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Faculdade Cenecista da Ilha do Governador
TeRCi
Artigo Científico
O LÉXICO COGNITIVISTA: PADRÕES DE FORMAÇÃO DE
PALAVRAS E ENSINO
Caio Cesar Castro da Silva
Doutorando e Mestre em Letras (Letras Vernáculas), UFRJ
Bolsista do CNPq
Professor na FACIG/CNEC
RESUMO
Pretendemos, neste texto, discutir a concepção de léxico
que norteia os estudos baseados na Linguística Cognitiva e
contrapô-la às demais correntes teóricas que preveem
regras na organização lexical. Para tanto, apresentamos o
conceito de léxico que adotamos, que é um ambiente em
que convergem conhecimentos dos mais variados campos
para criar novas palavras e novos sentidos para palavras já
existentes. Além disso, estabelecemos a relação entre
léxico e uso, uma vez que a maior ou menor produtividade
de uma construção interfere na mecânica natural do léxico.
Por fim, inserimos essa concepção de léxico ao ensino e
argumentamos que é mais eficaz que a metodologia que
vigora nas aulas de língua portuguesa.
Palavras-chave:
formação
de palavras;
cognitivista; ensino de língua portuguesa.
léxico
1. Introdução
Neste artigo1, traçamos o tratamento dispensado ao léxico na Linguística Cognitiva,
adotando, portanto, uma perspectiva lexicalista, na qual processos referentes à análise e à
criação de novas palavras ocorrem num domínio específico da gramática, o léxico. Não
1
As reflexões deste texto são parte da Dissertação de Mestrado intitulada “A parassíntese em português: as
relações entre cultura, léxico e frequência na Linguística Cognitiva”, desenvolvida sob a orientação do professor
Carlos Alexandre V. Gonçalves, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ.
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prevemos, todavia, uma separação entre esse domínio e os demais domínios gramaticais,
como a sintaxe ou a fonologia: todos fazem parte de um mesmo contínuo.
Assumimos a posição de Basilio (2011), que define o léxico como
um espaço de formas simbólicas, isto é, formas se associam a conceitos. Estas
formas, as unidades lexicais, cujas possibilidades de evocação são infinitas,
dependendo das circunstâncias que podem envolver desde a história da língua e a
história dos falantes envolvidos numa situação linguística e sociocultural, até
relações entre formas e suas potenciais evocações.
Percebe-se, nesse trecho, uma orientação para a possibilidade de uma unidade lexical
ser polissêmica, o que constitui um efeito de mudanças no âmbito da língua, já que a ativação
de novos sentidos surge da necessidade de elaborar um mundo dinâmico. Essa ativação de
novos sentidos pode ser operada por inúmeros processos conceptuais, como metáfora, ajuste
focal e metonímia, aos quais daremos ênfase durante a descrição teórica.
2. O léxico
O surgimento de novos verbos no português, como ‘twittar’, ‘blogar’ ou ‘deletar’ não
são casos de neologismos, mas demonstrações de que há um padrão que todo falante nativo
do português pode capturar. A entrada de bases estrangeiras por empréstimo tem a ver com a
mudança tecnológica que se impõe no mundo atual, conectando sociedades e catapultando um
sem número de informações por segundo. O desempenho da nossa mente e, por consequência,
o funcionamento do léxico acontecem do mesmo modo, que devem ser organizados, então,
para modelar um espaço que está em constantes revoluções.
As bases das formações acima, ‘twitter’, ‘blog’ e ‘delete’, respectivamente, estão
relacionadas à área da informática e, com o empréstimo, são indexadas no léxico do
português, i.e., tornam-se entradas lexicais. A necessidade dos falantes do português brasileiro
em expressar ações que envolvam essas unidades lexicais faz com que elas sejam unificadas
em uma construção particular da língua, a saber [[x] Nj ar]Vi. No caso, [x] é uma variável que
representa as palavras que instanciam novo material lexical. Interessante notar que no caso de
‘delete’ apaga-se a informação de que era um verbo em inglês, mas focaliza-se a função da
tecla ‘delete’, que é a de apagar alguma informação no computador. Por operações cognitivas,
como a metonímia e a integração conceptual, o sentido de ‘deletar’ é expandido,
possibilitando seu uso em outros contextos, como o da frase abaixo.
