Apostila de Filosofia 3º ano

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Colégio
CEC
Cianorte
Professor: Douglas Blanco
APOSTILA DE
FILOSOFIA 3º ANO
1
► Para se conseguir o conhecimento correto da natureza e descobrir os
FRANCIS BACON E A TEORIA DOS ÍDOLOS
meios de torna-lo eficaz seria necessário ao investigador libertar-se
► Francis Bacon foi um político, filósofo e ensaísta inglês. Desde
daquilo que Bacon chama "Ídolos" ou engodos que levam a noções
cedo, sua educação orientou-o para a vida política, na qual exerceu
falsas.
posições elevadas. Como filósofo, destacou-se com uma obra onde
São 4 os Ídolos a serem combatidos
a ciência era exaltada como benéfica para o homem. Em suas
► 1. Ídolos da Tribo.
investigações, se ocupou especialmente com a metodologia
► 2. Ídolos da Caverna.
científica e com o empirismo. É muitas vezes chamado de fundador
► 3. Ídolos do Foro (ou do mercado).
da ciência moderna. Sua principal obra filosófica é o Novum
► 4. Ídolos do Teatro.
Organum.
1. Ídolos da Tribo.
Estudar os erros para evitá-los
São vícios inerentes à própria natureza humana, tal como o hábito de
► É possível evitar os erros de raciocínio inventando um método para
acreditar cegamente nos sentidos.
isso?
Os sentidos levam à percepção do universo de modo mais simples do
► O engano muitas vezes é decorrência da presença, no intelecto
que ele é na verdade.
humano, de uma série de ídolos.
Também o vício de reduzir o complexo ao mais simples segundo
► Ídolos – crenças inconscientes, suposições, prejulgamentos e
uma visão que se restringe àquilo que é favorável, que é conveniente.
preconceitos que condicionam a aquisição do novo saber.
2. Ídolos da Caverna.
► Uma tendência típica da mente humana é a de generalizar,
formulando leis com poucos exemplos.
► São erros devidos à pessoa, não à natureza humana. Trata-se de
► Atribuir um peso excessivo às preferências pessoais.
diferenças individuais de habilidade e capacidade. Alguns espíritos
► Usar termos confusos ou que não representam o objeto de estudo.
tem condições para assinalar as diferenças, outros, as semelhanças:
► Essas noções falsas obstruem o intelecto sem que o sujeito se dê
outros indivíduos se detêm em detalhes, outros olham mais o
conta.
2
► Indução – processo cognitivo que, a partir do exame de um certo
conjunto, a totalidade; ambos tendem ao erro, embora de maneiras
opostos .
número de casos, chega a formulação de uma lei geral, cujo alcance
► Resultam da própria educação e da pressão dos costumes.
se estende para além dos casos considerados.
► A Indução de Francis Bacon afirma que o cientista deve observar e
3. Ídolos do Foro (ou do mercado).
descrever fatos empíricos, organizar e transpor em uma linguagem
matemática. A partir dai, salta-se das sensações particulares aos
► São erros implicados na ambigüidade das palavras; a linguagem é
axiomas mais gerais e descobre axiomas intermediários, dando-se
responsável. Uma mesma palavra tem sentidos diferentes para os
pouca ênfase à elaboração de hipóteses.
interlocutores e isso pode levar a uma aparente concordância entre
► O termo axioma significa algo que é considerado ajustado ou
as pessoas .
adequado, ou que tem um significado evidente.
► Nem sempre as palavras representam realmente o objeto.
► Decorrem do mau uso que fazemos da linguagem.
FILOSOFIA MEDIEVAL
4. Ídolos do Teatro.
SANTO AGOSTINHO (354 – 430)
► Tem suas causas nos sistemas filosóficos e em regras falseadas de
demonstração.
► Os sistemas filosóficos careciam de demonstração, eram pura
Influenciou a elaboração e consolidação da filosofia cristã na Idade
contemplação do que ―poderia‖ ser verdade.
Média, até a redescoberta do pensamento de Aristóteles no séc. XIII.
► Esses sistemas são puras invenções, como peças de teatro.
Aproximou a filosofia de Platão e o cristianismo. Três aspectos
fundamentais de sua filosofia:
Indução
1. Sua formulação das relações entre teologia e filosofia, entre razão e
fé
► Bacon afirma que devemos demolir os ídolos, para poder construir
o conhecimento verdadeiro através da Indução.
3



Defende que a filosofia antiga consiste em uma preparação da
pela linguagem. → Possibilidade de conhecer supõe algo prévio, que torna
alma, útil para a compreensão da verdade revelada.
inteligível a própria linguagem → Posição inatista: conhecimento não pode
A sabedoria do mundo é limitada, sendo necessário primeiro
ser derivado da apreensão sensível ou da experiência concreta, necessitando
acreditar para depois compreender
de um elemento prévio que sirva de ponto de partida para o próprio
A verdadeira e legítima ciência é a teologia, que prepara a alma
processo de conhecer → Não aceita doutrina platônica da anamnese
para a salvação.
(reminiscência), desenvolvendo teoria da interioridade e da iluminação →
teoria da iluminação: não compreendemos consultando a voz de quem fala
mas ―a verdade que dentro de nós preside a própria mente, incitados talvez
2. Sua teoria do conhecimento com ênfase na questão da
subjetividade e da interioridade
pelas palavras a consultá-la‖. Essa verdade, que é consultada, é Cristo (luz
Como pode a mente humana, mutável e falível, atingir uma verdade
interior de verdade), que habita no homem interior. → A interioridade é
eterna com certeza infalível? → Teoria da iluminação divina, elaborada
dotada de capacidade de entender a verdade pela iluminação divina. A
com base na teoria platônica da reminiscência. Veja-se:
mente humana possui uma centelha do intelecto divino, já que o homem foi
criado à imagem e semelhança de Deus.
Platão → A virtude não pode ser ensinada. Ou já a trazemos conosco, ou
3. Sua teoria da história elaborada em ―Cidade de Deus‖
nenhum mestre será capaz de introduzi-la em nossa alma, uma vez que é
uma característica da própria natureza humana. Função do filósofo →
História da humanidade → processo sucessivo de alianças e rupturas
despertar virtude adormecida na alma de todos os indivíduos.
entre o homem e seu criador → história tem um sentido, uma direção,
Santo Agostinho → Indagações iniciais: o que é ensinar e aprender e qual
com um ponto inicial e um ponto final, que é o retorno à situação
o papel da linguagem e da comunicação no processo de ensino e de
originária (primeiro homem (adão) expulso do paraíso ao juízo final,
aprendizagem. → Dada a convencionalidade do signo lingüístico, este não
redenção, volta do homem a Deus) → rompe com concepção grega
pode ter qualquer valor cognitivo mais profundo; não é através das
antiga de tempo, um tempo cíclico, sem início nem fim
palavras que conhecemos, logo, não podemos transmitir conhecimento
4
passar do tempo, a sua doutrina a ser considerada a doutrina oficial da
igreja.
O DESENVOLVIMENTO DA ESCOLÁSTICA
As ―cinco vias‖ da prova da existência de Deus:
Santo Agostinho é considerado o primeiro dos pensadores
medievais. Após sua morte e até os séculos XI-XII é extremamente
reduzida a produção filosófica e cultural em geral no mundo europeu
Cinco vias da demonstração da existência de Deus
ocidental.
Primeira via – Argumento do movimento: só algo que existe em ato
Outro autor notável na mediação entre a filosofia antiga e a
filosofia cristã medieval é Boécio (470-525).
pode atualizar uma potência. Não se pode admitir uma regressão ao
Fragmentação política, cultural e lingüística do mundo europeu.
infinito. Deus é o primeiro motor.
Segunda via – Nada pode ser a causa eficiente1 de si próprio, pois
Início de estabilização no século IX, com a formação do Sacro Império
nesse caso seria anterior a si próprio. Não se pode admitir uma regressão ao
Romano Germânico
infinito. Deus é a primeira causa eficiente.
O termo escolástica designa, de modo genérico, todos aqueles que
Terceira via – Argumento cosmológico (toma por base as noções
pertencem a uma escola ou que se vinculam a uma determinada escola de
aristotélicas de necessidade e contingência): constatamos a contingência na
pensamento ou de ensino.
natureza, mas nem todas as coisas podem ser contingentes, senão seria
possível que não houvesse nada. Mas aquilo que não existe só pode
começar a existir a partir do que já existe antes. É preciso assim que algo do
SÃO TOMÁS DE AQUINO (1224-1274)
que existe seja necessário. E Deus é o primeiro ser, origem de toda
Mundo europeu dos sécs. XI-XII → centros urbanos.Séc. XIII →
necessidade.
surgimento das universidades e das ordens religiosas Compatibilizou o
aristotelismo e o cristianismo. No início foi ―condenado‖, passando, ao
1
Causa eficiente – consiste na fonte primária da mudança, o agente da transformação da
coisa. Responde à questão: por que x é x?, ou o que fez com que x visse a ser x? (sobre as
outras três dimensões da causalidade para Aristóteles, ler pág. 73)
5
Quarta via – Toma como ponto de partida os graus existentes nas
esse entendimento ansiado por nós, essa explicação se dá de várias formas.
coisas. Todas as coisas que têm um predicado, ou qualidade, em um grau
As duas principais formas dos homens adquirirem conhecimento são
maior ou menor, se caracterizam por um termo comparativo, portanto
através do senso comum e através da ciência. Primeiramente vamos
pressupõe como parâmetro o máximo. Deus é o ser perfeito, isto é, aquele
conhecer o conhecimento do senso comum, depois o conhecimento
que tem o máximo de perfeição (entendida como o máximo de realização
científico ou ciência.
de atributos ou qualidades)
Quinta via – Argumento teleológico: deve haver um propósito ou
SENSO COMUM
finalidade na natureza, caso contrário o universo não tenderia para o
―O sol é menor que a Terra. Quem duvidará disso se, diariamente,
mesmo fim ou resultado. A causa inteligente dessa determinação é Deus.
Novidade do pensamento de São Tomás de Aquino →
vemos um pequeno círculo avermelhado percorrer o céu, indo de leste a
Demonstração da existência de Deus a partir da razão natural →
oeste? O sol se move em torno da Terra, que permanece imóvel. Quem
revaloração do mundo natural como objeto de conhecimento → Vai contra
duvidará disso se diariamente vemos o sol nascer, percorrer o céu e se pôr?
as seguintes concepções anteriores:
A aurora não é o seu começo e o crepúsculo o seu fim?(...) Cada gênero ou
1- Pode-se conhecer Deus diretamente e através de uma evidência,
espécie de animais já surgiu tal como o conhecemos. Alguém poderia
sem passar pelo mundo sensível;
imaginar um peixe tornar-se um réptil ou um pássaro? Em religião, como a
2- Só se pode conhecer Deus pela fé;
judaica, a cristã ou a islâmica, os livros sagrados não ensinam que a
3- Só se pode falar de Deus se já se sabe quem ele é.
divindade criou de uma só vez todos os animais, num só dia?(...) Certezas
como essas formam nossa vida e o senso comum de nossa sociedade ,
A CIÊNCIA
transmitido de geração em geração, e, muitas vezes, ao se transformar em
crença religiosa, torna-se uma doutrina inquestionável.‖ (MARILENA
Os seres humanos, desde os tempos mais remotos, procuram
CHAUÍ, p. 216, 2004)
conhecer o mundo em que vivem, entender os fenômenos que ocorrem ao
Os três exemplos dados pela filósofa Marilena Chauí no trecho
seu redor e, assim, explicá-los. Esse conhecimento buscado pelo homem,
acima demonstram o conhecimento do senso comum.
