ATIVIDADES FÍSICAS NO TEMPO LIVRE NA SOCIEDADE DE CONSUMO: DESVENDANDO SEUS SIGNIFICADOS Edmilson Pinto Albuquerque Mestrando em Educação Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Vilma Vítor Cruz Doutora em Educação A Ciência da Comunicação seu campo de atuação foi bastante ampliado nestes últimos anos especialmente quando foi aplicado á comunicação de massas. Sua atuação como âmbitos que extrapola o conceito tradicional de área disciplinar, perpassando e influenciando grande parte de todos os aspectos de produção de conhecimento e intervenção. Nos dias atuais vivemos numa sociedade onde o processo educativo não se dá só na escola, estamos na era da informação, onde o global ingressa na representação do mundo pelo viés da comunicação eletrônica. A educação formal não é suficiente para acompanhar, a revolução tecnetrônica1 mandada pelo imperialismo norte americano, essa sociedade “comunica“ mais que qualquer outra, identifica-se 65% do conjunto das comunicações mundiais originam-se dela.Os Estados Unidos é a primeira sociedade global da história 2. Preocupado com a educação informal, que acontece nas relações interpessoais, e pessoais no cotidiano o presente estudo trata dos os significados das atividades físicas em articulação com os meios de comunicação de massa que atuam formando mentalidades acerca das atividades físicas.Estes reforçam a cultura de consumo e induz a exploração prática e atividades físicas de uma forma mecânica, como se estas fossem uma solução para todos os problemas sociais, psicológicos, e materiais do ser humano. Assim, se somos influenciados pela informação, é pelo caminho da educação, que podemos desvendar esse discurso Para melhor compreensão dessa problemática Thompson diz que: “As mudanças tecnológicas foi sempre crucial na história da transmissão cultural: ela altera a base material, bem como os meios de produção e recepção do quais depende o progresso de transmissão cultural.” (THOMPSON, 266). O desenvolvimento das novas tecnologias na esfera das telecomunicações e processamento da informação afetou, profundamente, nos últimos anos, as atividades das indústrias da mídia em inúmeros campos, desde a impressão de jornais até a reprodução da música em fita e disco compacto, destes sistemas computadorizados de acesso á informática até a difusão de propaganda de televisão por satélite. Vivemos num mundo, hoje, em que a experiência cultural é profundamente moldada pela difusão das formas simbólicas, comunicação de massa. Com a evolução eletrônica dos meios como a televisão e radio acentuou-se mais ainda o caráter e o potencial dos fenômenos ideológicos sobre a massa. Os meios eletrônicos possibilitaram ás formas simbólicas circularem numa escala sem precedentes, alcançaram vastas audiências, invadiram o espaço de uma maneira mais ou menos simultânea. A comunicação dos dias de hoje favorece a vaidade convulsiva da qual Weber fala; na contemporaneidade, a adoração da imagem passa pela contemplação do objeto de consumo. A efemeridade dos signos de nossa “vaidade convulsiva” nos inclina a considerar a mobilidade do imaginário social: os problemas da sociedade passeiam por caminhos simbólicos nos quais as redes de comunicação se multiplicam. Via consumo nos espaços urbanos ou via lazer virtual ou não, as tribos urbanas se proliferam de forma coerente á nova (des) ordem mundial; efêmeras, ou extremamente localizadas, essas tribos utilizam todos os códigos da contemporaneidade transitando pelas opções de consumo e de comunicação. O consumo é parte integrante das relações cotidianas, as pessoas compram para comunicar idéias aos outros e o corpo é peça prioritária nesse processo. 1 Tecnetrônica é uma técnica representada pelo cruzamento entre o computador, a televisão e as telecomunicações, que está em vias de transformar o mundo num “nó de relações interdependentes, nervosas, agitadas e tensas, portanto implicando o risco de isolamento e solidão para o indivíduo. Conceito usado pelo cientista político Z. Brzezinski, diretor de pesquisa na Universidade Columbia Mattelard ( 2.000, p.125). 