1 A Família Gerdau, o comércio e as Fábricas de Pregos Pontas de

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Ciudad de México – 03 a 05 de febrero de 2010
Mesa 18 – Familias, negocios y empresas en la América Latina, 1850-1930
A Família Gerdau, o comércio e as Fábricas de Pregos Pontas de Paris e de Móveis
Navegantes
José Lannes
UFSM
Campus Silveira Martins
Resumo
A Família Gerdau, originária do casamento dos primos Johannes Heinrich Caspar
Gerdau e Alwine Marie Sophie Gerdau, em 1877, foi partícipe da industrialização e da
enxamagem dos imigrantes italianos pioneiros do Rio Grande do Sul, estado que fôra,
na segunda metade do século XIX, o celeiro alimentar da economia de exportação
brasileira. Burguês imigrante, com uma trajetória que se estendeu do pequeno
comerciante, na Colônia Santo Ângelo, ao médio comerciante de bens de consumo e
terras para colonização, em Cachoeira do Sul, e ao atacadista importador, em Porto
Alegre, João Gerdau construiu um patrimônio suficiente para adquirir a Fábrica de
Pregos Pontas de Paris, em 1901, e a Fábrica de Móveis Navegantes, em 1907, ambas
na rua Voluntários da Pátria da capital gaúcha, em um claro processo de diversificação
do portfólio de negócios familiares. Paralelamente, criou, sob a pressão de Alwine
Marie, um ambiente educacional que capacitaria o filho primogênito, Hugo Gerdau, a
gerenciar a fabricação de pregos e, posteriormente, assumir sua direção e sua
propriedade, e o segundo filho, Walter Gerdau, a controlar a fabricação de móveis,
atividades fabris que sobreviveram nas mãos da família para além da crise de 1929.
1. Introdução
A Família Gerdau é uma das famílias centenárias responsáveis pelo avanço da
industrialização brasileira, ao lado dos Matarazzo, Klabin, Ermírio de Moraes, Feffer,
entre outros. Originária do casamento de primos, ambos de ramos dos Gerdau na
Alemanha, na segunda metade do século XIX, essa família está hoje em sua quinta
geração, já mesclada a outra família de origem germânica, os Johannpeter, no comando
do Grupo Gerdau, um dos maiores grupos econômicos nacionais, com uma receita
líquida, em 2008, da ordem de R$ 16,5 bilhões1, equivalente ao 11º maior faturamento
empresarial na economia brasileira naquele ano (1000 maiores empresas, 2009).
A primeira geração se ocupou do comércio em suas múltiplas funções, desde o
varejo na fronteira agrícola até o atacado de produtos importados na capital gaúcha,
passando ainda pela comercialização de terras, dentro de um modelo privado de
loteamento das colônias de imigrantes em expansão. A economia gaúcha de então era o
celeiro alimentar do centro econômico, praticamente monopolizando o comércio por
cabotagem com a Corte do Rio de Janeiro. A economia agrícola de pequenos produtores
1
Valor equivalente ao somatório das empresas do Grupo Gerdau.
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ao pé da Serra Geral gaúcha era o resultado de uma política de colonização paralela ao
movimento de alterações no mercado de trabalho escravo e ao novo regulamento de
terras, de 1850, que abriu espaços à comercialização privada dos loteamentos para
novos colonos.
Casal pequeno burguês, Johannes Heinrich Caspar Gerdau e Alwine Marie
Sophie Gerdau nasceram em núcleos urbanos em áreas desenvolvidos na Alemanha
oitocentista, Altona e Neuenfeld (Hamburg), os quais iniciaram sua trajetória familiar
enquanto casal de imigrantes alemães na fronteira agrícola do Rio Grande do Sul, na
segunda metade do século XIX. A Colônia Santo Ângelo, na Depressão Central do
centro do estado e à beira do Rio Jacuí, foi a 25ª colônia alemã, criada oficialmente por
lei em 30 de novembro de 1855, mas definitivamente instalada em 1857, pertencente,
então, ao município de Cachoeira do Sul. Como pequeno vendista em linha de picada,
de 1869 a 1882, João Gerdau vendia aos colonos alemães artigos importados e aos
atacadistas de Porto Alegre, fumo e feijão. Em Cachoeira do Sul, de 1882 a 1893, como
médio comerciante, comercializava os mesmos bens, mas adicionou à sua atividade o
loteamento de terras que promoveu a expansão da Colônia Santo Ângelo, não só
explorando as condições favoráveis dado pelo novo marco legal da Lei de Terras, mas
também assumindo as atribuições gerenciais determinadas pelo Código Comercial. Em
Porto Alegre, a partir de 1893, incrementou sua atividade comercial com a importação
de equipamentos para a fabricação de cerveja e artigos religiosos. Em 1901, o
comerciante alemão transformou parte de seu capital comercial em capital industrial,
adquirindo a Fábrica de Pregos Pontas de Paris, que seria, posteriormente, dirigida pelo
filho primogênito, Hugo Gerdau. Em 1907, ampliou sua participação na indústria
gaúcha, com a aquisição da Móveis Navegantes, que passou a ser dirigida pelo segundo
filho, Walter Gerdau. Em ambos os casos, as informações necessárias à tomada de
decisão foram a recorrente publicação de resultados das empresas, uma norma
autoreguladora habitual dos agentes econômicos (Kuniochi, 2003: 5).
Desde o casamento, em 1877, Alwine Marie pressionou o marido em direção à
Cachoeira do Sul, o centro econômico da fronteira oeste do Rio Grande do Sul nos anos
1800s. A ausência de condições sociais de vida aos moldes de Neuenfeld, notadamente
os serviços de saúde e de educação, constituiu-se em fatores que condicionaram o
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esforço da esposa para a migração, com o intuito de prover os filhos com a formação
pequeno-burguesa que os pais haviam obtido na Alemanha.
Os esforços do casal, nos âmbitos cultural, social e econômico, promoveram não
só a diversificação dos negócios, mas também a preparação da segunda geração para a
propriedade e gestão do capital acumulado e herdado.
O presente trabalho analisa a relação entre a constituição familiar da pequena
burguesia, a realização de negócios, em uma trajetória crescente de atividades
comerciais e industriais e de complexidade de competências gerenciais, e a constituição
de empresas no Rio Grande do Sul, tendo como pano de fundo a economia nacional
agroexportadora e a economia regional de mercado interno durante o Império e a
Primeira República, em um contexto de mudança na regulamentação da aquisição de
terras, do mercado de trabalho e do comércio. Para tanto, a próxima seção aborda teoria
e método da pesquisa para, em seguida, analisar dois objetos de investigação: 1) a
constituição familiar, a geração de competências empreendedoras e a preparação dos
herdeiros para a gestão do capital; e 2) a evolução dos negócios familiares dentro do
contexto de economia primário-exportadora. A conclusão fecha a análise frente às
mudanças institucionais de 1850.