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O senso comum é o conhecimento adquirido pelo ser humano
Antes de mais nada, a ciência 'desconfia' da veracidade de nossas certezas,
através da vivência, da experiência diária, observando as atitudes dos mais
de nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de
velhos e seguindo os seus ensinamentos, pela tradição. É um conhecimento
curiosidade. Por isso, onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude
que obtemos de forma espontânea, sem buscá-lo, pois o dia a dia leva-nos
científica vê 'problemas' e 'obstáculos', aparências que precisam ser
a esse conhecimento. Mas, se observarmos com atenção cada uma das
explicadas e, em certos casos, afastadas.‖(MARILENA CHAUÍ, p. 216-
afirmações dos exemplos de conhecimento do senso comum dados pela
217, 2004)
filósofa - ―o sol é menor que a Terra‖, ―o sol se move em torno da Terra,
De acordo com Marilena Chauí, a astronomia, que é uma ciência,
que permanece imóvel‖, ―cada gênero ou espécie de animais já surgiu tal
foi capaz de mostrar-nos a verdade sobre a relação de tamanho e
como o conhecemos‖ - vamos perceber que não são verdadeiras. E como
movimento entre o sol e a Terra. Do mesmo modo, a biologia, que também
sabemos que são falsas? O conhecimento que temos de que aquelas
é uma ciência, provou que as espécies e gêneros de animais formaram-se
afirmações são falsas nos foi fornecido pela ciência. Então, vamos
lentamente e não, como se pensava, de uma única vez. Para a filósofa, a
conhecer melhor o conhecimento científico.
ciência questiona, duvida das certezas que temos pelo senso comum e busca
explicá-las com veracidade. A ciência busca a verdade. Para entendermos
CIÊNCIA
melhor como a ciência é capaz de alcançar o conhecimento verdadeiro,
vamos analisar como se dá o trabalho científico.
―A astronomia demonstra que o sol é muitas vezes maior que a
Terra e, desde Copérnico, que é a Terra que se move em torno do sol.(...)
O TRABALHO CIENTÍFICO
A biologia demonstra que os gêneros e as espécies de animais se formam
lentamente, no curso de milhões de anos, a partir de modificações de
―A ciência é uma forma sistematicamente organizada do
micro-organismos extremamente simples.(...) Ao que parece, há uma
pensamento.‖(GILLES- GASTON GRANGER in MARILENA CHAUÍ, p.
grande diferença entre nossas certezas cotidianas (senso comum) e o
219, 2004)
conhecimento científico (ciência). Como e por que ela existe?(...) O que
Para o filósofo francês Gilles-Gaston Granger, o pensamento
distingue a atitude científica da atitude costumeira ou do senso comum?
científico é produzido de maneira sistemática e organizada. Assim, o
7
trabalho de produção do conhecimento científico apresenta algumas
que, na verdade, a doença é causada por uma bactéria que se desenvolve em
características próprias. São elas:
água impura.
• Sujeito - O pesquisador, o cientista, a pessoa que procura o
Concluindo, a doença não se espalhou por falta de feijão, mas por
conhecimento através da ciência.
que a água, imprópria para o consumo, que foi utilizada pela população, era
Objeto – O que será estudado, o assunto pesquisado pelo cientista.
um excelente ambiente para as bactérias que causavam a doença.
• Método – A forma pela qual o cientista conseguirá o
A opinião dos moradores da comunidade representa o conhecimento
conhecimento sobre o objeto proposto.
do senso comum, baseado na observação superficial do caso. Já a
Dessa forma, o sujeito determina um objeto, estabelece as dúvidas
descoberta dos biólogos, que representa o conhecimento científico, ao
que ele tem sobre esse objeto, aplica um método no seu trabalho de
aplicar um método no estudo do caso, mostrou a verdade sobre as doenças.
pesquisa para, só então, alcançar as respostas para as dúvidas que ele tinha
sobre o objeto. Por exemplo, a biologia, enquanto ciência, dispõe do
CIÊNCIA ANTIGA E CIÊNCIA MODERNA
trabalho científico para obter conhecimento. Vamos imaginar que uma
determinada doença está afetando a população de uma pequena
A Ciência Antiga, desenvolvida pelos gregos, possui uma
comunidade isolada no interior do Brasil.
característica mais teórica. A intenção dos antigos gregos era conhecer a
As pessoas da cidade acreditam que esta doença é causada pela
natureza, mas sem interferir nela. Por se distanciar da ação sobre o
falta de feijão na alimentação dos habitantes, pois uma enchente devastou
conhecimento produzido, a Ciência Antiga mostra-se como uma ciência
as plantações. Então, um grupo de biólogos (sujeitos) resolve fazer um
teorética. A Ciência Moderna, desenvolvida a partir do século XVII, busca,
estudo científico sobre o caso. Eles, então, tem um objeto de estudo: a
além do conhecimento teórico da natureza, aplicar esses conhecimentos na
doença que afeta a população de pequena comunidade.
prática para dominá-la. De acordo com Francis Bacon, ―saber é poder‖, ou
então Descartes, ―a ciência deve tornar-nos senhores da natureza‖.
Para conhecer as verdadeiras causas da doença em questão, os
biólogos vão aplicar métodos. Digamos que eles recolham amostras de
sangue e façam a análise desse material em um laboratório. Analisar o
sangue coletado no laboratório é o método utilizado. Elas então concluem
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MUDANÇAS CIENTÍFICAS
THOMAS KUNH E A IDEIA DE REVOLUÇÃO
A história nos mostra que humanidade evolui ao longo do tempo,
Revoluções científicas Já o filósofo Thomas Kuhn, defende que a
que mudanças ocorrem no processo histórico. Do mesmo modo, a ciência
história da ciência é feita de descontinuidades e rupturas radicais. Esses
como uma produção dos seres humanos também passa por mudanças e
momentos de ruptura radical é chamado de revolução científica. ―O campo
evoluções. Vamos analisar aqui duas ideias diferentes sobre a mudança na
científico é criado quando métodos, tecnologias, formas de observação e
ciência.
experimentação, conceitos e demonstrações formam um todo sistemático,
Rupturas epistemológicas Para o filósofo Gaston Bachelard, o
uma teoria que permite o conhecimento de inúmeros fenômenos.
cientista trabalha utilizando as teorias, os métodos e as tecnologias que
A teoria se torna um modelo de conhecimento ou um paradigma
dispõe. Porém, quando ele observa que essas teorias, métodos e
científico. O paradigma se torna o campo no qual uma ciência trabalha
tecnologias não o levam às respostas esperadas ele está diante de um
normalmente, sem crises. Kuhn usa a expressão ciência normal para referir-
obstáculo epistemológico.
se ao trabalho científico no interior de um paradigma estabelecido.
Nesse momento é necessário que o cientista negue as teorias, os
Em tempos normais, um cientista, diante de um fato ou de um
métodos e as tecnologias existentes, realizando a ruptura epistemológica.
fenômeno ainda não estudado, o explica usando o modelo ou o paradigma
Ao romper com o modelo que existe, uma nova concepção científica surge,
científico existente. Em contraposição à ciência normal, ocorre a revolução
com novas teorias, métodos e tecnologias, incorporando nessa nova forma
científica. Uma revolução científica ocorre quando o cientista descobre que
de pensar a ciência conhecimentos anteriores ou afastando-os. Há uma
o paradigma disponível não consegue explicar um fenômeno ou um fato
descontinuidade nas mudanças científicas, que pode-se dar pela total
novo, sendo necessário produzir outro paradigma, até então inexistente e
reorganização da ciência, porém sem mudá-la, conhecida como
cuja necessidade não era sentida pelos investigadores.
descontinuidade externa. Outra descontinuidade nas mudanças científicas
Numa revolução científica, não só novos fenômenos são
incorpora o conhecimento anterior e é chamada de descontinuidade
descobertos e conhecimentos antigos são abandonados, mas há uma
interna.
mudança profunda na maneira de o cientista ver o mundo, como se passasse
a trabalhar num mundo completamente diferente.‖ (MARILENA CHAUÍ,
9
p. 224, 2004)
técnica é um conjunto de práticas e receitas elaboradas a partir da
Para Kuhn, quando os paradigmas existentes são incapazes de
observação e experimentação.
Já a tecnologia, é um saber teórico que se aplica praticamente, ―um
explicar os objetos estudados, é necessário criar um novo paradigma.
objeto é tecnológico quando sua construção pressupõe um saber científico e
quando seu uso interfere nos resultados das pesquisas científicas‖.
CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS
(MARILENA CHAUÍ, p. 222, 2004) Ou seja, a técnica pode ser um
De acordo com o tipo de objeto estudado, tipo de método
produto do senso comum e a tecnologia um produto da ciência.
empregado, tipo de resultado obtido, a ciência apresenta muitas variações.
Desde o século XVII, o homem passou a aplicar a ciência na
Hoje, as ciências são assim divididas:
natureza para dominá-la, era a Ciência Moderna. A partir desse momento, a
• Ciências matemáticas ou lógicomatemáticas – aritmética,
ciência passou a produzir cada vez mais tecnologia em todos os campos e
geometria, algebra, lógica, trigonometria.
história mostra que o homem usa tudo o que inventa ou descobre, por pior
• Ciências naturais – física, química, biologia, geologia.
que seja. O grande e terrível exemplo são o da descoberta da maravilhosa
• Ciências humanas ou sociais – psicologia, sociologia,
energia do átomo, que levou a construção da bomba atômica.
antropologia, geografia humana, economia, linguística, psicanálise,
arqueologia, história.
• Ciências aplicadas – direito, engenharia, medicina, arquitetura,
ÉTICA E CIÊNCIA
informática. Cada uma das ciências ainda se subdivide em ramos
específicos. Por exemplo, a biologia subdividese em botânica, zoologia,
Os seres humanos, ao longo do tempo, para melhor se relacionar
fisiologia, genética, etc.
com os semelhantes, criam valores. Os valores são padrões de
comportamento considerados corretos, são formas pelas quais agimos
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
seguindo aquilo que é colocado como certo. O conjunto desses valores é
conhecido como moral. A moral orienta os seres humanos a agir, a realizar
Primeiramente, é preciso diferenciar técnica de tecnologia. A
ações consideradas corretas.
10
Quando seguimos esses valores morais, temos virtudes. Se não
as questões éticas) e considera a responsabilidade moral dos cientistas em
seguimos esses valores morais, temos vícios. A ética é o ramo da filosofia
suas pesquisas e práticas. Entre os temas abordados, sobressaem-se o
que estuda a moral. Assim, a ciência, muitas vezes, coloca em xeque a
aborto, a eutanásia, os transgênicos, a fertilização in vitro, a clonagem e os
moral, a virtude. As tecnologias produzidas pela ciência leva à questão:
testes com animais. A bioética é um campo de estudo propício ao embate
esses produtos da tecnologia levam em conta os valores morais da
de grupos de interesses distintos como indústrias farmacêuticas,
humanidade? Para refletirmos sobre isso vamos utilizar o exemplo da
laboratórios de biotecnologia, organizações ambientalistas, associações de
biologia, das tecnologias que ela criou e os confrontos éticos que foram
consumidores e entidades de classe.
gerados.
