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COEDUP - FILOSOFIA
Immanuel Kant
Immanuel Kant ou Emanuel Kant (Königsberg, 22 de abril de 1724 — Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) foi um filósofo
alemão, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos
seus pensadores mais influentes.
Depois de um longo período como professor secundário de geografia, começou em 1755 a carreira universitária ensinando
Ciências Naturais. Em 1770 foi nomeado professor catedrático da Universidade de Königsberg, cidade da qual nunca saiu,
levando uma vida monotonamente pontual e só dedicada aos estudos filosóficos. Realizou numerosos trabalhos sobre
ciência, física, matemática, etc.
Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o Racionalismo continental (de René Descartes e Gottfried Leibniz, onde
impera a forma de raciocínio dedutivo), e a tradição empírica inglesa (de David Hume, John Locke, ou George Berkeley, que
valoriza a indução).
Kant é famoso sobretudo pela elaboração do denominado idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos
a priori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma
impossíveis de determinar. A filosofia da natureza e da natureza humana de Kant é historicamente uma das mais
determinantes fontes do relativismo conceptual que dominou a vida intelectual do século XX. No entanto, é muito provável
que Kant rejeitasse o relativismo nas formas contemporâneas, como por exemplo o Pós-modernismo.
Kant é também conhecido pela filosofia moral e pela proposta, a primeira moderna, de uma teoria da formação do sistema
solar, conhecida como a hipótese Kant-Laplace.
A menoridade humana
O filosofo alemão Immanuel Kant define a palavra esclarecimento como a saída do homem de sua menoridade. Segundo
esse pensador, o homem é responsável por sua saída da menoridade. Kant define essa menoridade como a incapacidade
do homem de fazer uso do seu próprio entendimento.
Segundo Kant, a permanência do homem na menoridade se deve ao fato de ele não ousar pensar. A covardia e a preguiça
são as causas que levam os homens a permanecerem na menoridade. Um outro motivo é o comodismo. É bastante cômodo
permanecer na área de conforto. É cômodo que existam pessoas e objetos que pensem e façam tudo e tomem decisões em
nosso lugar. É mais fácil que alguém o faça, do que fazer determinado esforço, pois já existem outros que podem fazer por
mim. Os homens quando permanecem na menoridade, são incapazes de fazer uso das próprias pernas,são incapazes de
tomar suas próprias decisões e fazer suas próprias escolhas.
Em seu texto O que é ilustração, Kant sintetiza seu otimismo iluminista em relação à possibilidade de o homem seguir por
sua própria razão, sem deixar enganar pelas crenças, tradições e opiniões alheias. Nele, descreve o processo de ilustração
como sendo "a saída do homem de sua menoridade", ou seja, um momento em que o ser humano, como uma criança que
cresce e amadurece, se torna consciente da força e inteligência para fundamentar a sua própria maneira de agir, sem a
doutrina ou tutela de outrem.
Kant afirma que é difícil para o homem sozinho livrar-se dessa menoridade, pois ela se apossou dele como uma segunda
natureza. Aquele que tentar sozinho terá inúmeros impedimentos, pois seus tutores sempre tentarão impedir que ele
experimente tal liberdade. Para Kant, são poucos aqueles que conseguem pelo exercício do próprio espírito libertar-se da
menoridade.
[editar] Vida
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Túmulo de Immanuel Kant em Kaliningrado (antigo Königsberg)
Kant nasceu, viveu e morreu em Königsberg (atual Kaliningrado), na altura pertencente à Prússia. Foi o quarto dos nove
filhos de Johann Georg Kant, um artesão fabricante de correias (componente das carroças de então) e da mulher Regina.
Nascido numa família protestante (Luterana), teve uma educação austera numa escola pietista, que frequentou graças à
intervenção de um pastor. Ele próprio foi um cristão devoto por toda a sua vida.
Passou grande parte da juventude como estudante, sólido mas não espetacular, preferindo o bilhar ao estudo. Tinha a
convicção curiosa de que uma pessoa não podia ter uma direcção firme na vida enquanto não atingisse os 39 anos. Com
essa idade, era apenas um metafísico menor numa universidade prussiana, mas foi então que uma breve crise existencial o
assomou. Pode argumentar-se que teve influência na posterior direcção.
