qual Hegel se insere, nos
séculos XVIII e XIX. Além disso, elencamos os pressupostos referentes à noção de sistema
nos precursores de Hegel, notadamente na filosofia de Kant, Fichte e Schelling, afim de
ilustrar os aspectos centrais debatidos por eles, que posteriormente foram retomados e
reformulados por Hegel em sua filosofia sistemática. Lembramos que não temos a
pretensão de nos alongar no diálogo sobre a filosofia dos autores apontados, mas somente
almejamos trazer à tona o que eles legaram de contribuição para o ulterior
desenvolvimento do sistema filosófico hegeliano, pois como nos adverte Hegel, devemos
filosofar a partir do universal que se manifesta e se dá a conhecer mediante o seu processo
de desvelamento histórico-conceitual.
Apresentamos a problemática da estética inserido-a na dinâmica do pensamento
hegeliano, de modo a refletirmos acerca do processo de autonomia da arte em sua
13
afirmação enquanto arte livre. Essa discussão sobre o processo da progressiva emancipação
da arte como produção espiritual, perfaz um itinerário argumentativo que se inicia na Idade
Média e se estende ao século XVIII, momento de fundação da estética enquanto disciplina
filosófica, através do pensamento de Baumgarten.
Nesse sentido, dialogamos com pensadores que nos auxiliarão nessa gradual
reconstrução do caminho percorrido pela arte rumo à sua emancipação e autonomia. Tal
intento pretende reconstruir teoricamente os momentos históricos do desenvolvimento da
arte e a busca por uma definição teórica que a apresente enquanto disciplina filosófica,
posto que ela reflete o saber adquirido no decorrer da história e o desenvolvimento do
pensamento e/ou da racionalidade mediante o desvelamento de suas representações
artísticas.
Além disso, situamos o lugar da estética no contexto do sistema hegeliano como
parte desse todo. Apresentamos o sistema hegeliano em suas partes constitutivas: Ideia,
Natureza e Espírito, mas sem adentrarmos em uma análise pormenorizada, pois nosso
objetivo é situar o lugar que a estética ocupa na completude do sistema. Assim, a estética
seria produto do espírito e manifestação de sua imagem na esfera sensível, já que através
dela é possível contemplar o infinito. Por meio da arte se pode vislumbrar o brilho sensível
da Ideia.
Esse percurso argumentativo visa situar o momento em que Hegel se atém à
temática da estética que, para ele, é a “filosofia da arte”. Esse é o momento em que se
configura a emancipação da arte, concebida como um fenômeno que se realiza na história e
se afirma como disciplina filosófica da arte no século XVIII, em sua singularidade de
conduzir à dimensão mais sublime a que se pode chegar na esfera sensível, o saber e a
14
consciência da liberdade. Nesse processo de afirmação da arte em sua autonomia e
liberdade é que se localiza a obra Cursos de Estética, de Hegel, estando sua obra inserida
no contexto que lhe permite lançar uma discussão histórico-estética da arte. Dessa maneira,
o autor comunica em sua obra que a abertura para uma concepção filosófica e científica da
arte se funda em transformações históricas que viabilizaram a reflexão acerca da arte livre.
Apresentamos a arte e a liberdade correlacionadas enquanto âmbitos
reciprocamente imbricados na dinâmica da progressiva iluminação do espírito finito que se
desvela enquanto ser livre, ao longo da história. Nesta perspectiva, a arte é concebida como
reflexo do Absoluto. Na arte, o Espírito se desenvolve a partir de si mesmo como um
estranhamento rumo à sensibilidade para apreender-se e reconhecer-se em sua alienação,
sob a Forma fenomênica do belo artístico. Ele impregna de pensamento os seus produtos e
os transforma em parte de si.
Essa correlação entre a arte e a liberdade pertence ao domínio da evolução do
pensamento racional, o qual vai paulatinamente se compreendendo em sua dimensão
subjetiva enquanto razão que se desenvolve na história. É assim que a arte, em sua
configuração imagética, anuncia uma efetividade superior que significa através de si e
aponta para a dimensão do infinito. Nesses termos, ela poderia ser compreendida como
reflexo do Absoluto, posto que ilumina a esfera sensível com o seu brilho que é figurado
nas suas produções, visto que ela manifesta a Ideia.
Com efeito, através da preocupação com a arte é que o espírito finito vai se
desprendendo da finitude imediata e ascendendo em direção ao reino do pensamento
conceitual. Esse percurso atravessa diferentes esferas, que como degraus, vão conduzindo
o espírito ao livre pensamento, a saber, à liberdade do ser que por ter atingido a
15
consciência de si, produz na arte a representação desse Conteúdo, o ilustrando mediante
cores, formas e tons.
Entretanto, para chegar a esse estágio, o espírito finito percorre as esferas das
necessidades imediatas, tais como os impulsos, as inclinações, a ausência de satisfação
decorrentes da existência finita que se apresenta em suas carências, o levando a buscar
organizar sua existência através da criação da indústria, do comércio, da técnica, do direito,
da vida em família e do Estado. Imerso em inúmeras necessidades imediatas e perante a
insatisfação delas proveniente, o espírito busca formas que o ajude a suprir tais
necessidades, até o momento em que se apercebe de que a resolução da contradição entre
Espírito e Natureza deve ser buscada no domínio que lhe comunique a satisfação no saber
e no conhecimento, pois aquele que não sabe não é livre.
Sua liberdade está vinculada à consciência de que ele, embora sendo natureza,
também é espírito, pois nele encontra-se a resolução da contradição por ele sentida
mediante suas insatisfações e exteriorizada em suas necessidades imediatas. Ele é um ser
espiritual, racional, mas também, dotado de natureza sensível, assim como a arte que tem
em sua constituição a Matéria da qual é produzida, mas também a Forma que lhe confere o
caráter de produção espiritual e reflexo do infinito.
Para chegar a essa universalidade e unidade em si e para si, o Espírito Absoluto
manifesta-se segundo três etapas: o espírito subjetivo que é identificado com as paixões
humanas, o espírito objetivo referente às instituições e, o espírito absoluto que corresponde
à forma mais perfeita, pois nele reside a identidade e o infinito. Desse modo, a arte surge
quando o pensamento passa a ocupar-se do infinito.
16
Esse trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, situaremos o
contexto histórico de Hegel, buscando elaborar um fio condutor das principais inflexões
elaboradas por ele em seus escritos, considerando também a contribuição de pensadores
como Kan, Fichte e Schelling para o ulterior desenvolvimento de sua filosofia sistemática.
No segundo capítulo, refletiremos sobre a problemática da estética, afim de situar o
momento em que a arte desponta no pensamento de Hegel enquanto preocupação filosófica
e como parte da totalidade do seu sistema, além de discutirmos acerca da progressiva
emancipação do espírito no seu desprendimento das querelas da finitude e conhecimento
de sua natureza espiritual. No terceiro capítulo, apresentamos a arte e a liberdade
correlacionadas enquanto âmbitos pertencentes ao infinito, ao domínio das necessidades
espirituais e, portanto, livres.
17
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO
PENSAMENTO DE HEGEL
Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena.
18
2.1 - RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO
Para pensarmos a problemática da relação arte-liberdade em Hegel, nos propomos
nesse momento, elencar o contexto histórico no qual o autor se insere, a análise do
momento em que a estética se coloca como questão a ser refletida por Hegel em seus
escritos filosóficos, bem como, a consideração da arte que em sua própria constituição e
autonomia, na modernidade, afirma-se enquanto arte livre. Ressaltamos que a consciência
da liberdade é conseqüência da progressiva iluminação que o Absoluto vai desvelando ao
longo da história, essa iluminação se dá a conhecer mediante a racionalidade “vista como
aquilo que nos leva a descobrir, a estabelecer e a consolidar a verdade” (CASSIRER, 1992,
p.32).
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão do século XVIII, nasceu em
1770 na cidade de Stuttgart. Foi influenciado pelas ideias iluministas de sua época1,
contudo, percebeu as limitações desta corrente teórica e tentou recuperar a discussão sobre
Deus, entendido por ele como o Absoluto. A compreensão sistemática da filosofia de Hegel
teria possibilitado ao idealismo alemão2 chegar ao ápice da sua sistematização, pois o
pensamento de Hegel é apontado como o ponto culminante do racionalismo (ZILLES,
1991, p.61).
Hegel é um dos principais expoentes do idealismo alemão. Sua ambição
intelectual consistiu em expressar a unidade do Todo mediante uma síntese universal. A
filosofia hegeliana pode ser descrita na realização do Espírito em suas manifestações, nas
quais desenvolve a consciência de si através da dialética da lei universal do devir.
O contexto histórico no qual o autor se insere, os séculos XVIII e XIX,
corresponde ao período do florescimento da filosofia moderna, momento em que o sujeito
se coloca como objeto do conhecimento, ocupando-se do pensamento. Há nesta época uma
1
A época das Luzes, no tocante ao conteúdo de seu pensamento é dependente de séculos precedentes, como
movimento de idéias pelo qual o espírito adquire a consciência de si mesmo. O iluminismo buscou
enfatizar a capacidade do homem de conhecer a realidade e interferir nela através do uso da razão,
organizando-a racionalmente.
2
“Idealismo” para Hegel consiste na certeza da consciência de ser toda realidade, a afirmação de que tudo é
consciência (ROVIGHI, 2000, p. 720).
19
predileção pelo pensamento conceitual, devido à maturidade da cultura reflexiva. A razão é
compreendida como o ponto a partir do qual tudo é ordenado. Assim, a filosofia hegeliana
funda-se na racionalidade e na concepção idealista.
Sua vida teórica pode ser entendida a partir dos dois momentos de sua produção
intelectual, o da juventude e o de sua maturidade (cf. ZILLES, 1991, p. 61; ROVIGHI,
2000, p. 696). Na juventude, Hegel busca compreender o espiritual partindo das questões
teológicas. Pretende fundamentar a religião a partir de uma atitude crítica e mediante
princípios racionais. Nesta fase, foi influenciado sobremaneira pela educação familiar e
religiosa, as quais seriam fundamentais para a sistematização do seu pensamento. Educado
no cristianismo, de tradição protestante, que primava pelo aspecto racional e moral da
religião, demonstrou interesse, desde cedo, pela dimensão religiosa, tanto que aos dezoito
anos começou a estudar teologia em um seminário protestante.
Esta formação foi marcante em seus escritos da juventude que versavam sobre
teologia. Assim, escreve obras como Religião popular e cristianismo; Vida de Jesus; A
positividade da religião cristã. Nesta fase, Hegel apresenta a sua concepção de Deus como
unidade que se faz multiplicidade, por meio da oposição entre finito e infinito, o qual
realiza o retorno à unidade primeira Dele consigo mesmo, no outro de si (ZILLES, 1991, p.
62). Ele pensa o Absoluto na elevação do pensamento religioso e o compreende como o
Uno: a vida criadora, aqui definida como Deus e que posteriormente será definida como
Espírito.
Nesta fase, o jovem Hegel coloca o dogma da Trindade no qual o Pai representa a
totalidade divina; o Filho enquanto aquele que se encontra no seu eu finito; e o Espírito
Santo, entendido como a superação da finitude e o retorno à totalidade. Esta dialética do
dogma trinitário é um esboço do que será a dialética do Absoluto. Assim, em seus
primeiros escritos, tendia a desprezar o rigor metodológico da compreensão conceitual. Só
na maturidade é que ele iria desenvolver uma filosofia adequada à conceitualização do
mundo como um todo, e especificamente do mundo moderno (INWOOD, 2000, p. 608).
A transição dos escritos teológicos para os escritos filosóficos, na dinâmica do
pensamento hegeliano, ocorre depois de 1800. Neste período, ele visa unir a reflexão
religiosa à filosofia, a fim de favorecer o finito a atingir a consciência do Absoluto, que
20
corresponde à consciência de sua liberdade. Este é o processo lógico da resolução da
oposição finito-infinito, o processo dialético da unificação e reconciliação dos contrários,
no Absoluto. Desse modo, Hegel desenvolve seu sistema filosófico, pois acredita que só é
possível filosofar em continuidade, ou seja, acompanhando a história da filosofia em sua
totalidade.
Assim, na Fenomenologia do Espírito, considerada por muitos como a sua obra
mais genial, Hegel aponta o desenvolvimento cultural humano de acordo com as fases da
história. Esta obra tem como objeto de estudo a consciência como saber concreto imerso na
exterioridade: “obra concebida como introdução à filosofia, que para Hegel, é saber
absoluto” (ROVIGHI, 2000, p. 716). Nela Hegel apresenta os postulados do idealismo
alemão: o Absoluto em seus três momentos, o em-si, o por-si e o em-si-e-por-si, na
dialética do devir,3 em que cada momento consiste na superação do anterior.
Podemos citar ainda outras obras como a Ciência da Lógica, na qual apresenta as
partes de seu sistema: Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito, fazendo um
exame das determinações do pensamento para a compreensão sistemática do mundo. E,
ainda, a Filosofia do Espírito onde começa a articular a distinção entre arte, religião e
filosofia, que virá a ser posteriormente elaborada nas Lições de Estética. Filosofia do
Direito e Enciclopédia das Ciências Filosóficas.
A primeira edição da Enciclopédia mantém a concepção tratada na
Fenomenologia de que apenas a arte grega é digna de consideração, mas aparece na
terminologia de Hegel o Espírito Absoluto. O primeiro capítulo é dedicado a estética e
intitula-se Religião e arte. Em seguida, Hegel apresenta a religião e a filosofia. “Já surge,
pois, o conjunto da divisão tricotômica que terá seu pleno desenvolvimento no posterior e
clássico sistema hegeliano” (LUKÁCS, 2009, p. 51). A segunda edição passa por algumas
transformações de modo que o antigo título: Religião e arte é nomeado apenas como Arte,
refletindo uma mudança de conteúdo e de método. Surge a periodização fundamental da
estética hegeliana, a caracterização dos períodos artísticos simbólico, clássico e romântico.
3
Esse termo foi empregado por Heráclito de Éfeso para designar o movimento perpétuo do mundo, o fluxo e
o vir-a-ser como uma constante mudança. Rovighi (2000, p. 728) esclarece que este termo em Hegel diz
respeito ao método dialético, o movimento que tende para a perfeição que está no fim do processo, do finito
ao infinito.
21
Na Propedêutica Filosófica, Hegel estuda os estilos artísticos: antigo, que
considera como plástico e objetivo e, moderno, tido por ele como romântico e subjetivo.
Apesar disso, em suas análises posteriores ainda dedica-se ao estilo antigo, porque sua
estética contempla a Antiguidade como o período próprio da autêntica arte. Um dos
grandes méritos da estética hegeliana seria a consideração das contradições dialéticas
características desses períodos da arte. Ele delineia a linha do processo histórico,
necessário à correta avaliação histórica e estética dos fenômenos particulares.
Além de obras póstumas resultantes de sua atividade como professor em Berlim,
tais como: Filosofia da Religião, Estética e as Lições de Estética, e também a História da
Filosofia (VERCELLONE, 2001, p. 28). Essas obras póstumas foram organizadas por
alunos que participaram de cursos por ele ministrados em Berlim, de 1818 a 1831, ano do
seu falecimento, vítima de cólera. Dentre elas destacamos o primeiro volume das Lições de
Estética, objeto de nosso estudo. Assim, em linhas gerais podemos afirmar que:
Hegel criou um grande e importante sistema filosófico,
abrangendo metafísica, epistemologia, e lógica; ética, filosofia
política, social e do direito; estética, religião e a natureza da
própria filosofia. Ele se ocupou principalmente com a
racionalidade, a liberdade e a autoconsciência, mas via-as como
fenômenos históricos, desenvolvendo-as através de uma sucessão
inteligível de formas, movidas pelo espírito e estruturadas pela
dialética (INWOOD, 2002, p. 23).
Trilhamos esse percurso na intenção de melhor situar o momento em que Hegel se
atém à temática da estética que para ele é a “filosofia da arte”, lembrando que, por se tratar
de um filósofo que defende a compreensão da totalidade, consideramos que uma breve
exposição das linhas gerais que conduziram seus escritos - tais como a busca da totalidade
na figura do Absoluto, a dialética do seu pensamento, a liberdade da consciência em se
saber livre, a compreensão histórica e sistemática da filosofia - tem muito a contribuir para
uma melhor elucidação do papel que a filosofia da arte desempenha na dialética do
pensamento hegeliano, ressaltando que a arte encontra-se intimamente correlacionada à
idéia de liberdade, enquanto emanação do Absoluto.
22
2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA
Iniciamos nossa pesquisa a partir da análise do contexto histórico no qual Hegel
se insere, ressaltando a relevância de considerarmos a dialética inerente ao pensamento do
autor e à constituição de seu sistema filosófico. Nesse momento, refletiremos sobre a ideia
de sistema4 presente em Kant, Fichte e Schelling, de modo a estabelecer um nexo histórico
e sistemático nas filosofias e compreensões desses autores acerca da noção que cada um
deles desenvolveu de sistema no cerne de suas teorias filosóficas. Estas teorias filosóficas
foram denominadas por Hösle como principais estações do desenvolvimento do idealismo
alemão5. Segundo Hösle, “a filosofia de Hegel surgiu na discussão imanente com as
filosofias transcendentais finitas de Kant e Fichte, cuja problematização ela quer levar
adiante” (2007, p. 27). Para tal finalidade, contaremos com a indispensável orientação da
seguinte obra filosófica de Hegel: Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de
Schelling, traduzida por Morujão (2003). E, no tocante à leitura do pensamento de Kant,
analisaremos os escritos de alguns comentadores, além da Crítica da Razão Pura e de
comentários elaborados por Hegel no primeiro volume dos Cursos de Estética.
O escrito sobre a Diferença afirma-se, segundo o tradutor, como um divisor de
águas em filosofia, pela audácia e segurança do jovem Hegel, que na época estava com 31
anos. De acordo com Morujão, neste primeiro escrito de Hegel, transparece uma análise da
cultura alemã e do romantismo e, a intenção de colocar a filosofia no contexto das
manifestações espirituais de seu tempo, enquanto expressão do desenvolvimento histórico
da humanidade. O contexto em que Hegel escreveu a obra indica a efervescência do debate
entre o público filosófico acerca das discussões sobre o pensamento de Fichte e de
4
Segundo Inwood (1997) o termo Sistema provém do grego systema; um todo orgânico composto por
diferentes partes, assim o objeto da filosofia, a ideia ou o Absoluto, forma ele próprio um sistema, pois em
Hegel a Verdade é concreta, ela se desdobra em si mesma, mantendo, desse modo a sua unidade.
5
A filosofia idealista se fundamenta no pensamento de Kant, pois ele seria o primeiro filósofo a buscar
conciliar conceitos tidos como opostos, tais como, realidade e razão, afirmando a prioridade da razão em face
da natureza, sem com isso, desmerecer a importância da experiência sensível para a constituição do
conhecimento. Essa filosofia se desenvolveu vinculada ao Romantismo, o movimento artístico e literário que
foi influenciado sobremaneira pelo pensamento de Rousseau.
23
Schelling. Nesse sentido, convém sabermos quais eram as diferenças vistas por Hegel entre
os dois autores, acima mencionados, e em seus sistemas filosóficos.
Cada sistema filosófico se situa em uma época e busca responder às suas
necessidades, esse desenvolvimento do pensar impulsiona para a totalidade, ou seja, para a
completude dos conhecimentos, pois todos eles surgem a partir de uma dada situação
histórica. De tal modo, segundo Hegel, a filosofia poderia ser compreendida como “uma
espécie de arte manual, que se deixaria aperfeiçoar através de novos procedimentos
técnicos incessantemente descobertos.” (HEGEL, 2003, p. 34).
É possível perceber na metáfora hegeliana que se trata do processo através do qual
a filosofia, em seu constante devir, vai se revelando em sua potencialidade de iluminar, ou
seja, de revelar a sua essência de acordo com o desenvolvimento cultural da história. Não
se trata de melhoramentos constantes e nem de pontos de vistas próprios, já que o racional
não poderia ser visto como uma coisa própria. O que ocorre é a atividade exercida pela
razão, atividade universal sobre si mesma, pois o filosofar, segundo Hegel, surge da
necessidade de produzir uma totalidade do saber, um sistema que contemple a totalidade de
suas manifestações.
2.2.1 O pensamento de Kant
Kant inicia o prefácio, da segunda edição, da Crítica da Razão Pura, esclarecendo
que na elaboração de uma ciência que se fundamente nos conhecimentos pertencentes ao
domínio da razão, se deve julgar os resultados, para assim, chegar ao caminho mais seguro.
Desse modo, o autor analisa o caminho seguido pela Lógica, pela Matemática, pela Física,
pela Ciência Natural e pela Metafísica.
Segundo Kant, o limite da Lógica reside no fato dela ser uma ciência que expõe as
regras formais do pensamento e as prova somente de modo rigoroso, abstraindo-se de
todos os objetos do conhecimento e das suas diferenças, restando-lhe apenas, se ocupar
consigo mesma e com a sua forma. A Matemática e a Física, são denominados como
conhecimentos teóricos da razão, os quais devem determinar seus objetos de modo a
24
priori. A Ciência da Natureza, nas palavras de Kant, se desenvolveu mais lentamente no
caminho da ciência, tendo em vista que ela se funda em princípios empíricos.
Kant afirma que pensadores como Galileu, Torricelli e Stahl “compreenderam que
a razão só vê o que ela mesma produz segundo seu projeto, que ela deve ir à frente com
princípios dos seus juízos segundo leis constantes” (KANT, 1974, p. 11). E, apresenta a
Metafísica vista como um conhecimento especulativo da razão, o qual se eleva acima do
ensinamento da experiência, pois nela a razão é aluna de si própria e, desse modo, a razão
sempre emperra em si mesma. Dessa forma, segundo Kant, o procedimento da Metafísica
se constitui como um mero tatear, como simples conceitos.