A problemática bioética é numerosa e complexa, envolvendo fortes
reflexos imprimidos na opinião pública sobretudo pelos meios de
BIOÉTICA
comunicação de massa. Alguns exemplos dos temas alarmados:
Estas são as principais tecnologias biológicas que geraram conflitos
O termo "Bioética" surgiu na década de 1970 e tinha por objetivo
e discussões sobre a ética:
deslocar a discussão acerca dos novos problemas impostos pelo
• Clonagem – a Clonagem é o processo natural ou artificial em que
desenvolvimento tecnológico, de um viés mais tecnicista para um caminho
são produzidas cópias fiéis de outro indivíduo (homem, animais, etc.), ou
mais pautado pelo humanismo, superando a dicotomia entre os fatos
seja, a clonagem é o processo que formará um clone. O processo de
explicáveis pela ciência e os valores estudáveis pela ética.
clonagem natural ocorre em alguns seres, como as bactérias e outros
Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas
organismos unicelulares que realizam sua reprodução pelo método da
bios (vida) + ethos (relativo à ética). Segundo Diniz & Guilhem,"…por ser
bipartição. No caso dos humanos, os clones naturais são os gêmeos
a bioética um campo disciplinar compromissado com o conflito moral na
univitelinos. No processo de clonagem artificial existem várias técnicas de
área da saúde e da doença dos seres humanos e dos animais não-humanos,
clonagem, uma delas permite clonar um animal a partir de óvulos não
seus temas dizem respeito a situações de vida que nunca deixaram de estar
fecundados originando indivíduos geneticamente idênticas.
em pauta na história da humanidade…"
A palavra clone (do grego klon, significa ―broto‖) é utilizada para
A bioética, portanto, tem forte ligação com a filosofia (pois discute
designar um conjunto de indivíduos que deram origem a outros por
11
reprodução assexuada.
poderá vir a ser possível inverter o processo do envelhecimento
A Clonagem é oprocesso natural ou artificial em que são
devido à aprendizagem que nos é fornecida através do processo de
produzidas cópias fiéis de outro indivíduo (homem, animais, etc.), ou seja,
clonagem;

a clonagem é o processo que formará um clone.
A tecnologia humana da clonagem podia ser usada para
O processo de clonagem natural ocorre em alguns seres, como as
inverter os ataques cardíacos. Os cientistas afirmam que
bactérias e outros organismos unicelulares que realizam sua reprodução
conseguirão tratar vítimas de ataques cardíacos através da
pelo método da bipartição, além disso, o tatu também produz um clone
clonagem das suas células saudáveis do coração, e injetando-as nas
através da poliembrionia. No caso dos humanos, os clones naturais são os
áreas do coração que foram danificadas.

gêmeos univitelinos, ou seja, são seres que compartilham do mesmo
material genético (DNA), sendo originado da divisão do óvulo fecundado.
Casos de infertilidade. Com a clonagem, os casais inférteis
poderiam ter filhos.

No processo de clonagem artificial existem várias técnicas de clonagem,
A Cirurgia Plástica, reconstrutiva e estética. Devido à
uma delas permite clonar um animal a partir de óvulos não fecundados,
clonagem humana e à sua tecnologia, os problemas, que, por vezes,
sendo este processo conhecido desde o século XIX, estes processos eram
ocorrem depois de algumas cirurgias de implantes mamários ou de
praticados pelos horticultores que obtinham clones de orquídeas, que
outros procedimentos estéticos deixam de existir. As vítimas dos
através de tecidos de uma planta matriz, originava dezenas de novas
acidentes terríveis que deformam o rosto (por exemplo), devem
plantas geneticamente idênticas.
assim conseguir voltar a ter as suas características, sendo reparadas
e de maneira mais segura. Os membros para amputados também
Benefícios
poderão vir a ser regenerados.

Ao longo da evolução do tempo, foram vários os benefícios que os
para a Síndrome de Down poderão evitar esse risco através da
cientistas acreditam que a clonagem humana tem. Aqui estão algumas das
clonagem;
suas ideias sobre o assunto:

Casos de Síndrome de Down. As mulheres com risco elevado

O rejuvenescimento. Pesquisadores sugerem que um dia,
Problemas no fígado e nos rins. Poderá ser possível clonar
fígados humanos para transplante dos mesmos;
12
Malefícios
organismo original.
• Eutanásia – é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo

A possibilidade de comprometer a individualidade;
incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. A eutanásia

Envelhecimento precoce;
representa atualmente uma complicada questão de bioética, pois enquanto o

Grande número de anomalias;
Estado (governo) tem como princípio a proteção da vida dos seus cidadãos,

Lesões hepáticas, tumores, baixa imunidade;
existem aqueles que devido ao seu estado precário de saúde desejam dar um

Os clones poderão ser alvo de discriminação por parte da
fim ao seu sofrimento antecipando a morte.
É a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de
sociedade;

Os clones poderão estar sujeitos a problemas psicológicos
maneira controlada e assistida por um especialista. A eutanásia representa
desconhecidos, com impacto na família e na sociedade.
atualmente uma complicada questão de bioética e biodireito pois enquanto
o Estado tem como princípio a proteção da vida dos seus cidadãos, existem
aqueles que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um fim ao
• Células-tronco – as células-tronco, também conhecidas como
seu sofrimento antecipando a morte.
células-mãe, são células que possuem a capacidade de se dividir dando
origem a células de outros tecidos do corpo como ossos, nervos, músculos,
Independentemente da forma de Eutanásia praticada, seja ela
sangue. Existem dois tipos de células-tronco: Embirionárias, encontradas
legalizada ou não (tanto em Portugal como no Brasil esta prática é
no cordão umbilical, são capazes de se multiplicar de forma rápida, dando
considerada como ilegal), é considerada como um assunto controverso,
origem a todas as variedades de tecidos diferenciados; Adultas,
existindo sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o
encontradas na medula, multiplicam-se lentamente e geram menos
tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma
variedades de tecidos.
vida humana.
• Transgênicos – são organismos que, mediante técnicas de
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a eutanásia pode ser
engenharia genética, contêm material genético de outros organismos. A
dividida em dois grupos: a "eutanásia ativa" e a "eutanásia passiva".
geração de transgênicos visa a obtenção de
Embora existam duas "classificações" possíveis, a eutanásia em si consiste
organismos com características novas ou melhoradas relativamente ao
no ato de facultar a morte sem sofrimento a um indivíduo cujo estado de
13
doença é cronico e, portanto, incurável, normalmente associado a um
de ser ator e agente digno até ao fim.
imenso sofrimento físico e psíquico.
São raciocínios que participam na defesa da autonomia absoluta de
A "eutanásia ativa" conta com o traçado de ações que têm por
cada ser individual, na alegação do direito à autodeterminação, direito à
objetivo pôr término à vida, na medida em que é planejada e negociada
escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o
entre o doente e o profissional que vai executar o ato.
interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa
A "eutanásia passiva" por sua vez, não provoca deliberadamente a
proteger a vida. A eutanásia não defende a morte, mas a escolha pela
morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a
mesma por parte de quem a concebe como melhor opção ou a única.
interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou
Quando uma pessoa passa a ser prisioneira do seu corpo,
outros, o doente acaba por falecer. São cessadas todas e quaisquer ações
dependente na satisfação das necessidades mais básicas; o medo de ficar só,
que tenham por fim prolongar a vida. Não há por isso um ato que provoque
de ser um "fardo", a revolta e a vontade de dizer "Não" ao novo estatuto,
a morte (tal como na eutanásia ativa), mas também não há nenhum que a
levam-no a pedir o direito a morrer com dignidade. Obviamente, o pedido
impeça (como na distanásia).
deverá ser ponderado antes de operacionalizado, o que não significa a
Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia
desvalorização que tantas vezes conduz esses homens e mulheres a lutarem
defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a
pela sua dignidade anos e anos na procura do não prolongamento de um
vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o
processo de deterioramento ou não evolução. Além do mais, em um país
sofrimento se torne demasiadamente penoso.
como o Brasil, onde o acesso à saúde pública não é satisfatório, a prática da
eutanásia é muitas vezes encarada como um modo de proporcionar a
Argumentos a favor
doentes de casos emergenciais uma vaga nos departamentos de saúde.
Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita-se que esta seja
Argumentos contra
um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal
ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflete uma escolha
Muitos são os argumentos contra a eutanásia, desde os religiosos,
informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder
éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso a eutanásia é
14
tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo ser um
Segundo Enerst Fischer, a preocupação com a beleza sempre
exclusivo reservado ao Criador, ou seja, só Deus pode tirar a vida de
acompanhou o ser humano: as esculturas gregas, por exemplo, imitavam as
alguém. Da perspectiva da ética médica, segundo o qual considera a vida
formas ―perfeitas‖ do ser humano, a valorização da força física da
como um dom sagrado, sobre a qual o médico não pode ser juiz da vida ou
virilidade e da proporcionalidade, que resultam o equilíbrio;
da morte de alguém, a eutanásia é considerada homicídio. Cabe assim ao
médico, cumprindo seu juramento, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo
Idade Antiga
Sócrates (470aC – 399aC) associou o Belo ao útil – estética
e qualquer meio necessário à sua subsistência.
funcional e utilitária;
Platão (427aC – 348aC) não se preocupou com a Beleza que se
Estética Filosófica
encontra nas coisas, mas com o Belo em si. Os objetos só são Belos na
Antes de inciarmos nosso estudo sobre a estética filosófica, vamos nos
medida em que participam da ideia de Beleza, que é perfeita, imutável,
perguntar sobre o que sabemos a respeito dela. Então, anote no seu caderno
atemporal e suprassensível.
●
as respostas que vierem à sua mente sobre as seguintes questões:
1.
Para você, o que é a Beleza?
2.
O que faz um objeto ser belo ou não ser?
3.
Como funciona o julgamento de gosto?
parte da ideia de níveis de Beleza até chegar à
perfeição;
●
os objetos imitam o ideal de beleza;
Para Platão, toda arte é imitação da natureza, que é imitação das
Respondida essas questões, vamos debatê-las com nossos colegas
ideias presentes no mundo suprassensível. Assim, a pintura imita as
de sala de aula. O professor irá intermediar a discussão.
realidades visíveis e a tragédia e a poesia imitam as ações dos homens.
Toda arte distancia-se da verdade, engana as crianças e os homens sem
cultura, fazendo-os crer que a realidade verdadeira é aquela representada.
Concepção de Beleza na História
Vamos conhecer as concepções de beleza durante a história. Nem
Aristóteles (384-322 a.C) diz que o belo está no mundo real,
sempre houve um mesmo entendimento do que é beleza. Vejamos:
associado ao conceito de Bom. O que é bom é belo.
15
As artes são boas pois reforçam os laços da comunidade (função
São Tomás de Aquino identificou a beleza com o Bem. As coisas
moral e social); é, sobretudo, conhecimento, expressão de uma forma ideal,
belas possuem três características ou condições fundamentais:
presente na mente do artista, e não vinculada com a emotividade. Segundo
●
Integridade ou perfeição (o inacabado ou fragmentário é feio);
ele, está presente na arte o componente intelectual, a necessidade do
●
a proporção ou harmonia (a congruência das partes);
conhecimento, do raciocínio e, portanto, de normas. A arte expressa a
●
a claridade ou luminosidade. Como em Santo Agostinho, a beleza
visão que o homem tem das coisas, é uma recriação. O que confere a
perfeita identifica-se com Deus.
beleza a uma obra é a sua proporção, simetria, ordem, isto é, uma justa
medida.
3. Idade Moderna - Renascimento
Os filósofos relacionam a ideia de Belo à ordem, harmonia e
proporção. No Renascimento (séculos XV só em Itália, e XVI em toda a
2. Idade Média
o corpo humano é associado ao mundo material, aos valores
Europa), os artistas adquirem a dimensão de verdadeiros criadores. Os
terrenos e desprezados em relação aos valores espirituais. O corpo é visto
gênios têm o poder de criar obras únicas, irrepetíveis. Começa a
como o oposto da busca divina, é símbolo do pecado e do erro;
desenvolver-se uma concepção elitista da obra da obra de arte: a verdadeira
A arte medieval não valoriza a simetria no corpo humano. As
arte é aquela que foi criada unicamente para o nosso deleite estético, e não
figuras humanas têm formas retilíneas e triangulares, apontando para as
possui qualquer utilidade.
alturas (céu).