Kant foi um respeitado e competente professor universitário durante quase toda a vida, mas nada do que fez antes dos 50
anos lhe garantiria qualquer reputação histórica. Viveu uma vida extremamente regulada: o passeio que fazia às 15:30 todas
as tardes era tão pontual que as mulheres domésticas das redondezas podiam acertar os relógios por ele.
Kant nunca deixou a Prússia e raramente saiu da cidade natal. Apesar da reputação que ganhou, era considerado uma
pessoa muito sociável: recebia convidados para jantar com regularidade, insistindo que a companhia era boa para a
constituição física.
Por volta de 1770, com 46 anos, Kant leu a obra do filósofo escocês David Hume. Hume é por muitos considerados um
empirista ou um cético, muitos autores o consideram um naturalista.
Kant sentiu-se profundamente inquietado. Achava o argumento de Hume irrefutável, mas as conclusões inaceitáveis.
Durante 10 anos não publicou nada e, então, em 1781 publicou o massivo "Crítica da Razão Pura", um dos livros mais
importantes e influentes da moderna filosofia.
Neste livro, ele desenvolveu a noção de um argumento transcendental para mostrar que, em suma, apesar de não
podermos saber necessariamente verdades sobre o mundo "como ele é em si", estamos forçados a percepcionar e a pensar
acerca do mundo de certas formas: podemos saber com certeza um grande número de coisas sobre "o mundo como ele nos
aparece". Por exemplo, que cada evento estará causalmente conectado com outros, que aparições no espaço e no tempo
obedecem a leis da geometria, da aritmética, da física, etc.
Inscrições ao longo da tumba de Kant, dentre elas (...)"O céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro de mim" (…)
Nos cerca de vinte anos seguintes, até a morte em 1804, a produção de Kant foi incessante. O seu edifício da filosofia crítica
foi completado com a Crítica da Razão Prática, que lidava com a moralidade de forma similar ao modo como a primeira
crítica lidava com o conhecimento; e a Crítica do Julgamento, que lidava com os vários usos dos nossos poderes mentais,
que não conferem conhecimento factual e nem nos obrigam a agir: o julgamento estético (do Belo e Sublime) e julgamento
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teleológico (Construção de Coisas Como Tendo "Fins"). Como Kant os entendeu, o julgamento estético e teleológico
conectam os nossos julgamentos morais e empíricos um ao outro, unificando o seu sistema.
Uma das obras, em particular, atinge hoje em dia grande destaque entre os estudiosos da filosofia moral. A Fundamentação
da Metafísica dos Costumes é considerada por muitos filósofos a mais importante obra já escrita sobre a moral. É nesta obra
que o filósofo delimita as funções da ação moralmente fundamentada e apresenta conceitos como o "Imperativo categórico"
e a "Boa vontade".
Os trabalhos de Kant são a sustentação e ponto de início da moderna filosofia alemã; como diz Hegel, frutificou com força e
riqueza só comparáveis à do socratismo na história da filosofia grega. Fichte, Hegel, Schelling, Schopenhauer, para indicar
apenas os maiores, inscrevem-se na linhagem desse pensamento que representa um etapa decisiva na história da filosofia
e está longe de ter esgotado a sua fecundidade.[1]
Kant escreveu alguns ensaios medianamente populares sobre história, política e a aplicação da filosofia à vida. Quando
morreu, estava a trabalhar numa projetada "quarta crítica", por ter chegado à conclusão de que seu sistema estava
incompleto; este manuscrito foi então publicado como Opus Postumum. Morrera em 12 de fevereiro de 1804 na mesma
cidade que nascera e permanecera durante toda sua vida.
Na "Crítica da Razão Pura"
"Heróis da Paz" Kant esculpido na Estátua equestre.
O trabalho filosófico de Kant está na confluência do racionalismo, do empirismo inglês (David Hume) e a ciência físicamatemática de Isaac Newton. Seu caminho histórico está assinalado pelo governo de Frederico II, a independência
americana e a Revolução Francesa.