Tendo apresentado os aspectos, acima citados, Kant expõe o objetivo da sua obra:
Crítica da razão pura especulativa, a saber: a “tentativa de mudar o procedimento
tradicional da Metafísica e promover assim uma completa revolução nela” (KANT, 1974,
p. 14). Essa obra teria o encargo de delinear o esboço do sistema de uma nova Metafísica,
posto que a ela caberia a felicidade de ser conduzida por essa Crítica em direção ao
caminho seguro de uma ciência. Tal incumbência da Metafísica é denominada como um
tesouro, esse tesouro é descrito por Ferry (2009), como a inversão completa de perspectiva,
a qual consiste no fato de Kant pensar:
Inicialmente a finitude, portanto, a sensibilidade e o corpo situados
no espaço e no tempo, e somente em seguida o Absoluto ou a
divisão intemporal. Tal é a razão pela qual a primeira parte da
Crítica da razão pura chama-se Estética, do grego aisthesis, que
significa sensibilidade (FERRY, 2009, p. 23).
A Crítica da razão pura postula que o conhecimento começa com a experiência,
pois o conhecimento é despertado pelos objetos que impressionam os nossos sentidos e, a
partir desse despertar é que o entendimento produz a sua representação, de modo a que
possa trabalhar a matéria bruta das impressões sensíveis, afim de obter o conhecimento do
objeto.
Entretanto, também existiriam conhecimentos puros, ou seja, desprovidos da
experiência sensível: os chamados conhecimentos a priori, que se distinguem dos
conhecimentos empíricos. Desse modo, Kant esclarece que há uma diferença entre o
25
conhecimento puro e o conhecimento empírico, pois este se principia com a experiência
através dos objetos que afetam os nossos sentidos e que dão origem a representações
operadas pelo entendimento; aquele independe da experiência e de todas as impressões dos
sentidos. Assim, os conhecimentos a priori, são definidos como aqueles que se realizam
independentemente da experiência, sendo denominados como conhecimentos puros, os
quais são proposições necessárias e não derivadas, já que neles há uma rigorosa
universalidade.
A diferença entre o conhecimento puro ou a priori e o conhecimento empírico ou
a posteriori também é discutida em relação ao juízo analítico e ao juízo sintético. Kant
explica que no juízo analítico a conexão do predicado com o sujeito é pensada por
identidade e, no juízo sintético, essa conexão é pensada sem identidade, ou seja, enquanto
o primeiro é um juízo de explicação, o segundo é um juízo de extensão. Sobre essa
diferença entre os juízos analíticos e sintéticos podemos observar o seguinte exemplo
explicativo, na leitura de Kant:
Se eu, por exemplo, digo: todos os corpos são extensos, então é este
um juízo analítico. De fato, não necessito ir além do conceito que
ligo com a palavra corpo para encontrar a extensão enquanto conexa
com tal conceito, mas necessito apenas desmembrar aquele conceito,
quer dizer, tornar-me consciente do múltiplo, que penso sempre
nele, para encontrar ai este predicado; é, pois um juízo analítico. Do
contrário, quando digo: todos os corpos são pesados, então é o
predicado algo bem diverso do que penso no mero conceito de um
corpo em geral. O acréscimo de um tal predicado fornece, portanto,
um juízo sintético (KANT, 1974, p. 27).
A citação, acima apresentada, nos faz compreender que, segundo Kant, a razão
tem a função de nos fornecer os princípios do conhecimento a priori. Assim, a Crítica da
razão pura afirma-se como um sistema da razão pura que a partir de uma crítica
26
transcendental6 pretende “fornecer a pedra de toque que decide sobre o valor ou desvalor
de todos os conhecimentos a priori” (KANT, 1974, p. 33). Nesse sentido, ela pretende
superar a dicotomia entre o racionalismo o empirismo, examinado as condições de
possibilidade do conhecimento.
A partir do pensamento de Kant, Hegel pretende descobrir como as categorias
kantianas poderiam influir na vida dos homens, trazendo essa reflexão para o plano prático,
no campo da religião e do direito. Hegel estaria deslocando a problemática da unidade
sintética, situada em Kant no domínio do conhecimento puro, para o âmbito da vida
espiritual concreta, sob as esferas das manifestações artísticas, religiosas e políticas.
De acordo com Hegel, Kant entende a matéria como o objetivo oposto ao Eu,
compreendendo-a como supérflua ou ideal, sendo assim, os fenômenos seriam desprovidos
de qualquer necessidade, pois a construção de suas sínteses, por meio das categorias, não
teria a sua comprovação na natureza, tendo em vista que ela apenas oferece esquemas
contingentes (HEGEL, 2003, p. 101). A razão teria se colocado a si mesma como reflexão
mediante a oposição ao objeto.
Nessa ótica, Nóbrega indica que o pensamento de Kant se atém ao problema do
conhecimento, mediante a distinção entre as categorias sensíveis e as categorias a priori,
posto que ele defende que existam categorias provindas da experiência: as chamadas
categorias sensitivas, tais como cor, som, odor e, outras que, segundo o autor, não seriam
provenientes da experiência sensitiva, como por exemplo: totalidade, unidade e
pluralidade. Estas últimas estariam no indivíduo de modo a priori, ou seja, estariam
presentes nele, mesmo antes da vivência possibilitada pela experiência sensível, enquanto
categorias que independem da sensibilidade imediata. Assim, Nóbrega afirma que,
segundo a filosofia de Kant, a mente,
tem determinadas estruturas sob as quais percebe o Universo: são as
categorias a priori [...] Como uma pessoa que coloca óculos azuis e vê
tudo azulado, também a mente já traz em si, anterior a qualquer
6
Segundo Ferry (2009) as três partes que compõem a Crítica da razão pura são a estética transcendental
enquanto teoria da sensibilidade, a analítica transcendental na qual o entendimento opera através do
conceito e, a dialética transcendental, a qual se funda na Ideia, respectivamente: intuição, conceito e ideia.
27
experiência,
estas
categorias,
pelas
quais
percebe
o
mundo
(NÓBREGA, 2005, p. 24).
Nesses termos, o indivíduo é que projeta a partir de si, através dessas categorias, a
imagem do que é observado por ele. Logo, as categorias a priori são identificadas como os
primeiros princípios do conhecimento, pois é a partir delas que o conhecimento se
constitui. Em virtude do exposto, é possível destacar a significativa contribuição do
pensamento kantiano, por meio da sua busca pelos princípios do conhecer, através das
categorias, pois a Crítica da Razão Pura pretende justificar as proposições sintéticas, as
quais seriam pensadas como necessárias, já que não poderiam ser demonstradas em casos
experimentados, restando à filosofia realizar a determinação dos princípios, bem como,
fundamentar o âmbito do conhecimento sintético a priori, afim de garantir a sua
necessidade.
Após essas considerações preliminares, cabe-nos investigar os limites presentes na
concepção kantiana. De acordo com Kant, conhecemos o fenômeno e não a coisa em si,
assim, a unidade entre eles só pôde ser desenvolvida na filosofia de Hegel, mediante a
unidade dos opostos: a identidade que contém em si também a multiplicidade. Segundo
Hösle, o princípio que enfraquece a filosofia transcendental de Kant se justifica pelo fato
dele não conseguir fundamentar as proposições sem recair numa constante regressão
infinita, posto que,
não é apenas a fundamentação das proposições transcendentais de
Kant que depende de pressupostos não provados [...] não se
vislumbra como Kant poderia fundamentar irreflexivamente tais
proposições sem cair na regressão infinita (HÖSLE, 2007, p. 34).
Hösle salienta que é preciso romper esse dualismo kantiano entre conceito e
intuição7, tendo em vista que tais princípios tidos como irredutíveis um ao outro, são, na
verdade, idênticos segundo a consideração de que ambos são definidos como princípios,
apesar de suas especificidades. Impõe-se, assim, que “conceito e intuição são ambos
7
Em relação a discussão kantiana acerca do conceito e da intuição, conferir Pascal (2007).
28
conceitos, e isso significa que a intuição não pode ser algo totalmente diferente do
conceito, porque existe dela mesma um conceito” (HÖSLE, 2007, p. 36).
Não obstante a esse limite apresentado por Hösle, Hegel, no primeiro volume dos
Cursos de Estética, atribui a Kant o mérito de ter transformado “em fundamento a
racionalidade que se refere a si, a liberdade e a autoconsciência que se encontra e se
reconhece infinitamente em si mesma” (HEGEL, 2001, p. 74). Esse seria o caráter absoluto
da razão em si mesma. Tal consideração, segundo Hegel, representa o ponto de partida a
ser reconhecido em Kant.
Hegel, no entanto, indica que Kant teria proferido a unidade somente através de
ideias subjetivas da razão, as quais não poderiam ser demonstradas em sua efetividade.
Hegel, por sua vez, estaria sustentando que o pensamento, assim como a razão, não podem
ser cerceados por limites à sua atividade e mesmo que existissem tais limites, o
pensamento, em Hegel, seria sempre capaz de traspô-los, de superá-los e de transcendê-los
em seu desenvolvimento.
Além disso, de acordo com a perspectiva de Hegel, Kant teria se restringido à
contraposição entre subjetivo e objetivo, mesmo quando ele pretende indicar a solução de
tal contradição através de uma reconciliação subjetiva e não em algo em si e para si
verdadeiro e efetivo. É assim que o juízo estético de Kant afirma-se como proveniente do
jogo do entendimento e da imaginação e não do entendimento enquanto tal, pois em Kant
“o belo deve ser aquilo que é representado sem conceito, isto é, sem categorias do
entendimento, pois ele seria resultado do comprazimento, uma questão mais referente ao
gosto” (HEGEL, 2001, p. 76).
2.2.2 O pensamento de Fichte
O pensamento de Fichte8 é visto por Hegel, na sua obra: Diferença entre os
sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling (2003), como um idealismo subjetivo, pois,
segundo ele, Fichte defende que a harmonia entre o sujeito e o objeto e entre a liberdade e
8
Para uma melhor compreensão dessa discussão, conferir a Doutrina da Ciência de Fichte (1794). O
princípio da filosofia de Fichte é a absoluta auto-identidade do Eu, retratada no axioma A=A (conf.
HÖSLE, 2007, p. 56-57).
29
a natureza, está apenas idealmente contida no Eu, o qual se configura como o princípio
supremo da filosofia9 e, desse modo, essa harmonia contida no Eu, não poderá se tornar
completamente objetiva, por que se assim o fizesse, estaria se negando a si mesma e
ameaçando a sua própria liberdade. Hegel pondera que essa característica do sistema de
Fichte representa a sua nulidade teórica, pois o sistema fichteano, assim compreendido,
estaria restrito somente ao ponto de vista da reflexão, restando à natureza a dimensão do
sempre já posto, que como tal é desprovido da dimensão espiritual. Desse modo, nas
palavras de Hegel “a intuição transcendental que permite ao Eu aceder à posse de si
mesmo nunca se transforma na auto-intuição do absoluto, permanecendo fixada na sua
própria subjetividade” (HEGEL, 2003, p. 12).
O princípio do sistema de Fichte, expresso na proposição Eu=Eu, ou A=A,
exprime apenas a unidade do subjetivo e do objetivo no âmbito do sujeito que se toma
como objeto, ou seja, representa uma unidade lógica, não aplicada a matéria, restando à
multiplicidade dos fenômenos naturais ser oposta a unidade transcendental. Isso porque, o
sujeito-objeto é compreendido como o sujeito-objeto subjetivo, captado apenas pela
reflexão filosófica. Sendo assim, essa filosofia é vista por Hegel como uma filosofia da
reflexão, já que nela a cisão entre o sujeito e o objeto é apenas superada subjetivamente e o
não-Eu, ou seja, a multiplicidade empírica é desprovida de espírito. Para uma melhor
compreensão dessa crítica de Hegel à filosofia de Fichte, analisemos os princípios nos
quais Fichte fundamenta a sua Doutrina da Ciência, conforme as palavras de Luft:
Lembremos aqui os princípios em que está assentada a Doutrina da
Ciência: 1) o eu produz a si mesmo; 2) ao eu é oposto, sem mais,
um não-eu; 3) o eu produz em si mesmo uma divisão entre sujeito
(eu) e objeto (não-eu), ambos mutuamente limitados. Sem o
postulado expresso na segunda proposição, ou seja, sem essa
contraposição primeira de um não-eu, mesmo que este apareça
inicialmente como negatividade pura, a construção da existência
não seria possível. Ora, enquanto essa oposição é originária, ela
9
O conceito de filosofia em Fichte se remete à compreensão de que cabe ao pensamento explicar a realidade,
pois ele seria o ponto de partida de todo o conhecimento, assim a atividade da reflexão possuiria um caráter
infinito enquanto explicação de tudo o mais.
30
não pode ser superada no interior do próprio sistema – entendo
superar como a possibilidade de provar um dado elemento como
constituído pela própria subjetividade e somente por ela
condicionado (LUFT, 2001, p. 106).
Assim, segundo a leitura de Hegel, a filosofia de Fichte, centrada na subjetividade
do Eu, não estaria respondendo às necessidades da época que buscava a unificação do
sujeito e do objeto, do homem e da natureza. Desse modo, a filosofia de Fichte
apresentava-se como um idealismo meramente subjetivo, por não alcançar a unidade
sistemática exigida a todo autêntico filosofar. Destarte, o princípio supremo da filosofia de
Fichte, se atém ao absoluto, visto como algo de superior e oposto aos contrários cindidos,
por considerá-los como algo intrinsecamente contraditório. Essa afirmação de Hegel é
melhor compreendida quando consideramos que nas palavras dele “a filosofia é amor a
sabedoria, mas tal amor é já saber efetivo. Se o não fosse, seria um formalismo vazio de
qualquer conteúdo” (HEGEL, 2003, p. 14).
Poderíamos assim pontuar o cerne da crítica de Hegel à filosofia de Fichte a partir
do que ele chama “idealismo do dever”, ou seja, o fato de Fichte transformar o absoluto
apenas em um produto da reflexão e entender o racional como algo que se restringe ao
entendimento, o que nos permite dizer que, em Fichte o sujeito e o objeto permanecem
sempre como opostos e, essa cisão entre eles nunca poderia ser resolvida. Acerca dessa
cisão, Ferrer nos esclarece que o “eu absoluto fichteano com a sua diferença e posterior
determinação é uma ligação exterior, e não determinada a partir do próprio princípio
absoluto. O eu absoluto concebido por Fichte é essencialmente abstrato” (FERRER, 2006,
p. 24). Desse modo, em Fichte se evidencia a impossibilidade da constituição de um
sistema, pois a realidade ou o conteúdo não poderá se reconhecer como saber efetivo, posto
que o absoluto fichteano é essencialmente abstrato.
Acompanhemos o modo como Hegel expõe o sistema de Fichte em sua obra
Diferença entre os sistemas de Fichte e de Schelling. Hegel inicia sua exposição
esclarecendo que o fundamento do sistema de Fichte é a intuição intelectual, ou seja, o
puro pensar de si mesmo, a autoconsciência apresentada na proposição Eu=Eu, a
identidade entre sujeito-objeto subjetivo. O pensar abstrai de si tudo o que lhe é estranho,
31
ou seja, a objetividade, nesse sentido, a intuição transcendental afirma-se como objeto da
reflexão filosófica, a identidade originária, assim, essa intuição afigura-se como busca pela
totalidade do ser idêntico.
Segundo Hegel (2003), Fichte expõe o seu sistema a partir de três proposições-defundo, a primeira afirma o absoluto pôr-se a si mesmo do Eu, a segunda apresenta a
oposição absoluta do finito visto como não-Eu e, a terceira, indica a unificação das duas
proposições anteriores, as três proposições são vistas como três atos do Eu. Esses atos
absolutos do Eu solicitam uma unificação transcendental que construa uma síntese.
Entretanto, essa síntese apresenta o Eu objetivo: o não-Eu, como diferente do Eu subjetivo:
o Eu=Eu, gerando assim uma incompletude na síntese em sua idealidade, visto que o nãoEu tem em si o caráter negativo, enquanto o Eu=Eu afirma-se como o positivo. Nesse
sentido, Hegel indica que a identidade entre o sujeito e o objeto e entre o finito e o infinito,
não é afirmada na filosofia de Fichte, já que:
O Eu igual a Eu transforma-se em: Eu deve ser igual a Eu; o resultado
do sistema não regressa ao seu começo [...] a intuição transcendental,
da qual parte o sistema, era algo de subjetivo sob a forma da reflexão
filosófica, que se eleva ao puro pensamento de si própria por meio da
abstração absoluta; para ter a intuição transcendental na verdadeira
ausência de forma [...] permanece um sujeito = objeto subjetivo, para
o qual o aparecimento é algo de absolutamente estranho e que não
consegue instituir-se a si mesmo no seu aparecimento (HEGEL, 2003,
p. 74).
Em outras palavras, no sistema de Fichte a identidade diz respeito ao sujeitoobjeto subjetivo, posto como consciência de si, o que nos permite perceber que, com isso,
permanece a cisão entre o sujeito e o objeto, pois Fichte teria posto apenas um dos opostos
no absoluto: o sujeito, relegando ao outro: o objeto, a posição contingente de não ser posto
por ele, já que segundo Hegel: “o seu ponto de vista não é, por conseguinte, o supremo; ele
é a razão posta numa forma limitada” (HEGEL, 2003, p. 97). Essa crítica a Fichte não
apaga o seu mérito, reconhecido por Hegel no primeiro volume dos Cursos de Estética
(2001), o qual consiste no estabelecido o eu total, constantemente abstrato e formal,
32
enquanto princípio absoluto do saber, da razão e do conhecimento, visto como negação de
toda particularidade, determinação e conteúdo. Todavia, segundo Hegel, esse eu, assim
compreendido, tende a sucumbir nessa sua unidade abstrata, em sua forma vazia, por ser
fundada num eu abstrato.
Acrescentamos a interpretação de Hösle no tocante ao pensamento de Fichte, a
qual sugere que a teoria de Fichte assinala a relevância de se retirar as determinações de
um conteúdo da consciência até chegar ao limite daquilo de que nada mais se pode abstrair,
a saber, o Eu que se põe a si mesmo: a razão, vista como o princípio último e absoluto. A
partir desse princípio, Fichte investiga as estruturas fundamentais do mundo, a fim de
afirmar a filosofia como a suprema ciência. A esta altura, é possível atentarmos para o fato
de que esses princípios fichteanos foram paulatinamente concretizados por Schelling e
Hegel, pois eles teriam partido do pensamento fichteano, afim de ultrapassá-lo.
Assim, a filosofia ao ser considerada como uma ciência requer o esclarecimento
do que seja o conceito de ciência, de modo a buscar elucidar o conteúdo que a fundamente
e a forma que confere legitimidade ao seu método. Afim de resolver esse pré-requisito,
aparece a exigência de uma ciência própria: a ciência da ciência enquanto tal, ou a doutrina
da ciência. Caberia a ela:
Provar os princípios das ciências particulares [...] assim como [...]
fundamentar a forma sistemática da dedução que faz uma ciência ser
ciência. Em segundo lugar, porém, a doutrina da ciência seria ela
mesma uma ciência. Por isso ela mesma deveria ter um princípio, o
qual, no entanto, não poderia mais ser, ele mesmo, provado,
devendo ser antes o fundamento de todo saber e ser pressuposto por
todo saber. A própria doutrina da ciência tem de possuir também a
forma sistemática (HÖSLE, 2007, p. 40).
Com efeito, Fichte teria também o mérito de ter desenvolvido em sua filosofia a
divisão entre a doutrina da ciência e a doutrina da lógica, mediante a seguinte
diferenciação: a primeira seria a forma e o conteúdo das ciências e, a segunda, a forma das
ciências, pois sua essência consiste na abstração de todo conteúdo. Acerca de todo esse
projeto elaborado por Fichte em sua filosofia, importa reconhecer a sua relevância para o
33
desenvolvimento da filosofia, pois seu pensamento contribuiu significamente para o
desenvolvimento do pensamento de Schelling e de Hegel, os quais “foram marcados do
modo mais decisivo pelo conceito fichteano de filosofia” (HÖSLE, 2007, p. 44).
2.2.3 O pensamento de Schelling
De acordo com Hegel (2003), a compreensão do sujeito-objeto schellinguiano
entendido como algo objetivo, abarca tanto a filosofia transcendental (a inteligência)
quanto à filosofia da natureza e fornece o acabamento do seu próprio sistema. Assim, essa
compreensão de Schelling, traz a possibilidade de recuperar a unidade entre o finito e o
infinito, a harmonia que permeava a vida social da cidade-estado grega e que teria se
ausentado da vida moderna. Esse seria o momento em que a filosofia poderia recuperar a
compreensão das determinações opostas como momentos do seu ser-posto.
Tal compreensão remete ao fato de Schelling conceber a multiplicidade dos
fenômenos naturais como a manifestação da atividade sintética do espírito, o qual estaria se
encaminhando para a consciência de si. Desse modo, segundo Hegel, o sistema filosófico
schellinguiano aponta a importância de chegar a uma “comprovação material do idealismo,
que mostrasse de que modo a natureza pode ser deduzida do Eu, não, obviamente, do eu
subjetivo do filósofo, mas sim do Eu objetivo” (2003, p. 18).
De tal modo, o princípio absoluto da totalidade traz em si a identidade que não se
perde em suas partes, mas que compõe o todo. Hegel nos diz que nele figura-se o
“relâmpago do ideal no real e o seu constituir-se a si mesmo como ponto” (2003, p. 107).
Nesse sentido, a filosofia de Schelling, por meio do princípio da identidade absoluta: a
totalidade, realiza a união do subjetivo e do objetivo na intuição do absoluto, o qual se
torna também objetivo, pois ele se configura ao se encontrar objetivamente a si mesmo. E
assim, a intuição unificadora do absoluto como totalidade, aparece em três dimensões, a
saber: na arte, a qual embora seja objetiva apresenta-se como possibilidade de comunicar
algo que é duradouro; na religião, como um movimento vivo de algo que é subjetivo, mas
que pertence também ao indivíduo e, na especulação, enquanto o agir da razão subjetiva.