Entre os séculos XVI e XVIII continuaram a predominar as estéticas
Durante a Idade Média, o cristianismo difundiu uma nova
de inspiração aristotélica. Procura-se definir as regras para atingir a
concepção da beleza, tendo como fundamento a identificação de Deus com
perfeição na arte. As academias que se difundem a partir do século XVII,
a beleza, o bem e a verdade.
velam pelo seu estudo e aplicação.
Santo Agostinho concebeu a beleza como todo harmonioso, isto é,
Paralelamente começam a adquirir crescente importância ideias
com unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo
estéticas que afirmam a subjetividade do belo. A questão é reduzida a um
não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus, onde tudo emana.
problema de gosto (sensitivo, não normativo).
A partir da beleza das coisas podemos chegar à beleza suprema (a Deus).
16
a) A romântica, que proclama um valor supremo para a arte (F.
4. Idade Contemporânea
Na segunda metade do século XVIII, a sociedade europeia
Schiller, Schlegel, Schelling, etc). Exalta o poder dos artistas, os
atravessa uma profunda convulsão. O começo da revolução industrial, a
quais através das suas obras revelam a forma suprema do espírito
guerra da Independência Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789)
humano, o Absoluto.
criaram um clima propício ao aparecimento de novas ideias. O principal
b) A realista, que defende o envolvimento da arte nos combates
movimento artístico deste período, foi o neoclássico que toma como fonte
sociais. As obras de arte assumem muitas vezes, um conteúdo
de inspiração a antiga Grécia e Roma. A arte neoclássica será utilizada de
político manifesto.
forma propagandística durante a Revolução Francesa e no Império
4.2 Rupturas
napoleônico.
O século XX foi a todos os níveis um século de rupturas. No
É neste contexto que surge Imanuel Kant, o principal criador da estética
domínio das práticas artísticas, ocorrem importantes mudanças no
contemporânea. Para este filósofo, os nossos juízos estéticos têm um
entendimento da própria arte, em resultado de uma multiplicidade de
fundamento subjetivo, dado que não se podem apoiar em conceitos
fatores, nomeadamente:
determinados. O critério de beleza que neles se exprimem é o do prazer
a ) A integração no domínio da arte de novas manifestações criativas. Umas
desinteressado que suscita a nossa adesão. Apesar de subjetivo, o juízo
já existiam mas estavam desvalorizadas, outras são relativamente recentes.
estético, aspira à universalidade.
Esta integração permitiu esbater as fronteiras entre a arte erudita e a arte
4.1 Novos Conceitos
para grandes massas. Entre as primeiras destacam-se as artes decorativas, a
Ao longo do século XIX a arte atravessa profundas mudanças. O
art naif, a arte dos povos primitivos atuais, o artesanato urbano e rural.
academismo é posto em causa; artistas como Courbet, Monet, Manet,
Entre as segundas destacam-se a fotografia, o cinema, o design, a moda, a
Cézanne ou Van Gogh abrem uma ruptura com as suas normas e
rádio, os programas televisivos, etc. Todas estas artes são hoje colocadas
convenções, preparando desta maneira o terreno para a emergência da arte
em pé de igualdade com as artes consagradas, como a pintura, escultura
moderna. Surge então múltiplas correntes estéticas, sendo de destacar as
etc., denominadas também por "Belas Artes".
seguintes:
b ) Os movimentos artísticos que desde finais do século XIX tem
aparecido, em todo o mundo, tem revelado uma mesma atitude
17
desconstrutiva em relação a todas as categorias estéticas. Todos os
Visões idealista e empirista
conceitos são contestados, e todas as fronteiras entre as artes são postas em
causa. A arte foi des-sacralizada, perdeu a sua carga mítica e iniciática de
Para os filósofos idealistas - cuja tradição começa na antiguidade
que se revestiu em épocas anteriores, tornando-se frequentemente um mero
com o filósofo grego Platão - a beleza é algo que existe em si, é objetiva.
produto de consumo. Quase tudo pode ser considerado como arte basta
De acordo com a teoria platônica, a Beleza seria uma forma ideal que
para tanto que seja "consagrado" por um artista.
subsistiria por si mesma, como um modelo, no mundo das ideias. E o que
c ) No domínio teórico aparecem inúmeras as teorias que defendem novos
percebemos no mundo sensível e achamos bonito só pode ser considerado
critérios para apreciação da arte. No panorama das teorias estéticas
belo porque se assemelharia a ideia de beleza que trazemos guardada em
predominam as concepções relativistas. Podemos destacar três correntes
nossa alma.
fundamentais:
Para os materialistas - empiristas, como o filósofo escocês David
- As estéticas normativas concebem a beleza fundamentada em princípios
Hume (1711 - 17760), a beleza não está propriamente nos objetos (não é
inalteráveis. Entre elas sobressaí a estética fenomenológica de Edmund
algo puramente objetivo), mas depende do gosto individual, da maneira
Husserl.
como cada pessoa vê e valoriza o objeto - ou seja, o juízo do que é ou não
- As estéticas marxistas e neomarxistas marcadas por uma orientação
belo é subjetivo. Esse gosto estético seria, em grande parte, desenvolvido
nitidamente sociológica. O realismo continuou a ser a expressão que
sob a influência da cultura em que se vive.
melhor se adéqua às ideias defendidas por esta corrente. A arte nos países
socialistas, por exemplo, cumpria através de imagens realistas uma
Visão de Kant
importante função: antecipar a "realidade" da sociedade socialista,
transformando-a numa utopia concreta.
Tentando superar esse impasse, Immanuel Kant buscou mostrar que,
- A estética informativa que deriva das teorias matemáticas da informação.
embora o juízo estético sobre as coisas seja uma capacidade subjetiva,
Esta estética procura constituir um sistema de avaliação dos conteúdos
pessoal, há aspectos universais na perspectiva estética dos indivíduos. Ou
inovadores presentes numa obra de arte.
seja, nossa estrutura sensível (os órgãos dos sentidos) e nossa imaginação
são as condições que tornam possível a percepção estética, mas essas
18
condições são comuns a todos os seres humanos e, nesse sentido, pode
humana, o filósofo alemão Georg W. Friedrich Hegel (1770 - 1831)
haver certa universalidade nas avaliações estéticas. Vejamos como o
trabalhou a questão da beleza em uma perspectiva histórica.
filósofo justifica isso.
Para ele, o relativo consenso acerca dos quais são as coisas belas,
No entanto, Kant também diz que ―belo é o que apraz
mostra apenas que o entendimento do que é belo depende do momento
universalmente sem conceito‖. Isso significa que é impossível conceituar,
histórico e do desenvolvimento cultural. Esses dois fatores determinariam
de definir racionalmente, o belo, pois, quando se julga objetos
certa visão de mundo, a partir da qual algumas coisas seriam consideradas
simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida.
belas e outras não.
Mas, quando dizemos que algo é belo, pretendemos que esse juízo esteja
Hegel procurou demonstrar essa tese analisando a história da arte,
afirmando algo que realmente pertence ao objeto, ou seja, não dizemos
da antiguidade até seu tempo, e demonstrando que a noção de belo variava
―isto é belo para mim‖, mas sim ―isto é belo‖, esperando que os demais
conforme a época e o lugar.
concordem com esse julgamento: portanto, esse julgamento pretende ser
Por isso, em Hegel, a beleza artística não diz respeito apenas à
voz universal, pois contém uma expectativa de aquilo que julgamos belo
sensação de prazer que determinada obra possa proporcionar, mas à
seja, de fato, belo.
capacidade que ela tem de sintetizar um dado conteúdo cultural de um
Essa expectativa tornar-se possível, para Kant, devido ao
determinado momento histórico.
fundamento do juízo do gosto, que seria a vinculação universal entre o
Em outras palavras, a arte não é apenas fruição: tem como função
belo e o sentimento de prazer. E, como determinados objetos despertam
mostrar, de modo sensível, a evolução espiritual dos seres humanos ao
em grande quantidade de pessoas o mesmo sentimento de prazer, é
longo da história. Se uma obra consegue isso, ela é bela, de acordo com
possível supor a existência de certa universalidade nos juízos estéticos.
Hegel. Mesmo a representação de algo feio pode ser belo, e o será quanto
mais conseguir comunicar às pessoas o sentido de mostrar ―aquele feio‖.
Essa concepção hegeliana implica também a ideia de que a
Visão de Hegel
percepção da beleza depende do alargamento da capacidade de recepção do
Diferentemente de Kant, que em sua reflexão levou em
indivíduo, ou seja, de sua capacidade de ver, ouvir, sentir. Em outras
consideração apenas as condições da própria estrutura da sensibilidade
palavras, a capacidade estética, que é subjetiva, seria formada a partir das
19
relações objetivas da vivência social de cada um. Portanto, para Hegel,
●
expressão do sentimento humano - a arte é sempre a manifestação
tanto a definição do que é beleza quanto a capacidade individual de
(expressão) dos sentidos humanos. Esses sentimentos podem revelar
percebê-la são construções histórico-sociais.
emoções diante daquilo que amamos ou revolta em face dos
problemas que atingem uma sociedade. Sentimentos de alegria,
esperança., alegria ou decepção diante da vida. A função primordial
ARTE, O QUE É?
da arte seria ―objetivar os sentimentos de modo que possamos
A arte pode ter várias definições. Entre elas encontra-se a de
contemplá-lo e entendê-lo. É a formulação da chamada ‗experiência
Susanne K. Langer (1895-1985), filósofa estadunidense, para quem a arte
interior‘, da ‗vida interior‘, que é impossível atingir pelo
pode ser entendida como a prática de criar formas perceptíveis
pensamento discursivo‖ (Langer, Ensaios filosóficos).
expressivas do sentimento humano. Analisemos, então, o conteúdo
essencial dos termos dessa definição.
●
prática de criar - a arte é o produto do fazer humano. Deve
FENÔMENO SOCIAL
combinar habilidade desenvolvida no trabalho (prática) com a
imaginação (criatividade);
●
Há estudiosos que veem na obra de arte uma manifestação pura e
formas perceptíveis - a arte concretiza-se em formas capazes de
simples da sensibilidade individual do artista. Outros a encaram com uma
serem percebidas por nossa mente. Essas formas podem ser
atividade plenamente lúdica, gratuita,livre de quaisquer preocupações
estáticas (uma obra arquitetônica, uma escultura) ou dinâmicas
utilitárias ou condicionamentos exteriores à sua própria criação.