As questões de partida do Kantismo são o problema do conhecimento, e a ciência, tal como existe. A ciência se arranja de
juízos que podem ser analíticos e sintéticos. Nos primeiros (o quadrado tem quatro lados e quatro ângulos internos),
fundados no princípio de identidade, o predicado aponta um atributo contido no sujeito. Tais juízos independem da
experiência, são universais e necessários. Os sintéticos, a posteriori resultam da experiência e sobrepõem ao sujeito no
predicado um atributo que nele não se acha previamente contido (o calor dilata os corpos ), sendo, por isso, privados e
incertos.
Uma indagação eminente que o levara à sintetização do pensar: Que juízos constituem a ciência físico matemática? Caso
fossem analíticos, a ciência sempre diria o mesmo (e não é assim), e, se fossem sintéticos um hábito sem fundamento (o
calor dilata os corpos porque costuma dilatá-los). Os juízos da ciência devem ser, ao mesmo tempo, a priori, quer dizer,
universais e necessários, e sintéticos objetivos, fundados na experiência. Trata-se pois, de saber como são possíveis os
juízos sintéticos a priori na matemática e na física, ("Estética transcendental" e "Analítica transcendental"), e se são
possíveis na metafísica ("Dialética transcendental", partes da Crítica da razão pura).
Para os juízos sintéticos a priori são admissíveis na matemática porque essa ciência se fundamenta no espaço e no tempo,
formas a priori da sensibilidade, intuições puras e não conceitos de coisas como objetos. O espaço é a priori, não deriva da
experiência, mas é sua condição de possibilidade. Podemos pensar o espaço sem coisas, mas não coisa sem espaço. O
espaço é o objeto de intuição e não conceito, pois não podemos ter intuição do objeto de um conceito (pedra, carro, cavalo,
etc.), gênero ou espécie. Ora, o espaço não é nem uma coisa nem outra, e só há um espaço (o nada, referindo ao espaço).
Na apresentação "transcendental" do espaço, Kant determina as condições subjetivas ou transcendentais da objetividade.
Se o conhecimento é relação, ou relacionamento (do sujeito com o objeto), não, pode conhecer as coisas "em si", mas "para
nós".
A geometria pura, quando aplicada, coincide totalmente com a experiência, porque o espaço é a forma a priori da
sensibilidade externa. O tempo é, também, a priori. Podemos concebê-lo sem acontecimentos, internos ou externos, mas
não podemos conceber os acontecimentos fora do tempo. Objeto de intuição, não pode ser conceito. Forma vazia, intuição
pura, torna possíveis por exemplo os juízos sintéticos a priori na aritmética, cujas operações (soma, subtração, etc.),
ocorrendo sucessivamente, o pressupõem. O tempo é, pois, a forma a priori da sensibilidade interna e externa.
Esse privilégio explica a compenetração da geometria e da aritmética. A geometria analítica (Descartes) permite reduzir as
figuras a equações e vice-versa. O cálculo infinitesimal (Leibniz) arremata essa compenetração definindo a lei de
desenvolvimento de um ponto em qualquer direção do espaço. A matemática é pois, um conjunto de leis a priori, que
coincidem com a experiência e a tornam cognoscível.
As condições de possibilidade do conhecimento sensível são, portanto, as formas a priori da sensibilidade. Não existe a
"coisa em si". Se existisse não se poderia a conhecer enquanto tal, e nada se poderia dizer a seu respeito. Só é possível
conhecer coisas extensas no espaço e sucessivas no tempo, enquanto se manifestam, ou aparecem, ou seja, "fenômenos,
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Na "analítica transcendental", Kant analisa a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na física. Compreendemos que a
natureza é regida por leis matemáticas que ordenam com rigor o comportamento das coisas (o que permite ciências como
engenharia, etc., serem possíveis o determinismo com certa regularidade). Não há como saber das coisas com apenas
percepções sensíveis, impressões. Há um conhecimento a priori da natureza. A função principal dos juízos da natureza.
Ora, a função principal dos juízos é pôr, colocar a realidade e, em seguida, determiná-la. As diversas formas do juízo
deverão, portanto, conter as diversas formas da realidade.