34
Desse modo, a filosofia transcendental é então entendida como uma ciência do absoluto, já
que o sujeito é sujeito-objeto, é razão que se põe a si mesma.
A partir de Schelling, segundo Hegel (2001), a ciência teria alcançado seu ponto
de vista absoluto, além disso, ele teria vislumbrado o conceito da arte e a sua posição
científica. A filosofia de Schelling se propôs a buscar o saber mediante a unidade entre
subjetividade e objetividade, embasando-se na noção de que a filosofia da natureza e a
filosofia transcendental deveriam avançar uma em direção à outra, de modo que tanto a
natureza transite para a ideia, quanto esta, transite em direção àquela. No entanto,
Schelling não teria conseguido esclarecer de que modo a inteligência produz ou constitui a
natureza e nem tampouco, como a natureza transita para a inteligência, gerando essa lacuna
em seu pensamento.
Essa lacuna conduziria à falta de desenvolvimento lógico do absoluto, assim como
o compreende Schelling, posto que o autor não teria conseguido fundamentar a filosofia da
realidade de modo consistente e, por esta razão, segundo Hösle, é que se justifica a
relevância da contribuição do pensamento de Hegel, através da concretização do princípio
absoluto, entendido por ele como a mais importante descoberta de Hegel (HÖSLE, 2007,
p. 60).
De outro modo, podemos perceber uma aproximação entre as filosofias de
Schelling e de Hegel, no tocante a reflexão sobre a arte, pois segundo Machado (2006), a
arte é concebida por ambos como uma revelação ontológica e, assim, ela tem uma função
especulativa, apesar dessa aproximação, não poderíamos esquecer que ainda existe um
ponto que diferencia esses autores, que, segundo Machado, diz respeito a relação
hierárquica entre a arte e a filosofia, Schelling afirma a superioridade da arte em relação à
filosofia e Hegel acredita na superioridade da filosofia em face da arte. E assim, Machado
esclarece que,
Schelling cria a teoria ontológica das artes em que o absoluto é dado
por um conhecimento imediato e incondicionado: a intuição
intelectual como intuição estética. Hegel elabora uma teoria
especulativa histórico-sistemática das artes em que a arte também é
pensada como manifestação do espírito (MACHADO, 2006, p. 116).
35
Nesse sentido, em Hegel, a arte é uma encarnação da Ideia, tendo em vista que ela
a expõe na forma sensível, o que significa dizer que o conteúdo figurado nas
representações artísticas é a Ideia. Além disso, é importante pontuar que em Hegel a
realidade e o verdadeiro são concebidos enquanto sujeito e espírito, e enquanto tal é
atividade, processo, movimento e automovimento. Nesse aspecto, Hegel difere tanto de
Fichte quanto de Schelling, pois:
O eu fichteano não alcança o seu termo, visto que o limite é
removido e afastado ao infinito, mas nunca inteiramente superado
[...] conseqüentemente [...] Fichte não consegue mais restaurar a
situação do Eu e não-eu, sujeito e objeto, infinito e finito. Portanto,
permanece nele uma oposição ou antítese estrutural não superada,
que, porém, deve ser superada. Uma tentativa de superar essas cisões
já a fizera Schelling com sua filosofia da identidade [...] mas a
concepção da realidade como identidade originária de Eu e não-eu,
sujeito e objeto, infinito e finito, como Schelling a defendia, logo
pareceu a Hegel vazia e artificiosa, porque na realidade não deduzia
nem justificava os seus conteúdos, que já pressupunha como dados
(REALE, 1991, p. 101).
Desse modo, a novidade do sistema de Hegel é o fato dele estabelecer que o
Espírito se autogera a partir de sua determinação, pois ele é sempre ativo e, sendo assim,
sempre está realizando-se através da finitude, porém também está sempre superando essa
finitude e retornando a si própria. Esse movimento é o que constitui a essência desse
manifestar-se, desse autogerar-se, o qual é comparável a um círculo que percorre todos os
pontos e tende sempre a retornar à identidade perfeita consigo mesmo, pois em Hegel o
infinito é descrito como o positivo que se realiza em sua negação, em sua determinação.
Em Hegel o Espírito não se afigura em materiais diferentes, mas ao se plasmar
em figuras diversas, em sua diversificação, guarda em si o gérmen da igualdade consigo
mesmo, unidade que se realiza através do múltiplo. O Absoluto em Hegel abarca em si a
totalidade das partes e os seus momentos constitutivos, pois cada momento lhe é
indispensável e tem a sua importância, como momentos da unidade orgânica do todo. Esse
36
é o movimento do refletir-se em si mesmo, o qual abarca em si os três seguintes períodos
da reflexão triática: o ser em si, que corresponde ao momento da ideia, estudada pela
lógica; o ser fora de si, referente à filosofia da natureza, e o ser em si e por si, que é
concernente à filosofia do espírito.
O sistema de Hegel implica a compreensão da unidade sintética do múltiplo no
âmbito do universal, que não existe sem o particular, enquanto particularização do
universal. O que nos conduz à concepção do real como auto-movimento da razão. Hegel
“pretende como Platão, Parmênides e Heráclito juntos, compreender Ser e movimento
como uma única coisa. Daí não ser o absoluto repouso, mas resultado do seu próprio
processo” (CESARINO, 1991, p. 45). Desta feita, segundo Cesarino, o Uno se torna
realidade através do múltiplo, ele concilia o universal e o particular, por meio do
movimento dialético que possibilita ao universal se particularizar. Esse movimento é
impulsionado pela dialética, concebida como “o movimento mesmo do Ser, o pulsar do
Absoluto onde todas as coisas ganham vida” (CESARINO, 1991, p. 46). Ela é inerente ao
real, e também o é ao procedimento do pensar filosófico, no sentido de que, tanto a
realidade quanto o pensamento filosófico é devir e dinamismo.
Ao falar sobre dialética10, convém esclarecer as respectivas ponderações acerca da
dialética clássica e da dialética hegeliana, pois esta guarda algumas especificidades. A
dialética nasceu no cerne da filosofia eleática e atingiu seu ponto culminante com Platão,
sendo na modernidade retomada por Kant e, por fim, reelaborada e redefinida por Hegel.
Segundo Reale (1991), apesar da dialética clássica ter buscado elevar o particular ao
universal, notadamente em Platão, na sua busca pela elevação ao mundo das ideias, e em
Aristóteles, em sua intenção de relacionar o particular ao conceito universal, porém, é em
Hegel que se pode encontrar a reformulação da dialética enquanto movimento, sendo este
definido como o seu coração, capaz de transformar os puros pensamentos em conceitos.
A dialética hegeliana perpassa a concepção da mediação, e afirma-se por ser o
método utilizado por Hegel para a elaboração do seu sistema, o qual visa garantir o
10
Inwood nos esclarece que etimologicamente a dialética se remete à arte da conversação e diálogo, todavia,
em Hegel ela é afirmada como o movimento dialético do Espírito que em sua manifestação, reflete sobre si
mesmo (INWOOD, 2002 p. 610-611).
37
conhecimento em sua totalidade. Sendo assim, a dialética hegeliana é movida pelo ritmo
triático da tese, também denominada por Hegel como o lado abstrato ou intelectivo; a
antítese ou o lado dialético; e a síntese: o lado especulativo, positivamente racional. A tese
consiste na capacidade intelectiva de abstração no tocante a universalidade, capaz de elevar
o particular ao universal. Entretanto, é primordial que o pensamento filosófico ultrapasse
os limites do intelecto, caso contrário, ficaria restrito ao abstrato em si cristalizado. Daí a
necessidade do segundo momento: a antítese, que se coloca como o momento da negação e
da contradição antes sufocadas pela rigidez do intelecto. Já o momento especulativo, ou
seja, a síntese é visto como o que confere unidade às determinações encontradas na
antítese, agrupando-as como partes do todo.
Ao chegarmos ao final dessa exposição referente às filosofias de Kant, de Fichte e
de Schelling, a partir das interlocuções da leitura de Hegel, feitas ao longo de nossa
discussão, antes de adentrarmos na apresentação do sistema de Hegel, pretendemos
construir uma visão geral dos aspectos discutidos em suas filosofias, os quais são
destacamos por Luft (2001), de modo a que possamos concluir a discussão acerca da
influência e, da contribuição, desses autores para o desenvolvimento do sistema hegeliano.
Os filósofos do idealismo alemão seguiram o fundamento encontrado por
Descartes como a possibilidade da atividade crítica universal da Nova Metafísica11, vista
como o princípio da Ontologia, entendido, segundo Luft, como o núcleo fundador da
ordem do cosmos e não mais como elemento externo à atividade do conhecimento, pois ela
é compreendida como a própria subjetividade e sua capacidade legisladora. Nessa Nova
Metafísica, o processo de esclarecimento da razão é delineado por ela mesma, essa
característica a torna uma metafísica crítica, pois ela entende o sujeito como um ser
cognoscente. Nesse sentido, os juízos sintéticos a priori são possíveis devido aos conceitos
universais e a sua estrutura lógica, pois eles se sustentam em elementos transcendentes
pressupostos através dos conceitos de espaço e tempo, como condições de possibilidade do
11
A metafísica é a ciência primeira e, como tal, a ela cabe a hierarquia do saber, pois ela estuda o ente
enquanto ser, o ente no seu ser e busca a totalidade. Ao longo da história, a metafísica trilhou diferentes
caminhos. Ela se apresentou como metafísica teológica, tendo como objeto o ser perfeito do qual todas as
coisas eram dependentes. Ela também se mostrou como ontologia, tendo como objetivo o ser enquanto ser,
posto que ela pretendia estudar os caracteres fundamentais do ser enquanto a ciência do ser. A metafísica
também foi denominada como gnosiologia, já que, assim compreendida, pretendeu estudar as formas ou
princípios cognitivos da razão humana, que condicionaria o saber e a ciência.
38
conhecimento puro. Já a experiência resulta da sensibilidade e, sendo assim, cabe à razão
afirmar-se como a reguladora desses conhecimentos, pois ele se inicia na recepção
sensível: a percepção que será, em seguida, trabalhada pelo entendimento que produz os
juízos, esses juízos são então produzidos pelo entendimento.
Fichte, em certa medida, pode ser afirmado como um seguidor de Kant, pois
segundo Luft, ele defende em sua filosofia que “o mundo experienciado por cada um de
nós, a totalidade dos objetos, é uma realidade construída pelo próprio sujeito cognoscente”
(LUFT, 2001, p. 87). Entretanto, o autor afirma que, Fichte teria criticado Kant por
acreditar que em sua filosofia restariam indícios do dogmatismo, já que não seria possível
conhecer a coisa-em-si. Na verdade esse crítica resultaria do fato de que para Fichte o
sujeito conhece a si mesmo, devido ao fato dele ser autoconsciente, ou seja, o eu não
conhece o mundo porque é afetado pela experiencia dele, mas o conhece porque ele é uma
autoconsciência. Assim, a realidade é produzida pela subjetividade, pois o eu ao intuir a si
mesmo como autoconsciente, desenvolve as suas experiências.
Esse desenvolvimento de suas intuições poderia ser exemplificado na
compreensão do procedimento utilizado por Fichte em sua filosofia, segundo Luft (2001),
o autor utiliza o procedimento analítico, de modo que a partir de elementos mutuamente
condicionados, tais como eu e não-eu, ele pressupõe a unidade sintética que torna possível
constituir a oposição do condicionado e do condicionante. A síntese desse processo, do eu
e do não-eu, seria o eu divisível que contem a subjetividade e a objetividade.
Esse método nos parece ser um prelúdio do que iria se constituir na dialética
hegeliana, é claro que, com as devidas ressalvas, pois Fichte pretendia eliminar
progressivamente os pensamentos contraditórios em busca da verdade, com vistas a atingir
o procedimento que legitimasse a sua Doutrina da Ciência, para se encontrar a verdade era
preciso eliminar as contradições e os pensamentos inadequados, segundo o procedimento
dedutivo da subjetividade, a qual parte da intuição intelectual de si mesma enquanto
autoconsciência. De outro modo, Hegel não teria acreditado na postulação da intuição
intelectual enquanto fundadora da certeza, de modo que ele introduz o elemento do
negativo da contradição dialética, enquanto movimento do desenvolvimento da Ideia, pois
a superação da contradição é inerente a ela em sua afirmação.
39
Em Schelling percebemos que existe uma tendência a estabelecer a compreensão
de que a filosofia deve se elevar além do dualismo, acima discutido, pois se não é possível
encontrar o conhecimento sem contrapor-se ao mundo dos objetos, nesse sentido, Luft
aponta que, seria preciso “encontrar um lugar em que essas próprias proposições entre eu e
não-eu, sujeito e objeto, finito e infinito percam seu sentido. Esse lugar é o ponto [...] do
saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 100). Desse modo, a intuição intelectual seria então
aquilo que permite o acesso ao absoluto e que eliminaria a oscilação entre dois
procedimentos12, herdados da filosofia de Kant e, ainda presentes, na filosofia de Fichte.
Desse modo, a filosofia da Identidade de Schelling pretende eliminar a oposição entre o
método e a coisa: a forma e o conteúdo, a qual é desenvolvida por ele na sua maturidade
enquanto o procedimento metológico de sua filosofia. Esse método, posteriormente seria
adotado por Hegel no desenvolvimento da Ideia.
2.3 O SISTEMA DE HEGEL
“O sistema de Hegel é incontestavelmente um dos mais coesos projetos de
pensamento da história da filosofia” (HOSLE, 2007, p. 17).
Na epígrafe acima, Hösle destaca que o traço mais importante do pensamento de
Hegel é a tentativa de sistematizar o pensamento na história da filosofia, o que se manifesta
na estrutura rigorosa e na amplitude das análises contempladas. É um todo orgânico que
abarca em si toda uma conjuntura de temas que engendram uma dialeticidade e uma
completude, próprias ao movimento do pensamento hegeliano, culminando em uma análise
cíclica e consideravelmente fascinante.
O sistema hegeliano é o universal que se constitui no seu desenvolvimento, no
qual cada uma de suas partes é um modo pelo qual o espírito se reconhece a si mesmo no
outro de si. O sistema se divide em três partes: a Ideia, a Natureza e o Espírito, sendo
composto pela Fenomenologia do Espírito, a introdução ao sistema da ciência; pela
12
Tais procedimentos são, explicados por Luft (2001) como o regressivo-crítico e o progressivo-dogmático.
40
Ciência da Lógica, a ciência da ideia em si e para si; pela Filosofia da Natureza, ciência da
ideia em seu ser-outro, e pela Filosofia do Espírito, a ideia que em seu ser-outro retorna a
si. Esse edifício filosófico é constituído através da dialética, o que implica dizer que o
sistema está presente em toda a obra de Hegel. O movimento dialético perpassa todas as
tríades do sistema, do mais abstrato ao cada vez mais concreto, dando origem a algo novo.
A primeira série de tríades é a Ideia, a segunda é a Natureza e a terceira é o Espírito (cf.
NÓBREGA, 2005; FERRER, 2006).
Lembramos
que
não
é
nossa
pretensão,
nesse
trabalho,
apresentar
pormenorizadamente cada parte que compõe o todo do sistema, mas apenas apresentar em
linhas gerais essas partes constitutivas, na intenção de situar a estética como pertencente à
totalidade desse sistema filosófico.
A Fenomenologia do Espírito é uma espécie de introdução ou propedêutica à
filosofia, e se constitui como um momento do caminho que conduz a consciência finita ao
Saber Absoluto ou infinito, o reencontrar-se em-si do ser-outro, por meio da dialética. Luft
nos indica que essa obra de Hegel se propõe a narrar a história do desenvolvimento do
saber humano do seguinte modo: “não como a caminhada serena de quem desde sempre
possui a verdade, mas como desbravamento tenso da única via correta entre os caminhos e
descaminhos da consciência na busca do saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 112). Essa obra
é descria por Hegel como sendo a primeira parte de seu Sistema da Ciência, ela começa
pela analise na consciência imediata, a mais simples manifestação do espírito e, se
encaminha para a consciência filosófica. Tal fenomenologia remete à significação de
ciência do aparecer, do manifestar-se, pois segundo Hegel:
O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que
a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um
falso ser-aí da planta [...] porém, ao mesmo tempo, sua natureza
fluida faz deles momentos da unidade orgânica, na qual, longe de
se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual
necessidade que constitui unicamente a vida do todo (HEGEL,
1997, p. 22).
41
No contexto do sistema, a Fenomenologia do Espírito afirma-se como mediação
entre a fenomenologia e a lógica, porque ela afigura-se como o elo que conduz a
consciência ao mais alto grau a que se possa chegar, a saber, à lógica. Assim sendo, a
Fenomenologia indica que “os progressos da consciência ou do espírito humano
constituiriam ao mesmo tempo um exemplo do devir em geral” (TIMMERMANS, 2005, p.
76). Desse modo, a Fenomenologia do Espírito, apresenta o vir-a-ser da ciência ou do
saber, assim, importa conduzir o espírito finito, do estado inculto para o saber, afim de que
ele atinja a consciente-de-si mediante a sua formação histórico-cultural. O que nos conduz
a percepção de que se trata do progresso do desenvolvimento do espírito no mundo,
conforme as palavras de Hegel: “a meta final desse movimento é a intuição espiritual do
que é o saber” (HEGEL, 1997, p. 36).
Destarte, iniciamos considerando o período de Jena, contexto em que escreveu a
Fenomenologia do Espírito. Nesse momento ele “concebe a arte como parte da evolução
religiosa, como transição entre a pura religião natural e a religião revelada, ou seja, o
cristianismo” (LUKÁCS, 2009, p. 49). Isso nos permite inferir que essa obra conserva
traços dos seus ideais juvenis. Os capítulos estéticos versam sobre a escultura grega, as
epopéias homéricas, a Antígona de Sófocles e a comédia grega. Tais considerações são
muito relevantes por indicarem o modo como Hegel relaciona, em suas análises estéticas, a
origem dos gêneros, sua sucessão e sua desaparição com a evolução da sociedade grega,
apresentando os fundamentos da dialética histórica das categorias estéticas.
No primeiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas Hegel apresenta a
Ciência da Lógica e, inicia seu escrito afirmando que a filosofia não pode pressupor seus
objetos como imediatamente dados, assim como fazem as demais ciências, já que o seu
objeto é de ordem espiritual, pois ela procura a verdade, por isso, filosofia precisa mostrar
a necessidade de seu objeto. Ela é a consideração pensante de seus objetos e se efetua
através do pensar, conforme Hegel nos esclarece:
Enquanto as determinidades do sentimento, da intuição, do desejo,
da vontade, etc., na medida em que delas se sabe, são chamadas
em geral representações, pode-se dizer de modo geral que a
filosofia põe, no lugar das representações, pensamentos, categorias
42
e, mais precisamente, conceitos. As representações em geral,
podem ser vistas como metáforas dos pensamentos e conceitos
(HEGEL, 1995, p. 42).
O que consiste dizer que a filosofia considera o conteúdo de nossas representações
e não elas em si mesmas, pois importa conhecer o conteúdo, já que é através desse
conhecer que o pensar se torna pensar sobre o seu ser-aí. Nesses termos, o pensar da
Lógica é o pensar dialético, ele busca se elevar da dimensão natural e sensível para a
dimensão da ideia da essência universal e abstrata que origina todos os fenômenos
imediatos, através do movimento do devir. Essa noção de devir reflete a totalidade das
relações de cada parte com o todo e dele com as suas partes. Isso se esclarece com a
afirmação de Hegel, segundo a qual:
O artesão desse trabalho é o espírito vivo e uno, cuja natureza
pensante é trazer à sua consciência o que ele é; e, quando isso se
tornou assim seu objeto, sua natureza pensante é ser, ao mesmo
tempo, elevado acima dele, e ser em um grau superior (HEGEL,
1995, p. 54).
A Lógica de Hegel remete ao desenvolvimento do pensar em sua universalidade
total que é a Ideia, nesse sentido a filosofia é um todo que se apresenta como um círculo,
no qual cada uma de suas partes é necessária e tem o seu lugar no desenvolvimento do
sistema, pois a lógica é a ciência da ideia pura. Assim, segundo Hegel, a lógica coincide
com a metafísica, pois o objeto da lógica é o pensamento puro, desprovidos de qualquer
determinidade e como pertencente ao pensamento. Isso se justifica pelo fato de que,
segundo Hegel, “a maneira mais perfeita de conhecer está na pura forma do pensar” (1995,
p. 83).
A Ideia em si mesma, na sua interioridade e subjetividade é composta pelos
universais: o ser, entendido como tese; a essência vista como antítese, e o conceito ou
noção, como síntese de ambos: esses universais juntos constituem a Lógica do Sistema. O
Ser subdivide-se em três categorias: qualidade, a determinação mais imediata da coisa;
quantidade, na qual a qualidade é negada; e a medida, que corresponde à síntese dos dois
43
momentos anteriores, sendo a unidade do qualitativo e do quantitativo. Esse movimento
ocorre na sua simplicidade e na igualdade da Ideia em si mesma e consiste no método
absoluto do conhecer. Nestes termos, a lógica investiga as essencialidades puras, a Ideia
apreendida em sua pureza e abstração enquanto inteligibilidade pura.
A primeira parte da Ciência da Lógica é a doutrina do Ser, definido como o
conceito somente em si, no qual suas determinações são apenas essentes, pois dizem
respeito ao adentrar-se em si do ser, um aprofundar-se em si mesmo. Ela exprime o
Absoluto na forma do pensamento, desse modo, Hegel indica que “cada esfera da ideia
lógica se mostra como uma totalidade de determinações, e como uma apresentação do
absoluto. Assim também o ser, que contém em si os três níveis da qualidade, da quantidade
e da medida” (HEGEL, 1995, p. 174). A qualidade é definida como a determinidade
idêntica com o ser, o que faz com que o ser seja e o que é; a quantidade é vista como a
determinidade exterior ao ser e, a medida, corresponde à unidade dos dois primeiros níveis.