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(1) Coluna Neura: Os homens que deletei da minha vida depois dos 20. 2
Os três verbos citados anteriormente, ‘twittar’, ‘blogar’ e ‘deletar’, têm em comum o
esquema do qual são instanciados. Esse esquema se caracteriza por ser o mais produtivo na
formação de verbos no português, o que aumenta a probabilidade de que novos itens venham
a ser formados a partir de sua unificação. Inconscientemente, o falante nativo do português
brasileiro reconhece que um considerável grupo de verbos do português se caracteriza por
ativar o esquema [[x]Njar]Vi, o que o torna mais entrincheirado no léxico. Assim, sempre que
surge a necessidade de instanciar um novo verbo, esse esquema é acessado mais rapidamente,
pelo fato de já estar programado na nossa mente como o mais produtivo.
Cabe destacar que essas operações aconteceram com base em palavras, e não em
morfemas, remetendo-nos ao modelo palavra-paradigma, um dos vieses pelos quais a
morfologia pode ser analisada. A linguística pós-bloomfieldiana se ocupou em verificar os
itens morfológicos a partir de morfemas, posição que foi abandonada, com o avanço dos
estudos gerativistas, em favor de um modelo que atribuísse a significação à palavra e às
relações entre os itens do léxico (ARONOFF, 1976). Basilio (1980: 42) endossa essa proposta
de processos que ocorrem no léxico ao afirmar que
dentro de uma abordagem gerativa, palavras são formadas por regras e/ou analisadas
por regras, de modo que o estabelecimento de entidades como morfemas ou afixos,
como elementos separados de regras e bases, constitui uma repetição desnecessária
e, provavelmente, indesejável.
No modelo construcionista em que nos baseamos (BOOIJ, 2010; BYBEE, 2010;
GOLDBERG, 1995), a palavra também é o centro das investigações, tanto que é marcada
com um índice subscrito que a identifica no léxico. Os afixos, ao contrário, não recebem
marcação, por não serem livres, mas aparecerem vinculados a uma construção. Isso reforça
que, em um modelo baseado em palavras, os afixos não são as unidades analisadas, mas
atuam na instanciação de novos itens através de construções ou esquemas.
Tomasello (2003) declara que a aquisição de esquemas acontece a partir do uso, ou
seja, através do armazenamento em nossa mente de casos concretos de uso. O falante é capaz
de realizar generalizações sobre representações com propriedades similares e adquirir
esquemas genéricos que subjazem os dados relacionados. Vemos essa propriedade de
generalização atuando nos exemplos ‘twittar’, ‘blogar’ e ‘deletar’, uma vez que o falante
armazenou dados isolados terminados por ‘-ar’, percebeu as similaridades entre as unidades e
as particularizou no esquema genérico [[x]Nj ar]Vi.
4
http://opeixefresco.com/. Acessado em 23.10.11.
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Os esquemas são, de acordo com Rumelhart (1980: 34), estruturas simbólicas de
representação de conceitos genéricos que são estocados na memória. Em vez de representar
definições, esquemas representam conhecimento, que pode ser de qualquer ordem
(linguístico, enciclopédico ou compartilhado). Um esquema pode incluir sob seu domínio
outros subesquemas, que, por sua vez, podem se desdobrar em outros subesquemas. Esses
dispositivos de conhecimento operam de maneira dinâmica na nossa mente, sendo fomentados
pelas nossas bases de conhecimento e ativados por conexões de herança e entrincheiramento.
Segundo Goldberg (1995), as construções (ou esquemas 3) não são estruturas
aleatórias, mas motivadas e organizadas a partir de generalizações que são feitas de suas
regularidades. As informações são, pois, compartilhadas pelos vários esquemas e seus
possíveis subesquemas, fazendo com que o custo de processamento seja menor do que se for
especificado em cada esquema. A autora diz que “ao postular hierarquias gerais nas quais os
níveis mais baixos herdam informação dos níveis mais altos, a informação é armazenada
eficientemente e de fácil mutação” (GOLDBERG, 1995: 72).
Podemos exemplificar essas relações de herança, que permitem a troca de informações
entre as construções, por meio do esquema genérico para a formação de nomes em ‘-eiro’ no
português. Gonçalves, Yacovenco & Costa (1998) demonstram que o sufixo apresenta várias
possibilidades de significação, como, por exemplo, agente profissional (sapateiro, carteiro,
pipoqueiro), agente habitual (funkeiro, maconheiro, romeiro), recipiente (galinheiro, cinzeiro,
açucareiro) e árvore (cajueiro, mamoeiro, abacateiro). Pizzorno (2010), numa abordagem
cognitiva, defende que esses vários domínios conceptuais estariam relacionados a um centro
prototípico com a função de agente, do qual, por operações metafóricas e metonímicas, se
projetariam os demais sentidos, como a acepção de vegetal (palmeira, amendoeira). Gentílicos
como ‘mineiro’ e ‘brasileiro’ se relacionam metonimicamente com o centro agentivo devido
ao fato de designarem originariamente a pessoa que trabalhava nas minas e na colheita de
pau-brasil, respectivamente. Por metonímia, passaram a nomear os nativos de um local.