(uma música, uma dança). Qualquer que seja sua forma de
Não é preciso negar totalmente a validade de cada uma dessas
expressão, cada obra de arte é sempre um todo perceptível, com
concepções para reconhecer na atividade artística outra característica
identidade própria. A palavra perceptível não se refere às formas
importante: o fato de que a arte é um fenômeno social. Isso significa que é
captadas apenas pelos sentidos exteriores, mas também pela
impossível situar uma obra de arte sem estabelecer um vínculo entre ela e
imaginação;
determinada sociedade. A arte é fenômeno social porque:
20
●
o artista é um ser social - como ser social, o artista reflete na obra
de arte sua maneira própria de sentir o mundo em que vive, as
Tudo indica que o termo indústria cultural foi empregado pela
alegrias e as angústias, os problemas e as esperanças de seu
primeira vez no livro Dialektik der Aufklãrung, que Horkheimer e eu
momento histórico;
publicamos em 1947, em Amsterdã. Em nossos esboços tratava-se do
a obra de arte é percebida socialmente pelo público - por mais
problema da cultura de massa. Abandonamos essa última expressão para
íntima e subjetiva que seja a experiência do artista em sua obra,
substituí-la por "indústria cultural", a fim de excluir de antemão a
esta será sempre percebida de alguma maneira pelas pessoas. A
interpretação que agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com
obra de arte será, então, um elemento social de comunicação da
efeito, que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das
mensagem de seu criador.
próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular. Ora,
Como fenômeno social, a arte possui,portanto, relações com a
dessa arte a indústria cultural se distingue radicalmente. Ao juntar
sociedade. Essas relações não são estáticas e imutáveis; ao contrário, são
elementos de há muito correntes, ela atribui-lhes uma nova qualidade. Em
dinâmicas, modificando-se conforme o contexto histórico. E envolvem três
todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos
elementos fundamentais: a obra de arte, seu autor e o público. Forma-se
adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam
em torno desses três elementos os vínculos entre arte e sociedade ―num
esse consumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo
vasto sistema solidário de influências recíprocas‖ (CANDIDO, literatura e
menos ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para
sociedade).
constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto
●
No que diz respeito ao artista, as relações de sua arte com a
à concentração econômica e administrativa. A indústria cultural é a
sociedade pode ser de paz e harmonia, de fuga e ilusão, de protestos e
integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a
revolta. Quanto à sociedade - considerando principalmente os órgãos de
união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte
estado - , seu relacionamento com determinada arte pode ser de ajuda ou
inferior. Com o prejuízo de ambos. A arte superior se vê frustrada de sua
de censura e limitação á atividade criadora.
seriedade pela especulação sobre o efeito; a Inferior perde, através de sua
domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe
era inerente enquanto o controle social não era total. Na medida em que
A INDÚSTRIA CULTURAL
21
nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado
indústria cultural é o primado imediato e confesso do efeito, que por sua
de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige,
vez é precisamente calculado em seus produtos mais típicos. A autonomia
as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário,
das obras de arte, que, é verdade, quase nunca existiu de forma pura e que
um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei,
sempre foi marcada por conexões de efeito, vê-se no limite abolida pela
como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa
indústria cultural. Com ou sem a vontade consciente de seus promotores.
indústria, mas seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para
Estes são tanto órgãos de execução como também os detentores de poder.
designar a indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é
Do ponto de vista econômico, eles estavam à procura de novas
inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das
possibilidades de aplicação de capital em países mais desenvolvidos. As
técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a
antigas possibilidades tornam-se cada vez mais precárias devido a esse
saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração com
mesmo processo de concentração, que por seu turno só torna possível a
relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que
indústria cultural enquanto instituição poderosa. A cultura que, de acordo
ela toma como dada a priori, e imutável. É excluído tudo pelo que essa
com seu próprio sentido, não somente obedecia aos homens, mas também
atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a
sempre protestava contra a condição esclerosada na qual eles vivem, e nisso
ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem
lhes fazia honra; essa cultura, por sua assimilação total aos homens, torna-
a elas se adaptar.
se integrada a essa condição esclerosada; assim, ela avilta os homens ainda
As mercadorias culturais da indústria se orientam, como disseram
uma vez. As produções do espírito no estilo da indústria cultural não são
Brecht e Suhrkamp há já trinta anos, segundo o princípio de sua
mais também mercadorias, mas o são integralmente. Esse deslocamento é
comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração
tão grande que suscita fenômenos inteiramente novos. Afinal, a indústria
adequada. Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem mais, a
cultural não é mais obrigada a visar por toda parte aos interesses de lucro
motivação do lucro às criações espirituais. A partir do momento em que
dos quais partiu. Esses objetivaram-se na ideologia da indústria cultural e às
essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já
vezes se emanciparam da coação de vender as mercadorias culturais que, de
estão contaminadas por essa motivação. Mas eles não almejavam o lucro
qualquer maneira, devem ser absorvidas. A indústria cultural se transforma
senão de forma mediata, através de seu caráter autônomo. O que é novo na
em public relations, a saber, a fabricação de um simples good-will, sem
22
relação com os produtores ou objetos de venda particulares. Vai-se
entrada, nem taxa de uso. Só a conta de luz. Não precisamos sair de casa,
procurar o cliente para lhe vender um consentimento total e não-crítico,
enfrentar a condução, o trânsito, a fila. Basta ligar o aparelho, ficar à
faz-se reclame para o mundo, assim como cada produto da indústria
vontade, podendo até fazer outra coisa, enquanto assistimos à TV.
cultural é seu próprio reclame.
Como ela conseguiu conquistar todo esse espaço?
ADORNO, Theodor W. "Indústria cultural". In COHN, Gabriel.
Comunicação e indústria cultural. São Paulo, Na-cionat/Edusp, 1971. p.
TV como meio de comunicação de massa
287-288.
Há inúmeras discussões sobre se a televisão é um bem ou um mal.
A televisão
— Mãe, o jantar já está pronto? Tô com muita fome.
De um lado, coloca-se o seu caráter de democratização da cultura, uma vez
— Ah, só depois que acabar a novela.
que é acessível a todos, indistintamente. De outro, discute-se a sua função
— Joãozinho, você já deu a comida do cachorro?
alienadora e de formação da opinião pública, e manipuladora, por se
- Ih!, esqueci. No próximo intervalo eu dou.
aproveitar da natureza emocional, intuitiva e irreflexiva da comunicação
— Você viu a maldade que a Mercedes fez com a mãe? É ruim,
por
mesmo. Merece perder o marido.
imagens.
Nas
palavras
de
Umberto
Eco,
filósofo
italiano
contemporâneo, temos:
— Tá falando da vizinha?
"Lembremos que uma educação através da imagem tem sido típica
— Não! A Mercedes da novela.
de toda sociedade absolutista e paternalista: do Antigo Egito à Idade Média.
Entre os meios de comunicação de massa, o que tem maior público
A imagem é o resumo visível e indiscutível de uma série de conclusões a
é a televisão. Se olharmos o panorama das cidades de qualquer tamanho,
que se chegou através da elaboração cultural; e a elaboração cultural que se
no centro ou na periferia, veremos uma quantidade impressionante de
vale da palavra transmitida por escrito é apanágio da elite dirigente, ao
antenas nos telhados.
passo que a imagem final é construída para a massa submetida. Nesse
Em preto-e-branco ou em cores, ela é presença obrigatória em
sentido, têm razão os maniqueus: há na comunicação pela imagem algo de
todos os lares. Representa informação e diversão gratuitas. Gratuitas?
radicalmente limitativo, de insuperavelmente reacionário. E, no entanto,
Depois de comprado o aparelho, assim parece. Não precisamos pagar
não se pode rejeitar a riqueza de impressões e descobertas que, em toda a
23
história da civilização, os discursos por imagens deram aos homens."
compram o espaço publicitário. Ou seja, do poder político e econômico do
(Apocalípticos e integrados, p. 363.)
país.
Na verdade, tanto um aspecto quanto outro estão presentes. A TV,
Linguagem da TV
como meio de comunicação, não é boa nem má, apesar de, por ser parte da
indústria cultural, vir marcada pela ideologia da classe dominante.
O que caracteriza o veículo TV e estrutura sua linguagem
Os problemas, no entanto, começam a se agravar a partir do
específica, distinguindo-o do cinema, é a possibilidade de transmissão
momento em que o meio passa a ser usado. É sua utilização, portanto, que
direta, no momento em que as coisas acontecem. Essa é a força da
deve ser analisada, utilização que se dá em uma determinada sociedade,
televisão: sua atualidade, a instantaneidade entre o acontecimento e sua
historicamente situada e composta por sujeitos com características
apresentação.
específicas.
Essa característica leva os espectadores a confundir realidade e
Para tanto, precisamos levantar os elementos que compõem a
representação, fazendo-os acreditar que a TV é um veículo "transparente",
linguagem televisiva e seu uso na sociedade brasileira.
objetivo e não-deformador da realidade.
Antes de mais nada, vamos lembrar que, no Brasil:
Ora, é preciso que nos lembremos de que cada imagem que aparece
• o canal de televisão é concessão do Estado, que pode ser suspensa
no vídeo é fruto de uma escolha em termos de enquadramento (quais os
a qualquer momento. Assim, só têm canal de TV os grupos que interessam
elementos que vão ser mostrados e quais os que vão ser deixados de lado;
ao Estado, que não farão oposição contínua e que não defenderão um tipo
quais os que aparecerão em primeiro plano, portanto maiores e mais
diferente de ideologia;
visíveis, quais em último plano, e assim por diante); de seqüência (qual a
• a TV é um empreendimento comercial privado e, como tal, visa o
cena que vem em primeiro, segundo, terceiro... até o último lugar); de texto
lucro;
ou música que acompanhará a imagem. Quem escolhe as imagens que vão
• a TV é sustentada pelos anunciantes, que, antes de gastarem sua
ao ar é o diretor do programa. Assim, é ele que elabora a interpretação dos
verba de publicidade, verificam o índice de audiência de cada programa.
fatos. Como resultado, o que aparece em nosso aparelho de TV já não é a
Portanto, o conteúdo da programação sofre vários tipos de
realidade, mas um relato, uma representação dessa realidade, segundo o
influência e de "censura"; do Estado e dos grupos econômicos que
ponto de vista do diretor do programa.
24
Esta primeira característica da linguagem da TV dá origem a toda
mundo que aparece de modo fragmentário, impedindo que os
uma estética televisiva; o naturalismo. Todos os outros programas que não
telespectadores, que somos todos nós, tenhamos a visão do todo, que possa-
são transmitidos ao vivo imitam essas transmissões. Os cenários
mos atribuir um sentido global ao mundo e que encontremos o nosso lugar
cuidadosamente preparados no estúdio dão a impressão da saia de visitas
específico de ação.
da casa de alguém, da cozinha, do jardim, da praça, da escola, da redação
E, finalmente, a linguagem televisiva caracteriza-se por assumir a
do jornal, e assim por diante.
forma de espetáculo.
Uma segunda característica da linguagem televisiva é sua.
O que é espetáculo? É tudo o que chama a atenção, atrai e prende o
fragmentação. Toda programação é estruturada aos pedaços, os chamados
olhar.
blocos, separados pela apresentação da propaganda. Assim, enquanto
A televisão, trabalhando sobre a forma de apresentação de seus
texto, teremos sempre rupturas, e o espectador deve aprender a fazer as
programas, transforma qualquer conteúdo em espetáculo de grande eficácia
ligações entre um bloco e outro.
visual.
Como terceira característica, apontamos o ritmo acelerado da
É só pensarmos na transmissão pela TV da Guerra do Golfo, no
linguagem televisiva, que está ligado à primeira característica, a
início de 1991, para compreendermos como funciona a linguagem da
instantaneidade da representação. O tempo da TV é o tempo moderno, da
televisão.
indústria, da eficiência, da metrópole. Esta característica tem, como
Foi a primeira transmissão direta de uma guerra. Ela veio parar
conseqüência, a superficialidade com que os assuntos são tratados na TV.
dentro de nossas casas. No entanto, o conteúdo "guerra", inevitavelmente
Para ser entendido de maneira rápida, o conteúdo deve ser diluído,
ligado a morte, destruição, dor, sofrimento, foi esvaziado e ficamos com o
reduzido a sua forma mais estereotipada ou massificada. Assim, os
espetáculo "limpo" de preparações otimistas, com soldados bem-
acontecimentos são retirados do desenrolar histórico, onde encontramos
alimentados, bem-vestidos e suas máquinas mortíferas bem cuidadas, frutos
suas raízes e suas causas, e são apresentados como se fossem fatos
da mais desenvolvida tecnologia. As próprias cenas de bombardeio foram
isolados, sem nenhuma análise que os explique.
vistas através de aparelhos: viu-se indistintamente o alvo sendo
E, outra vez, aparece a fragmentação. Agora, não mais como
enquadrado, a bomba atingindo-o com perfeição. As implicações da des-
recurso de linguagem, mas como recurso ideológico. É a própria visão de
truição, no entanto, jamais foram levadas adiante. Os poucos feridos que vi25
mos foram apresentados em cenas rápidas, sem grandes explicações. Quem
todas as classes sociais, a todas as idades, a todos os níveis de cultura, dos
eram? Onde moravam? O que pensavam da guerra? Quais suas necessida-
analfabetos aos intelectuais.
des ou desejos? O que aconteceu com eles depois? Sobreviveram? Ficaram
Ligar a TV é um hábito estabelecido dentro do nosso cotidiano.