2. Da teoria e do método
A relação entre família e negócios nos primórdios do capitalismo aponta no
sentido da existência de elevado grau, por um lado, de endogenia na condução de
negócios em determinada área de atividade econômica, com forte relação entre o
empresário e os negócios familiares, e, de outro, de independência econômica da família
(Crouzet, 1985: 118; Kaelble, 1980: 414). No Brasil, a endogenia, conquanto
numericamente indeterminada, apareceu tanto nos desdobramentos multiplicadores da
economia primária de exportação, quanto na relação importação-indústria, da qual
Matarazzo tornou-se ícone (Dean, 1971: 45; 69) ou mesmo derivada das aptidões
artesanais da colonização européia, cujo exemplo foi o pólo calçadista de Novo
Hamburgo (Schneider, 2004: 36). A independência econômica derivada da inserção
social pôde ser vista na economia paulista, cujo grupo social que mais forneceu
empresários foi a classe média (Bresser Pereira, 2002: 146).
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Ambas as condições denotam a maior probabilidade do empresário advir de um
meio ambiente econômico e social que tenha lhe propiciado criar um horizonte de
oportunidades não disponível em outros grupos sociais, em especial, os filhos da classe
trabalhadora, que ascendem socialmente em proporção reduzida. Graus maiores ou
menores de endogenia remetem à questão do meio-ambiente no qual se forma o
empresário, às suas condições preliminares de existência. Em ambos os casos, não seria
possível a emergência de um empresário cujo meio sócio-histórico não lhe abrisse
oportunidades de negócio em seu horizonte, desde a perspectiva de valorizar o capital
em determinada área econômica, advinda da prática de trabalho ou da educação escolar
ou de ambas, ao montante de capital necessário a ser tornar capitalista, como já
lembrava Kalecki (1983: 78), e às competências necessárias ao processo empresarial de
tomada de decisões (formulação de decisão-problema, coleta de dados e execução da
decisão), elencadas por Casson (1982: 29).
O papel da família nos negócios tem sido realçado pela necessidade de reduzir
os custos de transação em ambientes de incerteza e risco, como foram aqueles dos
primórdios do capitalismo (Valdaliso e López, 2000: 198). Sistema de comunicação
lento, dificultando controles de negócios a larga distância da sede, e instituições legais
rudimentares (legislação mercantil reduzida e dificuldade prática de cumprimento)
reforçaram os laços familiares na condução dos negócios, com a família sendo
fornecedora de capital físico e humano (Mathias, 1995, apud Valdaliso e López, 2000:
198), papel também realizado por minorias étnicas e religiosas (quakers, católicos e
judeus), ao formarem redes de negócios. Todavia, nesse sistema familiar de fomento aos
negócios tornou-se invisível o papel desempenhado pela esposa do empresário nas
estratégias de longo prazo de valorização do capital e do patrimônio familiar, que não se
restringiram ao provimento de recursos humanos, mesmo que de modo informal
(Nenadic, 1993: 91). Esse papel esteve ligado à gestão da riqueza patrimonial, que não
se limita às características atuais da ocupação feminina como proprietária ou gerente
dos negócios familiares, ou ainda como parceiras cooperativas, trabalhadoras não
remuneradas ou mesmo liderança informal nos negócios (Fernández Pérez e Hamilton,
2007: 3), mas envolve a preparação educacional dos filhos para a assunção da gestão da
riqueza familiar no futuro, o que implica definição de objetivos e de metas em termos de
capacitação da próxima geração.
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Os negócios ocorrem em um determinado contexto econômico. No Brasil, entre
o final do Império e a Primeira República, assistiu-se ao desenvolvimento de uma nova
fase da economia agrário-exportadora nacional com o café, cujos efeitos dinâmicos se
irradiavam pelo país, em especial ao Rio Grande do Sul, que se transformou, na segunda
década do século XIX, em celeiro alimentar do país pelo comércio de cabotagem. Tratase de uma economia de transição ao trabalho assalariado (Furtado, 2003), com
modificações na regulamentação da ocupação de terras (Costa, 1987: 140; Carvalho,
2003: 331; Lima, 1990: 64) e do comércio (Schmidt, 2000: 205; Bentivoglio, 2003: 3).
Paralelamente, a retomada da política ocupacional da região meridional de fronteira nos
começos do Império, na década de 1820 e após a Revolução Farroupilha, com a
imigração européia, estabeleceu uma economia agrária ao pé da Serra Geral gaúcha que,
paulatinamente, foi se transformando em base de exportação relevante no cenário
sulista. A análise do ambiente externo aos negócios de João Gerdau possui ambas as
economias, nacional e provincial, como pano de fundo.
Dentro de um ambiente favorável aos negócios, dado, em geral, por uma fase
ascendente da renda per capita no país, derivada da expansão da renda real gerada pelo
setor exportador da economia nacional (Buescu e Tapajós, 1969: 166; Furtado, 2003:
148), analisa-se a expansão dos negócios familiares dentro de uma perspectiva
concêntrica, buscando explicar a ruptura com a entrada da família na indústria gaúcha.
O crescimento das empresas ocorre naturalmente nas áreas de atividade econômica em
que se especializaram, podendo diversificar para outras áreas, mas com ligações com a
área anterior, considerada o core business da empresa, o que concede a essa trajetória o
caráter de concentricidade (Penrose, 2006: 177; Ansof, 1977: cap. 5), equivalente ao
conceito de endogenia, de Crouzet. Não obstante, a expansão econômica dá início a
novos negócios, seja porque a taxa de expansão da demanda supera a da oferta,
induzindo novas entradas por processos de construção de capacidade física, por
aquisição ou fusão, ou porque a expansão global gera insterstícios nos mercados locais
que permitem a entrada de capitais em novas áreas de atividade econômica (Guimarães,
1987: 47; Penrose, 2006: 358).
A pesquisa analisa, nesse sentido, a trajetória de João Gerdau e sua família desde
o período anterior à sua imigração para o Brasil até a década posterior ao seu
falecimento, quando, então, a segunda geração já havia assumido a propriedade e a
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gestão do patrimônio familiar, dentro do contexto da economia entre o Império e a
Primeira República. Tem por base dois tipos de pesquisa, a bibliográfica e a
documental, cuja fonte de dados reparte-se em dois tipos de documentos, externos e
internos. As fontes externas foram as bibliografias de análise macroeconômicas sobre a
época, artigos de jornais, a história oficial do Grupo Gerdau e documento públicos,
como escrituras, registro de imóveis e inventários. As fontes internas foram os livros
contábeis, documentos pessoais e a pesquisa familiar encomendada à historiadora Hilda
Flores, todos depositados no acervo do Memória Gerdau. Pelo fato da pesquisa de
Flores ser fundamentalmente documental, parte relevante do trabalho tem sua análise
nela baseada.
As próximas seções tratam de dois momentos. O primeiro trata da acumulação
primitiva de capital do comerciante João Gerdau e que ocupa as últimas três décadas do
século XIX; o segundo, aborda as três primeiras décadas do século XX, quando a
segunda geração da família assume a gestão e a propriedade do capital acumulado até
então.
3. A gênese e a evolução do capital comercial de João Gerdau
João Gerdau foi um imigrante alemão que chegou ao Brasil na segunda metade
do século XIX, mais precisamente em 1869, instalou-se em uma área de colonização no
Rio Grande do Sul como comerciante de produtos agrícolas, bens importados e terras, e
acumulou patrimônio em três décadas, suficiente para comprar uma fábrica de pregos e
outra de móveis, as quais seriam comandadas pela segunda geração familiar.