Paralelamente, o sentido de árvores se relaciona ao centro agentivo por metáfora, já que o
‘abacateiro’ é uma árvore que produz abacate, a ‘jabuticabeira’, uma árvore que dá jabuticaba,
e assim por diante.
Há, portanto, entre as projeções dominiais, relações de herança, que fazem com que os
vários sentidos da construção [[x]Nj eiro]Ni estejam interligados. Em outras palavras, os níveis
5
Os termos ‘construção’ e ‘esquema’ não fazem referência ao mesmo conceito, mas há uma extensa discussão
sobre qual seria a melhor nomenclatura para fazer referência a uma estrutura simbólica da mente humana. Não
faremos, neste trabalho, distinção entre os dois usos, embora saibamos sobre as controvérsias. Para mais
detalhes, ver Booij (2010).
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mais baixos desse esquema geral podem herdar informações dos níveis mais altos. No caso,
são compartilhadas as informações semânticas do domínio prototípico, que se caracteriza pela
instanciação de agentivos.
Esses links (GOLDBERG, 1995) são necessários por estabelecerem que as conexões
entre as várias construções apresentam uma organização gramatical interna, em vez de
projeções aleatórias. Assim, uma construção será motivada à medida que suas informações
são herdadas de outras construções da língua. Os verbos ‘deletar’ e ‘twittar’, por exemplo,
herdam as informações da construção [[x] Nj ar]Vi, da qual são instâncias. Concomitantemente,
a ativação dessas palavras reforça a produtividade desse esquema no léxico, aumentando a
probabilidade de formar novas palavras. Dito isso, examinaremos, na próxima subseção, o
entrincheiramento e a frequência, noções diretamente relacionadas à questão da
produtividade.
3. A relação entre uso e léxico
Demonstramos anteriormente que a criança apreende palavras isoladas e, a partir das
similaridades que são encontradas entre os itens armazenados, é feita uma generalização, que
possibilita o surgimento de um esquema geral. Uma vez instaurada a categoria, os exemplos
que embasaram a sua formação não são descartados, mas permanecem armazenados na
memória (BYBEE, 2010; LANGACKER, 1987).
Essa representação cognitiva é sensível a fatores externos, como a frequência de uso
(ou frequência de ocorrência), que corresponde ao número de ocorrências de uma palavra em
um dado texto (BAUER, 2001). A cada nova ocorrência de um item lexical, o esquema que o
instanciou é reforçado no léxico, pois sua ativação é necessária para o processamento das
contrapartes formal e semântica. Um indivíduo adulto tem um estoque lexical relativamente
estável, visto que as representações mentais são construídas com base na experiência. As
crianças em fase de aquisição, ao contrário, sofrem um impacto maior a cada nova ocorrência,
pois os esquemas ainda não estão completamente institucionalizados.
Outra consequência da alta frequência de uso é a manutenção de itens irregulares na
língua, como os particípios ‘feito’ (de ‘fazer’), ‘escrito’ (de ‘escrever’) e ‘aberto’ (de ‘abrir’).
A permanência dessas formas na língua se deve à alta frequência, que impediu a regularização
do paradigma por analogia. Esse fenômeno é chamado de Efeito de Conservação (BYBEE,
2010), que indica que dados altamente frequentes são menos prováveis de serem reanalisados,
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ao passo que os menos frequentes, por serem menos acessados, são regularizados. No período
de aquisição, a criança ainda não acumulou informação suficiente para distinguir um dado
mais frequente de outro menos, o que faz com que a maioria dos dados irregulares seja
reanalisada por força do paradigma (diante disso, é natural escutarmos ‘fazido’, ‘escrevido’
ou ‘abrido’).
Por serem altamente frequentes, as palavras irregulares não são acessadas pelos
esquemas, sendo armazenadas isoladamente. As formas participiais acima citadas não são
instanciadas pelo esquema de particípio do português [[x] Vj do]Vi, ao contrário dos itens
‘amado’ (de ‘amar’), ‘vendido’ (de ‘vender’) e ‘partido’ (de ‘partir’). Os particípios ‘feito’,
‘escrito’ e ‘aberto’ são, então, entrincheirados no léxico. Croft & Cruse (2004) lembram que,
de acordo com o modelo de uso, as formas irregulares estão entre as palavras mais frequentes
no léxico, pois serão regularizadas, se seus índices de frequência não forem altos o bastante.