Podemos assisti-la sozinhos ou com a família e/ou amigos, em sala clara,
enquanto a vida continua ao nosso redor e interfere no modo de nos
relacionarmos com a TV.
Como o próprio texto televisivo é entrecortado por anúncios, ele nos
dá a pausa para o café, o lanche, o copo d'água, o telefonema, o dedo de
conversa. Mesmo durante o programa que nos interessa, podemos estar,
também, fazendo outra coisa, com um olho cá, outro lá.
Essas condições da recepção da programação televisiva ajudam a
fisicamente deficientes? Não saberemos jamais. A estrutura do espetáculo,
"naturalizá-la", isto é, a fazer com que passemos a considerar natural tudo o
que prende nossa atenção, neutraliza todos os conteúdos, pois os trata
que é apresentado pela TV, uma vez que está dentro do nosso mundo
como se tudo tivesse o mesmo valor. No caso da Guerra do Golfo, as cenas
habitual. E, assim como aceitamos o nosso cotidiano, aceitamos o que é
de guerra foram apresentadas, alternadamente, com as cenas dos desfiles
oferecido pela TV, passivamente, sem maiores discussões ou críticas.
de carnaval, no Sambódromo. Tudo igual, com a mesma ênfase. Na
Por que não desligamos o aparelho quando o programa não agrada?
verdade, tudo se passa no mundo da fantasia. Tanto faz que seja o
Por que temos o hábito de ligar sempre em um só canal, em vez de procurar
carnaval, a guerra, o terremoto, a enchente, a novela ou o programa de
programas mais interessantes em outros?
auditório.
Talvez a tensão criada pelo trabalho fragmentado, pelas dificuldades
TV e público
de vida e de realização pessoal leve-nos a sermos telespectadores passivos,
que se entregam àquilo que o grupo produtor da programação de TV quer
Como já dissemos no início, entre os meios de comunicação de
nos dar.
massa, a TV é o que tem público mais vasto e indiferenciado: é acessível a
26
Se pensarmos, em termos de Brasil, no número de analfabetos, no
importantes poderes existentes na sociedade, uma vez que ele é
número de alfabetizados que saíram da escola após poucos anos, sem
fundamental para a organização e administração do Estado.
terminá-la, nos que trabalham desde os doze ou catorze anos, na pobreza
Quando observamos apressadamente o Estado - na sua forma
crescente que obriga a trabalhar cada vez mais e ter cada vez menos tempo
constituída como aí está - nos escapa o fato de que ele é resultado de
livre, a questão da recepção passiva e, com ela, a questão da alienação —
inúmeras mudanças internas provocadas pelas lutas políticas que buscam se
como fuga da própria realidade que parece insuportável através do
afirmar hegemonicamente. Estas lutas são formadas a partir da disputa dos
espetáculo superficial e atraente oferecido pela telinha — são perfeitamen-
poderes.
te explicáveis.
Os modelos de governo ou formas de governar procuraram se
Nessa perspectiva, portanto, a discussão não deve girar em torno de
afirmar neste jogo. As reivindicações da sociedade desenvolvem uma
devermos ou não assistir televisão, nem se esta é um bem ou um mal, pois
lógica de necessidades ou demandas a serem atendidas pelo Estado e a arte
ela é uma realidade do nosso mundo.
de governar apresentase como um conjunto de habilidades e compreensões
O que devemos discutir é como assistir televisão de uma forma
acerca deste processo de conhecimento ou saber sobre a sociedade e suas
mais crítica, percebendo os valores que estão sendo propostos, discutindo
reivindicações. Isto pode ser traduzido como disputa de poder. Este poder é
com outras pessoas, na própria escola, por que eles são propostos e se
uma governamentalidade, ou seja, um processo que se constitui
servem para nós, para nossa realidade.
historicamente, somando administração, organização e saberes. Constrói-se
um governo a partir do entendimento das questões que envolvem uma
população e a utilização de recursos técnicos para suas ações. Para o autor,
Microfisica do Poder - Governamentalidade: Governo e Poder -
a segurança é um tema importante no sentido de conduzir rumo à formação
Foucault
de um governo.
Para Foucault, o poder é o que estrutura a sociedade e a mantém
A preocupação em governar, tendo como referência os indivíduos,
hierarquicamente organizada. É o conjunto de poderes menores se
apóia-se em um tripé: segurança, população e governo constituído. Porém,
exercendo continuamente no seu interior, quase imperceptível, que dá à
ao longo da história os governos se voltaram para problemáticas diferentes
sociedade sua organização. Neste sentido, o poder do Estado é um dos
27
a cada época da existência do Estado, evoluindo na superação dos
se desenvolver uma série considerável de tratados que se apresentam não
problemas e gerando um Estado cada vez mais complexo.
mais como conselhos aos príncipes (...) mas como arte de governar‖.
Deste modo, o governo é aquele que pode arrebanhar e conduzir
seus súditos ao bem viver na
A Forma de Governar Medieval
sociedade ou garantir a convivência.
Introduz-se a ideia de coletividade.
Se fizermos uma retrospectiva histórica, compreenderemos melhor
O governo foca sua preocupação nos seus problemas internos e
a reflexão de Foucault a cerca do problema: a forma de governo.
humanos. Com o Renascimento Cultural a concepção antropocêntrica
Primeiro devemos compreender a seguinte proposição: governar e
suplanta a teocêntrica.
exercer poder seguem a mesma orientação. Deste modo, na Idade Média a
Portanto, a sociedade moderna, desenvolverá também uma ideia
questão do poder estava voltada para Deus e seus pressupostos
moderna de homem e de governo. A arte de governar encontra-se voltada,
teocêntricos. Isto de certa forma alimentava a preocupação do Governo,
também, para o aspecto terreno das relações que os homens estabelecem.
uma vez que necessitava da cultura teocêntrica para manter seu poder
como Poder outorgado por Deus, ou seja, na Idade Média o poder terreno
A Mentalidade Moderna
dos reis se originava do poder divino. Diz Foucault:
Certamente, na Idade Média ou na Antiguidade grecoromana, sempre
existiram tratados que se apresentavam como conselhos ao príncipe quanto
ao modo de se comportar, de exercer o poder, de ser aceito e respeitado
pelos súditos; conselhos para amar e obedecer a Deus, introduzir na cidade
dos homens a lei de Deus, etc. (FOUCAULT, Michel. Microfísica do
Poder. [Organização e tradução de Robert Machado]. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1979, pág. 277).
Nesse sentido, convém compreender a concepção de homem
ocidental produzida pelo Cristianismo, a partir do renascimento cultural.
Segundo a historiadora de mentalidades Agnes Heller, no texto intitulado:
―Homem do Renascimento‖ 3 , na introdução: Terá Havido um Ideal
Renascentista do Homem?, nos dá a ideia de que o renascimento cultural
A partir do século XVI surge a concepção de ―bom governo‖ ou
produziu um ideal de homem para a modernidade. Este ideal encontra-se
―bem governar‖, ou seja, a ideia de política aparece associada a uma arte
fundado na concepção de um homem dinâmico, isto é, a idéia de um
de governar, uma técnica ou um conjunto de procedimentos e compreensão
homem capaz de conduzir-se no mundo com referenciais que combinam
sobre a sociedade. ―A partir do século XVI até o final do século XVIII, vê-
dinamismo e eticidade cristã. Em outras palavras, um homem que pudesse
28
mediar a hipocrisia absoluta (proposta pela filosofia política de Maquiavel)
Clausewitz, da relação entre política e estratégia e da importância política,
e a ingenuidade absoluta (proposta pela filosofia política platônica),
manifestada por exemplo pelo Congresso de Viena, em 1815, que se
sabendo que tanto o ingênuo quanto o hipócrita estão condenados ao
atribuiu ao cálculo das relações de força considerado como princípio de
fracasso, deveria, portanto, este homem constituir-se de modo astuto para
inteligibilidade e de racionalização das relações internacionais; finalmente,
perceber diante de si a hipocrisia humana e ao mesmo tempo não deixar-se
no contexto da unificação territorial da Itália e da Alemanha, na medida em
levar ingenuamente, tendo a possibilidade de fazer suas escolhas com
que Maquiavel foi um dos que procuraram definir em que condição a
referência a um bem e capaz de ir além das fronteiras geográficas e
unificação territorial da Itália poderia ser realizada.
estabelecer relações políticas em projeções mundiais. Isto em decorrência
Apesar de ser uma obra moderna O Príncipe, de Maquiavel,
da complexidade vivida pela fase moderna, bem como o desenvolvimento
encontrou fortes oposições a sua proposição política. Esta oposição diz
econômico, da ciência e as extensões territoriais e os aumentos
respeito, prioritariamente, ao princípio de governabilidade que o mesmo dá
populacionais no âmbito do Estado Moderno.
ao monarca. O governo nesta proposta se constituiria a partir dos seguintes
Consequentemente gerou-se dois problemas: de um lado, grandes
aspectos: um governo imposto pela força ou dominação de principados
Estados a serem administrados somados à aquisição de uma corrida
mais fracos; constituindo-se assim um governo exterior, estrangeiro e
política colonialista; e de outro, processos diversos de organização do
estranho ao povo dominado; a Monarquia hereditária concebe um
Estado para atender esta demanda que se torna cada vez mais complexa.
governante doado e não escolhido por qualidade dos seus súditos e
Outra referência importante na ideia de constituição de governo, na
transcende o povoado uma vez que não há um pertencimento natural aos
fase moderna, assenta-se sobre as orientações de Maquiavel, uma vez que,
súditos e é um governo conquistado por alianças, sendo estranho à
separado por um período na história, os objetivos do Estado e as
organização interna do povoado.
reivindicações por poder se constituem em aspectos semelhantes e
Este conjunto de fatores torna o domínio do Príncipe fragilizado,
amparam-se nas orientações dadas por Maquiavel ao príncipe: O que se
uma vez que não estabelece relações mais estreitas com seus dominados.
deu no contexto preciso da Revolução Francesa e de Napoleão, quando se
Não se tem uma relação essencial que torna possível uma unidade
colocou a questão de como e em que condições se pode manter a soberania
administrativa.
de um soberano sobre um Estado; no contexto do aparecimento, com
aparentemente como inimigo, uma vez que a relação entre eles não é
29
Não
há
confiança.
Todos
podem
se
apresentar
natural e nem garantida pela lei. ―(...) Na medida em que é uma relação de
é resultante de uma política mais cientifica e reflexiva que apresenta o
exterioridade, ela é frágil e estará sempre ameaçada, exteriormente pelos
governante como mais uma parte deste poder que se organiza no interior do
inimigos do príncipe que querem conquistar ou reconquistar seu
Estado ou da Sociedade. Por isso, a arte representa uma técnica de governar
principado e internamente, pois não há razão a priori, imediata, para que os
súditos aceitem o governo do príncipe‖.