O sucesso desse empresário só pode ser compreendido ao situá-lo no ambiente
econômico que determinou uma dinâmica ascendente de seus negócios. Esse ambiente
foi o da segunda metade do século XIX, quando a Europa e os Estados Unidos
apresentaram crescimento industrial e urbano, com alterações nos padrões de consumo
que determinariam uma crescente demanda de produtos alimentícios, entre os quais se
encontrava o café, cuja demanda deu origem a um novo centro dinâmico econômico no
Brasil, ainda que perpetuando o modelo de economia colonial integral, adicionado de
um setor de subsistência, autônomo em relação ao exterior, mas subsidiário ao centro
dinâmico, fornecendo bens de consumo e intermediários, na forma de alimentos e
matérias-primas, e mão-de-obra.
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A segunda metade do século XIX é um período de transição, do esgotamento do
sistema escravagista de plantation ao trabalho assalariado, para o que concorrem os
esforços de modificação da regulamentação do mercado de trabalho, com a seqüência
de leis relativas à abolição da escravatura, e formas wakefieldianas de estímulo à
imigração de braços livres, pela Lei de Terras. Paralelamente, o Império também
pretendeu ocupar a banda meridional do país, a partir de processos de colonização com
força de trabalho européia, da qual a economia de lavoura do Rio Grande do Sul
emergiu após a Guerra do Paraguai.
A economia gaúcha, nesse período, foi uma economia exportadora de alimentos
e importadora de produtos manufaturados, cujas exportações dirigiram-se tanto para o
exterior, Europa, Estados Unidos e a região do Prata, quanto para as províncias ligadas à
produção primário-exportadora. Os colonos alemães se integraram paulatinamente a
esse fluxo comercial, respondendo às crescentes demandas de alimentos, cuja oferta
decorreu da expansão da fronteira agrícola por toda a região ao norte do Jacuí, a partir
de processos públicos e privados de loteamento de terras, já sob o novo regime da Lei
de Terras.
João Gerdau tomou parte tanto na intermediação comercial com a zona agrícola
como na expansão da fronteira, como comerciante de terras. Seu sucesso está ligado a
esse crescimento de atividade econômica que desenvolveu o norte do Rio Grande do
Sul, que, por sua vez, esteve ligado à evolução do centro dinâmico da economia
brasileira, decorrente do crescimento europeu e norte-americano.
As próximas subseções analisam a origem da família, a gênese e evolução do
capital comercial do empresário João Gerdau.
3.1 A origem da Família João Gerdau
A pioneira Família Gerdau constituiu-se com o casamento de primos, Johannes
Heinrich Caspar Gerdau e Alwine Marie Sophie Gerdau (Flores, 1980). João Gerdau
nasceu em 1849, em Altona (Hamburgo), filho primogênito de Johannes Gerdau e Anna
Focken, enquanto Alwine Marie Sophie Gerdau nasceu em 1858, em Neuenfelde
(Hamburgo), filha de Heinrich Gerdau e Sophie Korländer.
Ambas as localidades circundavam o rio Elba, porta de entrada da intermediação
comercial germânica com o resto do mundo, por meio do porto de Hamburgo. Altona
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situava-se a dez quilômetros a oeste de Hamburgo, fora de suas muralhas, na margem
norte do Elba. Neuenfelde era uma zona rural de Harburg, na margem sul do mesmo rio,
a sudoeste de Hamburgo e ao sul de Altona, bastando atravessar o rio.
Hamburgo, cidade-estado portuária dentro da Confederação Germânica, banhada
pelo Elba, era um dos maiores entrepostos comerciais do norte europeu, rivalizando
com Rotterdam, tendo, em 1864, uma população de 239 mil habitantes. Mesmo
independente da união aduaneira do Zollverein, o desenvolvimento do mercado interno,
da indústria e dos meios de transporte, ainda na primeira metade do século XIX,
impactou a região norte da Confederação, pelos efeitos multiplicadores ao crescimento
da marinha mercante (Mauro, 1976: 85; Niveau, 1969: 109; Werlang, 2002: 28).
Altona acompanhou o ciclo de crescimento da Confederação e era uma cidade
em desenvolvimento manufatureiro desde 1830, concentrada nos ramos de tabaco,
curtume, têxtil, moagem de grãos, fundição e mecânica, tendo aproveitado a unificação
do mercado da região norte, o Schleswig-Holstein e a Dinamarca, pela conclusão das
estradas que cruzavam a região, Hamburgo-Lübeck e Altona-Kiel, e pelo porto com
terminal ferroviário, em 1840 (Werlang, 2002: 26).
Manufatura, comércio e marinha constituíram o ambiente da família Gerdau
antecessora. O avô de João Gerdau, Caspar Heinrich Gerdau, e seu tio, Heinrich
Gerdau, trabalhavam com marinhagem2. As atividades dos ascendentes de João e
Alwine Gerdau deveriam ser qualificadas o suficiente para manter uma condição de
classe média, verificadas pela formação educacional dadas aos filhos e pelos sinais de
riqueza exteriores.
João Gerdau e seu irmão Barthold tiveram educação técnica
superior, enquanto Alwine freqüentou educandário de elite, com direito à educação
doméstica e a aulas de piano. Hilda Flores especula que o pai de Alwine tenha sido
funcionário de alto escalão da marinha mercante, pelo solar (Banerhof) em que residia
em Neuenfelde. Pode-se crer que o ensino técnico superior de João Gerdau tenha sido
na área de administração e contabilidade, não só pelas competências comerciais que já
possuía quando aportou em Santo Ângelo, mas pelo crescimento do ensino técnico e de
2
Roche menciona que João Gerdau teve um tio que era comandante de navio alemão (Roche, 1969: 532),
enquanto Delhaes-Guenther afirma que João Gerdau veio ao Brasil no navio de seu tio (DelhaesGuenther, 1973 apud Flores, 1980: 8 – 4ª cópia).
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negócios durante o início da industrialização alemã (Kocka, 1982, apud Valdaliso e
López, 2000: 207).
3.2 Os negócios da Família Gerdau na Colônia Santo Ângelo (1869-1884)
João Gerdau chegou à Colônia Santo Ângelo em 1869, com um aporte mínimo
de capital que lhe permitiu comprar um lote na Picada Canto e construir dois imóveis,
sua residência e sua casa comercial.