Nesse aspecto, percebe-se que a frequência interfere na manutenção de formas irregulares no
léxico, porque no caso de uma forma irregular ter baixa frequência “sua representação não
será suficientemente entrincheirada e reforçada pelo uso, e, então, o esquema regular assume
o controle de produção da flexão relevante” 4 (CROFT & CRUSE, 2004: 293).
Um esquema também pode ser entrincheirado, pois, como dissemos, a cada nova
ocorrência de uma palavra em diferentes contextos sociodiscursivos, a representação mental é
reforçada. Portanto, um esquema entrincheirado é, necessariamente, produtivo, visto que a sua
recorrência favorece o recrutamento de novas palavras. Verbos terminados por ‘-ar’, por
exemplo,
são
recorrentes
em
grau
máximo
no
português,
fazendo
com
que,
consequentemente, o esquema que os instancia seja entrincheirado. Como o esquema [[x] Nj
ar]Vi é reforçado na memória, o acesso de suas propriedades é mais rápido, ou seja, o falante
leva menos tempo para processar todas as informações necessárias para analisar uma palavra
de [[x]Nj ar]Vi. Assim, novas palavras tendem a ser instanciadas por esse esquema no
português, como foi demonstrado com ‘twittar’, ‘blogar’ e ‘deletar’.
A criação dessas novas palavras parte de um processo analógico, cujos mecanismos de
processamento permitem que posições esquemáticas sejam usadas produtivamente. As
palavras ‘twitter’, ‘blog’ e ‘delete’ são unificadas em um padrão estocado na mente do falante
por analogia com um grupo frequente de palavras que compartilham a terminação em ‘-ar’ e a
ideia de causatividade, entre outras propriedades. Essa abordagem difere, portanto, do modelo
de regras (ANDERSON, 1992; ARONOFF, 1976) por ser fortemente baseada na similaridade
6
Its representation will not be sufficiently entrenched and reinforced through use, and so the regular schema will
take over in the production of the relevant inflection.
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entre as várias unidades do léxico. Uma palavra é provável de existir na língua, e não
possível: a formação de palavras é mais bem vista em termos de probabilidade, uma categoria
escalar, do que em termos de possibilidade, uma categoria discreta. Um esquema não é
medido, então, na ótica dicotômica de produtividade ou improdutividade, mas sob um olhar
gradiente do fenômeno.
Vários pré-requisitos para um processo ser considerado produtivo foram estabelecidos
nas diferentes correntes dos estudos linguísticos, como demonstra Bauer (2001). No modelo
de uso (BYBEE, 2010; CROFT & CRUSE, 2004), são levadas em consideração a frequência
de uso e a frequência de tipo. Um embrião dessa proposta já estava presente no trabalho de
Nyrop (1908: 73), que afirma que “a vitalidade de um sufixo depende acima de tudo de sua
frequência de uso (...) Quanto mais um sufixo é usado, mais ele pode dar origem a extensões
analógicas” 5. A principal diferença dessa noção para a do modelo capitaneado por Bybee é a
existência de esquemas. Para Bybee, os esquemas – e não os afixos – são mais produtivos ou
menos produtivos, já que afixos estão sempre vinculados a uma construção gramatical.
O segundo fator considerado ao tratar de produtividade, a frequência de tipo, refere-se
ao número de palavras numa língua que são instanciadas por um determinado esquema sob
análise. A produtividade é diretamente afetada pelo número de itens participantes, pois quanto
mais palavras uma construção instancia, mais ela se torna produtiva. É um paralelo à questão
da similaridade: se novos itens são formados por analogia com um grupo já existente no
léxico, esse grupo tem de ser robusto o bastante para que a probabilidade de um esquema
formar novos itens seja maior.
Enquanto regras são determinadas por uma situação default, esquemas são moldados
pelo número de tipos, visto que o falante só consegue conceptualizar um esquema linguístico
a partir da percepção de semelhanças entre alguns dados. A produtividade de um processo
seria, então, o resultado da conjugação entre os valores de frequência de tipo e o número de
ocorrências no discurso. Um esquema com baixa frequência de uso e alta frequência de tipo
será mais produtivo, como é demonstrado no gráfico abaixo. Tal esquema teria, com isso,
maior força lexical, que corresponde à probabilidade de instanciar novos itens.
Ao contrário, um esquema com alto índice de frequência de ocorrência e baixo valor
de frequência de tipo será menos produtivo, porque o esquema não será entrincheirado no
léxico, nem terá força para produzir novos itens. Esse padrão tem baixa força lexical.