Essas são as três primeiras formas do ser e as mais abstratas.
A segunda parte da Ciência da Lógica é a doutrina da Essência, a qual investiga
as raízes do ser, posto que, o ser se volta para si e reflete sobre si mesmo. Hegel
compreende a essência como o conceito enquanto conceito posto é o ser que foi para
dentro de si para refletir sobre si mesmo. A essência, assim compreendida corresponde à
identidade consigo mesma, ela é identidade e aparência em si mesma, pois é a essência do
aparecer como reflexão-sobre-outro em sua relação consigo mesma.
A doutrina do Conceito13 é a terceira parte da Ciência da Lógica hegeliana. Nela
Hegel define o conceito como aquilo que é livre, pois: “é totalidade, enquanto cada um dos
momentos é o todo que ele mesmo é, e é posto com ele como unidade inseparável; assim,
na sua identidade consigo, o conceito é o determinado em si e para si” (HEGEL, 1995, p.
292). Assim, a Lógica do Conceito é descrita como a lógica subjetiva, pois ela tem a
função de conduzir a uma esfera superior, a razão obtida pelo sujeito, à Ideia, a totalidade
dessas categorias da lógica hegeliana. A Lógica do Conceito se divide na doutrina do
conceito subjetivo ou formal, na doutrina do conceito como determinidade e objetividade
e, na ideia do sujeito-objeto: a unidade do sujeito e da objetividade.
13
Para maiores esclarecimentos acerca da Metafísica do Conceito, conferir Moraes (2003).
44
No segundo volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1997), Hegel
apresenta a sua Filosofia da Natureza. A natureza é definida como a ideia na forma do seroutro, enquanto a sua determinação e, portanto, enquanto necessidade e contingência. A
Filosofia da Natureza, reflete as divisões feitas na Lógica, no sentido de que nela também
se encontra a progressão das seguintes tríades: a natureza mecânica, a natureza física e a
natureza orgânica. A primeira fase remete a corporeidade universal e a exterioridade
espacial, sendo governada por puro mecanismo, o que a torna carente de unidade e
subjetividade. A natureza física sucede à primeira, está presente na superação das
características da massa, na concretização dos caracteres e atributos enquanto
individualidade posta na matéria. Já a natureza orgânica, é descrita como a natureza que se
exterioriza e possibilita o nascimento da vida, de plantas a animais. Assim, a Filosofia da
Natureza é o momento em que a Ideia se exterioriza e objetiva sendo, portanto, a Ideia em
outro momento dialético.
E, por fim, situa-se a Filosofia do Espírito, momento em que a Ideia retoma a sua
alteridade primeira, posto que retorna a si, esta é a mais elevada forma de manifestação do
Espírito. Segundo Hegel, o conhecimento do espírito é o mais alto e o mais difícil, ele se
remete ao conhece-te a ti mesmo, ou seja, tem a significação do conhecimento do
verdadeiro em si e para si que constitui a essência do espírito. A esse respeito Hegel, na
Enciclopédia das Ciências Filosóficas, nos sugere que esse convite da filosofia socrática
representa um desafio lançado por Apolo aos gregos, um preceito dirigido ao espírito
humano, que impele ao auto-conhecimento,
e nos termos da filosofia hegeliana, ele
corresponde à lei absoluta do espírito, tal como nos diz Hegel: “todo o agir do espírito é só
um compreender de si mesmo, e a meta de toda a ciência verdadeira é que o espírito se
conheça a si mesmo em tudo” (HEGEL, 1995, p. 10). Pois a essência do espírito é a
liberdade, a absoluta identidade consigo mesmo que implica o não-ser-dependente de um
outro.
Na Filosofia do Espírito também há uma subdivisão, assim como nas demais que
foram apresentadas. Aqui Hegel estabelece as seguintes categorias: o espírito subjetivo, em
suas manifestações na antropologia, na fenomenologia e na psicologia; o espírito objetivo,
manifesto no direito, na moralidade e na eticidade e, o espírito absoluto, momento de
45
revelação da arte, da religião e da filosofia. Importa ressaltar que a estética se localiza
nesse momento do sistema hegeliano, mais especificamente no espírito absoluto, enquanto
parte constitutiva dessa totalidade orgânica.
Hegel vê nesse momento especulativo a superação, o ponto culminante da razão, a
dimensão do Absoluto, pois o universal deve expressar o sentido do real, numa identidade
dinâmica e recíproca entre sujeito e predicado, pois o que é real é racional e o que é
racional é real, segundo a ótica de que sujeito e predicado não estão justapostos, mas cada
qual faz parte do todo. Isso porque segundo Hegel, a sucessão das formas do pensamento é
“o primeiro modo e o mais superficial em que aparece a história da filosofia” (HEGEL,
1976, p. 25). Assim, ele indica a necessidade de se conhecer a finalidade, compreendida
como o geral que unifica o múltiplo e o diverso, numa unidade que forma o todo. Nesse
sentido, afirma Hegel:
Primeiramente queremos ter uma visão total de um bosque, para
depois conhecer demoradamente cada uma das árvores. Quem
considera as árvores primeiro e somente está dependente delas, não
se dá conta de todo o bosque, se perde e se desnorteia dentro dele
(HEGEL, 1976, p. 25).
De modo similar, é preciso pensar a filosofia em si mesma e não as múltiplas
formas em que ela se apresenta, porque não se deve partir do particular para o universal, já
que a multiplicidade não conduz à totalidade. Assim, nosso estudo busca alicerçar-se na
análise da filosofia como unidade e totalidade, seguindo a ótica hegeliana segundo a qual
aquele que possui interesse pela verdade deve buscar o uno e a unidade.
Desse modo, Hegel indica que a história da filosofia é a história do pensamento
livre e concreto, o qual se ocupa consigo mesmo. Posto que “não existe nada racional que
não seja resultado [...] do pensar concreto, que é a razão” (HEGEL, 1976, p. 26). O que
implica dizer que a história da razão pensante só pode ser compreendida pelo pensamento.
Eis o que confere significação a todas as coisas14, pois a significação é o essencial de um
14
Na obra de arte é possível perguntar pela significação da forma; na linguagem, pela palavra; na religião,
pela representação do culto, e nos atos, pelo valor da moral.
46
objeto, o substancial, é o pensamento concreto do objeto. Segundo Inwood, essa noção de
pensamento concreto em Hegel remete-se à concepção de que “os pensamentos que
aplicamos a intuições constituem a essência das coisas resultantes” (1997, p. 248).
A história do pensamento livre encontra o seu sentido no próprio pensamento,
entendido também como consciência. Nesse sentido, afirma Kojève: “para que haja
consciência-de-si, para que haja filosofia, é preciso que haja transcendência de si” (2002,
p. 163). E, a partir dessa compreensão, Hegel apresenta algumas determinações do
pensamento, conceitos gerais e abstratos. Estes conceitos são suposições, e como tais, não
são demonstrados especulativamente. Desse modo, apresenta as determinações
preliminares do pensamento, conceito, ideia ou razão e a evolução dos mesmos.
Assim, a filosofia é descrita como uma atividade pensante e o pensamento é o que
lhe é mais íntimo, pois “o pensar do filósofo é o pensar do universal” (HEGEL, 1976, p.
28). Logo, a filosofia deve ocupar-se com o universal que tem seu conteúdo em si mesmo:
“o Absoluto, quer dizer, o todo ou a coisa efetivada em sua totalidade” (CHAGAS, 2008,
p. 15). O pensamento enquanto puro pensamento: o ser, a essência, o uno.
O pensamento é determinante de si mesmo e se concretiza no conceito, portanto,
ele não é vazio e abstrato, antes, é um pensamento concreto. O conceito difere do
pensamento puro porque é um pensamento determinado, e aquele é universal. É o
pensamento em sua vitalidade e atividade, uma vez que se dá a si mesmo. Já a Ideia é o
conceito enquanto ele se realiza, e para tal, determina-se a si mesmo15. O seu conteúdo é
ela mesma, é o infinito relacionando-se consigo mesmo, conforme se percebe na seguinte
afirmação de Hegel: “posso muito bem dizer o conceito de alguma coisa, mas não posso
dizer a ideia de alguma coisa. Porque esta tem o seu conteúdo em si mesma” (1976, p. 30).
Conseqüentemente, é possível compreender que Hegel está a nos propor que para
compreendermos a evolução como tal, devemos distinguir o ser em si, a existência e, o ser
por si, ou dito de outro modo, o que é desenvolvido: o gérmen, a aptidão, a potência, ou
15
“Uma idéia não é transcendente e separada de particulares: está plenamente realizada em certos tipos de
particular. Apesar do seu respeito a Platão, Hegel rejeita qualquer divisão de dois mundos e inclina-se
mais para a noção aristotélica de que as idéias estão nas coisas” (INWOOD, 1997, p. 169).
47
seja, aquilo que é em si; a existência16, na qual o em si se desenvolve na medida em que
existe como algo distinto e que imediatamente se diferencia em si, e a terceira
determinação: o ser por si, que estabelece a unidade entre o que existe em si (subjetivo), e
o que existe por si (objetivo), como uma mesma coisa. Na evolução, o outro que resulta do
movimento é algo que sempre esteve contido na unidade, esta contradição impulsiona a
evolução.
Cada fase refuta e contradiz a outra, mas a unidade permanece nas diferentes
fases. Logo, a história da filosofia é a história das representações da consciência em
evolução até atingir seu fim que coincide com a consciência da liberdade. O primeiro
momento é caracterizado pelo em si da realização, o espírito subjetivo. O segundo
momento é a existência, o espírito objetivo. E o terceiro momento consiste na identidade,
na síntese de ambos. Este é o fruto da evolução e o resultado de todo o movimento: o ser
em si e para si.
Quando o Eu se torna objeto do pensar, o espírito produz-se e sai de si, para saber
o que ele é. Nesta dialética o homem se duplica, pois uma vez que é razão, é pensar em si,
e porque pensa, ele converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Neste momento, a
Ideia que se alienou de si ao tornar-se por si, volta a encontrar-se consigo mesma,
mediante o movimento da consciência rumo à liberdade, a finalidade absoluta que o
espírito alcança através do desenvolvimento do pensar, pois em Hegel: “alcançar esta
finalidade, é o interesse da ideia, do pensar, da filosofia” (1976, p. 43).
Com efeito, a evolução se dá como concreção, pois se manifesta como um
processo, um movimento através do qual vai se revestindo de certa concretude, por meio
das formas do espírito e da evolução do pensamento. Logo, quanto mais o espírito evoluir,
mais profundo e mais consciente de si ele será. Porque o desenvolvimento é um
aprofundar-se do espírito em si. Isto significa que a evolução no nível da consciência se
manifesta através do desenvolvimento do pensar ao longo da história. Ademais, o espírito
tem por finalidade se compreender a si mesmo em seu desenvolvimento mediante os graus
16
“O que chamamos existência é um mostruário do conceito, do germe [...] à existência na consciência, no
espírito, chamamos saber, conceito pensante. O espírito também é isto: trazer à existência, isto é, à
consciência” (HEGEL, 1976, p. 35).
48
de sua evolução, de modo que cada nova determinação torna essa evolução mais rica e, por
conseguinte, mais concreta.
A partir do seu sistema, Hegel elabora novas formulações para diversas questões
fundamentais da estética, mediante a análise histórica e dialética do conteúdo expresso na
arte. Dessa análise, deduzem-se as categorias da beleza, das formas e dos gêneros
artísticos, isto não significa a superação do papel ativo do sujeito estético, antes se refere à
ressalva de que tal atividade está inserida em condições históricas já postas. O conteúdo
expresso na arte corresponde ao estado de desenvolvimento da sociedade e da história, o
estado do mundo. O sujeito estético sente a necessidade de reproduzir esteticamente esse
conteúdo expressando-se por meio da arte e, assim, vão surgindo as formas artísticas. Em
Hegel, a concreção histórica do conteúdo não pode ser confundida com um relativismo
histórico. Ela possibilita a determinação dos critérios estéticos, como a avaliação estética
das obras, porque anuncia a riqueza de cada conteúdo histórico particular.
Assim, a compreensão do discurso sobre a estética hegeliana implica a
consideração de um percurso teórico em evolução no âmbito do pensamento de Hegel. Um
universo em movimento, passando pelas obras da juventude, as da maturidade, até
chegarmos propriamente aos Cursos de Estética, ou Lições de Estética17. Cabe então
atentar para a visão estética hegeliana no seu desenvolvimento, tendo como fio condutor da
investigação a correlação entre arte e liberdade, ou melhor, a arte vista como expressão da
liberdade. Pois, “a reflexão estética de Hegel conhece um longo período que precede as
lições de estética proferidas em Heidelberg e depois em Berlim” (VERCELLONE, 2000,
p. 26).
Desse modo, de acordo com as indicações que constam no prefácio do primeiro
volume das Lições de Estética, esta obra é resultado da compilação, feita do material
elaborado por Hegel quando ministrava cursos para seus alunos em Berlim, bem como das
anotações dos próprios alunos. Assim, como podemos ver na próxima citação:
A matéria mais confiável foi fornecida pelos próprios papéis de
Hegel sempre utilizados em suas preleções orais. O caderno mais
17
Esta é uma questão referente à tradução da obra original de Hegel. Aqui optamos pela denominação Cursos
de Estética, conforme a tradução de Marco Aurélio Werle, utilizada neste trabalho (HEGEL, 2001).
49
antigo é da época de Heidelberg e data de 1818. Ele
provavelmente serviu para ser ditado oralmente, pois é dividido
em parágrafos curtos e concisos e em observações detalhadas [...]
pode ter sido esboçado para o propósito do ensino filosófico
ginasial em Nüremberg. Em outubro de 1820 (Hegel) começou a
fazer uma nova modificação, da qual nasceu o caderno que a partir
de então se tornou o fundamento para todas as lições posteriores
sobre o mesmo objeto (HEGEL, 2001, p. 18-19).
As Lições de Estética define o lugar sistemático da arte, de acordo com uma
estrutura tripartida, em que contempla a ideia do belo artístico ou ideal; seguido do
desenvolvimento do ideal nas formas particulares, e por fim, apresenta o sistema de cada
arte individual (VERCELLONE, 2000, p. 30). Mas nossa pretensão, contudo, é apenas
contemplar, nesta obra, o modo como Hegel estabelece a relação entre arte e liberdade, na
dialética da manifestação fenomênica do Absoluto. Pois a reflexão da arte livre remete para
o âmbito da elaboração espiritual, para o pensamento que anuncia a idéia na forma sensível
e que em sua aparência, manifesta a emancipação da subjetividade individual.
As Lições de Estética evidentemente relacionam os diversos gêneros e
os diversos tipos de arte com as etapas do desenvolvimento temporal
do absoluto [...] para chegar à conclusão de que em sua época o
absoluto já não expressa-se adequadamente a não ser no discurso
conceitual (HUISMAN, 2001, p. 470).
Este percurso que diz respeito ao domínio do nascimento da estética é o
fundamento para a compreensão da arte como emanação do Espírito e, por conseguinte,
expressão da liberdade. Um percurso em que a consciência desvela a sua liberdade ao
longo da história. É neste sentido que compreendemos a estética hegeliana em sua
dimensão reflexiva e contemplativa do Absoluto que se manifesta de forma imagética na
arte: momento de exteriorização da Ideia.
50
3. HEGEL E A PROBLEMÁTICA DA ESTÉTICA
Figura 2 – Deusa Atena.
51
3.1 HEGEL E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA
O movimento dialético da afirmação da arte enquanto produção do Espírito
poderia indicar a dinâmica da sua progressiva emancipação, enquanto fenômeno que se
realiza na história e se afirma como disciplina filosófica da arte no século XVIII, em sua
singularidade de conduzir à dimensão mais sublime a que se pode chegar na esfera
sensível, o saber e a consciência da liberdade. Essa emancipação da estética não se
restringe à problemática proposta por Hegel enquanto a filosofia da bela arte, mas engloba
a totalidade da discussão da arte livre que se afirma em sua autonomia ao longo da história.
Assim, os Cursos de Estética situam-se como o ápice dessa dinâmica da progressiva
emancipação da arte.
A fundação da estética como disciplina autônoma e, portanto, livre, constitui um
acontecimento de um alcance considerável (JIMENEZ, 1999, p. 31). Este acontecimento
não se restringe ao acréscimo de um novo ramo à árvore da ciência, criado para reunir e
designar um saber até então difuso. Antes, trata-se de um novo modo de contemplar a arte,
os artistas e as obras. A reflexão específica e autônoma da criação artística, que resultou de
um longo percurso de descobertas e transformações no modo de pensar do Ocidente, a fim
de emancipar o homem das tutelas teológica, metafísica, moral e social rumo à
emancipação, poderia indicar a alma moderna da estética. Ao partir desse pressuposto
histórico que fundamenta e lança as bases para o surgimento da reflexão filosófica da
estética moderna, pretendemos situar as condições necessárias à fundação da filosofia da
arte conforme se desenvolve em Hegel.
A palavra arte, originada na língua latina com o termo ars, a partir do século XI,
era designada como um conjunto de atividades e habilidades vinculadas à técnica e ao
ofício, atividades genuinamente manuais. Assim, a concepção moderna de arte enquanto
objeto de reflexão da estética só é desvelada a partir do século XVIII18, no momento em
18
Com Baumgarten (1993, p. 97) pretenso fundador da estética, surge no século XVIII a discussão da
estética como disciplina filosófica e a compreensão de que nela estaria a perfeição do conhecimento
sensitivo: a beleza. Isso porque existem duas faculdades na alma que a possibilitam conhecer: a clara e
distinta, que corresponde a metafísica, e a obscura e confusa, que diz respeito ao conhecimento sensitivo.
A estética, segundo o autor, pertence ao domínio da faculdade inferior, porque é um discurso sobre o que
52
que a arte passa a ser reconhecida e se reconhece mediante seu conceito, tornando-se uma
atividade intelectual (JIMENEZ, 1999, p. 32). Daí resulta a importância da reconstrução
teórica dos momentos históricos do desenvolvimento da percepção da arte enquanto
subjetividade19 que se torna manifesta nas nuances que assume em suas formas
fenomenais, já que:
As periodizações, as fronteiras precisas e as cronologias exatas são
artifícios históricos a que se recorre para explicar transformações
que se prolongam no tempo, deixando meros vestígios [...] que,
estratificando-se uns sobre os outros, formam um percurso ao
longo do qual podemos dispor alguns marcos de orientação
(FRANZINE, 1999, p. 13).
Acompanhemos algumas etapas necessárias à emancipação da arte, pois as
múltiplas nuances no modo de concebê-la, resultam de uma trajetória histórica que reflete
as mudanças ocorridas após a Idade Média que permitem a progressiva libertação do artista
das tutelas a que estava submetido.
Na Idade Média era corrente a concepção da
impossibilidade de se atribuir ao homem um poder criador, mesmo que fosse de criação
artística, pois criar era um privilégio unicamente divino. Não havia lugar para a ideia de
criação artística, porque mesmo ao produzir uma obra, o artista nela apenas estaria
refletindo o poder de Deus que o criou.
No século XIV já é possível notar indícios germinais do que viria a se constituir
posteriormente com a arte autônoma. Os artistas vão paulatinamente atentando para a
consciência do seu poder criador para a sua força criativa, tanto que alguns passaram a
rubricar seus auto-retratos. Esse fato implica o deslocamento da obra à personalidade do
autor que não se esquiva de expor-se tomando-se como objeto.
19
aparece como confuso e obscuro, ressaltando que a confusão sugere a ordenação do conhecimento sobre o
belo. Assim, por ocupar-se do conhecimento sensitivo apenas na figura da beleza, ela pode educar a
percepção sensível para o conhecimento superior, sendo compreendida enquanto lugar intermediário entre
a matéria (sensível) e a forma (inteligível), rumo ao conhecimento claro e distinto. Desse modo, “a Estética
como teoria das artes liberais, como gnoseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do
análogon da razão é a ciência do conhecimento sensitivo” (BAUMGARTEN, 1993, p. 95).
A subjetividade é para Hegel o princípio dos novos tempos que se caracteriza pela liberdade da reflexão,
pois “a grandeza do nosso tempo é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito pela qual este
está em si consigo mesmo” (HABERMAS, 2000, p. 25).
53
Nesse sentido, a ideia da criação como atributo unicamente divino dá lugar à nova
concepção de que ela também dependeria da ação humana que a concretiza em suas obras.
E, assim, no século XV, o conceito de criação artística passa a ser pensado e aceito através
da produção de obras. Emerge, na Renascença, o reconhecimento social do artista antes
considerado unicamente como artesão que dominava uma técnica, agora passando a ser
reconhecido como “artista humanista, dotado de um verdadeiro saber e não mais somente
de perícia, depois como artista que negociava as próprias obras no mercado” (FRANZINE,
1999, p. 33). Surge, assim, a compreensão da produção artística como atividade intelectual
que se utiliza das faculdades e aptidões do artista, o que significa dizer que, através da
consciência da complementação entre razão e sensibilidade, progressivamente, vai sendo
constituída a idéia de um sujeito autônomo.
Na Renascença, abre-se espaço para o questionamento do próprio pensamento,
através de uma possível correspondência entre o conteúdo da arte e o do pensamento
conceitual (CASSIRER, 1992, p. 368). Segundo Fullerton, podemos entender a
Renascença como renascimento segundo a seguinte explicação: “o que estava renascendo
na Europa, no começo do século XIV, era o interesse e o respeito pelo passado clássico”
(2002, p. 26). Despontam as ideias de criação autônoma através do gênio criador do artista,
instaurando uma ruptura com o pensamento medieval. Nesse momento, o artista passava a
receber uma determinada quantia pela sua produção, trabalhando para um empregador que
estabelecia critérios que definiam o que deveria ser pintado, o prazo a entregar a obra e os
materiais a serem utilizados.