A Colônia Santo Ângelo foi um projeto de colonização criado pela Lei
Provincial de 30 de novembro de 1855 e executado, a partir de 1857, pelo governo
provincial de Ângelo Muniz Ferraz, a quem o projeto da nova colônia havia feito
homenagem. Estava disposta à margem esquerda do Rio Jacuí, à noroeste de Cachoeira
do Sul, compreendendo a ocupação da margem do rio e a abertura de picadas em
direção à mata. As condições de assentamentos dos colonos foram definidas por duas
regras provinciais. A Lei Provincial n.229, de 4 de dezembro de 1851, estipulava limites
de tamanho (máximo de 48,4 ha) e a gratuidade dos lotes, em colisão com a Lei de
Terras, e de instrumentos agrícolas e sementes, além de indenização dos custos de
viagem, acrescida de recursos adicionais para o período de instalação. A Lei Provincial
n. 304, de 1854, corrigiu a anterior, buscando conciliar a regra provincial aos ditames da
Lei maior imperial, quando se extingue a gratuidade dos lotes e se prescreve a venda,
mas não somente à vista, como na Lei de Terras, incluindo a venda à prazo, sem juros,
pagáveis em cinco anos, tornando-se, segundo Roche (1969: 102), a carta de
colonização do Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX. Sua
regulamentação, de 1855, por um lado, facilitou a compra, pela carência de três anos,
permitindo o pagamento a partir da própria produção agrícola, e, por outro, dificultou
transações imobiliárias posteriores, dada a hipoteca das terras. Essas condições não
frustraram o crescimento da colônia: no primeiro qüinqüênio de colonização, de 1857 a
1862, foram ocupados 6 mil hectares; na terceira década, 32 mil hectares haviam sido
loteados (Werlang, 2002: 180-209).
Em 1869, ano da chegada do imigrante alemão, a Colônia possuía uma
população de 1.269 habitantes, dispersos por uma área ocupada de 12,5 mil hectares,
que cresceu de forma mais acelerada nos anos seguintes que a ocupação de terra,
aumentando a densidade demográfica. Junto a essa crescente ocupação foram
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incrementadas a produção agropecuária, a exportação de produtos agrícolas e a
incipiente agroindustrialização (Werlang, 1995: 212; Bruhn, 2004: 7; Schuh e Carlos,
1991: 184).
De 1867 a 1887, a economia da Colônia cresceu de forma acelerada. O valor real
das exportações foi de 18.584 mil réis a 198.700 mil réis, o saldo comercial
(exportações menos importações) foi de 4.377 mil réis a 63.200 mil réis, equivalente a
uma renda real per capita com o saldo comercial que cresceu de 16$115 réis a 49$457
réis (Werlang, 2002: 71-73; Azambuja, 1887: 212-2133).
Foi nesse ambiente que João Gerdau estabeleceu-se como pequeno comerciante
de varejo e semi-atacado. Na Linha Picada Canto, construiu dois imóveis. O armazém
era em estilo enxaimel, com área aproximada de 80 m2, ao qual seria acrescido,
posteriormente, um salão que o comerciante utilizava para atividades sociais, como
festas, bailes, casamentos e batizados. A residência da família ocupava uma casa em
estilo hamburguês, com cerca da mesma metragem do armazém (Melo, 2006: 85).
No varejo, o armazém vendia artigos não produzidos na Colônia, mas
importados, configurando uma linha diversificada de produtos: tecidos, açúcar, azeite,
sal, ferramentas e pregos (Gerdau, 2001: 123). Já sob a égide do Código Comercial de
1850, os comerciantes deveriam seguir a escrituração contábil, com uma ordem
uniforme de contabilidade, e a conservação dos livros (Schmidt, 2000: 205). João
Gerdau deve ter utilizado o controle contábil do negócio, como faria nas vendas de
terras, como forma de controlar o crédito aos colonos, abrindo a eles o sistema de
contas-correntes já utilizado pelos comerciantes das primeiras colônias na evolução da
permuta para o sistema escritural (Roche, 1969: 411). Segundo Flores, o maior
movimento do armazém deveria ser o final de semana, quando os colonos aproveitavam
o Freiabend, a interrupção das atividades produtivas semanais no sábado à tarde,
antecipando o descanso dominical, e se dirigiam à venda, onde podiam entabular
conversações, cultivar amizades, jogar cartas em meio a tragos de cachaça, o schluck,
escutar dos mascates as novidades da capital, constituindo o armazém um espaço de
coesão sócio-cultural (Flores, 1980: 30). Na ausência de numerário em circulação,
deveria ser prática a moeda escritural.
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Valores reais calculados utilizando o índice deflator de Lobo, 1978, ponderação de 1919.
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No semi-atacado, transacionava-se o escoamento da produção agrícola colonial,
em especial de feijão e fumo, para os quais o imigrante possuía um depósito junto ao
Porto Agudo, no Rio Jacuí (Werlang, 2002: 76), necessário à logística de estoque e
fretamento de carga fluvial em direção à Cachoeira. Nesse primeiro período, quando os
meios de transporte de carga ainda eram precários, a margem de comercialização dos
negociantes semi-atacadistas estaria entre 15% e 28%, com 34% de custos de transporte
(Roche, 1969: 407-408),
Em 1877, João e Alwine se casam na Alemanha, mais provavelmente em
Neuenfelde, onde residia a noiva, área rural à margem sul do Elba, e geram, na Colônia,
os dois filhos que constituiriam a segunda geração da família: Hugo Carl Wilhelm
Gerdau, nascido em 1879, e Walter Heinrich Robert Gerdau, nascido em 1881. Apesar
da similitude com a residência na Picada do Canto, à margem direita do Jacuí, as
condições infraestruturais eram sensivelmente reduzidas na Colônia Santo Ângelo, o
que causou estranhamento na esposa nos âmbitos educacionais e de saúde. Em 1878, o
casal perde a primeira filha, Marta Alwine Sophie Gerdau, com 11 dias de vida, atacada
pela crupe (Werlang, 2002: 56). Em 1884, quando o primogênito varão, Hugo Gerdau,
completava cinco anos de idade, a mãe reconheceu seu fracasso na alfabetização do
garoto e passou a pressionar o marido em direção a centro urbano maior, a uma melhor
escolarização para os filhos, a maior campo de negócios para a família e a maiores
recursos sócio-econômicos, aos quais Alwine ambicionava ter acesso, segundo Flores
(1980: 39).
Nos quinze anos que residiu e comercializou na Colônia Santo Ângelo, de 1869
a 1884, seu patrimônio médio foi estimado em 8,9 contos de réis, o que o classificaria
como pequeno comerciante, repartido em imóveis (71%), mobiliário (13%), estoques de
mercadorias e equipamentos comerciais (16%), mais equipamentos e ferramentas não
passíveis de estimação (Melo, 2006: 85).
Aliada à pressão familiar, mudanças no ambiente externo aos negócios alteraram
o rumo dos negócios da Família Gerdau. Em 1876, o telégrafo chegou à Cachoeira do
Sul; em 1882, a emancipação da Colônia aboliu sua autonomia e findou a isenção
tributária existente sobre a comercialização de produtos; e, em 1883, a ligação
ferroviária a Porto Alegre foi terminada. João Gerdau era comerciante de picada, na
ponta extrema da fronteira agrícola, em contato direto com os produtores rurais. Sua
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relação com o mercado externo era intermediada pelos comerciantes do centro regional
e as informações sobre os preços de mercado eram defasadas. A mudança significaria
uma alteração de posição na cadeia de comercialização, de vendista a intermediário.
Com o telégrafo, as relações com Porto Alegre tornar-se-iam mais diretas, reduzindo a
assimetria de informações. As competências de negociante foram aquelas desenvolvidas
na época.