7
La vitalité d’un suffixe dépend surtout de la fréquence de son emploi (…) Plus un suffixe est employé, plus il
est capable d’extensions analogiques.
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4. O ensino de formação de palavras
Na educação básica, em geral, os alunos são levados a decorar inúmeros elementos
derivacionais para compreender os mecanismos que a língua dispõe para o aumento do
inventário lexical. Além de contraprodutivo, esse método reflete uma preocupação
exageradamente mecanicista em fazer com que o aluno domine o assunto.
Como bem afirma Bagno (2001), o problema das aulas de língua portuguesa é querer
formar especialistas na língua, em vez de procurar formar indivíduos capazes de expressar
seus pontos de vista de forma coerente e bem articulada. Expor listas infindáveis de prefixos
ou sufixos não capacita o aluno na construção de um texto, tampouco o habilita a interpretar
coerentemente textos em que o jogo com as palavras altera os significados.
Tomemos como exemplo o texto “Escrevências desinventosas”, de Mia Couto, em que
o autor constrói seu discurso de modo a argumentar em favor do poder de criação livre de
palavras.
Não é que eu tivesse intenção de inventar palavras. Até porque acho que palavra
descobre-se, não se inventa. Mas a ordem me deixou desesfeliz. Primeiro: porquê
meter a mãe no assunto? Por acaso sou filho de língua, eu? Se nasci, mesmo
inicialmente, foi de duplo serviço genético, obra inteira. Segundo: sou um homem
obeditoso aos mandos. Resumo-me: sou um obeditado.
Nesse trecho, o leitor precisa fazer as correlações necessárias para entender o
significado de palavras como ‘desesfeliz’, ‘obeditoso’ ou ‘obeditado’. Essas correlações são
feitas entre os conhecimentos linguísticos adquiridos e os conhecimentos de mundo
acumulados pela experiência de vida. Saber o significado do sufixo -oso ou do prefixo desisoladamente não proporciona a interpretação acurada do texto, uma vez que não estão ali,
meramente, para indicar os significados de “cheio de” e “contrário”, respectivamente. Ao
contrário, essas novas palavras reforçam o propósito comunicativo do narrador e vinculam-se
à linha argumentativa de liberdade criativa.
Portanto, o ensino que privilegia a “decoreba” de listas de radicais, elementos
flexionais e derivacionais tem como consequência a formação de escritores/ leitores e
falantes/ ouvintes pouco fluentes no exercício de interpretação textual. Sintoma disso é o
assustador número de alunos que, mesmo matriculados e frequentadores da escola, não
conseguem interpretar um texto. Segundo os dados da 2ª Avaliação Brasileira do Final do
Ciclo de Alfabetização, divulgados pelo movimento Todos Pela Educação em 2013, 55,4%
dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental apresentam dificuldades na leitura. Além de
demonstrar que há um gargalo na metodologia aplicada no ensino de língua portuguesa,
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aponta para uma preocupação no futuro, pois compromete o resultado dos próximos anos
escolares. Um índice de como esse problema nas séries iniciais pode influenciar os anos
futuros é o resultado apresentado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação
Educativa para o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF). A taxa de alunos do ensino
superior que não apresentam habilidades básicas de leitura e escrita é de 38%, número
bastante elevado se levarmos em conta que um estudante de ensino superior já foi exposto a,
no mínimo, doze anos de formação continuada no ensino básico.
Todos esses dados revelam que dotar o aluno de conhecimento técnico específico,
como estudar nomenclaturas (sujeito, predicado, oração subordinada substantiva objetiva
direta reduzida de infinitivo etc) ou analisar sintaticamente uma oração (saber diferenciar um
complemento nominal de um adjunto adnominal, por exemplo), não ajudam a torná-lo um
bom leitor/ escritor, que saiba argumentar em favor de suas posições e contrapô-las ou ajustálas em favor de um consenso.
5. Considerações finais
Esperamos ter demonstrado, neste artigo, que a constituição de um léxico vai muito
além de saber identificar prefixos ou sufixos e adjungi-los a determinadas palavras para criar
outras novas. É, sobretudo, um trabalho de perceber que os conhecimentos partilhados
socialmente são tão relevantes quanto os linguísticos. Além do mais, deve ser uma
preocupação constante de professores e demais entes envolvidos no processo de letramento,
visto que possibilita ao aluno perceber, interpretar e agir no mundo.
6. Referências bibliográficas
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Caio Cesar Castro da Silva
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