2 Dados retirados do livro de Mattelard ( 2.000. p. 31). Featherstone 3 identifica três perspectivas fundamentais sobre cultura de consumo. A primeira tem como premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma vasta acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e consumo.Em segundo lugar há uma concepção mais estritamente sociológica de que a relação entre a satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente estruturado é um jogo de soma zero, no qual a satisfação e o status dependem da exibição e da conservação das diferenças em condições de inflação. Neste caso, focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais. Em terceiro lugar, há a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumistas e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos. Neste sentido, temos a concepção do consumo como prazer, sonhos e desejos celebrados. A prática do consumo é vista como um processo ativo, consciente, uma escolha, onde o corpo está imerso.O consumo pode conferir prestígio, status, classificação, marca distâncias, posições sociais, inclusões e exclusões. As mercadorias seduz, provoca, mascara o processo de exploração dos homens.O consumo é mera conseqüência do processo de produção, é um processo realizado por sujeitos generalizados, universais. Há apenas uma diferença, uma classificação social proprietários e não proprietários, exploradores e explorados, relação que se dá no âmbito social e privado onde abre-se a perspectiva de exploração do próprio corpo para conferir as classificações, responder aos códigos sociais ou as aspirações individuais. As mudanças na produção industrial de caráter generalista resulta da mudança que ocorre no campo da cultura, na esfera cultural.O próprio social realimenta-se do novo perfil da produção em massa, da indústria cultural desmassificada. Em rede, em segmentos (baseados por exemplo em territórios geográfico, raça, sexo, gênero, classe social, gostos, estilos), desejando fazer por si mesmo, ele redimensiona a mercadoria.Esta, por sua vez, é reajustada pelos produtores em acordo com a perspectiva do faça você mesmo. O social desmassificado realimenta o mercado e este realimenta a diversidade de interesses de estilos.Para Jamerson4 “um das características da pósmodernidade é a transformação da cultura em economia e da economia em cultura”. É uma imensa desdiferenciação na qual as antigas fronteiras entre a produção econômica e a vida cultural estão desaparecendo. Neste sentido o autor afirma “ o velho dever da cultura de massa é transformar os cidadões em consumidores” Ele vê a presença de uma modalidade de padronização ‘ainda presente em formas sublimares”, está referendo á “lógica da coisificação5”. De fato essa padronização . Faz parte da imbricação em que se encontram a mercadoria e a cultura. A própria “coisificação”torna-se cultural e mercadológica. O velho determinismo presente na indústria cultural de caráter generalista a coisificação,o fetichismo fortaleceu-se com a interatividade presente na nova indústria cultural fragmentada e fragmentária. Para Jamerson, a noção de participação presente nesta estratégia não é ”genuína forma de participação”.Ele constata que “o consumidor”hoje sabe muito mais e tem maiores padrões de exigência, é mais auto-reflexivo e tem um imensa experiência de outros textos, e imagens e músicas”. A cultura de massa não é mais a mesma, apoiando-se em Toffler6 ( A terceira onda, 1981): “Estamos ultrapassando rapidamente a tradicional produção em massa e caminhando em direção a uma mistura sofisticada de produtos de massa e desmassificados. A meta final deste esforço está agora visível: bens inteiramente de acordo com o gosto do cliente, cada vez mais de acordo com o gosto do cliente.A intervenção do gosto do cliente( consumidor-receptor-usuário) faz a cultura de massa não ser mais a mesma ; e portanto, para acreditar que este fato tem tudo a ver com a emergência da interatividade na esfera social. O capitalismo contemporâneo vive a transição de uma sociedade de massa para uma sociedade de redes. Se “tudo é codificado”, como diz o etólogo B. Cyrulnik7, então os processos de codificação e os meios pelos quais esses códigos transitam exigem uma atenção especial dos estudiosos da 3 CF no capítulo 2, intitulado Teorias da Cultura de Consumo p.31. Jamerson.Folha de São Paulo, 19/ 11/ 1995, p 55. 