3.3 Os negócios da Família Gerdau em Cachoeira do Sul (1884-1894)
Na primeira metade do século XIX, Cachoeira se firmou como entreposto
comercial, pelo qual passavam as tropas; incrementou-se a criação de gado nas
sesmarias e o comércio de derivados entre as povoações do entorno; as casas comerciais
no centro urbano expandiram os negócios com a capital da província, sendo ponto de
distribuição de produtos importados às povoações da região e da fronteira agrícola em
expansão. Na segunda metade daquele século, Cachoeira foi transformada pela chegada
da imigração alemã, com o que o crescimento populacional do município acelerou-se;
se até o início da colonização, a taxa de crescimento demográfica era da ordem de 1%
ao ano, após a década de 1860, atinge 4,5% (dados básicos de Porto, 1910: 39). Na
década de 1880, a cidade possuía uma atividade econômica diversificada, com cinco
estabelecimentos industriais, nove comerciais e dez de serviços. A indústria era
composta pela fabricação de cerveja, tijolos, sabão e carne, além do beneficiamento de
arroz; o setor comercial vendia tecidos, secos e molhados, ferragens, vinhos, carnes,
artigos de ouro e relógios, pães e remédios; o setor de serviços abrangia alfaiates,
barbeiros, casas de bilhar, funileiros, marceneiros, médicos, sapateiros e tamanqueiros,
tipógrafos e hospedarias (Werlang, 2002: 107-108).
É nesse ambiente que João Gerdau estabeleceu novo ponto comercial,
assumindo uma posição de intermediário na distribuição de produtos coloniais e
importados, e entrou em uma nova atividade econômica, o comércio de terras loteadas.
Para o comércio no varejo e no atacado, João Gerdau estabeleceu em Cachoeira
do Sul um armazém em um ponto estratégico, o centro da cidade, em uma de suas ruas
principais, em frente ao mercado público. Desde esse ponto, negociava a produção
agrícola oriunda da Colônia Santo Ângelo, destinando-a a Porto Alegre, de onde trazia
produtos alimentícios, artigos de vestuário e calçados, ferramentas e insumos agrícolas
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(Gerdau, 2001, p. 126). As condições de acumulação em Cachoeira seriam muito
superiores às da Colônia. Primeiramente, a escala de comercialização deve ter crescido,
pois agora atendia não só a colônia, mas também o centro urbano da cidade, os demais
distritos e as povoações vizinhas; a localização estratégica permitia a exploração do
fluxo de pessoas que se dirigiam ao mercado público. Em segundo, deve ter havido uma
diversificação do catálogo de produtos disponíveis. Mantidas as margens de lucro nos
produtos tradicionais, à maior escala corresponderia maior volume absoluto de lucros;
admitida maior margem de lucro nos produtos diversificados, maior seria o acréscimo
de ganhos.
O comércio de terras se constituiu, nesse novo período, em uma diversificação
dos negócios da Família Gerdau. A Lei Geral de Terras havia aberto a possibilidade da
comercialização privada de terras para fins de colonização, uma vez que acabara com a
concessão. Porém, somente em 1881, o Governo Provincial abriu essa possibilidade real
na região com a emancipação da Colônia Santo Ângelo e o fim do processo de
loteamento oficial, o que abriu os horizontes de oportunidades de negócios com os
loteamentos privados (Roche, 1969: 115). Em 1886, João Gerdau estabeleceu uma
sociedade com dois proprietários de terra, a qual denominou João Gerdau e Cia., com
sede no armazém da Colônia Santo Ângelo, que sofreu uma ampliação de cerca de 30
m2 para abrigar o negócio exclusivo de terras. Os sócios originais de João Gerdau foram
Polycarpo Pereira de Carvalho e Silva e Antonio Peixoto de Oliveira, proprietários de
grandes áreas de terra em Cachoeira e negociantes de lotes que deram origem a várias
linhas coloniais, e muitas em parceria com o Cel. Manoel Py, próspero comerciante de
Porto Alegre, fundador da Cia. de Fiação e Tecidos Porto Alegrense, cujo capital inicial
havia sido de 1.600 contos de réis (Flores, 1980: 51; Reichel, 1979: 265), o qual
sucedeu o latifundiário Polycarpo na João Gerdau e Cia. após seu falecimento, em 1887.
Sua função nessa sociedade era a de gestão e vendas de lotes em áreas devolutas
compradas do governo provincial (Werlang, 2002: 82), o que denotava as exigências de
escrituração contábil do Código Comercial de 1850, necessárias à maior clareza do
fluxo de recursos do empreendimento, mais ainda quando utilizava o sistema de crédito
advindo das vendas à prazo. Sua renda com o negócio de terras incluía a comissão de
10% sobre o lucro pela gestão (vendas e administração) e um terço do lucro após
deduzida a comissão (Flores, 1980: 50). Essas condições do negócio mostram dois
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âmbitos da competência do comerciante: de um lado, a capacidade de articular e se
associar com proprietários de capital para o negócio de terras; de outro, a habilidade na
gestão do negócio, o que incluía as operações de vendas a crédito.
Durante o período em que viveu em Cachoeira, João Gerdau aumentou a
imobilização de seu capital em bens imóveis, compostos por prédios e terrenos. Da
estimativa de 37:652$000 de valor de seu patrimônio, em valores reais em 1893, 84%
eram de imóveis, 4% de imobiliário e 12% de estoques (Melo, 2006: 91). O comerciante
já assumia o status de médio porte e se encaminhava para a ampliação dos negócios
familiares.
Em 1884, ano da instalação da Família Gerdau em Cachoeira, nasceu a filha
caçula do casal, Bertha Alwine Margaretha Gerdau. Os irmãos mais velhos passaram a
freqüentar o colégio anexo à Comunidade Evangélica de Confissão Luterana. Ao
término dos estudos colegiais, deveriam estudar em escolas técnicas na Alemanha,
como era a praxe na elite industrial alemã no Rio Grande do Sul, do mesmo modo que a
elite paulista fazia com seus herdeiros. Em 1893, João Gerdau viajou à Alemanha, por
lá permanecendo por volta de três meses, de julho a setembro. Duas perspectivas podem
ser divisadas a partir da estada do empresário em um país unificado e que
experimentava um ritmo de crescimento econômico forte. De um lado, necessitava
gestar a médio prazo a reprodução familiar da riqueza acumulada em um quarto de
século, a qual dependia da preparação acadêmica, técnica e cultural da segunda geração.
De outro, precisava visualizar um horizonte de oportunidades no qual pudesse
diversificar a aplicação de capital. A formação técnica e cultural dos filhos foi realizada
em Düsseldorf, no Gymnasium Oberkassel, uma escola técnica, período no qual
viveram com o tio Barthold Gerdau (Werlang, 2002, p. 110-1; 163; Delhaes-Guenther,
1973, apud Flores, 1980: 44). Com isso, a segunda geração do comerciante formou-se
na adolescência em um ambiente de modernização econômica. Na medida em que
Düsseldorf, na última década do século XIX, já era uma cidade moderna na Alemanha
unificada, a permanência na cidade e no país por três meses, em 1893, não se restringiu
à condução educacional dos filhos; é de se supor que João Gerdau não só tenha mantido
relações de negócios com exportadores, em especial de equipamentos e insumos para
cerveja, mas também tenha especulado oportunidades de novos negócios, pois na
década seguinte investiria em dois ramos industriais, a metalurgia e o mobiliário, e
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Düsseldorf era um pólo industrial de fabricação de maquinaria. Independentemente do
surto epidêmico e da residência dos avós paternos em Altona-Hamburgo, região
especializada no fluxo de comércio exterior, a escolha de Düsseldorf possuía vantagens
comparativas: de um lado, a região era um forte centro metal-mecânico, inclusive pólo
de fabricação de máquinas de pregos e outras máquinas, o que teria uma maior
influência técnica sobre os conteúdos escolares; de outro, a proximidade do tio com
formação em engenharia e experiência em gestão de projetos nessa área constituiria um
aporte de conhecimentos ímpares para a nova geração.
