Preferência Revelada A teoria da escolha a partir das preferências do consumidor tem uma característica interessante que é sua subjetividade. Dessa maneira, não é algo observável. No entanto, a escolha, em si, é algo que o analista econômico pode observar. Surge, então, a possibilidade de se montar uma teoria a partir de algo que é intrinsecamente observável, ou seja, a escolha. A partir da observação da escolha e de pequenos requisitos sobre a racionalidade do indivíduo, Samuelson elaborou uma teoria que permite chegar a conclusões muito próximas àquelas chegadas pela teoria baseada na existência de um conjunto de preferências subjetivamente determinadas. A seguir, procuramos apresentar alguns elementos dessa teoria. Suponha um conjunto de cestas X, tal que: { } X = ℜ n+ = x ∈ ℜ n : xi ≥ 0, i = 1,..., n x1 x=M x n A estrutura de escolha (Ɓ, C(.)) é composta por dois ingredientes: (i) Uma família Ɓ de subconjuntos de X,B ⊂ X , tal que B є Ɓ, sendo B, por conveniência, definido como conjunto orçamentário. Os subconjuntos B є Ɓ são experimentos realizados; (ii) C(.) é uma regra de escolha que designa um subconjunto C(B) contido em B de elementos escolhidos para B є Ɓ. Hipóteses adicionais sobre o conjunto B: (i) Bens são trocados em mercados competitivos (indivíduo não afeta o preço) aos preços p, sendo pi>0 para todo i; (ii) Existe uma renda m à disposição do consumidor. B p ,m = {x ∈ ℜ; p.x ≤ m} Hipóteses sobre C(B), o conjunto de escolha: (i) O conjunto de escolha pertence à linha orçamentária, ou seja, o consumidor gasta toda sua renda e não mais do que sua renda. Alguns autores (MasCollel et al. 1995) denominam essa hipótese de Lei de Walras (obs: a lei de Walras afirma que os excessos de demanda se igualam a 0); (ii) O conjunto de escolha contém apenas um componente; (iii) A escolha atende à característica de ser homogênea de grau zero em preços e renda, ou seja: x(p, m ) = x(αp, αm ) A essas hipóteses deve-se adicionar o axioma fraco da preferência revelada (AFrPR): A estrutura de escolha (Β, C ( B ) ) satisfaz o axioma fraco da preferência revelada se, para todo B ∈ Β com x e y ∈ B e x ∈ C ( B ), então, para B'∈ Β, com x e y ∈ B ' , y ∉ C ( B ' ). Afirmamos, então, que o consumidor revelou diretamente sua preferência por x em relação a y. x≿y Isto significa afirmar que se x é escolhido quando y estava disponível, então, y não poderá ser escolhido se x estiver disponível. A partir dessas hipóteses, podemos extrair várias propriedades da demanda marshalliana tendo como único requisito de racionalidade o atendimento ao axioma fraco da preferência revelada. O gráfico 1 apresenta a curva renda-consumo (caminho de expansão da renda) para bens inferiores. Reparem que, sob quaisquer escolhas, aceitamos as hipóteses 1 a 3 sobre o conjunto de escolha, e ocorre o atendimento ao AFrPR. O gráfico 2 apresenta a curva preço-consumo que também atende aos pressupostos levantados acima. x2 x2 Curva renda-consumo Curva preço-consumo x1 Gráfico 1 Gráfico 2 x1 O atendimento à lei da demanda compensada impede, no entanto, que, uma vez tendo optado pela cesta x na restrição Bp,m, o consumidor venha optar pela cesta y na restrição Bp’,m’, porque a restrição x continua disponível na restrição Bp’,m’ e y estava disponível quando x foi escolhida. Quando o processo de escolha de um consumidor atende a testes como esse, afirmamos que o consumidor passou no teste do axioma fraco da preferência revelada. MasCollel et al. (1995:12-14) mostram que, se o consumidor atende o requisito de racionalidade a partir da teoria das preferências subjetivas, ou seja, às hipóteses de preferências completas e transitivas, ele obrigatoriamente passará no teste do axioma fraco da preferência revelada. Contudo, o inverso só será verdadeiro se o consumidor se confrontar com todas as escolhas possíveis duas a duas e passar no teste. Nesse sentido, as hipóteses de preferências completas e transitivas são mais fortes do que o axioma forte da preferência revelada. x2 O consumidor atenderá às hipóteses de preferências completas e transitivas se passar x no teste do axioma forte da preferência revelada. O axioma forte da preferência revelada exige que se x for revelada preferível a y e y for revelada preferível a z, então x também será revelada preferível a z, ou seja, será indiretamente revelada preferível, enquanto o axioma fraco só implica a revelação B p ,m y B p ',m' direta de preferência. x1 Gráfico 3 Lei da Demanda Compensada Se a demanda marshalliana, x(p,m) é homogênea de grau zero em preços e renda e atende a lei de Walras, então, o axioma fraco da preferência revelada implica a lei da demanda compensada: (p’-p)(x(p’,m’)-x(p,m))≤0 (1), em que m’=p’.x(p,m) (2). Graficamente, o ajuste da renda m’ é representado por uma linha orçamentária que passa pela cesta inicial x(p,m) e que tem