5 É a intenção final transformar objetos de todos os tipos em mercadorias. 6 Toffler, apud Kumar, op. cit. 48 7 Cyrulnik, M. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes,1996 4 comunicação. Especialmente quando falamos numa sociedade de bilhões de pessoas, convivendo em cidades cada vez mais complexas.É preciso que haja caminhos meios comuns que possibilitem o encontro, meios que sejam suportes dos vínculos. O processo de codificação é a corporificação, sob condições espaços-temporais específicas, das intenções comunicativas de um grupo. Todo código é um corpo que precisa de meios eficientes (concretos ou virtuais) por onde transitar, configurando e fortalecendo sua validez.Essa validez tem de se construir sob o imperativo do consumo próprio á sociedade de massa, por isso os vínculos comunicativos modernos têm de ser capazes de agregar uma enorme quantidade de pessoas. Além disso, após desenvolver meios industriais para a produção em série barateada, a sociedade do século 20 precisou criar o consumidor em série, precisou, como disse E. Morin8, processar uma segunda industrialização: a industrialização do espírito. Para a formação dos padrões estéticos, que teriam como função processar essa industrialização do espírito, colocou-se toda a moderna tecnologia a serviço, incluindo a ideologia do consumo, entre eles a publicidade, como aponta J. Baudrillard. Baudrillard foi bastante feliz em sinalizar como, na segunda metade do século XX, as necessidades básicas de reconhecimento foram mobilizados na construção da identidade desse novo homem-consumidor-engajado, e a sociedade do consumo passou a propor formas simbólicas de agregação dos indivíduos em torno das idéias de consumo ou de seus ícones de ocasião: “Se a exigência por valor pessoal é tão profunda que, á falta de outra coisa, encarna-se em um objeto ‘personalizado’, como recusar este movimento e em nome de que essência ‘autêntica‘ do valor ? (...) o produto designado( sua denotação, sua descrição) tende a ser somente um álibi sob cuja evidência se desenrola uma confusa operação de integração.” ( J. Baudrillard: 1997: 161-175). Hoje, essas formas simbólicas que constituem essa operação de integração já referida por Baudrillard9 em 1968 não encontram expressão apenas na publicidade, mas sobretudo encontram sua forma máxima nos novos meios de comunicação.Num planeta globalizado, numa megasociedade de dimensões até então inimagináveis, e com as características resultantes dos valores da sociedade de massa, é de se separar que os espaços integradores criados não fossem concretos, já que qualquer limitação espacial seria extremamente inconveniente ao consumo identificatório massificados. Hoje vivenciamos o cenário o ideal ao hiperdesenvolvimento dos suportes abstraídos, dos meios eletrônicos de comunicação10 que , como mediadores em si, possuem uma natureza simbólica própria para servirem de vínculo básico a um grupo social, e que, como meios eletrônicos, possuem una possibilidade de extensão espacial (penetração) que alcança toda a sociedade em um tempo, hoje quase instantâneo.O consumo é reforçado pelo poder simbólico da mídia que utiliza os rituais da comunicação, construído sob uma forte estética do espetáculo, concentrado seus esforços nessa operação de “mostragem”, ao invés de estar realmente preocupada com sua competência relacional comunicativa. Mostrar é a palavra chave do nosso tempo, de uma sociedade que, espetacularizada, responde ao desejo do espírito do tempo. Vivemos numa sociedade do espetáculo, com a mídia o ritual e entretenimento, num verdadeiro enfeitiçamento da imagem. A sociedade do espetáculo vive fascinada pelas figuras idealizadas uma atração, uma estética tão bela como uma fonte luminosa.Esta mídia é o império da visibilidade sua prática altamente narcisista e auto-referencial11.Essa cultura do espetáculo utiliza a informação-mercadoria e a imagemmercadoria para responder ao que se considera mais um dos imperativos da cultura de massas, a 8 Morin, E. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1990. Jean Baudrillard é uma referência mais radical de descrença na interatividade. Para ele não há interatividade com ás máquinas, somente rivalidade e dominação.Mas também jamais verão na interatividade qualquer possibilidade educativa,certos de que ela é o mecanismo de aprofundamento da “dissolução do sujeito”. De outra maneira “ quanto mais se é interativo, menos se existe”. Ele é um dos maiores críticos a televisão, quando dizia: “ a televisão é um instrumento de dissuasão e não de mobilização” ela “implode o sentido” , isto é a representação, a história, a crítica, etc. Foi categórico em afirmar “ nossa situação geral” é de “melancólicos e fascinados” diante da “tela total “. 10 Essa mídia eletrônica chamada de mídia terciária , que seria uma mídia na qual tanto o emissor quanto o receptor precisam de aparelhos eletrônicos para codificar e decodificar as mensagens. 11 Constatamos nos dias atuais um fenômeno típico da sociedades midiatizadas a síndrome da auto-referência. 9 busca incessante do entretenimento, considerado diversão ou mero “matar o tempo”. Para Morin12 o “tempo de diversão” do entretenimento foi reduzido ao tempo do consumo, especialmente numa sociedade que reduziu todo o aspecto ao lúdico ao modelo dos jogos competitivos. Resta-nos, agora refletir sobre como estamos “matando o tempo”.Como matar o tempo? Sendo impossível atingi-lo como entidade autônoma atacamos o suporte através do qual o experienciamos a concretude, o corpo. Nesta concretude, experimentada na comunicação pela proximidade, nos leva ao crescente distanciamento na comunicação. Nossa comunicação caminhou do gesto á palavra, numa crescente abstralização, e com a palavra, dos suportes da mídia primária (corpo) aos suportes da mídia secundária ( impressos ), que aumentavam a possibilidade de comunicação á distância. Enfim chegamos a mídia terciária, que abole definitivamente os limites espaciais, eliminando a questão da distância na comunicação ( esse foi um dos motes básicos do discurso publicitários da internet desde seu surgimento). Chegamos, inclusive, ao jornalismo que, ironicamente, chama-se de “real time”.A Mídia terciária ofereceu os meios necessários para que a sociedade se transformasse numa sociedade de voyeur, instalou o espetáculo em todas as instâncias comunicativas.Esse fenômeno da comunicação como consumo e produção de imagens espetaculares que se oferecem á prática voyeur partiu da vida social, das demandas da Indústria cultural, mas acabou por se instalar, com a internet, também como a nova realidade da vida privada. Por outro lado com a diminuição da distância, a virtualização, o homem perde a experiência do tempo presente, livra-se também da consciência da transitoriedade. A imagem virtual traz a ilusão da eternização de uma pessoa no momento mesmo em que, de fato, o que ocorre é a dissipação do sujeito corporal, de sua identidade concreta. Para fugir á finitude humana, á mortalidade ( matando o tempo antes que este o mate), o homem contemporâneo recorre á comunicação virtual, inaugurando um tempo virtual infinito que foge ás leis da mortalidade, satisfazendo seu instinto/ pulsão de poder e de controle do egóico. Na carne, morremos, na imagem, somos, instantaneamente, ilusoriamente eternos. Virtualizar o corpo foi uma forma simbólica encontrada por nosso tempo para apaziguar o medo da morte. Só que, ao abrimos mão da morte, abrimos mão também da vida, já que elas são indissociáveis. Vivenciamos o avanço da tecnologia pela máquina que nos proporciona prazeres virtuais, que nos faz pensar viver em outro mundo, e fugindo da morte pela tecnologia. Dietmar Kamper13 ( 1997) diz que Deus sonhou o homem que, por sua vez, sonhou a máquina, e que a máquina sonhou Deus já acordou, o homem ainda não. Talvez