Uma década após ter migrado para um centro urbano maior que a antiga Linha
de Colônia, a Família Gerdau migrou novamente, mas em direção à capital do estado,
com uma diversificação de atividades, como atacadista de importação e capitais na
indústria. Aqui, também, a pressão da esposa, com a filha caçula em idade escolar, foi
sentida pelo comerciante para buscar um centro urbano com maior florescimento sóciocultural (Flores, 1980: 55).
4
Do capital comercial ao capital industrial em Porto Alegre
Da República à crise econômica de 1929, constituiu-se o período de mudanças
na dinâmica econômica do Rio Grande do Sul. A dicotomia anterior entre a pequena
propriedade de lavoura e criação na Serra e o latifúndio pecuarista na Campanha seria
substituida pelo eixo industrial Caxias-Porto Alegre e o resto do estado imerso na
produção agropecuária, já em novas bases tecnológicas, pelas quais se desenvolveram
as culturas de arroz e trigo. O esgotamento da fronteira agrícola no antigo sistema
colonial promoveu a enxamagem das gerações mais novas em direção à fronteira
agrícola norte-noroeste, com duas rotas de penetração do Planalto, a partir de Caxias do
Sul e Montenegro, criando núcleos urbanos estáveis e aumentando a densidade
demográfica (Roche, 1969: 344; Barroso, 1992: 51; Herrlein Jr., 2000: 154). Estava
ampliado o mercado regional, ainda mais interligado com a ferrovia, desde o último
quartil do século XIX.
Porto Alegre, no início da República, era o centro econômico dinâmico da
província do Rio Grande do Sul. O fluxo crescente de comércio dos produtos agrícolas
coloniais, e sua contrapartida em bens importados, desenvolveu o setor comercial da
capital. A evolução econômica das colônias aumentou a demanda de produtos
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importados, abrindo mercado para produtos manufaturados e estimulando a indústria
gaúcha substituidora de importações, sendo a capital da província o lugar estratégico de
implantação de plantas fabris e onde se localizou forte surto industrial regional a partir
do último decênio do século XIX, com predominância de capitais provenientes da
colonização alemã, já instalados no eixo São Leopoldo-Porto Alegre quando a
imigração italiana aportou na Serra Gaúcha (Singer, 1968: 165; 172; Reichel, 1979:
257; Roche, 1969: 506).
A capital, na primeira década do século XX, já possuía infra-estrutura urbana
diferenciada dos demais núcleos urbanos do estado: parcela de água encanada, linha de
bondes, mercado público, iluminação à gás, serviço telefônico e ensino superior (Singer,
1968: 162). O aumento populacional da capital expandia a demanda urbana e novas
possibilidades de negócios.
Em 1893, a Família Gerdau mudou-se para a capital da província, passando a
diversificar suas atividades econômicas. No ano seguinte, e durante quatro anos,
estabeleceu a Gerdau e Naschold, empresa atacadista de importação de equipamentos e
insumos à produção de cerveja, de vinhos e artigos religiosos (Werlang, 2002: 111).
O capital mercantil então empregado passou a ter acesso a novos horizontes de
oportunidades de negócios. De um lado, as relações de representação comercial com
exportadores estrangeiros enriqueceram, sem dúvida, o conhecimento acerca das teias
dessas relações comerciais externas, que envolvem as formas que assumem as
consignações de mercadorias, as espécies de crédito ao consumidor final ou aos
intermediários dispersos pelo interior do estado, a contratação de frete marítimo desde a
Europa, o desembaraço aduaneiro, a estocagem de produtos. Com isso, João Gerdau
avançou mais um elo na cadeia de comercialização, dispensando a utilização das
grandes casas importadoras. De outro, teve acesso a um sistema de distribuição muito
mais amplo que aquele circunscrito a Cachoeira, pois agora direcionava seus catálogos
de produtos às vendas dispersas tanto nos núcleos coloniais, aos comerciantes
intermediários, quanto nas linhas de colonização, aos comerciantes de varejo.
Ao lado das atividades de comércio de importação, João Gerdau manteve o
comércio de exportação de produtos agrícolas, basicamente o feijão e o fumo, e de
produtos importados. As exportações de João Gerdau cresceram aceleradamente com os
efeitos do período do Encilhamento, em termos nominais e reais, com pico desse
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movimento em 1896, a partir de quando experimentou queda também acentuada,
flutuação fortemente cíclica do comércio de produtos agrícolas que deve ter contribuído
para que o imigrante desviasse seu horizonte de crescimento para a indústria (Melo,
2006: 94). De 1893 a 1901, João Gerdau realizou lucros com o comércio de
commodities e de importados, o qual se transformou em capital industrial, uma vez que
o patrimônio acumulado em Santo Ângelo e Cachoeira do Sul praticamente se manteve,
à exceção das áreas de terra para loteamentos, que importavam na década de 1890
pouco mais de 4 contos de réis.
4.1 A Fábrica de Pregos Pontas de Paris
No dia 5 de fevereiro de 1901, o comerciante João Gerdau adquiriu a Fábrica de
Pregos Pontas de Paris junto com seu filho, Hugo Gerdau, com a razão social
Metalúrgica João Gerdau & Filho, passando o filho a gerir a empresa. A fábrica estava
estrategicamente localizada na rua Voluntários da Pátria, esquina com a rua Garibaldi,
com os fundos voltados para o rio Guaíba, através do qual a empresa recebia sua
matéria-prima importada, bem como suas máquinas.
Madeira e prego vinham sendo consumidos como bens complementares desde o
final do século XIX, pois o prego era o principal elemento fixador de peças de madeira
utilizadas na construção civil, na fabricação de mobiliário, de equipamentos industriais
e de embalagens, atividades econômicas que evoluíram com a urbanização do país, com
os processos de colonização por imigração e com o transporte de mercadorias. A
construção civil foi, dentre essas atividades, a que deve ter consumido a maior parte da
madeira explorada no país e, por conseqüência, dos pregos importados e internamente
fabricados. Foi a partir da introdução do prego e da madeira serrada no mercado que a
urbanização tornou-se possível de forma acelerada em determinadas regiões do Brasil,
notadamente o sul, o qual dispunha de abundância de pés de pinheiro, por ser zona de
crescimento natural dessa espécie de árvore. No caminho de expansão da fronteira
agrícola, madeira e prego foram utilizados nos mais variados tipos de construção
(Miranda e Carvalho, 2005: 136-139).