E, já em meados de 1530, o preço das obras aumentava conforme o renome e o
talento e não mais, apenas, em vista dos materiais utilizados em sua elaboração. O artista
vai conquistando o reconhecimento de autor e proprietário do seu talento, destacando-se
em sua notoriedade. Tanto que alguns são convidados a morar nos palácios reais, além de
receberem títulos de nobreza.
Contudo, neste período, a autonomia da arte ainda não pôde ser afirmada, pois o
objeto artístico ainda encontrava-se atrelado a finalidades simbólicas ou utilitárias, tais
como: ornar, embelezar, decorar igrejas, palácios, ou celebrar a glória de Deus. O princípio
estético dominante era a imitação da obra divina na natureza e no homem, pois “render
54
homenagem a Deus, imitando sua obra, a natureza ou o homem, permite aceder à beleza”
(FRANZINE, 1999, p. 45). Decorrerão ainda dois séculos para a instauração da estética
como disciplina filosófica.
Por conseguinte, no século XVI, busca-se saber que forças impelem o artista na
produção de suas obras, se a razão ou a emoção, já que se trata da percepção da arte e de
sua produção. Surge neste período uma preocupação teórica na definição da arte, a partir
da “exigência mediadora de um contexto cultural no qual se procura colocar o mundo da
contingência no plano da razão” (FRANZINE, 1999, p. 16). Cabe afirmar a arte não apenas
em sua dimensão sensitiva que diz respeito ao sentimento por ela suscitado, mas também
afirmá-la como possibilidade de conferir ordem e unidade ao que aparece como múltiplo e
disforme. É a ascensão de uma concepção racional para a arte.
Seria preciso ainda que a razão e a sensibilidade não fossem mais tidas como
dimensões contrastantes e conflitantes, o que se manifestará ainda timidamente no século
XVII. Conviria acrescentar que este século está perante a busca do sensato, da moderação,
do verossímil, da busca do gosto, e do cálculo da razão. Assim, somente na metade do
século “surge a suspeita de que a razão não é una, absoluta, e de que não constitui a única
fonte de conhecimento” (FRANZINE, 1999, p. 58). É precisamente neste momento que
desponta uma abertura para a sensualidade, quando a beleza passa a ser objeto de
investigação.
Apesar de algumas mudanças nos temas de investigação filosófica não há ainda o
aparecimento claro e consciente da reflexão científica da arte, enquanto disciplina
filosófica. O que se pode notar neste período são as bases da discussão estética, a atenção
voltada ao sensível e a vontade de racionalizar e reconduzir tudo aos ditames da razão.
Concatenada a esta discussão, vale lembrar que o pensamento de alguns
empiristas também contribuiu para a elaboração de um estatuto teórico e filosófico ao
outro da razão: a natureza, os sentimentos e a experiência. Desenha-se o debate entre
antigos e modernos20 no que toca ao desenvolvimento da reflexão estética devido às novas
20
De acordo com Jimenez poderíamos entender o debate entre antigos e modernos a partir da perspectiva
segundo a qual eles teriam um ponto de concordância: “a chamada razão estética ou poética. Ela poderia
ser um elo intermediário entre a razão e a imaginação, entre o entendimento e a sensibilidade. E
finalmente, é o indivíduo, o sujeito que realizaria de alguma maneira a harmonia entre as faculdades, de
55
divisões do saber, através do espírito de mediação e de equilíbrio entre as dimensões
contrastantes. Desta feita, surge:
Uma rica variedade de fenômenos diversos, teorias e ideias que, estando
presentes há séculos [...] vêm a revelar, de um modo geral, uma
amplitude [...] sem precedentes, no âmbito de um quadro onde se cruzam
complexidade e confusão (FRANZINE, 1999, p. 37).
No século XVIII é que a arte passa a ser vista não apenas como imitação da
natureza, posto que na arte os aspectos contraditórios e até antagônicos da atividade
humana, se enlaçam de modo privilegiado, como atividade intelectual e material. A criação
artística também é dotada de racionalidade, pois “criar uma obra de arte significa realizar
um ato ao mesmo tempo abstrato e concreto” (FRANZINE, 1999, p. 36). O que implica
dizer que este ato de produzir algo, que não se submete ao uso e que não se perde na
dimensão utilitária, envolve a habilidade do artista e a matéria de que se constitui, mas
também as faculdades racionais daquele que a produz. Assim, a “produção de obras de arte
implica a utilização de mecanismos psíquicos e mentais, portanto a dimensão racional para
a invenção de algo que se oferece à percepção” (JIMENEZ, 1999, p. 36).
Dessa maneira, na arte evidencia-se o poder demiúrgico do artista mediante a
capacidade de criar objetos que não se reduzem pura e simplesmente a imitação da
natureza. Objetos esses que refletem todo o saber adquirido no decorrer da história, de
modo a manifestar este conteúdo na forma concreta, já que na experiência estética, a
racionalidade se une à experiência sensitiva. Esta é a tendência mediadora que caracteriza
o século XVIII.
O húmus, a essência ou o espírito fundador desse século seria a reflexão sobre
temas estético-artísticos, com o foco nos problemas relativos ao sentimento e a
sensibilidade (FRANZINE, 1999, p. 17). Isto porque a teoria estética insere a sensibilidade
no contexto de uma teoria gnoseológica, pois o século XVIII institui a racionalização da
um lado, porque é o autor da experiência estética e, de outro lado, porque cabe a ele [...] pronunciar-se
sobre o que sente: cabe a ele emitir um julgamento de gosto. Esta maneira de expor o problema já anuncia
as soluções que serão propostas por Baumgarten” (JIMENEZ, 1999, p. 73-74).
56
beleza através da possibilidade de atribuir um plano de saber para a arte. Desta forma, a
razão esclarecida, sob a influência do pensamento cartesiano, representa um dos momentos
imprescindíveis para a constituição da estética moderna. Pois temas como progresso,
unidade na variedade, concepção dinâmica da natureza e fantasia, característicos da
filosofia iluminista, são encontrados no momento inaugural da estética, perante a
possibilidade de unificar o múltiplo mediante a racionalização do saber.
Além do mais, com o racionalismo foi possível indagar se a beleza obedeceria a
regras exatas ou se seria mais vinculada ao sentimento. Questão crucial para a definição do
campo de especulação estética (JIMENEZ, 1999, p. 52). A busca de um fundamento
universal, de verdades absolutas almejada pela certeza do cogito: penso, logo existo21, foi
decisiva para a reflexão científica da arte, tendo em vista que a afirmação do sujeito como
dono e criador de suas representações artísticas foi fundamental para o nascimento da
estética (JIMENEZ, 1999, p. 56).
Elencamos as novidades dos conceitos cartesianos afim de destacar que o devir
entre razão e emoção marca o surgimento da estética setecentista na sua orientação para a
espiritualização do prazer. Especialmente no que concerne ao status do sujeito pensante, o
cogito que coloca o sujeito no centro do racionalismo, afirmando-se autônomo através da
dúvida e da certeza que lhe advêm do seu próprio pensamento.
Sublinhe-se, além disso, que os postulados fundamentais aqui elencados, seguindo
um percurso histórico, no que toca ao desenvolvimento da estética enquanto disciplina e
reflexão filosófica autônoma, nos serviu como norte que conduziu à argumentação para o
século XVIII, momento da fundação da estética. Nisto salientou-se que esse acontecimento
remete às épocas precedentes, as quais lançaram as raízes para a sua afirmação enquanto
tal. Precisamente nesta dinâmica das mudanças ocorridas ao longo da história que no final
do século XVII e início do século XVIII, manifesta-se uma profunda transformação no
modo de conceber a arte. Ocorre o reconhecimento da experiência e das sensações na
18 Conforme a explicação de Cottingham, o Cogito ergo sum: penso, logo existo é talvez a frase mais famosa
da história da filosofia, “ela aparece primeiro em francês – jê pense donc jê suis – na Parte IV do Discurso
(1637): Notei que, enquanto tentava pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, era algo. E
observando que essa verdade continha em si tamanha certeza e firmeza que resistia incólume às mais
extravagantes suposições dos céticos, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulos, como o primeiro
princípio da filosofia que procurava” (COTTINGHAM, 1995, p. 37).
57
reflexão estética, promovendo o surgimento de uma nova mentalidade que desloca o foco
de investigação do objeto para o sujeito pensante. Dessa forma, o nascimento da estética22
é setecentista, pela definição de seu nome e pelos horizontes teóricos.
3.2 A ESTÉTICA NO SISTEMA FILOSÓFICO DE HEGEL
Hegel nos convida analisar a arte na esfera do infinito: domínio em que a
liberdade se manifesta de modo pleno, buscando atentar para o lugar que ele confere a arte
no seu sistema: a visão dialética de modo a perceber que “o verdadeiro sentido da filosofia
e da estética hegelianas é conhecido na dialética que se encontra no próprio âmago de seu
sistema” (JIMENEZ, 1999 p. 182). A estética hegeliana representa um marco na história da
reflexão sobre a arte, pois Hegel percebe o verdadeiro sentido da estética moderna não
mais puramente como o estudo do belo em si, nem tampouco como o estudo dos juízos
sobre o que seria a beleza dos objetos, mas como o estudo do belo em-si-e-para-si, segundo
o movimento dialético que possibilitou essa tomada de consciência do que seria a estética
na modernidade.
Com efeito, a Ideia Absoluta é o primeiro momento da dialética, o qual consiste
na tese, posto que é a ideia subjetiva em si e por si, desprovida de existência e de aparência
sensível, porque sendo universal não tem existência na concretude do mundo. É
pensamento puro e verdadeiro. Nela situa-se a plena identidade do sujeito com o objeto,
ambos encontrando-se totalmente imbricados formando uma unidade, de modo que o
objeto não é exterior ao sujeito, mas antes é também ele mesmo. Assim, ela é o
pensamento que se pensa a si mesmo, é a unidade universal, o pensamento do pensamento.
Nela, encontra-se a verdade absoluta, o infinito absoluto, uma vez que é a síntese na
identidade de si. Portanto, é entendida como a primeira razão, a plena racionalidade, posto
que “a razão se explica a si própria [...] e por isto, porque tem em si a explicação de si, a
22
Franzine nos esclarece que a palavra estética deriva do grego “aisthetike e remete, conseqüentemente, para
o âmbito da sensação, da sensibilidade, da imaginação. Em Baumgarten, a estética é ciência, gnoseologia
inferior, originariamente situada a meio caminho entre filosofia, poética e retórica” (FRANZINE, 1999, p.
35).
58
razão pode ser dita e aceita como razão de si mesma” (NÓBREGA, 2005, p. 59-60). Neste
primeiro momento da dialética, a razão conserva uma unilateralidade absoluta, apartada do
existente, pois “a Ideia Absoluta em sua efetividade verdadeira é espírito [...] absoluto,
universal e infinito” (HEGEL, 2001, p. 108).
Assim sendo, a transição da ideia para a natureza é um processo de dedução de
universais, o que nos permite dizer que Hegel não se atém a objetos particulares e
mensuráveis, mas a ideias, enquanto conceitos, já que as coisas existentes são a soma de
universais. Espírito e natureza correspondem a âmbitos justapostos, existindo uma
cumplicidade entre eles por serem âmbitos igualmente essenciais. A natureza “não se situa
nem como tendo valor idêntico nem como fronteira, mas mantém a posição de ser posta
por ele” (HEGEL, 2001, p. 108). Através dela, o Espírito Absoluto é apreendido como
diferença de si em si mesmo. É o outro que ele distingue de si, dotando-o de sua essência.
Desse modo, a ideia engendra a natureza para desvelar e ganhar aparência, porque a
verdade necessita aparecer e tornar-se manifesta.
Dessa forma, a Ideia universal e abstrata na sua forma mais plena, ao colocar o
seu outro: a natureza, a fim de ganhar existência na concretude do mundo, se desvela e
ganha aparência, todavia, porque projeta a sua imagem ou essência em uma esfera finita,
perde a sua identidade inicial, já que o conceito se determina a si mesmo. Assim, a Ideia
necessita, na sua existência mais plena, da alteridade da natureza. A natureza é a Ideia
exteriorizada, a Ideia fora de si. É a determinação objetiva da Ideia na esfera finita. Nela, a
Ideia se aliena de si porque adquire existência e aparência, tornando-se ilógica, pois se
antes havia plena identidade entre sujeito e objeto, neste estágio, surge uma antítese entre
eles. A natureza se apresenta como não liberdade já que está submetida às necessidades
imediatas e contingentes da existência finita.
Essas discussões são importantes porque indicam o modo como o espírito finito
apreende a natureza. Não é a natureza que se vê como não-liberdade, é a consciência
comum que assim a compreende. A natureza é posta pelo Espírito e tem a essência do
absoluto em si mesma, como o outro que o Espírito distingue de si. No entanto, ela
afigura-se para o espírito finito como não-liberdade, enquanto algo criado, pois quando o
Absoluto se particulariza se nega em si mesmo. Entretanto, o Espírito tende a superar esta
59
particularização e negação de si mesmo ao se unir ao seu outro numa universalidade livre.
Desse modo, tem em si a idealidade e a negatividade infinita.
A contraposição entre Espírito e Natureza, enquanto grandezas lógicas, também
persiste no espírito finito, agente da resolução de todas as contraposições. O espírito finito
torna-se o mediador entre a exterioridade e a interioridade, porque tanto é parte da
natureza, quanto é um ser espiritual e, portanto, é razão objetivada. É a possibilidade de
reconciliação entre Espírito e Natureza, finitude e infinito, e de retorno à identidade
perfeita. Na reconciliação, “cada parte se torna compreensível a partir da totalidade; podese entender cada finito somente partindo do infinito” (NICOLA, 2005 p. 355). O espírito
finito é aquele que realiza a síntese entre o Espírito e a Natureza, já que nele a razão inicia
o retorno em direção à Ideia, que no primeiro momento era em si, depois na natureza
tornou-se para si, e agora, com o pensamento conceitual, torna-se em-si-e-para-si.
Daí se deduz o papel imprescindível do espírito finito, pois ele promoverá o
retorno da natureza à esfera infinita, por que ele contém em si mesmo a interioridade, uma
vez que é espírito, e também a realização deste interior no exterior. Logo, esta
contraposição entre espírito e natureza, que configura também a existência humana, só
poderá resolver-se na esfera infinita. E, nessa busca por uma satisfação sempre mais plena,
o espírito finito vai se apercebendo que entre o Espírito e a Natureza há uma cumplicidade
e que ambos estão apenas justapostos, como âmbitos igualmente essenciais. A natureza não
lhe é contraposta, ela é o seu outro.
Em linhas gerais poderíamos entender a tríade da dialética hegeliana do seguinte
modo: a tese seria a Ideia, também denominada de Espírito Absoluto23, nela está a essência
e o pensamento puro, a identidade absoluta. Todavia, uma vez que existir significa
aparecer, a Ideia abstrata se efetiva e ganha aparência na natureza para poder pensar-se e
revolver-se na realidade sensível. Na antítese da Ideia: a natureza há o espírito finito, o
homem, ser dotado de natureza finita e razão infinita, a última possibilita a reconciliação
entre a natureza e o espírito. Assim, o espírito finito é o agente do retorno à identidade
primeira.
23
Os filósofos idealistas entenderam por Absoluto uma interpretação racionalista de Deus. Para Hegel,
Absoluto é o Espírito ou Razão, devendo-se esclarecer que a razão hegeliana não é algo estranho e
contraposto à natureza, mas coincide com ela (NICOLA, 2005 p. 358).
60
O espírito deve separar-se da natureza, negá-la, antes de descobrir nela o seu
reflexo, ao se tornar objeto de seu saber e vontade. Assim, o Absoluto se torna objeto do
espírito, uma vez que “o espírito entra no estágio da consciência e se diferencia em si
mesmo como aquele que sabe e, em face desse saber, como objeto absoluto do saber”
(HEGEL, 2001, p. 109). Neste ponto se localiza a solução da não-liberdade, a identidade
perfeita entre o sujeito e o objeto, a Ideia e o fenômeno.
Tem início a possibilidade da solução da não-liberdade, já que o espírito finito vai
se apercebendo que não há oposição entre Espírito e Natureza. Esse movimento do espírito
finito passa pelo saber e pela vontade no sentido de resolver a contraposição entre espírito
e natureza, pois ele se vê como objeto absoluto do saber. Nesse passo para a liberdade é
que se localiza o início da filosofia da bela arte, o pensamento que se volta ao infinito.
Nesta perspectiva, o Espírito Absoluto põe a finitude para nela se tornar objeto do
saber, pois, no dizer de Hegel, “ele é espírito absoluto em sua comunidade, o absoluto
efetivo como espírito e saber de si mesmo” (HEGEL, 2001, p. 109). Assim sendo, o belo
artístico não é a ideia lógica, o pensamento absoluto como puro pensamento, nem é a ideia
natural, desprovida do espírito ou de racionalidade. Ele pertence ao âmbito espiritual, ao
reino do Espírito Absoluto, é criação do espírito e manifestação de sua imagem na esfera
sensível.
A partir dessa dialética que move o pensamento hegeliano, a arte afirma-se como
produção espiritual, porque quando o espírito finito contempla o infinito ele se apropria da
Ideia e produz o belo na arte como reflexo do Absoluto. O que implica dizer que “trata-se
então de reconhecer, sob a aparência do temporário e do transitório, a substância que é
imanente e o eterno que é atual” (NICOLA, 2005 p. 356). Com isto, entendemos que
“substância imanente” e “eterno atual”, dizem respeito à forma assumida pela exposição
fenomênica da arte e, ao seu conteúdo absoluto, a liberdade presente na Ideia e
comunicada à arte enquanto produção do espírito. Desse modo, segundo Vercellone, a arte
se afirma como “o lugar principal onde se manifesta a íntima e intrínseca unidade do Eu e
da Natureza, do Sujeito e do Objeto” (2000, p.15).
61
3.3 A ARTE LIVRE COMO OBJETO DA ESTÉTICA
O século XVIII afirma-se como o século da estética que teria como ponto de
partida a indicação da possibilidade de lançar uma reflexão sobre aquilo que é obscuro,
confuso e que pertence ao domínio da sensibilidade. E, assim, o pensamento filosófico
passaria a ocupar-se do belo, do sublime e do gosto, tendo a experiência como uma questão
a ser refletida. Nesse momento, a estética se desliga do vínculo com a religião para se dizer
por si mesma, e afirma-se como uma reflexão filosófica da arte, mas também como
manifestação sensível da beleza, situando-se entre a busca de um controle racional do
sujeito pensante e o discurso sensível. Poderíamos dizer que se trata de uma metafísica do
belo que eleva os fenômenos de arte à dimensão conceitual, posto que ela se ocupa da
totalidade da experiência do belo e sugere uma definição geral da arte.
Assim, no momento da fundação da estética, a beleza é compreendida como o
lugar intermediário e fronteiriço entre o domínio do puro pensar e da inteligibilidade e o
domínio da sensibilidade. Neste sentido, ela teria a função de conduzir a percepção ao
conhecimento. Colocada desta maneira, a estética seria comparável ao brilho sensível da
idéia, pois através dela é possível ascender ao domínio espiritual do conceito, pois “em
Hegel a filosofia do belo, e o belo já não é julgamento de origem subjetiva, mas uma Ideia
que existe na realidade, em obras de arte reais e históricas” (LACOSTE, 1986, p. 42).
A estética seria a contemplação do Absoluto mediante as formas fenomênicas da
beleza, a convergência do que se apresenta como diverso na unidade conceitual do belo.
Isto porque o conceito estabelece a harmonia, a unidade e a ordem, a fim de estabelecer um
discurso filosófico sobre o belo. O belo estaria, desta forma, organizando o que aparece
como confuso, a percepção sensível, para a sua ascensão à luz. Ela surge como
propedêutica da lógica e se propõe a estender a aprimoração do conhecimento além dos
limites do conhecimento distinto e preparar a percepção para os estudos contemplativos.
Porque surge a necessidade de organizar a percepção sensível, mas sem prejudicar a razão
62
lógica24. Caberia à estética educar a percepção sensível a fim de atingir a perfeição do
conhecimento sensitivo: a beleza. Este modo de educar a percepção para o que de perfeito
há na esfera sensitiva é uma gnoseologia, um modo de conhecer através da contemplação
da beleza, visto que a alma possui duas faculdades do conhecimento, uma inferior, que diz
respeito ao que aparece como confuso e obscuro, e outra superior, porque se trata de algo
claro e distinto.
A confusão corresponde à dimensão sensível e a clareza à esfera inteligível. O que
consiste dizer que no seu nascimento a estética é entendida como uma gnoseologia inferir
por ocupar-se do conhecimento sensitível. Ela amplia o modo de conhecer para além da
racionalidade e se estende à realidade sensível a fim de iluminá-la com o brilho inteligível
(BAUMGARTEN, 1993, p. 95).
Assim, a origem da estética encontra pontos norteadores no Renascimento com a
auto-reflexão e a autonomia em relação à metafísica e a teologia, a partir das mudanças na
dimensão do pensamento filosófico, intelectual, teológico e moral, com o movimento de
emancipação da arte e busca de sua autonomia como discurso livre. Isto porque, na
modernidade, surge a certeza de si mesmo, a subjetividade da consciência de si através da
racionalidade. Fundamento universal do pensamento que se sabe livre e autônomo, a
substância pensante. Neste momento, a arte passa a se dizer por si mesma.
A reflexão sobre a arte “surge da necessidade universal de reencontrar o eu na
alteridade [...] trata-se de um momento prático da duplicação do eu [...] através do qual se
alcança a consciência de si” (VERCELLONE, 2000, p. 36). Isso porque o século XVIII
visa o esforço de classificar os conceitos de modo universal como um movimento de
libertação intelectual que funda uma nova disciplina, a filosofia estética, da qual advém
uma consciência filosófica da arte.