por isso as máquinas estejam tão vivas enquanto o corpo humano se rarefaz e se transforma em imagens cujos suportes são cada vez menos o bem e velho barro do qual fomos feitos. A estética da cultura de massa, é impensável sem a mídia eletrônica, reduziu a comunicação ao consumo e o ritual ao espetáculo, operando a virtualização do corpo. A visibilidade do corpo garante sua concretude especialmente enquanto mercadoria, povoando e alimentando um imaginário praticamente publicitário, neste sentido, a mero simulacro14.O processo histórico dessa transformação é assim colocado pelo sociólogo alemão D. Kamper15: “Nós vivíamos numa sociedade produtora de bens, e agora adentramos numa sociedade produtora de signos: e a coloração básica dessa sociedade é a indiferença em relação ao corpo do homem, em relação á concretude do homem”. Como podemos viver com esse corpo que ao mesmo tempo abolimos? Estamos constatando as doenças que resultam do desligamento do corpo. Mas isso vem acontecendo na moda, na TV, nos filmes. Será que são estratégia para renunciar o próprio corpo? Não se quer fazer um corpo, se quer fazer uma imagem do corpo, o que é uma forma de destruir o próprio corpo.Nesse mundo, impera a cultura do consumo e da passividade, já que o indivíduo é chamado a consumir comodamente, sem nenhum esforço, cada vez mais produtos á sua 12 Morin, E. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1990. Kamper, D. O trabalho como vida. São Paulo: Annablume Brasil. 1997 14 Para Baudrillard vivemos hoje uma crise de representação, não se trata de imitação, nem de dobragem, nem mesmo de paródia. Trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é de uma operação de discussão de todo o real pelo seu duplo operatório, máquina sinalética metaestável, programática, impecável, que oferece todos os signos do real e lhes curto-circuito todas as peripécias...Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem”. ( J. Baudrillard: 1991. p-9) 15 Kamper, D. O trabalho como vida. São Paulo: Annablume,1997 13 mão, aumentando e garantindo o conforto. Neste sentido Paul Virillo16 aponta para as novas e assustadoras práticas de lazer que emergem com a difusão da informática. Em entrevista publicada na imprensa, alerta contra o “perigo da perversão” representada pela diversão tecnofílica, ou seja, aquela em que o sexo normal se transforma na zoofilia. A atração pelos computadores substituiria o desejo sexual, enquanto o sexo virtual substituiria a antiga relação sexual interativa.Será que a sociedade contemporânea é uma sociedade voltada para o prazer? Como é possível compreendê-la com tanta pouca reflexão sobre o lúdico? Existe alguma garantia para essa sociedade cercada de opções fugazes de prazer ser realizada? Estamos vivenciando uma sociedade fundamentada no prazer ameaçado, na chantagem da interrupção de qualquer experiência prazerosa, o que só pode desenvolver, na neurotização e na angústia. O pensamento racional desenvolvido nas sociedades ocidentais criou uma estrutura social embasada em fatores objetivos, uniformizados e homogêneos do conhecimento. Por isso, a subjetividade, a imagem, o mito e o simbólico passaram a não ser levados em consideração, acarretando uma evolução científica sem encantamento e guiada por valores e concepções lineares e funcionalistas do pensamento e de suas práticas simbólicas e culturais. As explicações objetivas conseguiram operar “ o desencantamento do mundo, da vida, dos valores e símbolos que permeiam a exterioridade cotidiana, ignorados, por longo tempo, pela Ciência e pela História”. (Carvalho: 1997 p.15 –16).Produziu-se então, uma sociedade que ao mesmo tempo era propagada por uma certa imagem, evidenciando uma determinada ótica de representação. Por outro lado, era uma sociedade da anti-imagem que não permitiu a expressão de outras maneiras de ver as coisas e fenômenos sociais e reduziu a qualidade de vida no planeta para a maioria da população, diminuindo as condições de exercícios da capacidade de imaginar do homem e da própria produção simbólica da sociedade.Entre as