Por outro lado, o crescimento urbano também contribuiu para o aumento da
demanda de pregos. Nas duas primeiras décadas do século XX, Porto Alegre cresceu
populacionalmente ao ritmo de 4,5% ao ano, com as residências em madeira
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respondendo por cerca da metade do total de habitações licenciadas até o ano de 1931,
(Franco, 2000: 76-77).
Foi nesse processo de expansão de fronteira agrícola e crescente urbanização
com consumo de edificações as mais variadas em madeira que a metalurgia de pregos
encontrou sua demanda. Os três primeiros anos da fábrica de pregos foram o teste de
aptidão do filho, então com 22 anos, concedendo-lhe a gestão do negócio, antes de
partilhar a sociedade com o mesmo em 1904. Foram três anos de franco crescimento,
com 78% de aumento na quantidade física vendida e 91% no valor real das vendas4,
que, conjugados com menor aumento proporcional dos custos, que cresceram 24% no
mesmo período, propiciou um aumento do lucro e da taxa de lucro da empresa, essa
última passando de 0,9%, em 1901, a 25,4%, em 1903.
No final do terceiro ano, em 30 de dezembro de 1903, João Gerdau decidiu
oficialmente partilhar o negócio com o filho, criando então a firma João Gerdau &
Filho, cujo capital era de 125:800 mil réis, junção do saldo da conta Capital da Fábrica
de Pregos (114:000 mil réis), como participação de João Gerdau, e o restante (11:700
mil réis) como participação de Hugo Gerdau. Com isso, Hugo deixava a gerência da
firma para assumir sua direção supervisionada, o que se expressou não só pela
participação societária, mas no aumento da renda, já que seu salário mensal de 150 mil
réis transformou-se em um pro labore de até 500 mil réis, mais a quantia de três contos
de réis ao final de cada ano, acrescidos os lucros ou deduzidos os prejuízos em igual
parte (Flores, 1980: 74-75).
Até 1913, o valor real das vendas de pregos da Fábrica Pontas de Paris cresceu a
uma taxa anual de 6,5%, inferior ao ritmo de crescimento da quantidade física vendida
em virtude da estabilidade dos preços médios de pregos frente a um período com
inflação acumulada de 10%. A quantidade física vendida cresceu no mesmo período a
8,1% ao ano, buscando acompanhar a explosão do crescimento urbano com casas de
madeira em Porto Alegre que chega até 1912, a uma taxa anual de crescimento de 29%!
Com a eclosão da guerra, há uma violenta queda na oferta interna de pregos que pode
ser mensurada pelo aumento de preços; entre 1913-14: 4%; 1914-15: 28%; 1915-16:
68%; 1916-17: 18,5%.
4
Dados básicos em Livro Caixa da Cia. Fábrica de Pregos Pontas de Paris de 31/01/1901 a 31/12/1903;
Inflação no Rio de Janeiro em Lobo (1978, p.750, ponderação de 1919).
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O bloqueio externo forneceu um estrangulamento ao potencial de crescimento
do capital aplicado na fábrica de pregos. Embora fosse de curto prazo, as barreiras à
expansão do capital no setor industrial em que estava aplicado pressionou o mesmo a
buscar formas alternativas de valorização, através de diversificação de atividades. Em
1914, Hugo Gerdau participou societariamente da constituição da Companhia Geral de
Indústrias, aplicando parte do capital acumulado com a fábrica de pregos em um novo
negócio; no entanto, tratou-se mais de uma aplicação de carteira que de diversificação
produtiva. Dois anos mais tarde, mudaria a razão social da fábrica de pregos para
Metalúrgica Hugo Gerdau, assumindo de vez o controle do capital.
O período pós-guerra assistiu em Porto Alegre a expansão da construção civil
em madeira, em um novo ciclo que se estende até 1931. Ao mesmo tempo, o estado
intensificava a expansão de sua fronteira agrícola, ocupando campo e criando sítios
urbanos nos quais predominavam a construção predial em madeira, o que expandiria a
empresa. Em 1933, a fábrica se diversificou em direção ao mercado em expansão,
criando nova capacidade produtiva em Passo Fundo, cidade na qual 94% dos prédios
eram de madeira; nos três anos seguintes, essa unidade respondia por cerca de um
quinto dos ativos da empresa. Hugo Gerdau, com isso, consolidava o caráter
majoritariamente regional de seu mercado corrente; ocupava o norte do estado, pois a
dinâmica de maior crescimento se encontrava naquela direção, com o escoamento da
produção agrícola e o consumo de importados.
4.2 A Fábrica de Móveis Navegantes
Em fins de 1907, João Gerdau comprou a Fábrica de Móveis Navegantes, massa
falida da Cia. Fábrica de Móveis.
A produção de móveis teve início no Brasil assim que os portugueses
começaram a colonizar o país, já que os primeiros donatários traziam consigo mestres
de vários ofícios, entre os quais se encontravam carpinteiros, marceneiros e
entalhadores (Canti, 1983: 59). No Rio Grande do Sul, a atividade artesanal de centenas
de marceneiros esteve dispersa pelas colônias, atendendo encomendas domésticas. A
atividade fabril somente apareceu nas cidades, na segunda metade do século XIX. Logo
após a Guerra do Paraguai, o tenente Francisco Herzog montou marcenaria na capital,
que se desenvolveu em fábrica, com serraria própria, a Oficina e Fábrica de Móveis. Em
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1869, fundou-se em Porto Alegre a Fábrica de Móveis dos Irmãos Kappel. Em 1881, a
Exposição Germano-Brasileira premiava quatro fabricantes de móveis, Kappel, Obst,
Schoroeder e Giesen, esse último com medalha de ouro por seus “móveis de Viena”
(Roche, 1969: 505; Flores, 1980: 89). Em 1891, os comerciantes Arbós e Salvador
criaram uma fábrica de móveis em Porto Alegre (Pesavento, 1986: 49).
Em 1892, um grupo de quarenta e dois investidores, encabeçados pelo
empresário José Pedro Alves, com o maior aporte individual de capital, criou a Cia.
Fábrica de Móveis, com vistas às oportunidades do mercado mobiliário, não só na
capital, mas também fora desse mercado local. A firma, em realidade, foi constituída
para a aquisição da Oficina e Fábrica de Móveis, de Francisco Herzog, dentro de uma
estratégia desse empresário de conseguir maior aporte de recursos para expandir seu
negócio. Embora houvesse perspectivas favoráveis de negócios, a Cia. Fábrica de
Móveis padeceu dos mesmos problemas estratégicos da Fábrica de Pregos Pontas de
Paris: estoques elevados, inadimplência, carência de capital de giro e déficit, o que
restringia a distribuição de dividendos. Em agosto de 1901, decidiu-se em assembléia
fechar a fábrica provisoriamente como medida corretiva do desequilíbrio financeiro,
com pouco êxito; em abril de 1902, nova assembléia aprovou a liquidação de estoques
para quitação de débitos na praça; em fins de 1907, decidiu-se pela liquidação da Cia.
Fábrica de Móveis, sendo o Cel. Manoel Py um dos liquidantes (Flores, 1980: 98).