Nesse processo de afirmação da arte em sua autonomia e liberdade é que se
localiza os Cursos de Estética de Hegel, estando sua obra inserida no contexto que lhe
permite lançar uma discussão histórico-estética da arte. Dessa maneira, o autor comunica
24
Baumgarten afirma que a estética visa a perfeição composta da matéria e da forma, de modo que a arte
possa ser demonstrada e elevada à categoria de ciência, uma metafísica do belo (BAUMGARTEN, 1993).
63
em sua obra que a abertura para uma concepção filosófica e científica da arte se funda em
transformações históricas que viabilizaram a reflexão acerca da arte livre.
Hegel tem algumas reservas quanto à terminologia estética devido ao seu
significado epistemológico. Segundo o autor, esta nomenclatura não é propriamente
adequada, porque ela indica precisamente a ciência do sentido e da sensação. Para Hegel, o
ideal seria designá-la como filosofia da bela arte, mas devido à propagação que o termo
estética já havia alcançado na linguagem corrente, ele decide mantê-lo apenas como um
mero vocábulo. Ressaltando que a autêntica expressão para a nova ciência é filosofia da
arte, e de modo mais preciso, filosofia da bela arte.
A estética, em Hegel, é definida como a filosofia da bela arte, tendo o belo
artístico por objeto de investigação, o que significa que dela se exclui o amplo reino do
belo natural. Logo de início, esclarece que “estas lições são dedicadas a estética, cujo
objeto é o amplo reino do belo; de modo mais preciso, seu âmbito é a arte, a bela arte”
(HEGEL, 2001, p. 27). O autor justifica a delimitação do objeto artístico a partir de
argumentos esclarecedores quanto à dignidade e superioridade da produção artística em
face da natureza, porque as obras são engendradas pelo Espírito e, ele, em sua liberdade, é
superior a natureza e as suas produções.
Embora na vida cotidiana seja comum a atribuição da qualidade da beleza à
natureza, quando se fala de um belo céu, um belo rio, de belas flores e de belos animais, de
modo a colocar o belo artístico ao lado do belo natural, essa atribuição não é válida para a
discussão filosófica da arte, pois a existência natural é indiferente, não é livre em si mesma
e autoconsciente, e assim, não se sabe bela. Ela precisa ser nomeada para que seja
considerada como bela, já que em si mesma, apenas possui existência exterior. A
superioridade do belo artístico lhe advém do espírito, pois tudo o que o espírito produz é
superior à natureza. O belo natural é apenas um reflexo do belo pertencente ao espírito, um
modo incompleto e imperfeito. Ademais, a delimitação ao belo artístico ainda pode ser
justificada pelo fato das coisas naturais não serem vistas em sua beleza, antes, elas sempre
são consideradas a partir do caráter de utilidade. A este respeito Hegel nos adverte:
64
Uma ciência das coisas naturais que serve para combater as doenças, uma
descrição de minerais, produtos químicos, plantas, animais que são úteis
para a cura, mas as riquezas da natureza nunca foram compiladas e
julgadas do ponto de vista da beleza (HEGEL, 2001, p. 28-29).
O belo da arte está acima do belo natural porque sua beleza nasce do espírito
como produção espiritual. O Espírito é o pensamento que pensa a si mesmo, sendo dotado
de Idéia e, portanto, livre. Ele comunica esta liberdade à suas produções. A sua aparição
visa tornar o exterior adequado ao seu conceito. Neste sentido, Hegel pondera que qualquer
idéia pensada pelo homem é superior à natureza, devido ao fato de aquela ser dotada de
espírito, ou dito de outro modo, de racionalidade. No seu ponto de vista:
Sob o aspecto formal, mesmo uma má idéia, que porventura passe pela
cabeça dos homens, é superior a qualquer produto natural, pois em tais
idéias sempre estão presentes a espiritualidade e a liberdade (HEGEL,
2001, p. 28).
Ao afirmar que o espírito e a sua beleza artística estão acima do belo da natureza,
o autor tem o cuidado de esclarecer que o termo acima apenas estabelece uma diferença
quantitativa e exterior, porque leva a concluir que a beleza artística e a beleza natural
estariam lado a lado, quando na verdade não se trata de algo relativo, mas de caráter bem
mais significativo. Porque “somente o espírito é o verdadeiro, que tudo abrange em si
mesmo, de modo que tudo o que é belo só é verdadeiramente belo quando toma parte desta
superioridade” (HEGEL, 2001, p. 28). A exclusão do belo natural não é arbitrária, nem
fruto do capricho. E, “a necessidade do belo artístico nasce da imperfeição da efetividade
finita” (GONÇALVES, 2001, p. 59).
O conceito filosófico do belo é a um só tempo constituído de matéria e forma, ou
seja, de aparência sensível sob a forma imagética da arte e também de pensamento abstrato
e racional. Ele “reúne a universalidade metafísica com a determinidade da particularidade”
(HEGEL, 2001, p. 45). Assim, à exigência do método científico de que o objeto seja válido
e comprovado como verdadeiro e necessário, Hegel responde que a filosofia da arte
65
encontra sua fundamentação em uma ciência que a antecede e que em seu conceito lhe
confere o caráter de necessidade: a filosofia. De modo que a filosofia no seu conjunto:
É o conhecimento do universo como uma totalidade orgânica em si
mesma, que se desenvolve a partir de seu próprio conceito e, sua
necessidade de se relacionar consigo mesmo como um todo que
retorna a si, se une a si como um verdadeiro um mundo da verdade.
No conjunto dessa necessidade científica cada parte singular é
igualmente [...] um círculo que retorna a si. (HEGEL, 2001, p. 47).
Hegel não pretende demonstrar a idéia do belo, segundo os ditames da ciência
positiva que se baseia na verificação e experimentação do seu objeto, mas esclarecer que o
conceito do belo e da arte são um pressuposto dado pelo sistema da filosofia, pois “a
filosofia da arte constitui um capítulo necessário no conjunto da filosofia” (HEGEL, 2001,
p. 31). Assim, importa defini-la enquanto parte da totalidade que compõe a filosofia e
como ciência do belo artístico, para elucidar essa questão, Hegel parte as seguinte
problemática: “por onde iremos abordar a nossa ciência que nos servir de introdução na
filosofia do belo” (HEGEL 1999, p. 29), pois para que a estética seja afirmada como
ciência, precisa de seja definido o seu objeto, o seu método e a sua fundamentação.
O objeto da estética enquanto ciência é o belo artístico que existe em obras
produzidas pelo espírito e que refletem o seu conteúdo, esse objeto de ordem espiritual não
encontra a sua necessidade imediatez da existência puramente imediata como ocorre, por
exemplo, nas ciências naturais. O belo artístico não se ocupa com a imediatez, mas com
algo que eleva o espírito a uma dimensão livre de toda necessidade imediata e transitória,
nesse sentido, segundo Duarte (1997), o belo artístico é a Ideia transfigurada em realidade
efetiva. A estética, assim compreendida, apresenta ligações com a filosofia enquanto a
ciência que a antecede, uma vez que esta se ocupa do absoluto, da totalidade e do ser, desse
modo, a estética encontra na filosofia a sua fundamentação, enquanto um capítulo no
conjunto da filosofia. Só pensada nesse conjunto é que a estética pode ser demonstrada e
justificada a partir do caráter de necessidade, que lhe advém da filosofia. Nesse sentido, a
66
filosofia no seu conjunto possibilita o conhecimento como totalidade que se desenvolve a
partir do conceito, na qual cada uma de suas partes, ou seja, suas disciplinas, constituem
um círculo que regressa ao conjunto da filosofia.
Após ter definido o objeto da estética, o autor esclarece ainda que à argumentação
sobre a estética enquanto uma nova ciência, insurgem algumas objeções, e aqui convém
acompanhar como Hegel as apresenta e as refuta, alcançando uma base sempre mais sólida
para a fundamentação da filosofia da arte. A primeira é referente à dignidade científica da
arte e a apresenta como algo servil e não livre. De acordo com ela, o belo e a arte estão
presentes nas diversas ocupações da vida com a função de adorno dos ambientes,
suavizando a seriedade das relações, enquanto entretenimento e diversão para tornar a vida
agradável. Assim, a arte estaria “presente por toda parte, desde os enfeites mais rudes dos
selvagens até o esplendor dos templos adornados com toda a riqueza” (HEGEL, 2001, p.
29).
Segundo tal objeção, a arte ao assumir uma forma, necessita da ilusão da
aparência e aquilo que é verdadeiro em si mesmo, não seria gerado da ilusão. A forma seria
um modo contingente, já que a aparência e a ilusão não podem gerar o Verdadeiro, pois
somente ele pode gerar-se. A este raciocínio se pode deduzir que a bela arte não mereça ser
tratada cientificamente, pois “a ciência tem que refletir sobre os verdadeiros interesses do
espírito” (HEGEL, 2001, p. 30). A ciência funda-se a partir de regras e procedimentos e a
arte não se deixa subjugar por eles.
A segunda objeção centra-se na inadequação da arte à consideração científica. De
acordo com esta hesitação à nova ciência, apesar da arte permitir a reflexão filosófica, ela
não seria adequada ao trato científico, pois só há ciência do necessário e não do
contingente. A beleza artística por se apresentar aos sentidos, à sensação, a intuição e a
imaginação, situa-se numa dimensão diferente do pensamento científico. A fruição da
beleza provém da liberdade das produções, uma atividade livre da fantasia. A arte, assim
compreendida, pertenceria ao domínio da fantasia, intuição e imaginação. E, “a ciência,
segundo sua forma, ocupa-se com o pensamento que abstrai da massa de particulares”
(HEGEL, 2001, p. 31). Dela, se exclui a imaginação e a fruição, pois o conteúdo da ciência
67
é o si mesmo necessário e a estética ao prescindir do belo natural, estaria se afastando do
que é necessário. Com efeito, Hegel nos adverte que:
Segundo todos estes aspectos parece que a bela arte, tanto em sua origem
quanto em seu efeito e âmbito de abrangência, em vez de se mostrar
adequada ao esforço científico, antes resiste em sua autonomia contra a
atividade reguladora do pensamento (HEGEL, 2001, p. 31).
Segundo Hegel (2001) tais dificuldades à ocupação científica com a bela arte são
extraídas de concepções usuais em escritos franceses. De acordo com estas, a configuração
do belo e sua difusão parece ser tão múltipla que se torna praticamente impossível a
existência de leis gerais sobre ele, já que suas representações são variadas e particulares.
Hegel as contra-argumenta ao declarar que o que pretende examinar é a arte livre em seus
fins e em seus meios. E pondera que o fato dela atender a outros fins, objeção que
apresentou a arte como um jogo fugaz a serviço da diversão e do entretenimento, esse
aspecto ela tem em comum com o pensamento, pois a ciência também pode ser empregada
como entretenimento servil para fins finitos e meios causais, não sendo determinada a
partir de si mesma, mas a partir de outrem. Contudo, a arte se liberta dessa servidão aos
fins finitos e, em sua autonomia livre, se eleva à Verdade: o Absoluto, instância
independente, que possui o seu próprio fim em si mesma (HEGEL, 2001, p. 32). Além
disso, a ciência da arte tem como ponto de partida a ideia do belo e não a sua contingente
configuração fenomênica.
Além do mais, “a verdade nada seria se não se tornasse aparente e aparecesse”
(HEGEL, 2001, p. 33). A arte dá conta da necessidade que a Verdade tem de se tornar
conhecida. A aparência da arte é somente um modo particular através do qual o verdadeiro
se efetiva e se dá a conhecer. Não se trata de uma mera aparência restrita ao objeto
observado, mas da autêntica efetividade do transcende, de modo a elevar-se acima da
imediatez da sensação. A arte através de sua forma imprime uma efetividade superior,
nascida do Espírito à sua aparência, e em sua aparência, ela significa além de si apontando
para algo espiritual por meio dela representado. Todavia: “longe de ser [...] mera aparência,
deve-se atribuir aos fenômenos da arte a realidade superior e a existência verdadeira, que
68
não se atribui à efetividade cotidiana” (HEGEL, 2001, p. 33), pois a essência da arte é a
liberdade.
Ainda no tocante à hesitação ao caráter de cientificidade da filosofia da arte,
Hegel pondera:
Considero o filosofar completamente inseparável da cientificidade [...] e
isso porque é tarefa da filosofia considerar um objeto segundo a
necessidade, que não pode [...] ser subjetiva ou estar submetida a uma
ordem de classificação exterior [...] a filosofia deve desenvolver e
demonstrar seu objeto segundo sua própria natureza interior. Somente
esta explicação constitui em geral a cientificidade de uma consideração
[...] na medida em que a necessidade objetiva de um objeto reside
essencialmente em sua natureza lógico-metafísica, não somos obrigados a
nos ater ao rigor estritamente científico [...] a configuração da
necessidade deve [...] ser buscada no progresso interior de seu conteúdo e
em seu meio de expressão (HEGEL, 2001, p. 36).
O método utilizado na fundamentação científica da estética consiste em ter a idéia
como ponto de partida, e assim, o intelecto vislumbra a luz da Verdade expressa na arte.
Desse modo, a nova ciência “recebe o seu conteúdo e o seu sentido filosófico quando
compreende o que representa na totalidade do saber, o lugar [...] que lhe compete nesse
conjunto” (CASSIRER, 1992, p. 443). Ela é parte da filosofia.
As objeções não se sustentam à consideração de que as obras de arte são geradas
pelo Espírito, uma consciência pensante sobre si e sobre suas produções, pois o pensar
constitui a sua natureza mais íntima e essencial. As obras de arte são de natureza espiritual,
embora sua exposição acolha em si a aparência sensível. Estando mais próximas do
Espírito do que a natureza destituída de pensamento (HEGEL, 2001, p. 37).
Na arte, o conceito se desenvolve a partir de si mesmo como um estranhamento
rumo à sensibilidade para apreender-se e reconhecer-se em sua alienação, sob a forma
fenomênica do belo artístico, a fim de reconduzir-se de volta a si mesmo. E assim, Ele
impregna de pensamento os seus produtos e os transforma em parte de si. A tarefa da arte,
69
assim compreendida, é comunicar os interesses do Espírito à consciência, apesar de suas
formas serem variadas e inesgotáveis, tendo em vista que:
Numa obra de arte partimos daquilo que nos é apresentado de modo
imediato e somente então perguntamos por sua significação ou conteúdo.
A exterioridade em sua imediatez não tem valor para nós, mas admitimos
que por trás dela haja algo de interior, um significado, por meio do qual a
aparição exterior é espiritualizada. A exterioridade aponta para o que é a
sua alma [...] o significado é [...] algo mais amplo do que aquilo que se
mostra no fenômeno imediato. É deste modo que a obra de arte deve ter
significado [...] É preciso que ela manifeste uma vitalidade interior, um
sentimento, uma alma, uma substância, um espírito (HEGEL, 2001, p.
43).
A arte expõe a contraposição reconciliadora entre forma e conteúdo, razão e
sensibilidade. Nesta ótica, ela difere dos interesses prosaicos,25 não visa finalidades
imediatas, nem está atrelada às necessidades finitas da existência, mas antes, encontra nela
mesma a sua razão de ser. A respeito da liberdade e autonomia da arte, podemos dizer:
Infinitização do infinito, transformação do passageiro e do contingente
em algo necessário, em algo permanente, em algo ideal: esta é uma das
formas de se entender o fenômeno da beleza. A arte supera a natureza e a
vida prosaica na medida em que a transforma em algo independente de
suas condições imediatas e retira das coisas a forma imediata de ser
contingente ou dependente, de ser-para-outro. Essa transformação
constitui o trabalho artístico, que é, em si mesmo, livre (GONÇALVES,
2001, p. 53).
A bela arte se destina a fins superiores que nada tem a ver com as querelas da
existência imediata. É a contemplação de algo que nos permite vislumbrar o infinito e
25
Interesse prosaico refere-se às carências naturais imediatas do mundo que se encontra alienado imerso na
efetividade finita, na existência imediata. (GONÇALVES, 2001, p. 14).
70
conceber-nos como livres. Nela o pensamento pode ultrapassar a visão imediata da matéria
e lançar-se ao infinito ali representado. A liberdade da arte bela é o primeiro momento em
que a aparência se une a essência estabelecendo uma unidade concreta entre o conteúdo e a
forma26 sensível, a fim de espiritualizá-la. Essa compreensão da arte se justifica a partir do
desenvolvimento percorrido por ela ao longo de suas manifestações na história.
A relação existente entre a arte e a consciência da liberdade, resulta do seu
desenvolvimento ao longo da história, daí resulta o motivo pelo qual partimos de uma
exposição sintética do contexto histórico de Hegel, passamos pela evolução do pensamento
hegeliano em sua vida teórica, bem como da análise do processo gradual da afirmação da
arte em sua livre autonomia, para assim, podermos acompanhar a descrição de Hegel
acerca de como esse processo de iluminação da consciência vai sendo delineado: a partir
das questões finitas da existência imediata, para projetar-se ao infinito pensamento
conceitual e se saber livre.
Desse modo, na época da cultura reflexiva, a arte só sobrevive como objeto de
ciência, ela conquista sua autonomia, mas perde o lugar que lhe pertencia enquanto
expressão da verdade: compreendida como o Absoluto. Neste contexto, é notório o apelo
da arte para que a ciência a torne objeto de reflexão conceitual, pois ela encontra-se
relegada à representação, por está submetida à consideração pensante do juízo estético,
sendo impossível a restauração do seu antigo lugar, enquanto expressão da verdade e do
Absoluto. Desse modo, Hegel nos explica que, nesse momento da história, a arte nos
chama “a contemplá-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar
o seu antigo lugar, mas para que seja conhecido cientificamente o que é a arte (HEGEL,
2001, p. 35).
Assim, o cogito afirma-se em sua superioridade em relação à manifestação
fenomênica que se apresenta como exterior à consciência pensante, pois a verdade passa a
ser buscada internamente. Tudo se submete ao crivo da razão, já que essa época pensa
26
O termo Conteúdo, com a letra inicial maiúscula é a tradução do termo Gehalt e designa um conteúdo em
sentido amplo, e em Hegel, no âmbito da estética, refere-se ao conteúdo total do pensamento. Diferente de
Inhalt traduzido como conteúdo que em si mesmo é simples, seria a coisa reduzida à simples determinação
da forma imediata em que se apresenta. O termo Forma com a inicial maiúscula é a tradução de Form:
termo universal. Já a forma, com a inicial minúscula, consiste na forma efetiva e determinada, sendo a
tradução de Gestalt (HEGEL, 2001, p. 12-13).
71
conceitualmente e não sensitivamente, pois se afirma como abstrata e conceitual. Nesse
sentido, a discussão sobre a arte pretende relembrar o modo como ela representou e
desvelou o Absoluto ao longo da história, até o momento em que Ele se desvela apenas
através do conceito com o pensamento filosófico, passando pela esfera da religião.
O pensamento consciente de si mesmo pode refazer todo o percurso do progresso
de iluminação de sua consciência. A razão projeta ao infinito, ao puro pensamento, e a
beleza enquanto manifestação do espírito se presta também ao pensamento conceitual. Este
é o primeiro momento para a compreensão da estética em Hegel, que sugere o lugar da arte
enquanto expressão fenomênica do Absoluto, refletido sob a aparência da beleza artística
que se desvela como liberdade à consciência que se sabe livre, pois o conteúdo expresso na
arte é a liberdade.
72
4. A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE
Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza.
73
4.1 A ARTE COMO REFLEXO DO ABSOLUTO
A concepção da arte enquanto liberdade, de acordo com a argumentação proposta
no primeiro capítulo, perfaz um longo trajeto histórico marcado por transformações no
modo de conceber a beleza artística em suas configurações, e na instauração da estética
como disciplina e ciência filosófica. Poderíamos afirmar que este processo está
subordinado a outro processo mais amplo, pelo qual a consciência vai caminhando em
direção à racionalidade, que se desvela como liberdade àquele que se sabe livre. Neste
sentido, a arte participa desse processo de iluminação, sendo uma das formas pelas quais o
Absoluto se desvela para a consciência, pois, segundo Werle, a função da arte consiste no
seu ideal de exprimir os interesses do espírito, ou seja, de revelar o Absoluto, nesse sentido
“a arte é livre: a ideia que lhe dá existência, e sobretudo, vitalidade e eficácia” (Werle,
2009, p. 81).
Sendo assim, pensamos a arte inserida num contexto histórico em evolução no
âmbito do próprio pensamento racional, que tende a se subjetivar e desprender-se
acentuadamente daquilo que se afigura por meio da expressão sensível, para se dizer de
modo mais preciso através do pensamento conceitual. A arte, pensada neste contexto
afirma-se como o primeiro modo pelo qual o pensamento se desprende da finitude,
puramente imediata, e lança-se na dimensão conceitual da contemplação do infinito.
Esta retomada de aspectos do primeiro capítulo nos permite rever a posição de
Hegel em face de todo o processo de emancipação da arte. O itinerário do pensamento em
busca de sua afirmação enquanto pensamento que pensa a si mesmo e, a partir de si, pensa
tudo o mais, o qual se estende à arte, que ao longo dos séculos foi construindo sua própria
alteridade, ao afirmar-se como arte livre, tanto em seus fins quanto em seus meios de
expressão.
Segundo essa linha de pensamento, rememoremos os conceitos primordiais
através dos quais Hegel fundamenta sua concepção da filosofia da bela arte. A delimitação
da estética ao âmbito da bela arte, como vimos, poderia parecer arbitrária já que dela se
exclui o belo natural, mas tal restrição justifica-se devido ao fato de que o belo na arte é
produção do espírito e, portanto, dotado de racionalidade. A existência natural, por sua vez,
74
não é considerada por si mesma, “é apenas um reflexo do belo pertencente ao espírito,
sendo um modo incompleto e imperfeito” (HEGEL, 2001, p. 28). Hegel nos indica que
frente à beleza natural nos sentimos “demasiadamente no elemento do indeterminado, não
possuindo critério” (HEGEL, 2001, p. 29) que nos permita julgá-la como bela em termos
conceituais.