A Arte de Governar: o Exercício do Poder pelo Saber
Desse modo, a unidade encontra-se comprometida. O domínio
externo não garantiu uma unidade interna e sim uma ameaça, uma
O poder, como manifestação múltipla, está entrelaçado na
oposição. Em outras palavras, o poder gera sempre o seu contrário: o
sociedade, sendo a possibilidade dela se estruturar hierarquizada e
contra-poder. Cabe ao Príncipe nessas condições ficar sempre atento e
ordenadamente. Ele permite que a sociedade se organize e por meio da
vigilante para não lhe escapar o poder.
linguagem pulverize o poder desde sua base até o seu ápice.
―(...) No fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas
que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas
relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem
uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do
discurso‖ . FOUCAULT, Microfísica do Poder, 1979, pág. 179.
Desenvolver habilidades para garantir a duração de seu reinado e
conservar-se no poder. Entretanto, a oposição em relação a esta concepção
de Maquiavel surge no sentido de diferenciar, para a reflexão moderna de
Estado e poder, a habilidade de conservar o poder com a arte de governar.
―O Príncipe de Maquiavel é essencialmente um tratado da habilidade do
Deste modo, o poder se encontra diluído em todas as esferas sociais,
príncipe em conservar seu principado e é isto que a literatura anti
na família, nas instituições do estado, nas instituições religiosas e
Maquiavel quer substituir por uma arte de governar. Ser hábil em
educativas, econômicas, nas práticas culturais e, enfim, disseminada em
conservar seu principado não é de modo algum possuir a arte de governar‖.
toda a extensão do corpo social.
Desse modo, a arte de governar surge diante de uma necessidade de
Por isso, possuir a arte de governar está para além de ter uma
compreender melhor a política como reflexão da ação e da organização dos
habilidade. É necessário que a ―continuidade ascendente no sentido em que
homens em sociedade. Assim, devemos compreender que não existe mais
aquele que quer poder governar o Estado deve primeiro saber governar, sua
apenas um poder central exercido pelo Príncipe, e, sim múltiplos poderes
família, seus bens, seu patrimônio. É esta espécie de linha ascendente que
onde o governante não é mais o detentor exclusivo dele. A arte de governar
caracterizará a pedagogia do príncipe‖7 . Esta continuidade leva-nos a
30
compreender que a arte de governar converge no sentido de que em todas
assegurando assim o funcionamento da sociedade como um todo da relação
as esferas sociais constitui-se um governo diferente. Por exemplo, o pai de
de poder. Conseqüentemente, governar é pactuar. É governar e saber que
família exerce o governo de sua casa; o padre o governo na paróquia e de
deve ter um retorno e subordinar-se a uma vontade maior, a vontade dos
seus seguidores e o professor governa na sala de aula seus alunos. Assim,
outros. É compreender que ninguém exerce o poder sozinho.
eles exercem poder e por isso governam. Isto não implica, no entanto, que
Está implícito nesta relação, que o poder de governar é baseado no
sejam esferas autônomas e independentes dentro do Estado ou da
consenso e outorgado pelo outro. Não há poder de governar incondicionado
Sociedade.
ou transcendente. O poder de governar é fruto das relações empíricas que
Ao mesmo tempo em que governam, são também governados na
os homens estabelecem. ―Para ser bom soberano, é preciso que tenha uma
sua interação com outros membros da sociedade. Um necessita do outro
finalidade: ‗o bem comum e a salvação de todos‘. (...) Só lhe será conferida
assim como, no corpo humano os membros agem em conexão com o
autoridade soberana para que ele se sirva dela para obter e manter a
cérebro.
utilidade pública‖.
É, também, um processo pedagógico que instrumentaliza toda a
A finalidade do poder para o governo é a de aproximar-se de
sociedade para esta relação de poder. Para governar é necessário primeiro
objetivos e interesses que se definem com a ampliação da vontade comum
aprender a governar a própria vida. É um processo determinado
que pretende defender. Em suma, o poder é um pacto, um acordo que - não
internamente na relação que a sociedade estabelece com seus indivíduos,
se restringe aqui a jurisdição, justiça ou lei - o soberano deve ter um
isto é, na relação privada da família por exemplo.
propósito coletivo mais amplo, que englobe a população.
Depois se estende para outras esferas maiores e públicas. ―Quando
A arte de governar exige, nesta direção, que se vá para além das leis.
o Estado é bem governado, os pais de família sabem como governar suas
―Na perspectiva do governo, a lei não é certamente o instrumento principal,
famílias, seus bens, seu patrimônio e por sua vez os indivíduos se
(...) quando, economistas e fisiocratas dos séculos XVII e XVIII, explicam
comportam como devem‖ . Este conjunto de relações e trocas faz surgir
que não é certamente através da lei que se pode atingir os fins de governo‖.
uma pedagogia política para imprimir um bom governo. Entre o governo e
Assim, é necessário para bem governar, ter virtudes como: a paciência, a
o povo, governo e família é que surge a necessidade de se aprender a
sabedoria e a diligência. Este conjunto de virtus como capacidade ou
governar as diferentes habilidades existentes na esfera do Estado,
potência moral do homem que dará equilíbrio ao governante. A paciência é
31
necessária para que a força dê lugar à diplomacia, isto é, nem sempre é
sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que
necessário utilizar armas ou força mesmo possuindo-as.
deve desviar o home do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica
O conhecimento é fundamental para dar noção ou consciência
exemplar da punição muda as engrenagens.
daquilo que rodeia o governo, seu real poder. ―O conhecimento das coisas,
Por isso, Foucault afirma que, por essa razão, a justiça não mais
dos objetivos que deve procurar atingir e da disposição para atingi-los; é
assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. O
este conhecimento que constituirá a sabedoria do soberano‖.
saber foi sendo deslocado para os especialistas. Ou seja, quem passou a ter
o poder eram os especialistas.
De acordo com o autor, a execução da pena vai se tornando um
VIGIAR E PUNIR (FOUCAULT, Michel)
setor autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça,
Michel Foucault apresenta em seu livro um resgate histórico sobre
que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da
pena. Sendo que, o essencial da pena era: corrigir, reeducar e ‗curar‘.
as penas aplicadas aos autores de crimes. Ou seja, temos aqui um registro
da evolução histórica da legislação penal e dos métodos já foram adotados
Em relação ao suplício, era o espetáculo presente nas condenações
pelo poder público na repressão da delinqüência.
medievais. Na modernidade, essa forma de condenação desapareceu e,
Na primeira parte do livro, temos o papel do corpo dos condenados
junto com ela, o domínio sobre o corpo. Para Foucault, o estilo penal
e a ostentação dos suplícios em praça pública. Foucault afirma que, no
moderno está no âmbito da consciência abstrata.
início, as penas eram aplicadas ao corpo, sendo que a punição era visível
O desaparecimento do espetáculo da punição física ocorreu no
no corpo. Exemplo disso são os atos de punição em praça pública, para
início do século XIX. No lugar do espetáculo, surge a ‗sobriedade
todos verem como o criminoso era castigado e punido por seus crimes.
punitiva‘. Essa afirmação deve ser bem entendida, segundo Foucault.
Porém, com o tempo, o conhecimento/saber foi sendo deslocado.
Houve atrasos no cancelamento dos suplícios.
Houve uma mudança quanto à forma de aplicação das penas. Segundo
De acordo com o autor, as condições que possibilitavam estabelecer
Foucault (p. 13), a punição vai se tornando a parte mais velada do processo
um julgamento como verdade eram: determinar seu autor; aplicar-lhe uma
penal, provocando várias conseqüências: deixa o campo da percepção
sanção legal. Ou seja, conhecimento da infração, conhecimento do
quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à
32
responsável, conhecimento da lei. Essas eram as três condições que
chama de micropoderes, que se encontram espalhados até se chegar a uma
permitiam estabelecer um julgamento como verdade bem fundada.
sentença. Nesse sentido, o saber dá o poder de dizer quem era o criminoso.
Todo o aparato desenvolvido em torno da aplicação das penas
Como afirma Foucault, ―analisar o investimento político do corpo e
prolongou as decisões judiciárias muito além da sentença, ou seja, ―levou
a microfísica do poder supõe tratar do corpo político como conjunto dos
os juízes a julgar coisas bem diversas do que crimes‘. E o poder de julgar
elementos materiais e técnicas que servem de armas, de reforço, de vias de
foi transferido de instâncias. Houve um deslocamento, uma requalificação
comunicação e de pontos de apoio para as relações de poder e de saber que
pelo saber, o que gerou um novo poder de julgar e, conseqüentemente,
investem os corpos humanos e os submetem, fazendo deles objetos de
poder de punir.
saber‖.
Segundo o autor, é necessário investigar a mudança dos métodos
Para Foucault, as práticas penais devem ser consideradas mais como
punitivos do corpo nas relações de poder do objeto. Essas relações revelam
um capítulo da anatomia política do que como uma conseqüência das
um poder imediato sobre o corpo, historicamente estudado no campo
teorias jurídicas. Ele propõe fazer a história dos investimentos políticos do
patológico. Porém, de acordo com Foucault, o corpo também está
corpo.
diretamente mergulhado num campo político.
De acordo com o autor, o cerimonial judiciário deve trazer à luz a
O autor lembra ainda que, nesse contexto, a definição de infrações
verdade do crime. Ou seja, os processos penais correm em segredo
mantém os mecanismos punitivos e suas funções. A tecnologia da política
absoluto; só os especialistas podem conhecer. Porém, o autor lembra que o
do corpo é difusa; situa-se no campo da ―microfísica do poder‖; ou seja, se
funcionamento do interrogatório é um suplício de verdade.
posta em jogo pelos aparelhos e instituições. Essa microfísica supõe que o
Numa visão geral, percebemos que Michel Foucault chama a
poder não é concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia.
atenção do leitor para a forma como o poder de decidir sobre o castigo a ser
As relações de poder aprofundam-se dentro da sociedade (microfísica) e
adotado na punição dos delinqüentes exige uma reflexão. A compreensão
não nas superestruturas. Há uma relação poder/saber que determinada as
de que a punição era corrigir, reeducar e ―curar‘ continua bem presente no
formas e os campos possíveis do conhecimento.
Direito Penal moderno. Por isso, para Michel Foucault, nos dias atuais um
Assim, quem passou a ter poder sobre o corpo do condenado, quem
juiz nunca julga sozinho. Até se chegar a um veredicto, há todo um
poderia dar o laudo, era o especialista. A esses poderes, Michel Foucault
33
procedimento de julgamento que passa por laudos de vários especialistas:
de dominá-la, ou seja, a confusão do conhecimento com a dominação,
do médico, do psicólogo, do psiquiatra, dentre outros.
exploração e poder. Dessa maneira, a razão torna-se um instrumento de
uma ciência que, deixando de ser acesso a conhecimentos verdadeiros,
torna-se é meio de dominação e poder: da Natureza e dos próprios seres
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE HABERMAS
humanos.
Dessa maneira torna-se necessária uma razão que não seja
AÇÃO COMUNICATIVA
instrumento de dominação, mas de democracia: a razão comunicativa. A
A Ação Comunicativa é uma das principais teorias desenvolvidas
razão comunicativa, além de compreender a esfera instrumental de
por Jürgen Habermas. Introduzida pela primeira vez na obra Teoria da
conhecimentos objetivos, alcança a esfera da interação entre sujeitos,
Ação Comunicativa, publicada em 1981, pode ser delimitada, em termos
marcada por simbolismo e subjetivismo, experiências pessoais e a
gerais, como a teoria da sociedade moderna fundamentada por métodos da
contextualização dialógica de agentes lingüísticos.
sociologia, filosofia social e filosofia da linguagem.