A Família Gerdau se ocupava nessa época do comércio agrícola e da metalurgia,
com o segundo filho, Walter Gerdau, trabalhando na fábrica de pregos. Flores especula
que os ex-sócios, João Gerdau e Manoel Py, mantinham relações sociais e de negócios,
de modo que a Família Gerdau estaria a par das dificuldades da Cia. Fábrica de Móveis
a um nível de informação superior àquelas publicadas nos jornais da época, sendo que a
mesma acabou sendo comprada em finais de dezembro de 19075, sem haver registro na
Junta Comercial (Flores, 1980: 99).
Walter Gerdau assumiu a direção da Fábrica de Móveis Navegantes em fase de
ascenso da economia gaúcha: exportações e importações eram crescentes até 1913 e o
mercado imobiliário em Porto Alegre crescia exponencialmente, de 1901 até 19116. Por
5
A controvérsia sobre a data de aquisição pode ser razoavelmente resolvida: em 26/12/1907, Assembléia
Geral decretou a liquidação do empreendimento e deliberou a partilha do espólio da fábrica, convocando
os acionistas a receberem o rateio do capital, o que implica ter sido adquirido naquela data.
6
Ver dados da Balança Comercial em Dalmazo, 2004: 97; do mercado imobiliário, pela variável licença
de construções em Porto Alegre, em Franco, 2000: 76-77.
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meio da João Gerdau & Filho, a fábrica de pregos, João Gerdau providenciou as
importações de insumos e equipamentos para o primeiro ano de gestão da fábrica de
móveis; em janeiro de 1909, a própria fábrica arcava com suas importações (Flores,
1980: 102).
A linha de produtos mobiliários era ampla, mas como variações de cadeiras:
domésticas, para bares e restaurantes, para barbeiro e de embalo, com múltiplos
formatos e vasto uso de palhinha no assento e no espaldar. Porém, a característica
marcante das cadeiras era a utilização de madeira vergada a vapor, tecnologia herdada
de Francisco Herzog. Tratava-se dos “Móveis de Viena”, estilo desenvolvido por
Michael Thonet, na Áustria oitocentista (Flores, 1980: 103; Gerdau, 2001: 131).
Em 1911, a fábrica de móveis passou a usar a razão social Walter Gerdau & Cia
nas importações de matéria-prima da empresa, em crescimento. No entanto, as
restrições de demanda que comandaram a liquidação da Móveis Navegantes devem ter
sido sentidas pela nova direção, pois, nesse mesmo ano, iniciou exportações para o
nordeste do Brasil, atingindo os estados do Ceará e de Alagoas, e, até a década seguinte,
a empresa conseguiu ampliar seu mercado corrente para o sudeste, o restante do
nordeste, o norte, chegando ao centro-oeste, em Cuiabá e Corumbá (Flores, 1980: 106).
É de se esperar que a Móveis Navegantes tenha se dedicado ao mercado nacional após
ter saturado o mercado regional, uma vez que a ferrovia, nesse período, ligava todo o
estado do Rio Grande do Sul.
A I Guerra Mundial deve ter colocado restrições ao crescimento da firma, já que,
em princípios da década de 1920, a empresa passou por “grandes e radicais
transformações” (Blancato, 1922). Nesse período, ela continha duas fábricas, uma em
cada lado da Voluntários da Pátria, totalizando cinco mil metros quadrados de
construção que comportavam, além das áreas operacionais de serraria, marcenaria e
oficina de lustração, as áreas administrativas de expedição e escritório, possivelmente
comportando algumas dezenas de pessoas ocupadas7. A linha de produtos se ampliara,
contendo um catálogo mais extenso de mobiliário, que incluía estantes, floreiros,
7
Blancato afirma serem 600 pessoas ocupadas, o que parece inverossímel, já que o setor apresentou, no
Censo de 1920 para o estado, uma média de pessoal ocupado da ordem de 27, para um total de 1.465
pessoas ocupadas, de que redunda que a fábrica deveria comportar 41% da mão-de-obra empregada pelo
setor (Blancato, 1922).
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gôndolas, lavatórios, mesas, mochos, porta-toalhas e tamboretes (Walter Gerdau e Cia,
s.d.).
A antiga Móveis Navegantes havia se tornado em uma das maiores empresas
industriais do estado, com direito à inclusão da mesma entre as forças econômicas do
estado no primeiro centenário da Independência.
5. Conclusão
A Família Gerdau foi fruto da dinâmica econômico-política do Império. As
necessidades de mão-de-obra da economia cafeeira, frente às pressões do capitalismo
inglês contra o tráfico de escravos, e as necessidades de ocupação do território nacional
do Império determinaram mudanças institucionais que passaram a balizar o
desenvolvimento econômico na segunda metade do século XIX: normas para a transição
ao mercado de trabalho assalariado, para a ocupação territorial e para a regulamentação
das atividades empresariais.
Também foi, primordialmente, um resultado da política imperial de colonização.
O efeito secundário dessa política, o desenvolvimento de um pólo agrícola exportador
de alimentos no sul do país, serviu de base à evolução empresarial de uma família de
imigrantes de origem pequeno burguesa. A evolução dos negócios familiares comerciais
foi crescente na cadeia de comercialização, do pequeno varejo ao atacado,
acompanhando a trajetória ascendente da economia agrícola gaúcha. Porém, nota-se a
presença feminina na determinação da migração para áreas urbanas mais desenvolvidas,
em busca de um meio social necessário à reprodução do ethos burguês, que foi decisivo
na formação da segunda geração de empresários industriais.
A transição do comércio para a indústria, como locus privilegiado de
acumulação da riqueza familiar, deve ter ocorrido da conjugação de duas ordens de
fatores: os fortes ciclos do negócio agrícola no Rio Grande do Sul e o crescente
aumento populacional e urbano. Se a primeira foi fonte de incertezas na valoração do
capital familiar, a segunda abriu horizontes ao fornecimento de bens industrializados
intermediários e de consumo.
O novo marco institucional pós 1850 impactou direta e indiretamente os
negócios familiares. A política imperial de colonização foi decisiva na origem dos
negócios no Brasil. A Lei de Terras foi base da acumulação familiar de capital, de
forma direta nos negócios de loteamentos da colonização privada e, de forma indireta,
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pela expansão da ocupação territorial e conseqüente aumento da oferta agrícola, origem
de ambos os comércios. O Código Comercial de 1850 deve ter sido relevante no
aprimoramento de regras de autoregulação dos capitais, que João Gerdau utilizaria no
controle de seus negócios, desde o fluxo de caixa aos créditos e haveres com terceiros.
Todavia, a acumulação de patrimônio familiar, tendo por base os condicionantes
legais e a dinâmica virtuosa da economia cafeeira e das áreas subsidiárias ao centro
dinâmico, esteve, no âmbito microeconômico, atrelada ao desenvolvimento de
competências empresariais, que permitiram ao comerciante João Gerdau não só
descobrir oportunidades de negócios, como também imprimir processos rentáveis de
gestão do capital em negócios antes em processo falimentar. Essa capacidade de
desenvolver competências empresariais foi, por sua vez, derivada da independência
financeira do empresário que se fez comerciante em linha de picada, com uma trajetória
concêntrica no comércio e uma diversificação industrial.
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