A esta predileção ao belo na arte, como acompanhamos no primeiro capítulo,
insurgiram algumas possíveis objeções, dentre elas gostaríamos de realçar, neste momento
a primeira, a qual se baseia na opinião da impossibilidade de um tratamento científico à
arte, pois a arte pareceria algo supérfluo, um luxo que serve aos fins imediatos e utilitários
da existência prática. Hegel retoma a primeira objeção para indicar a possibilidade de
conhecer o Absoluto, a Verdade, tendo em vista que a arte desvela esse Conteúdo à
consciência. Sendo assim, o autor refuta esta objeção de forma magistral ao esclarecer que
apesar do belo possuir sua vida na aparência, ele encontra seu fim em si mesmo, não se
destina a interesses imediatos, é algo que em sua aparência se reporta à essência, ao puro
pensamento, à liberdade do pensar de modo belo. A arte, nesta sua liberdade verdadeira é
um modo de trazer à consciência os interesses do Espírito. Essa dignidade da arte é
justificada por Hegel porque ela: “expõe sensivelmente o que é superior e assim o
aproxima da maneira de aparecer da natureza, dos sentidos e da sensação” (HEGEL, 2001,
p. 32). Neste sentido, o sensível é nela espiritualizado.
Assim, a refutação desta primeira objeção nos apresenta aquilo que é específico
da estética de Hegel, a possibilidade de conhecer o Absoluto através do conceito do belo na
arte. É por meio do conceito que o espírito finito pode chegar gradativamente ao
conhecimento do Absoluto, pois a aparência da arte não é tomada como algo que não deva
ser antes, é o meio através do qual a essência se manifesta na efetividade finita, se dando a
conhecer e, se reconhecendo a si mesma neste seu reflexo. Ela precisa aparecer, desvelarse e ser para alguém. A beleza na arte, como um farol, indica que a “autêntica efetividade
apenas pode ser encontrada além da imediatez da sensação e dos objetos exteriores
(HEGEL, 2001, p. 33).
Na arte é possível conhecer o verdadeiro conteúdo: o Absoluto, mediante a
configuração artística, pois em seus produtos é impressa uma efetividade superior, nascida
75
do espírito e que se remete a ele. Sua aparência não é uma mera aparência sensível, já que
em seus fenômenos está contida a presença do Absoluto na efetividade finita, desse modo,
“a aparência da arte [...] significa através de si e aponta a partir de si para algo de
espiritual, que por meio dela deve ser representado” (HEGEL, 2001, p. 34).
Desse modo, na arte é possível contemplar a beleza artística, como um produto da
atividade humana: “produção consciente de algo exterior que pode ser objeto de saber”
(HEGEL, 2001, p. 49). E, também enquanto produção do espírito, posto que, o espírito
confere duração e existência exterior ao conteúdo que retira de seu próprio interior. Assim
compreendida a arte é uma produção do espírito feita pelo homem. Na obra de arte,
segundo Hegel:
Por exemplo, uma paisagem apresentada com sentimento e
conhecimento pela pintura, como obra do espírito, assume uma
posição superior à paisagem meramente natural. Pois tudo o que é
espiritual é melhor do que qualquer produto natural. Aliás, nenhum
ser natural expõe ideais divinos, como a arte o faz (HEGEL, 2001,
p. 51).
Nesse Sentido, o homem é uma consciência pensante que “faz a partir de si
mesmo para si o que ele é e o que em geral é” (HEGEL, 2001, p. 52). Reconhecendo-se
nas suas produções, de modo a adquirir a consciência de si mediante o impulso de
modificar as coisas exteriores imprimindo nelas o selo de seu interior. Essa atitude do
homem reflete a sua identidade enquanto sujeito livre, pois:
O homem faz isso para também retirar o mundo exterior de sua
rude estranheza e para gozar, na forma das coisas, somente uma
realidade exterior de si mesmo [...] a necessidade universal da arte
é, pois, a necessidade racional que o ser humano tem de elevar a
uma consciência espiritual o mundo interior e exterior, como se
fora um objeto no qual ele reconhece o seu próprio si-mesmo
(HEGEL, 2001, p. 53).
A arte, assim compreendida, comunica à consciência os interesses do Espírito,
estendendo o pensamento conceitual aos produtos da bela arte, pois “o conteúdo da arte é a
Ideia e [...] sua Forma e a configuração sensível imagética” (HEGEL, 2001, p. 86). O
conteúdo e a forma artística estão configurados reciprocamente, assim, o sensível
possibilita ao conteúdo, tornar-se representável. Em Hegel, a arte visa “expor a Ideia para a
76
intuição imediata numa forma sensível e não na Forma do pensamento [...] esta exposição
possui valor e dignidade na correspondência e na unidade dos dois lados, da Ideia e da sua
forma” (HEGEL, 2001, p. 88). Desse modo, a bela arte “é apenas um modo determinado
de manifestação e exposição do verdadeiro e encontra-se, por isso, completamente aberta
[...] ao pensamento conceitual” (HEGEl, 2001, p. 107). Sendo um reflexo do Espírito
Absoluto, ela revela em seus traços, formas e cores, a beleza presente no Verdadeiro que
ilumina a esfera finita mediante o brilho do belo na arte.
Portanto, Hegel considera a arte como manifestação da Ideia, este é o seu
conteúdo absoluto. E este conteúdo se desvela como a liberdade do pensamento conceitual,
pois “a reflexão da arte bela remete para o abandono das dimensões naturais da beleza para
penetrar no âmbito da elaboração espiritual” (VERCELLONE, 2000, p. 31).
Esta é uma verdade processual que se afirma no percurso histórico do
desenvolvimento no modo de conceber a arte, um devir que abarca, segundo Vercellone, o
“caráter processual propriamente histórico de todo o devir artístico [...] e que testemunha a
laboriosa disposição da verdade espiritual no seio da forma sensível” (2000, p 31). Essa
compreensão conduz à superioridade do espírito e atribui à arte a alta posição de
comunicar os interesses espirituais, visto que ela “assume e exibe deste modo a sua
completa autonomia expressiva” (VERCELLONE, 2000, p. 33). Assim, a retomada da
primeira objeção que apresenta a possibilidade de conhecer a essência, a coisa-em-em, o
Absoluto, conduz à discussão da arte livre.
4.2 O DOMÍNIO DAS NECESSIDADES FINITAS E A PREOCUPAÇÃO COM A
ARTE
Assim como na arte este processo de iluminação conhece um longo trajeto em sua
afirmação enquanto tal, de igual modo, para que o espírito finito se desprenda da sua
finitude imediata e se lance no reino do pensamento conceitual, ele atravessa diversas
esferas que, como degraus, a cada passo o lançam ao livre pensamento. Este é o progresso
do espírito finito rumo à sua infinitude, a possibilidade de contemplar o Absoluto dentro de
si e, na arte, ver refletido aquilo que constitui a sua essência, que permanecia oculta aos
77
seus olhos meramente sensíveis e presos na existência imediata. Trata-se da liberdade do
ser que atinge a consciência de si e produz na arte a representação desse Conteúdo, que na
forma artística adquire aparência, cores, tons e formas, de modo a iluminar a visão até
então obscurecida pela existência puramente imediata. É assim que a existência finita
caminha rumo ao infinito: a consciência de sua liberdade. Este é o segundo momento
apresentado na dinâmica do pensamento de Hegel, no tocante a discussão entre arte e
liberdade, quando o espírito finito cansado de buscar satisfazer-se nas querelas da finitude,
lança-se a procura de satisfações mais plenas.
Na esfera das necessidades finitas o espírito finito ainda não conhece a liberdade
enquanto sua essência, e conserva a visão confusa da vontade, a aspiração e as paixões.
Nesta esfera, o espírito apreende a própria finitude como algo negativo e como uma
carência. Erguem-se os impulsos, os sentimentos, as inclinações, e tudo o que o coração do
homem como um ser singular contém em si mesmo, gerando certa nostalgia pela ausência
de uma plena satisfação, segundo Hegel, “este é o ponto de vista do espírito apenas finito,
temporal, contraditório e, por isso, passageiro, insatisfeito não beato. Pois as satisfações
que esta esfera oferece são na forma de sua finitude” (HEGEL, 2001, p. 109).
No conteúdo total da existência encontra-se uma diversidade de interesses e de
insatisfações. Podemos descrevê-las do seguinte modo, temos inicialmente o amplo
sistema das necessidades físicas, as insatisfações e carências da existência imediata. Como
tentativa de solucionar essas necessidades imediatas da existência sensível, surge a
indústria em sua larga produção e conexão, o comércio, a navegação, as artes técnicas, o
direito, as leis, a vida em família, a divisão de classes, e todo o âmbito que compõe o
Estado. Também aparece a necessidade da ciência enquanto conjunto dos conhecimentos
adquiridos.
Estas
atividades
podem
ser
vistas
como
círculos,
momentos
do
desenvolvimento da consciência que caminha a fim de atingir o ápice, a consciência de sua
liberdade. Neste domínio, imperam as necessidades finitas ou físicas que correspondem à
insuficiência e carência de satisfações.
De início, apresentam-se as inquietações que se manifestam como uma limitação,
tais como uma dor, um incômodo, como algo negativo que precisa ser superado para
remediar a deficiência sentida. Essas inquietações impulsionam para a transposição das
78
restrições puramente naturais, tais como: comer, dormir, organizar-se em comunidade para
garantir a sobrevivência. Tal é a deficiência do espírito finito que é uma totalidade
composta por uma forma e um conteúdo: matéria e espírito, mas que na efetividade finita,
apenas enxerga as determinações da existência enquanto uma separação do que é
espiritual, como uma contradição entre natureza e espírito. Isso se explica a partir da
seguinte compreensão:
O indivíduo se encontra imediatamente emaranhado em um
sistema de relações no qual ele se vê obrigado a servir como meio
para fins estranhos a ele, ou seja, no qual ele ainda não é um fim
em-si-mesmo. O conceito de necessidade exterior pode ser
traduzido ainda como necessidade contingente, já que [...] baseiase em uma relatividade presente na vida mundana imediata, a qual
Hegel denomina prosaica, e na qual as relações se fundam tãosomente nos impulsos e nos interesses imediatos, que são
obviamente sempre contingentes (GONÇALVES, 2001, p. 34-35).
Em meio a inúmeras necessidades e insatisfações, o espírito finito tende a
procurar formas de suprir suas carências e começa a criar mecanismos que lhe possibilite a
obtenção de certa satisfação frente à necessidade sentida. Assim como podemos observar
com o surgimento da unidade simples da família, ao passo que esta, por sua vez, suscita o
surgimento da sociedade civil, que se revela insuficiente e requer o surgimento da
indústria, do comércio, da navegação, do direito, das leis, e todo o aparato de instituições
que formam o Estado. Este último pode ser visto como a “substância ética [...] a reunião do
princípio da família e da sociedade civil; a mesma unidade que está na família como
sentimento de amor é a essência do Estado” (NICOLA, 2005, p. 365).
A liberdade na ação é a razão da vontade que se efetiva no Estado, “um organismo
inteiro, acabado, completo e realizado” (HEGEL, 2001 p. 114), organizado segundo a
razão, no qual as leis e instituições são a realização da liberdade, segundo sua
determinação na esfera finita. Em seu todo, constitui uma totalidade em si mesma
completa, formada por governo, exército, instituições, sociabilidade. Desse modo, embora
as necessidades físicas sejam supridas, mesmo que de forma imediata, o conteúdo de tal
satisfação permanece ainda limitado e a liberdade mantém o aspecto da finitude, haja vista
que, a satisfação é unilateral e relativa a uma determinada necessidade e,
conseqüentemente, outras necessidades sempre tendem a surgir.
79
De igual modo, no direito, o reconhecimento da liberdade se restringe a aspectos
singulares relativos a determinados objetos: a casa, a lei, a propriedade, o dinheiro,
enquanto efetividades singulares, como é possível observar na seguinte citação:
Por exemplo, minha racionalidade, minha vontade e sua liberdade
são de fato reconhecidas, valho como pessoa e sou respeitado
enquanto tal; possuo propriedade que deve permanecer como
minha; caso ela corra perigo, a justiça outorga o direito. Mas [...] o
que a consciência neste caso tem à sua frente são singularidades
[...] apenas categorias relativas e submetidas a condições variadas,
em cujo domínio a satisfação pode igualmente num momento
acontecer como também noutro não acontecer (HEGEL, 2001 p.
114).
Todavia, com a necessidade científica busca-se conhecer a conexão e a
necessidade recíproca dessas esferas, porque o surgimento da ciência possibilita ao homem
começar a pensar um conteúdo que seja inerente a todas as esferas. Segundo esse conteúdo,
cada esfera, ou seja, cada domínio apresentado na finitude impele para além de si à
satisfação de interesses mais profundos, de modo a se obter a satisfação que no âmbito
anterior não se pôde conseguir, logo, “é isso que fornece a necessidade de uma conexão
interior” entre essas esferas (HEGEL, 2001, p. 110). Já que elas não se restringem à mera
utilidade de umas em relação às outras, antes, se completam, pois a cada nova esfera surge
um modo de atividade mais alto do que o existente na esfera precedente. Ocorre que cada
esfera impele para além de si, em busca de uma satisfação mais plena, de modo a
completar o que não se pôde realizar no âmbito anterior.
Desse modo, as leis do direito, os impulsos dos homens, os sentimentos, as
inclinações e paixões, e todas as esferas que compõem a finitude, têm o seu ponto de
origem na ânsia por uma satisfação mais plena, isso porque, na verdade, o que se busca é a
liberdade, embora nesta esfera, não se tenha consciência disto. Esta é a conseqüência do
pressuposto de uma conexão entre as esferas da finitude, o aproximar-se crescentemente da
consciência da liberdade.
O ímpeto de atingir a plena satisfação de suas necessidades move constantemente
o espírito finito a uma esfera mais alta que o conduz ao conhecimento de sua liberdade que
é um reflexo da essência do Absoluto. Por esta razão, o espírito finito aspira à satisfação e a
80
liberdade no saber e no conhecimento: a ciência, posto que, “aquele que não sabe não é
livre, pois diante dele se coloca um mundo estranho [...] do qual ele depende (HEGEL,
2001 p. 113). Assim, o saber representado no conceito possui um conteúdo, uma finalidade
e um significado, os quais se encontram interpenetrados de tal modo que, por exemplo na
arte: “o exterior e particular aparecem exclusivamente como exposição do interior. Na obra
de arte nada está presente que não tenha relação essencial com o conteúdo e o exprima”
(HEGEL, 2001, p. 110-111).
Deste modo, no momento em que o espírito finito adentra no âmbito espiritual, ao
produzir obras de arte, ele lança-se em busca das necessidades espirituais, as quais não
dizem respeito às querelas da finitude, mas fitam o reino do infinito, dos pensamentos e da
contemplação do Absoluto. A arte assim compreendida se afirma, no pensamento de Hegel,
como: “a primeira etapa de libertação do espírito, de sua elevação acima das relações
contingentes e não-livres do mundo finito, posto que ela é a primeira forma espiritual
efetiva de produção de si mesmo (GONÇALVES, 2001, p. 61).
Neste ponto, surge a questão da necessidade interna da arte no contexto dos
restantes âmbitos da vida e do mundo, pois o espírito finito se sente sufocado na finitude e
procura uma satisfação e uma verdade mais alta e mais substancial, na qual as
contraposições e as contradições da finitude possam ser solucionadas e a liberdade possa
enfim encontrar sua completa satisfação.
A necessidade universal e absoluta, a ânsia por uma satisfação mais plena é aquilo
que leva o homem a produzir obras de arte, já que a busca pelo conhecimento emana da
aspiração de superar a não-liberdade e de se apropriar do mundo através da representação e
do conceito (HEGEL, 2001 p. 113). Esta é a liberdade no pensar, mas ainda não de modo
pleno, pois este saber se dá a conhecer, neste estágio, por meio de uma representação
sensível: o belo artístico.
81
4.3 A ARTE LIVRE COMO RECONCILIAÇÃO ENTRE ESPÍRITO E
NATUREZA
O processo do desenvolvimento lógico do espírito finito também pode ser
pensado em relação à arte, na possibilidade de resolver as contradições entre espírito e
natureza. O Espírito insere a necessidade de projetar-se para o infinito, libertando o
espírito finito de suas necessidades imediatas para lançar-se em direção ao puro
pensamento. Essa liberdade subjetiva procura uma forma de se tornar concreta na esfera
do infinito, por esta razão, quando o espírito finito se volta para a arte, está à procura de
sua liberdade. Esta consiste na conexão necessária que liga todas as esferas e as impele
para além de si, em busca da satisfação no infinito.
A arte é o momento inicial de unidade entre estas duas dimensões: espírito e
natureza, pois o conteúdo supremo da arte é a liberdade, conteúdo subjetivo que implica ir
além daquilo que se destina unicamente as necessidades imediatas. Não se trata mais, tão
somente, de garantir a possibilidade da existência física através das instituições, da
saciação de necessidades imediatas, da legitimação do direito, mas de um tipo de
necessidade do infinito, da própria razão de ser, daquilo que corresponde à identidade: a
idéia de liberdade.
Assim, a satisfação impulsionada pela racionalidade possibilita ao espírito finito
apreender-se como objeto do saber, pois segundo Hegel, a liberdade é a determinação
suprema do espírito. Segundo seu aspecto formal, a liberdade consiste “no fato de que o
sujeito não tem nada de estranho, nenhuma fronteira e limite naquilo que se lhe defronta,
mas se encontra a si mesmo no que se lhe defronta” (HEGEL, 2001, p. 112). Isso ocorre
porque o Espírito gera a partir de si mesmo a arte em suas manifestações fenomênicas,
como o primeiro elo intermediário entre o que é meramente exterior e sensível e o puro
pensar, entre a natureza e a liberdade infinita do pensamento conceitual. Neste sentido, na
arte é possível contemplar os dois domínios, a natureza e o espírito, reconciliados no
fenômeno que aponta para uma esfera superior, nascida do Espírito: a Liberdade.
A arte brota do espírito e também pertence ao terreno espiritual, ela “foi batizada
pelo espiritual e somente expõe aquilo que é formado em sintonia com o espírito”
82
(HEGEL, 2001 p. 51). Por esta razão, a obra de arte situa-se acima dos produtos naturais,
tendo em vista que o espírito expressa na arte o conteúdo que retira de seu próprio interior,
conferindo-lhe uma duração exterior na forma da arte bela. Já a natureza, apresenta-se
como mutável e efêmera, pois a pior apreensão para o espírito e a menos adequada é a
meramente sensível, como o mero escutar, ver e tocar, o conduz á compreensão de que “o
espírito não se limita à mera apreensão das coisas externas por meio da visão e do ouvido,
ele as transforma para o seu interior” (HEGEL, 2001, p. 57).
Desta forma, o que o Espírito produz o seu objeto, é ele mesmo. É um diferenciarse trazendo à existência para ser por outro, mas permanecendo idêntico consigo mesmo.
Esta é a potência para regressar a si, e a finalidade mais elevada dessa evolução do
pensamento que tem como finalidade a consciência da liberdade. Neste momento, a ideia
que se alienou de si ao tornar-se por si na natureza, volta a encontrar-se consigo mesma,
mediante o movimento da consciência rumo à liberdade, finalidade absoluta que o espírito
alcança através do desenvolvimento do pensar, pois somente o pensar é que liberta o
espírito finito da alienação para tornar-se livre em si mesmo. De acordo com Hegel:
“alcançar esta finalidade é o interesse da ideia, do pensar e da filosofia” (HEGEL, 1976 p.
43).
A arte é uma expressão do pensamento, de modo que o Espírito se vê na arte,
nesse sentido, se dentro do sistema filosófico cada parte constitui uma disciplina e se o
pensamento carece de uma existência concreta, a arte surge para conferir existência
material à ideia, isso porque no reino da liberdade que é também do infinito, quando o
pensamento se volta para a arte manifesta uma forma de relacionar-se com o Absoluto. O
reino da liberdade seria a expressão mais pura do Espírito Absoluto, segundo Hegel, por
estarem inseridas no contexto do infinito: “a arte e as obras artísticas são de natureza
espiritual, até quando oferecendo a representação uma aparência sensível [...] por isso, a
obra de arte [...] pertence ao domínio do pensamento conceitual (HEGEL, 2001 p. 38).
Portanto, interessa destacar que a arte enquanto produção do espírito consiste num
conteúdo que busca uma forma. Esta forma se apresenta no belo artístico, a manifestação
sensível da unidade entre espírito e natureza. Esta unidade acontece na arte porque ela é
83
essencialmente arte livre, e sendo livre é também infinita, mas para esclarecermos um
pouco melhor esse conceito de liberdade na arte, analisemos as palavras de Lacoste:
Um objeto, um ser, uma ação são belos quando são livres,
independentes, infinitos [...] quando estão em conformidade com a
necessidade única de seu conceito. Um belo objeto é verdadeiro
porque é o que deve ser [...] A verdadeira beleza encontrar-se-á,
portanto, no belo artístico (LACOSTE, 1986, p. 50).
Enquanto consciência pensante, ao criar a arte, o espírito finito representa para si
mesmo o que ele é, o que constitui a sua essência enquanto um ser livre. Ele tem em si
tanto a natureza quanto o espírito, tem a possibilidade de se intuir, se representar e pensar
sobre si mesmo e sobre tudo o que existe. Logo, a ânsia por uma satisfação no infinito
instaura a possibilidade de solução da não-liberdade, pois o espírito ao se tornar objeto do
saber, coloca-se como objeto para a consciência e se sabe livre. Neste sentido, o espírito
finito adquire a consciência de si de dois modos, pela teoria, na medida em que precisa
intuir e representar aquilo que o pensamento toma por essencial, e pela atividade prática,
quando a partir do impulso de produzir obras de arte, ele se reconhece no que produz, na
medida em que imprime o selo de seu interior nas produções exteriores.