questões derivadas desta problemática, Milton Santos aponta para o fato de que a técnica leva á produção de modelos e normas, reduzindo os fatos, os instrumentos, as forças e os meios envolvidos em cada situação. As forças baseadas na técnica tornam-se ações codificadas, presas á imediatez e sem uma perspectiva teleológica17. Vivenciamos hoje um mercado que é definido por uma rede complexa de operadores simbólicos, logo, o mercado é uma construção semiótica que tem se desenrolado especialmente em um espaço social controlado por instâncias sócias específicas, tais como a mídia e as correntes políticas, econômicas e estéticas que nela se fazem presentes.As imagens concernentes ao valor são cada vez menos operadas pelas pessoas, diretamente pro meio de suas experiências concretas vivenciadas, e cada vez mais operadas por essas instâncias que trabalham com o imaginário social. A criação do valor simbólico da mercadoria, pela publicidade, seque-se sua virtualização. Esse fenômeno da virtualização não têm se dado exclusivamente por meio da lógica econômica publicitária ou midiática, sabemos que ele se encontra na base da sociedades modernas. Neste sentido constatamos que o pensamento exerce sua violência contra o sensível. Afinal os sentido estão no corpo, quem vai abdicando da comunicação primária vai perdendo também a capacidade semiótica, e passa a se mover num mundo em que tudo, não tem nem faz sentido.O corpo é o primeiro e o último reduto da experiência humana. Ao mesmo tempo em que sobram imagens sobre o corpo, imagens que revelam a clara obsessão das sociedades contemporâneas por ele, faltam situações sociais que solicitem ou estimulem a participação direta do corpo, de vivências que o convidem a experimentar sua concretude espaço-temporal. A racionalidade, que em tudo se dispõe a ver18 a regularidade e a ordem, se encontra agora, mais do que antes, incapaz de compreender a realidade que ela própria ajudou a construir. “A 16 Entrevista de Paul Virillo á Folha de São Paulo, de 20/ 08/ 96. No sentido dialético,o ousado projeto de colocar a racionalidade como fundamento da vida em sociedade em substituição ás crenças divinas, nos rituais, aos sentimentos, ás instituições e ás sensações, mostra-se agora, mais do que em qualquer período anterior, como uma nova forma de dominação humana. A racionalidade que se propôs a organizar o mundo, transformou-se numa segunda natureza do ser humano, ao mesmo tempo em que alterou a conformação do mundo sua volta, tal como a mitologia o fazia anteriormente. 18 O espaço representado era homogêneo, “exigia um diálogo racional e único com o seu leitor“; desde, um olho imóvel fixado no ponto de fuga deste espaço bastava. Estrutura-se assim a relação sujeito (ativo) x objeto (passivo): a natureza (mundo) e o espaço de representação eram objetos separados dos sujeito (homem). A tradição humanística cultuou essa 17 racionalidade instrumental é violenta”.19 Para o indivíduo, esse caos denunciador do sofrimento alheio e de seu próprio adquire o caráter de indiferença, enquanto falta de um contraste que poderia ser julgado a partir de regras morais. Por outro lado na época contemporânea ocorrem evidentes rupturas multiplicidades, fragmentação, desconstrução, complexidade e mutações na estrutura espacial apontam com vigor. Quebram a unicidade da compreensão do espaço. Fragmentam a ilusão de continuidade entre o espaço figurativo e o empírico.Afirma ainda este autor trata-se de uma relação “espetacular-especular”ou idelógica (LeBot,1973,p.199).Os espaços de contemporaneidade, segundo Le Bot, ( 1973, p. 201) expressam as ambigüidades das “imagens mecanomofas”, por sua vez próprias da sociedade industrial. A ordem mecânica do mundo revela o funcionamento também mecânico de organismos que integram a totalidade do corpo social . Não é uma ordem unitária á percepção, mas ao contrário, agora desencontrado, pleno de simultaneidade e movimentos contraditórios que são da existência social da era tecnológica. Mas também por influência dos meios de comunicação de massa e da tecnologia, é