Rompe-se, assim, com um diálogo baseado em conhecimentos
Ora, para Habermas a linguagem serve como garantia da
instrumentais resultantes da relação entre um sujeito cognocente e um
democracia, uma vez que a própria democracia pressupõe a compreensão
objeto cognoscível, a partir do qual o consenso, se possível, é
de interesses mútuos e o alcance de um consenso.
desprovido do caráter democrático. Por outro lado trava-se um diálogo
Contudo, para que a linguagem assuma este papel democrático,
entre sujeitos capazes de compartilhar, pela linguagem, de um universo
no pensamento habermasiano é necessário que a comunicação seja clara.
simbólico comum e interagir, buscando construir um conhecimento
Para Habermas, a distorção de palavras e de sua compreensão impede uma
crítico pautado por argumentação submetida a critérios de validade, sem,
comunicação efetiva, o consenso e, portanto, a prática efetiva da
contudo, ser orientada por rígidos domínios científicos.
democracia.
Nesse contexto, Habermas crê que a comunicação só é eficiente,
O uso correto das palavras, entretanto, só ocorreria quando fosse
ou seja, não distorcida, quando quatro critérios são seguidos:
abandonado o uso exclusivo da razão instrumental – ou iluminista – a
a)
razão utilizada pelo sujeito cognocente ao conhecer a natureza com o fim
uso de regras semânticas inteligíveis (uso de regras
semânticas compreensíveis para o receptor);
34
b)
ser verdadeiro o conteúdo dito;
respeito ao sistema de regras para a interpretação das leis (ou normas em
c)
justificação do emissor por direitos sociais ou normas
geral). A princípio pode-se dizer que a ação comunicativa é a expressão da
invocadas pelo uso do idioma (ou seja, o emissor possui
RAZÃO COMUNICATIVA – fonte do Direito, que para Habermas
autoridade nos argumentos utilizados);
proporciona as inter-relações entre os fatos (formas de vida) e as normas
d)
emissor que utiliza –se de sinceridade, sem procurar
estabelecidas para os mesmos; ele ainda acredita que a correlação
enganar seu receptor.
VALIDADE-EFICÁCIA representa a condição essencial para o direito pois
Os critérios de Habermas, contudo, são criticados em muitos
além de manter a inter-relação, citada, de forma descentralizada de
aspectos. Entre eles critica-se o segundo critério, questionando-se a
condições, ela também sustenta a imposição do Direito
definição de verdade: ―ora, como definir o que é verdadeiro
básica deste). Todavia, a ação comunicativa cumpre seu papel de guardiã
universalmente?‖
da integridade social, que para o pensador é a base de toda tensão da
Entretanto, apesar das críticas, a Teoria da Ação Comunicativa
(característica
correlação já mencionada.
propõe um retorno ao diálogo construtivo, capaz de alcançar um
Por outro lado temos no Direito um estudo, denominado
conhecimento mais profundo do que o alcançado pela relação entre o
hermenêutica jurídica, cujo objeto consiste em estudar a sistematização dos
―sujeito cognocente o objeto cognoscível‖ por ser resultado da relação, em
processos que devem ser utilizados para que se realize uma interpretação
última análise, entre dois sujeitos cognocentes. Dessa maneira, a prática da
adequada e correta sobre um fato concreto. Entretanto, vale lembrar que
Ação Comunicativa não se limita apenas à busca do consenso da
interpretação e hermenêutica são coisas distintas, visto que a primeira, é a
democracia, mas também é instrumento para pedagogia, filosofia e muitos
aplicação da segunda (analogia a técnica empregada pela metodologia). A
outros campos da ação humana.
interpretação é única, isto é, exceto quando usada para fins didáticos, na
prática ela não pode ser fracionada; possui como objeto de estudo as
palavras, frases, proposições e enunciados. As palavras expressam o sentido
HERMENÊUTICA JURÍDICA
das normas jurídicas e garantem, para Habermas, a democracia; podem ser
Falar em ação comunicativa de Habermas no Direito é pensar ou
analisadas sob dois aspectos: ONOMASIOLÓGICO (sentido corrente da
mesmo associar à hermenêutica jurídica, parte da ciência jurídica que diz
palavra), SEMASIOLÓGICO (significado normativo). A união de palavras
35
em torno de um verbo dá origem às frases que em conseqüência produz as
Direito está na crença do destinatário de que a norma a que se sujeita é
proposições e depois os enunciados. Os conceitos sobre estes, o próprio
também criada por ele, e que sua eficácia depende de uma interpretação do
Habermas fornece; a proposição consiste em uma unidade lingüística,
magistrado, coerente com cada situação real e concreta. No entanto, na
enquanto que o enunciado é a proposição situada, ou seja, é a unidade de
verdade, o intérprete (magistrados e afins) guia-se pelas próprias avaliações
discurso ou fala.
do sistema interpretado, a fim de tornar enfraquecida as tensões sociais na
A partir desses conceitos, a interpretação é aplicada nos diversos
medida em que neutraliza a pressão exercida pelos problemas de
problemas de ordem sintática, semântica e pragmática.
distribuição de poder, de recursos e de benefícios escassos.
Os problemas de ordem sintática, em que dizem respeito às
ANÁLISE DA OBRA “DIREITO E MORAL”
conexões das palavras, são interpretados de forma: GRAMATICAL
(questões léxicas), LÓGICA
(problemas lógicos) e SISTEMÁTICA
(compatibilidade no todo estrutural). Quando os problemas originam dos
Primeiramente gostaria de ressaltar o fato da obra de Habermas ser
significados das palavras, temos a semântica, cuja interpretação é feita por
extremamente densa e complexa, assim não sei se poderíamos chamar este
meio; HISTÓRICO (precedentes normativos) e SOCIOLÓGICO (contexto
texto de análise; o mais apropriado seria primeira impressão. Afinal, um
social). Por fim, temos os problemas de ordem
pragmática em que
para desenvolver um estudo da obra aqui mencionada seria necessário
caracterizam-se pelo não entendimento em uma relação de comunicação
compreender profundamente o trabalho do filósofo e o trabalho dos
entre o emissor e o receptor; para isso utiliza-se as interpretações
estudiosos por ele citados. Assim escrevemos, como estudantes do primeiro
TELEOLÓGICAS (situação das leis) e AXIOLÓGICA (postulam os fins).
período, a primeira impressão sobre o livro ―Direito e Moral‖ de Jürgen
Apresentados alguns conceitos, passamos então para uma possível
Habermas.
relação e explicação entre o pensamento do filósofo e a ciência jurídica.
O livro é dividido em dois segmentos principais, o primeiro
Como já foi dito anteriormente, a linguagem, especialmente a escrita,
fazendo uma critica a pontos de vista de Max Weber no que toca o direito e
garante a democracia aos povos, contudo, ela também justifica a presença
a moral, tendo como título ―Como é possível a legitimidade através da
de um Direito imposto por uma autoridade sobre uma pessoa, cidade ou
legalidade‖; e o segundo mostrando se o desmoronamento do direito
nação. Partindo desse pensamento Habermas coloca que a validade desse
36
puramente racional resulta em um estado jurídico com maior agilidade
poder, deixando de lado a razão. Por fim temos a sucessão de legisladores,
diante da sociedade, sendo o título ―Para a idéia do estado jurídico‖.
que tentam embutir seus próprios padrões morais na lei. Para encerrar esse
O primeiro grande segmento é sub dividido em três partes. Na
segmento do texto o autor ainda menciona a axiologia das Constituições
primeira parte Habermas comenta a visão de Max Weber sobre a
Federais existentes como uma prova de padrões morais presentes na lei.
racionalidade do direito. Segundo Weber a racionalidade só existe devido
O último texto deste segmento mostra como nossa sociedade
ao caráter formal que está incutido no direito, ou seja só pode existir a
aceita a legitimidade só através da legalidade, sendo assim é preciso
razão em decorrência da obediência aos procedimentos jurídicos. Dessa
fundamentar esta legalidade. Já foram utilizados fundamentos como a
forma moral e direito são dois campos separados, sendo a moral subjetiva
metafísica e a religião, mas atualmente estes não são mais aceitos. Assim se
e o direito objetivamente racional. Assim a interferência da moral no
buscou a razão como fundamento para nossa legalidade. Mas se de acordo
direito acabaria por retirar a racionalidade do mesmo. Mas Habermas nos
com Max Weber a inserção da moral no direito retira sua razão e por sua
mostra que o próprio ato de seguir os procedimentos jurídicos já implica na
vez sua legalidade, podemos questionar o fato de a razão estar baseada na
mistura entre moral e direito, afinal o direito é constituído de normas
moral; afinal não retiramos os padrões morais sociais do limbo.
estabelecidas por um legislador e este possui uma moral que acaba sendo
A segunda parte do livro também é dividida em três partes. A
incorporada a lei. Sendo assim a teoria de Weber onde a legitimidade só
primeira delas mostra como o sistema jurídico não esta preso aos conceitos
pode ser alcançada pela legalidade puramente raciona perde força.
gerais da teoria de sistema. Isso acontece porque o direito tem uma
Com a segunda parte são abordados alguns fenômenos não
necessidade peculiar, que não ocorre na maioria dos sistemas, a de se
previstos por Weber. Dessa forma temos o direito reflexivo, onde os
adaptar constantemente e rapidamente às mudanças que se desenrolam na
juristas refletem sobre as leis e fazendo isso acabam recorrendo a preceitos
sociedade como um todo. Afinal a norma jurídica tem lacunas que devem
morais para explica-las. Podemos falar ainda da marginalização dos
ser preenchidas para manter a sociedade controlada e regulada.
litígios, pois as partes envolvidas podem fazer contratos aproveitando
Nesta próxima parte o autor busca mostrar o entrelaçamento do
brexas na lei e acabam tornando o processo bastante subjetivo. Os
direito e da moral com a política. Ou seja, expor que o direito não se coloca
imperativos funcionais, onde a criação de condições para um estado
a serviço da política, pois se a política controlasse o direito a legitimidade
regulador acabam por pender para as preferências geradas pelo dinheiro e
daquela seria comprometida pois este não teria poder para dar
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credibilidade, sendo o direito incorporado à política. E a seguir vemos que
ALBERONI, Francesco. L'amicizia. Milão, Garzanti, 1990. (Tradução
o contrario também é impensável, pois a idéia de que o direito pudesse
brasileira: A amizade. Rio de Janeiro, Rocco, 1989.)
criar suas próprias estruturas normativas pela razão também lesaria a
______. L'innamoramento. Milão, Garzanti, 1990. (Tradução brasileira:
legitimidade da norma jurídica.
Enamoramento e amor. Rio de Janeiro, Rocco, 1986.)
Por fim Habermas mostra o porque da transformação do direito
AYALA, Marcos, AYALA, Maria Ignez N. Cultura popular no Brasil. São
racional em estado jurídico. Uma sociedade como à atual não pode se
Paulo, Ática, 1987.
prender as estruturas formais presentes no direito racionalista. Os
BATISTA, Francisco de P. . Clássicos do Direito Brasileiro: hermenêutica
mercados pedem uma maior agilidade por parte do ordenamento jurídico,
jurídica. São Paulo: Saraiva.
assim se abre espaço para o direito subjetivo criar as condições necessárias
BOBBIO, Norberto. Qual socialismo? — debate sobre uma alternativa.
para tal agilidade. Os contratos privados ganham uma maior autonomia
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
para preencher as lacunas da legislação e dessa maneira a moral ganha um
______. Estado, governo, sociedade — por uma teoria geral da política.
grande espaço no direito pois os contratos privados são subjetivos e a
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
subjetividade é uma das manifestações mais claras da moral.
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