sua inclinação definida por p’, como observado no gráfico 4 pela restrição Bp’,m’. x2 x B p ,m B p ',m ' x1 Gráfico 4 O gráfico 4 também ajuda a compreender a afirmação. Suponha que o consumidor tenha escolhido a cesta x quando a restrição era Bp,m. Com a mudança de preços relativos provocada pelo vetor p’ e a compensação da renda, gera-se uma nova restrição definida por Bp’,m’. Pela lei de Walras sabe-se que a escolha do consumidor na nova restrição estará sobre a linha orçamentária. Ao mesmo tempo, sabe-se que qualquer ponto da nova linha orçamentária em sua parte tracejada (à direita de x) não poderá ser escolhido dado o AFrPR, ou seja, dado que essas cestas estavam disponíveis quando x foi escolhida. Assim, a escolha ou será x ou será uma cesta situada na parte contínua da nova linha orçamentária. Note-se que, na parte contínua, a quantidade do bem 1 é menor do que a quantidade anteriormente escolhida para o bem 1 e que a quantidade do bem 2 é maior do que a quantidade anteriormente escolhida para o bem 1. Por sua vez, os preços relativos indicam que o preço do bem 1 é maior do que o preço anterior do bem 1, sendo o inverso verdadeiro para o bem 2, o que confirma a lei de demanda compensada. Mais formalmente, a partir de (1): p'.(x(p' , m' ) − x(p, m) ) − p.(x(p' , m' ) − x(p, m) ) ≤ 0 (3) Sabe - se que o primeiro termo da equação (3) é igual a 0, pela regra de compensação (2). Logo : − p.(x(p' , m' ) − x(p, m) ) ≤ 0 (4) No entanto, sabe - se que se a cesta x(p' , m' ) pudesse ter sido escolhida quando x(p, m) foi escolhida, ou seja, com a renda p. x(p, m), então, a sua escolha quando a renda fosse p'. x(p, m) violaria o AFrPR, pois a cesta x(p, m) pode ser consumida com essa nova renda. Logo, p.x(p' , m' ) > p.x(p, m). Índices de Preços Repare que, pela regra de ajuste da renda adotada em (2), adotamos a cesta inicial x(p,m) como um elemento comum nas duas restrições orçamentárias expostas no gráfico 4. Isso significa que adotamos essa cesta como um peso comum para a formação da renda. Trata-se de um ajuste da renda que assegura que o consumidor poderá consumir exatamente a mesma cesta que consumia antes. Esse critério pode encontrar um paralelo com aquele adotado na compensação hicksiana. A compensação hicksiana, ao assegurar que a cesta escolhida aos novos preços atenderá o requisito de que u(x)≤u(y) garante que o consumidor estará pelo menos tão bem quanto antes. Da mesma maneira, a compensação da renda adotada pelo critério da equação (2) que denominaremos de compensação de Slutsky, ao garantir que a cesta inicial continua disponível aos novos preços também assegura que o consumidor estará tão bem quanto antes. No entanto, ao contrário do critério de Hicks em que o nível de utilidade e sua respectiva curva de indiferença não são observáveis, a compensação de Slutsky parte da cesta inicial, ou seja, um critério observável. Esse critério é utilizado para compor índices de preço. Esse critério pode ser adotado para elaboração de índices de preços. O índice de preços de Laspèyres adota a cesta inicialmente consumida para a composição do índice: Lp = p1 ' x1 + p2 ' x2 + ... + pn ' xn p1 x1 + p2 x2 + ... + pn xn (5) Dessa maneira, o uso de índice de Laspeyres para o cálculo de variação dos preços adota um critério de ponderação da importância de cada um dos preços de acordo com a cesta que foi escolhida inicialmente. Como a cesta que acabou sendo consumida no final também é conhecida, uma forma alternativa de cálculo de variação dos preços é utilizar essa cesta final como referência. Este critério é conhecido como Paasche: Pp = p1 ' x1 '+ p2 ' x2 '+... + pn ' xn ' (6) p1 x1 '+ p2 x2 '+... + pn xn ' A importância dos índices de preços está na resposta à necessidade de análise de variações de elementos heterogêneos. Como comparar a importância da variação dos preços de bananas e maçãs, como contabilizar por isso? O índice de preços ao consumidor amplo (IPCA-15), utilizado no regime de metas de inflação, é um índice de Laspeyres que tem como referência a cesta de consumo de famílias que recebem até 15 a partir da Pesquisa de Orçamento Familiar que teve sua última versão coletada em 2009 e divulgada ano passado. A divulgação da nova cesta implicou uma correção nos cálculos de inflação. Já o deflator implícito do PIB que permite calcular taxas de crescimento da economia adota o critério de Paasche. Assim como se faz ponderação para se calcular a variação de preços, também pode ser feita a ponderação para se calcular a variação de quantidades. Esses índices são denominados de índices de quantidade. Nesse caso, fica-se uma estrutura de preços de determinado momento e analisa-se a variação da quantidade. Lq = p1 x1 '+ p2 x2 '+... + pn xn ' p1 x1 + p2 x2 + ... + pn xn (7 ) Pq = p1 ' x1 '+ p2 ' x2 '+... + pn ' xn ' p1 ' x1 + p2 ' x2 + ... + pn ' xn (8)