Na arte a consciência passa a se ocupar e a pensar a verdade na forma da intuição
sensível. Esta unidade entre forma e conteúdo é representada na sua aparição artística, de
modo que segundo Hegel: “a unidade do conceito com o fenômeno individual é a essência
do belo e de sua produção pela arte” (HEGEL, 2001 p. 116). A arte possui o Absoluto
como seu objeto, e desse modo oferece a intuição de tal conteúdo por meio do conceito da
beleza enquanto criação do espírito, e como tal, reflete em sua aparição fenomênica:
A necessidade racional que o homem tem de elevar a uma
consciência espiritual o mundo interior e exterior, como se fora um
objeto no qual ele reconhece o seu próprio si-mesmo. A
necessidade desta liberdade espiritual ele satisfaz na medida em
que [...] traz à intuição e ao conhecimento o que nele existe. Esta é
a livre racionalidade do homem. (HEGEL, 2001 p. 53).
A aspiração universal da arte pela liberdade no espírito é justificada porque ela
situa-se entre a sensibilidade imediata e o pensamento, ainda não é puro pensamento, mas
84
também não é mera existência material. Ela enfeita a sensibilidade com o pensamento
racional, revelando em sua configuração artística a contraposição reconciliadora entre o
espírito e a natureza, de tal modo que possui seu fim em si mesma, de modo a conduzir a
finitude ao pensamento conceitual. A arte, compreendida nessa sua dimensão sublime e
livre, é diferenciada da simples aparência dos fenômenos naturais, pois segundo Hegel:
O aloé, que somente floresce por uma noite, murcha sem ser
admirado nos ambientes mais selvagens das florestas do sul; e
estas florestas, constituídas de densas aglomerações das mais belas
e exuberantes vegetações, do mesmo modo desaparecem e se
estragam sem serem fruídas com seus aromas os mais suaves e
ricos em odores. No entanto, a obra de arte não é tão
despreocupada por si, mas é essencialmente uma pergunta, uma
interpelação ao coração que ressoa um chamado (HEGEL, 2001 p.
87).
A Ideia enquanto o belo artístico é a determinação do verdadeiro: o Absoluto na
efetividade. Assim, a consideração científica do objeto da estética, parte da universalidade
do belo artístico em sua aparição fenomênica, pois ele pertence ao âmbito espiritual. O
conceito do belo e da arte, possuem um duplo aspecto, um conteúdo: a finalidade e seu
significado, e uma expressão: o fenômeno em sua aparição artística, realizando a unidade
dos “dois aspectos de tal modo interpenetrados que o exterior e particular aparecem
exclusivamente como exposição do interior” (HEGEL, 2001 p. 110-111). A aparência
sensível da arte está intimamente imbricada com o conteúdo, na medida em que por meio
de sua aparência contingente, a arte se abre para o infinito.
Esses dois aspectos, forma e conteúdo, não permanecem indiferentes e exteriores
um ao outro, mas apenas indicam que o conteúdo se objetiva como uma determinação de si
mesmo, e perpassa as esferas da existência finita, caminhando até a esfera que melhor
elucida a sua liberdade absoluta. O que significa dizer que o pensamento penetra na
profundidade do mundo supra-sensível e o apresenta inicialmente como um além para a
consciência imediata, na contemplação da arte como possibilidade de ascensão ao
Absoluto. E, assim, o espírito gera a arte a partir de si mesmo como o primeiro elo
intermediário entre a efetividade finita e a liberdade infinita do pensamento conceitual.
85
Da mesma forma que a Ideia tem em si a potência de determinar-se e objetivar-se
na concretude do mundo para rever-se através de suas criações e, assim, poder contemplarse no outro de si, não como algo que seja estranho ou diferente, mas como ela mesma em
uma esfera distinta, de igual modo, também na arte o Espírito contempla-se em suas
produções e a arte, neste contexto, tem como finalidade exprimir os interesses mais
profundos do Espírito.
Ademais, a arte tem a tarefa de revelar em sua configuração artística a verdade, a
reconciliação da natureza e do espírito. O seu conteúdo deve ser adequado à sua exposição,
ou seja, ele necessita de uma forma, para que não seja em si mesmo abstrato, mas tenha
concreção. Assim, a exigência de concreção da arte se explica porque, segundo Hegel
(2001, p. 86) a universalidade apenas abstrata não possui em si mesma a determinação de
progredir para a particularização. Ao conteúdo deve corresponder uma forma, configuração
sensível, de modo que ambos coincidam e se correspondam, pois no conteúdo concreto
reside o fenômeno. A arte é um elo intermediário entre a esfera finita e o infinito, tendo em
vista que:
O verdadeiro que enquanto tal é, também existe. Na medida em
que o verdadeiro nesta sua existência exterior é imediatamente
para a consciência e o conceito permanece imediatamente em
unidade com seu fenômeno exterior, a Idéia não é apenas
verdadeira, mas é bela. O belo se determina, desse modo, como
aparência sensível da Idéia. Pois o sensível e objetivo em geral não
guardam na beleza nenhuma autonomia em si mesmos, mas têm de
abdicar da imediatez de seu ser, já que este ser é apenas existência
e objetividade do conceito [...] e, por isso, nesta existência
objetiva, que apenas vale como aparência do conceito, expõe a
própria Idéia (HEGEL, 2001 p. 126).
Conseqüentemente, quanto mais o espírito finito evoluir, mais profundo e mais
consciente de si ele será, já que o desenvolvimento é um aprofundar-se em si manifestando
sua profundidade à consciência finita, a fim de compreender a si mesmo em seu
desenvolvimento e nos diferentes graus de sua evolução. Por conseguinte, a evolução do
espírito tende para o conteúdo supremo, a Liberdade. Desta maneira, o caráter científico da
arte corresponde à tendência que a modernidade tem de elevar a consciência espiritual o
86
mundo externo como um objeto, de modo a estabelecer a unidade entre sujeito e objeto,
pois de acordo com Hegel:
O conteúdo supremo [...] podemos, chamar, sem rodeios de
liberdade. A liberdade é a determinação suprema do espírito. Ela
consiste inicialmente, segundo seu aspecto totalmente formal, no
fato de que o sujeito não tem nada de estranho, nenhuma fronteira
e limite naquilo que se lhe defronta, mas se encontra a si mesmo
no que se lhe defronta. Já segundo esta determinação formal, toda
necessidade e cada infortúnio desapareceram, o sujeito está
reconciliado, com o mundo, nele satisfeito e toda contraposição e
contradição estão solucionadas. Mais precisamente [...] a liberdade
tem a racionalidade em geral como seu Conteúdo (HEGEL, 2001,
p. 113).
Tendo, anteriormente, abordado a arte como uma emanação da ideia absoluta,
sendo sua finalidade, representar sensivelmente o belo, cabe indicar de modo geral como
os elementos particulares provêm do conceito do belo artístico, enquanto uma
representação do Absoluto. Para tanto, é primordial fundamentar a necessidade do belo
artístico, a partir da definição do seu conceito. Desse modo, se o conteúdo da arte
corresponde a ideia representada numa forma concreta e sensível, então, “a função da arte
consiste em conciliar, numa livre totalidade, estes dois aspectos: a idéia e a representação”
(HEGEL, 2001, p. 49). A essa conciliação estão vinculados os seguintes requisitos: que o
conteúdo a ser representado pela arte, se preste a representação, de modo que a forma e o
conteúdo se adeqüem; que o conteúdo da arte seja sensível e concreto, em oposição ao
abstrato e ao simples em si, pois “a arte exige conteúdos concretos para as suas
representações” (HEGEL, 2001, p. 150). Desse raciocínio se deduz outro requisito, o qual
prescreve que a forma ou a figura seja individual e concreta, de modo que os dois
elementos da arte: conteúdo e representação encontrem seu ponto de convergência e
correspondência. É assim que a arte, sendo um sensível concreto, exprime um conteúdo de
essência espiritual, bem como, manifesta a forma exterior que a torna acessível à intuição e
a representação.
A obra de arte é uma interrogação, um apelo dirigido às almas e aos espíritos.
Sua função consiste em tornar a ideia acessível à contemplação, através da forma sensível
de que se reveste para representar o conteúdo. É assim que a arte vai ascendendo no
87
horizonte da busca da verdade, um caminhar que passa por formas diversas, nas quais se
manifesta de modos diferentes e vai se aperfeiçoando até atingir a forma plena.
Essa evolução é composta pelos seguintes aspectos: ela é de ordem espiritual e
geral, porque se refere a sucessão gradual das formas com as quais a arte representa as
concepções de mundo, as idéias que o homem tem de si, da natureza e do divino. Além
disso, essa evolução é efetuada no interior da arte e se traduz em artes particulares, as
quais, em suas diferenças, formam uma totalidade, pois os inúmeros modos de criação
artística participam do espírito. Assim, Hegel pondera que é “esta ascensão para a
expressão da verdade cada vez mais conforme ao conceito do espírito, cada vez mais
espiritualizada que dá as indicações referentes às divisões da ciência da arte” (HEGEL,
2001, p. 151).
Sendo assim, a Ciência da Bela Arte pode ser dividida em três seções. A primeira,
composta por uma parte geral que tem por objeto o belo artístico; a segunda, referente às
diferenças abrangidas por esse conceito nas sucessões de formas particulares e, a terceira,
que se atém ao processo da arte na realização sensível das formas artísticas; a arte mais
elevada tem a ideia e a representação mais próximas à verdade e as exprime mediante a
forma sensível.
Daí resulta a diferença entre a Ideia em si, a Ideia enquanto tal, considerada como
absoluta na lógica metafísica já que é desprovida de objetividade concreta, e a ideia do
belo na arte, que sendo mais precisa do que a primeira, se refere a uma realidade individual
que adequa a Ideia a uma forma concreta, com efeito, “é dentro deste processo que a
beleza artística aparece como uma totalidade de graus e de formas particulares” (HEGEL,
2001, p. 154). Nesse sentido, a bela arte encerra em si a condição de elevar-se ao sublime,
ao infinito, à liberdade, pois ela é a revelação da Ideia na efetividade.
88
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo o percurso argumentativo por nós trilhado, percebemos que a estética
oitocentista indica que a arte e a beleza artística não são desprovidas de referência, mas
devem aludir a realidades que a transcendem, pois na modernidade o belo se torna refúgio
do infinito. A essência do belo e de sua produção pela arte é a unidade do conceito e do
fenômeno, do significado e da configuração individual, pois, em sua exposição imagética,
a arte aponta para a contemplação do infinito. E, por conseguinte, entendemos que Hegel,
enquanto um idealista defende que os pensamentos também estão implicitamente
incrustados na natureza quando ela é idealizada pela atividade espiritual, como ocorre com
os produtos da arte que transcendem a dimensão sensível e elevam o pensamento para o
infinito. Neste sentido, a beleza é pensada por Hegel como expressão da liberdade do
Absoluto no mundo, o que significa dizer que, a liberdade absoluta se encontra no espírito,
enquanto autoconsciência que abarca a si mesma em suas produções.
Com base nas considerações apresentadas é possível concluir que a relação arteliberdade no pensamento hegeliano seria resultado do desenvolvimento progressivo da
consciência da liberdade ao longo da história da civilização, que no concernente a esta
investigação, centra-se na manifestação da arte enquanto expressão primeira da Ideia de
Liberdade na esfera finita, mediante a forma fenomênica do belo artístico.
E, nesta evolução do pensar que se sabe livre no século XVIII, é possível refletir
sobre o modo como Hegel consolida a discussão da estética enquanto ciência filosófica ao
se inserir e refletir sobre a discussão da problemática da autonomia da arte, a qual encontra
seus indícios germinais no século XV e vai paulatinamente se afirmando em sua liberdade
no decorrer dos séculos subseqüentes, para então se afirmar como arte livre no século
XVIII, a partir do surgimento da reflexão conceitual da estética, a filosofia da bela arte,
vista como objeto de ciência no século XIX. Nesse sentido, percebemos que o espírito
finito, por ter em si a dualidade da Natureza e do Espírito, mesmo quando ainda está
envolto nas necessidades finitas, está inconscientemente em busca de sua liberdade e
encontra na arte a primeira maneira de satisfazer esta necessidade do infinito.
89
Ademais, esta investigação aponta para a compreensão de que a estética hegeliana
assinala, através da dialética do pensamento conceitual e da existência fenomênica do belo
artístico, para uma visão da totalidade e universalidade da Ideia de Liberdade que é
intrínseca ao Absoluto e, por extensão, também o é ao espírito finito, já que no Espírito
Absoluto reside a síntese entre Natureza e Espírito. É a manifestação do Espírito Absoluto
e da ideia de liberdade na história, pois a arte pode ser vista como um dos momentos pelos
quais o Absoluto se desvela, ao possibilitar a iluminação da consciência da liberdade ao
longo da história. Assim, neste trabalho indicamos que a estética hegeliana encontra a sua
justificação enquanto reflexão racional acerca de seu objeto, a saber, o belo artístico, numa
descrição da necessidade do aparecer concreto da ideia no mundo, enquanto manifestação
cultural, humana e histórica. Além disso, a estética de Hegel consiste um ponto central
para a compreensão do surgimento da estética enquanto disciplina filosófica no século
XVIII, bem como para pensar a problematização da estética nos séculos posteriores.
O desenvolvimento histórico da liberdade do homem, denominado por Hegel
como o espírito finito, é traçado a partir do seu afastamento gradual em relação às
determinações da natureza e, conseqüentemente, a partir do progressivo auto-referir-se-a-si
mesmo do espírito.
Esse processo se refere ao fato do espírito ir conquistando a
consciência de si que o torna a norma e a medida de si mesmo, já que ele passa a se
reconhecer como um ser espiritual, pois o espírito é um ser dotado de razão. Entretanto,
antes de chegar ao verdadeiro conceito de sua essência, enquanto um ser livre, o espírito
atravessa um longo trajeto formado por diversas etapas, tais como as instituições da
existência finita: a família, o comércio, a indústria, a lei e o Estado.
Assim, o movimento da história da arte em sua dimensão infinita e livre é
marcado pela concepção de que a bela arte é um produto do espírito humano, mas sua
existência não se situa na indiferença de ser mais um objeto fabricado por ele, antes, a arte
afirma-se como um elo entre a finitude imediata e a contemplação do infinito, pois a beleza
figurada na arte reflete a liberdade presente no Espírito, enquanto conceito concreto, que
na aparição fenomênica da arte, supera a dicotomia ou o dualismo entre espírito e natureza.
Através da arte, o espírito finito encontra a possibilidade de desvelar o infinito, de fitar
seus olhos nele e contemplar a sua beleza, expressa nas formas fenomênicas do belo
90
artístico, pois a arte expõe em sua forma o brilho sensível da ideia e, a sua luz, pode ser
compreendida mediante a racionalidade do conceito que se revela ao longo do
desenvolvimento da história.
Em nossa pesquisa acerca da estética hegeliana, buscamos, ao longo do nosso
itinerário expositivo, lançar os fundamentos teóricos que pudessem edificar o nosso objeto
de estudo: a arte enquanto expressão da liberdade, construindo-o a partir da exposição do
pensamento de Hegel, bem como da análise da progressiva autonomia da arte, no
concernente a discussão elaborada no século XVIII a partir da fundação da estética
enquanto disciplina filosófica. O nosso ponto de partida foi o resgate do percurso
argumentativo de Hegel em seus principais escritos, referentes à sua vida teórica desde a
juventude até a produção elaborada na sua maturidade, buscando delinear um fio condutor
de sua investigação sistemática, ou seja, a sua preocupação com o infinito e com o absoluto
que se desenvolve e se revela na história, seja mediante a discussão teológica, presente em
seus escritos juvenis, ou mesmo em relação à sua filosofia como produção de sua
maturidade, pois é notório que o enfoque de Hegel em sua discussão teórica é a
compreensão da filosofia como uma totalidade orgânica e constituída de partes que não se
excluem, mas ao contrário se completam. Não podemos falar de uma parte da filosofia sem
ligá-la, sem correlacioná-la com a filosofia como um todo que a fundamente e a legitime,
pois a filosofia investiga a totalidade do ser.
Apresentamos algumas considerações acerca do pensamento de Kant, Fichte e de
Schelling, não com a pretensão de nos aproximar na leitura e no diálogo mais detalhado
com esses autores, mas apenas de destacar pontos fundamentais de suas filosofias e a
significativa contribuição que cada um deles transmitiu ao pensamento de Hegel. O fato de
termos aludido a esses filósofos antes de atentarmos para a análise do sistema de Hegel, se
justifica porque como foi discutido nesse trabalho, Hegel acredita que só é possível
filosofar a partir da consideração da filosofia como um todo, sendo assim, não poderíamos
deixar de reconhecer o mérito e a contribuição de filósofos como Kant, Fichte e Schelling,
os três filósofos alemães que certamente influenciaram sobremaneira o pensamento de
Hegel.
91
O saber, segundo a filosofia de Hegel, se realiza na história, ele não é algo dado
de forma imediata, mas é algo que é construído, desenvolvido e, metaforicamente,
poderíamos dizer que esse saber se apresenta como degraus de uma imensa escada que se
apresenta diante do espírito finito e, que lhe convida a dar passos cada vez mais altos em
direção ao topo dessa escada, em direção ao Absoluto. Essa caminhada é descrita por
Hegel como o desenvolvimento da consciência finita, desde os estados mais rudes de sua
história até o momento em que ela se reconhece como um ser racional, um ser que embora
seja dotado de natureza é um ser livre, pois pode refletir sobre si mesmo e sobre tudo o
mais que se apresenta de dele. Talvez essas palavras soem aos ouvidos de alguns como
desprovidas de sentido, ou mesmo como um elogio exacerbado à razão, mas apesar de
possíveis críticas ou incompreensões, no tocante ao pensamento de Hegel como o
desenvolvimento da razão ao longo da história, ressaltamos em nossa pesquisa que esse
desenvolvimento da razão não é desprovido de sensibilidade, a expressão mais pura desse
argumento é a revelação do Absoluto na arte.
Entretanto, sabemos que a arte não é a forma suprema de manifestação do
Espírito, que tende sempre a se subjetivar em suas formas, e que se reconhecerá de modo
mais pleno na filosofia, mas isso não extingue e nem desmerece à sua passagem pela arte e
pela religião, enquanto modos pelos quais ele se revela, pois o Espírito, visto também
como a Ideia, necessita aparecer e assumir uma forma, por isso ele se manifesta na finitude
e conduz o espírito finito ao conhecimento espiritual de sua essência, enquanto um ser que
carrega em si a ideia do infinito.
Essa dignidade do espírito finito é o que o aproxima do infinito, ele não é um ser
diferente ou mesmo oposto ao Absoluto, mas é a sua revelação, a sua imagem na finitude,
já que traz consigo a razão parte de si. Será que esse atributo espiritual não seria o que
move o espírito finito a fitar o infinito, a buscar erguer-se acima de suas necessidades
imediatas e transitórias em busca de satisfações mais plenas como as encontradas na arte,
na religião e na filosofia? O que será que move o espírito de modo a estabelecer e criar
para si um mundo que não poderia ser adjetivado como superior ou inferior à natureza, mas
que certamente, é um mundo dotado de racionalidade, de um sentido por ele criado? Bem,
se há razão na história da humanidade, alguns poderiam retrucar afirmando que ela teria
92
produzido malefícios dificilmente apagáveis de nossa lembrança, tais como as guerras
mundiais, mas o que podemos perceber na leitura de Hegel, é que ele nos ensina que a
liberdade consiste em termos a possibilidade de realizar nossas escolhas, de nos sentirmos
livres devido à consciência adquirida no processo histórico e cultural da civilização.
O fato é que a discussão sobre a estética, enquanto contemplação do Absoluto, do
divino ou da liberdade, nos remete à compreensão de que embora nossa época não busque
no Absoluto, manifesto na representação fenomênica do belo artístico, a explicação para o
sentido de suas indagações e necessidades explicativas, ela não poderia se esquivar de
admirar-se frente a uma obra de arte, frente a algo que eleva o instante transitório do
momento presente ao domínio do infinito atemporal e eterno, ao reino do infinito, que aqui
não se trata se uma quimera, de um sonho ou mesmo de um além, mas que se refere a todo
o processo de constituição do saber e da consciência desenvolvida pela humanidade e
figurada de modo eterno na beleza artística. É o eterno que se torna atual e o atual que se
sente eterno, por essa razão nós incluímos em nosso trabalho as representações artísticas do
Partenon, de Atena e de Afrodite, pois conforme nos indica Fullerton (2002), essas figuras
nos revelam a beleza revelada na arte grega e denotam a sensibilidade de uma cultura que
encontra na arte a indicação da sua organização social e cultural, pois os frontões do
Partenon ilustravam a representação das crenças nos deuses e de seus mitos explicativos
para o que se apresentava como uma interrogação, como o desconhecido ou o inexplicável,
já que a arte expõe a Ideia no contexto em que ela se encontra e esse tempo histórico é o
que constitui a condição necessária para a manifestação da racionalidade como forma de
pensar.
Desse modo, como classificar ou denominar algo que transcende a finitude e que
não se perde na utilidade da vida imediata, ou mesmo, como não reconhecer a filosofia: o
amor à sabedoria, enquanto indagação que nos direciona além dos limites do presente
imediato? Ela é o que impulsiona ao conhecimento de si, o socrático “conhece-te a ti
mesmo”, um convite que se revela como chamado à contemplação e ao conhecimento
interior, do mesmo modo, a arte traz consigo esse apelo à contemplação que nos transfere
para o interior e para o conhecimento de nossa essência espiritual, a liberdade.
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REFERÊNCIAS
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