possível estar em contato com a totalidade do mundo, mesmo por seleções simultâneas, ás vezes fragmentadas, desconstruídas e rápidas, revelando as contradições, ambigüidades e heterogeneidade dos espaços sociais do mundo. Le Bot, ( 1973, p-210) em seu já citado estudo “Peinture et Machinisme” comenta que o espaço social na vida moderna apresenta ritmos acelerados, objetos simbólicos característicos da modernidade, tais como os arranha-céus, pontes de aço e concreto, o movimento dos automóveis e das iluminarias, gerando com isso modos de percepção estética vinculados á prática social comum, num universo submetido á lógica dos objetos técnicos. Encontra-se a construção de espaço social como aqueles que se refere ao sistema de produção, distribuição e consumo num determinado contexto histórico e social. Como vimos com o correr dos séculos o corpo rompeu-se da mesma forma que o espaço, vive hoje o simultaneísmo de sua representação. Fragmentos, cortes, ambigüidades, complexidade e desintegração correspondem ás mesmas “imagens mecanomorfas” que Le Bot comenta.A fragmentação do corpo social contemporâneo incentiva a representação de corpos humanos seccionados e fraturados. Drama, ambigüidade e heterogeneidade do significado dos corpos exigem esse tipo de representação. Recorrendo-se á análise por ele elaborada, temos que a fragmentação do corpo pode se dar por posturas, ou espelhados ou ainda pela vista direta, que nos faz esquecer que o “o próprio olho é um fabricante de imagens” ( Le Bot, 1982. p.12-13). Este autor ressalta e importância no sentido de atribuir uma função acentuadamente ativa do olho humano, que, por sua mobilidade, fechamento de pálpebras, rapidez ou lentidão de fixação nos objetos, possibilita infinitas visões do mundo, suas rupturas,opacidades ou nitidez. Com o dinamismo do sujeito que não olha, mas vê, as coisas passam assim a existir no sujeito, com sentidos específicos. Vivem a ação. Corpos vistos que são corpos existentes. O mundo representado fragmentado reflete ( espelhasinaliza) sociedades fragmentadas. Mas o mundo representado fragmentado reforça igualmente sociedade fragmentadas. Tem-se assim o mundo representado fragmentado não meramente como um objeto da sociedade, mas pode tornar-se em contrapartida, um elemento ativo na consciência dessa sociedade, ambos integrados, como assim propôs Merleau-Ponty20. Na Sociedade Contemporânea como vimos no parágrafo anterior tomando emprestadas palavras de Wittgenstein. “fragmentos de uma nova maneira de pensar e de agir”. Pensar na heterogeneidade e formação docente numa sociedade que acreditamos ser necessário compreender o real para superá-lo de uma maneira qualitativa, tal necessidade funda-se no fato de que “nesse fantástico mundo de códigos e das coisas, o homem sente-se estranho dentro do território que ele próprio criou, exilado de si mesmo. Parece não ter chances de se adaptar ao ritmo acelerado da barbárie tecnológica e, daí , seu desencanto com a ciência e o Mundo...” ( Carvalho: 1997, p-47).É relação sendo assim compreensível a conotação passiva e homogênea que o mundo real e o mundo em representação assumiram. Tal situação perdurou nos tempos, tornando o olho humano o centro ideal do visível” nas palavras de Le Bot ( 1973, p.199) 19 Fala da Professora Vilma Vitor Cruz em classe do Programa de Pós-Graduação em Educação 2.001. 20 Foi um filósofo acentuadamente preocupado em romper com a dicotomia sujeito-objeto (de tradição humanística) ,por ele denominada de “pensamento de sobrevôo”. Corpo para este autor assumiu um significado duplo e constante: a reflexidade ( consciência ) e a visibilidade (0bjeto). necessário se criar um novo espírito pedagógico para se ter novos encaminhamentos nas ações humanas. A formação docente numa época de heterogeneidade se faz necessário ter um novo espírito pedagógico tendo como perspectiva de sistematizar novas idéias que integrem os seres humanos nas diferentes formas de benefícios que a tecnologia moderna nos oferece.Vivemos num mundo fantástico de imagens mecanomorfas, de códigos e símbolos, no qual a grande maioria dos seres humanos encontra-se marginalizada. O educador, para sobreviver nesse contexto, precisa renovar-se e buscar o domínio dessas novas linguagens necessárias ao convívio social para que ele venha a demonstrar a sua importância social. Quanto maior for o domínio dos símbolos e códigos sociais utilizados pelo educador, maior chance ele tem de conviver com as novas gerações de demonstrar a sua necessidade social. Mais ainda, quanto maior for o domínio de tecnologias de ponta que ele venha a dominar, maiores perspectivas de que ocorra a sua valorização, atualização histórica essa que entretanto não pode excluir os pólos cognitivos do saber da tradição, nem os exercícios educacionais plenos de subjetividade e individualização. Na heterogeneidade da formação docente é necessário um novo olhar, para que o profissional da educação assumir cada vez mais um processo de reeducação. Esse processo tem por base uma outra atitude diante da prática pedagógica. É preciso aprender a olhar, com uma nova atitude no sentido social da educação, qual seja, a sua função social em uma sociedade desigual, que precisa ser transformada. O novo educador precisa na transmissão do seu saber, formar hábitos e atitudes, desenvolver as habilidades e competências essenciais ao convívio em uma sociedade da informação através do domínio de códigos e símbolos, das diferentes etapas do processo de ensino aprendizagem. Na Heterogeneidade, Cultura e Educação, é necessário abrir-se a presença do imaginário social, neste sentido é adequado falar em uma “ruptura instauradora”, usando a expressão de Michel de Certeau, que não supõe apagar as marcas da experiência e do conhecimento acumulados, o que seria de fato impossível, mas redirecionar o esforço intelectual no sentido de entender os limites dessa saber, questiona-los e instaurar princípios de um novo saber, produzido por um outro modo de olhar. Ao passo que com esse novo saber nos situarmos os valores, os mitos, as crenças, tradições, hábitos e costumes, tão desvalorizados e menosprezados pela racionalidade instrumental que vivenciamos nos dias atuais. Diante desta nova atitude pedagógica a motivação deve ser um aspecto a ser tratada no processo de reencantamento21 do educador. Esse reencantamento passa pela valorização do simbólico, que propõe a criação de utopias para o homem.Nessa Heterogeneidade e diversidade cultural do mundo globalizado, o educador deve ter por base uma revisão das suas representações sobre o mundo, a corporeidade e a educação e encaminhar um projeto de existência no qual sejam reconhecidos os elementos mítico-simbólico que integram o cotidiano das pessoas e ajudam a entender melhor os problemas enfrentados pelo homem no processo sócio-histórico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIER, P. O Poder simbólico. Lisboa, Difel, 1989 CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: 1-Artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. CARVALHO, E. Polifônicas Idéias: antropologia e universalidade. São Paulo : Imaginário 1997. HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976. LE BOT, M. Peinture et machinisme. Paris : Klincksieck, 1973. _______. L`oeil du peintre. Paris: Gallimard.1982. MERLEAU, P. M. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971. SANTOS, M. A Natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. SãO Paulo: Hucitec, 1996. KERN , M.L & Cattani, I.B. Espaços do corpo: aspectos das artes visuais no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Programa de Pós-Graduação em Artes, 1995. 21 Para Carvalho ( 1997. p 20-21) . “O reencantamento pressupõe uma renovação de princípios, valores, mitos e “fundase” na imprevisibilidade, na força do vivido, misto de paixão, diferenças, ressentimentos, em desejos que implicam a relativização das certezas e a recuperação da capacidade imaginal dos indivíduos”. THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis Rio de Janeiro : Vozes, 1995. WEBER, M. Metodologia das ciências sociais. Trad. Augusto Wener. São Paulo: Cortez, 1992.