Essa formas estão estudadas desde Aristóteles, que as classifica de acordo com a quantidade, a qualidade, a relação e a
modalidade. Na "Dedução transcendental" das categorias, Kant volta a classificação aristotélica, dando-lhe novo sentido.
Assim, à quantidade, correspondem a unidade, a pluralidade e a totalidade; à qualidade a essência, a negação e a limitação;
a relação a substância, a causalidade e a ação recíproca; à modalidade, a possibilidade, a existência e a necessidade.
Tais categorias são as condições de possibilidade dos juízos sintéticos a priori em física. As condições do conhecimento
são, enfim, como se acabe de ver, as condições prévias da objetividade. A ciência da natureza postula a existência de
objetos, sua consistência e as relações de causa e efeito. Se as categorias universais, particulares e contingentes, devem
proceder de nós mesmos, de nosso entendimento.
Em tal descoberta consiste a "inversão copernicana", realizada por Kant. Não é o objeto que determina o sujeito, mas o
sujeito que determina o objeto. As categorias são conceitos, todavia, puros, a priori, anteriores à experiência e que, por isso,
a tornam possível. Em suma, o objeto só se torna cognoscível na medida em que o sujeito que determina o objeto. Em
suma, o objeto só se torna cognoscível na medida em que o sujeito cognoscente o reveste das condições de
cognoscibilidade.[2]
Na "dialética transcendental", finalmente Kant examina a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na metafísica. A "coisa
em si" (alma, Deus, essência do cosmos, etc.), não nos é dada em experiência alguma. Ora, como chega a razão a formar
esses objetos? Sintetizando além da experiência, fazendo a síntese das sínteses, porque aspira ao infinito, ao
incondicionado, ao absoluto. Nas célebres, "antinomias", Kant mostra que a razão pura demonstra, "indiferentemente", a
finitude e a infinitude do universo, a liberdade e o determinismo, a existência e a inexistência de Deus. Ultrapassando os
limites da experiência, aplica arbitrariamente as categorias e pretende conhecer o incognoscível. A metafísica é impossível
como ciência, pois não se pode chegar mais, além disso.
Juízo Estético de Kant
Retrato de Immanuel Kant.
O juízo estético é abordado no livro Crítica da Faculdade do Juízo. De acordo com Kant para se ter uma investigação crítica
a respeito do belo, devemos estar orientados pelo poder de julgar. E a indagação básica que move essa investigação crítica
a respeito do belo é: existe algum valor universal que conceitue o belo e que reivindique que outras pessoas, a partir da
minha apreciação de uma forma bela da natureza ou da arte, confirmem essa posição? Ou então somos obrigados a admitir
que todo objeto que julgamos como sendo belo é uma valoração subjetiva?
O poder de julgar, pertencendo a todo sujeito, é universal e congraça o julgamento estético, especulativo e prático. Portanto
a investigação crítica que Kant se refere diz respeito às possibilidades e limitações das faculdades subjetivas que agem sob
princípios formulados e que pertencem à essência do pensamento.
Como podemos desnudar o fenômeno que explica o nosso gosto? Se fizermos uma experiência com vários indivíduos e o
defrontarmos com um objeto de arte, observaremos que as impressões causadas serão as mais diversas. Então
chegaremos à conclusão de que a observação atenta e valorativa daquele objeto, somada as diferentes opiniões que foram
apresentadas pelos indivíduos, nos dá respaldo para afirmar que o gosto tem que ser discutido. Para Kant apenas sobre
gosto se discute, ao passo que, representa uma reivindicação para tornar universal um juízo subjetivo.
A universalidade do juízo estético é detectada por envolver um exercício persuasivo de convencimento de outro sujeito que
aquela determinada forma da natureza ou da arte é bela. E, dessa forma, torna aquele valor universal. Os sujeitos têm em
comum um princípio de avaliação moral livre que determina a avaliação estética e, portanto, julga o belo como universal.
O juízo estético está relacionado ao prazer ou desprazer que o objeto analisado nos imprime e, como se refere Kant, o belo
"é o que agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito". Essa situação fica bem evidente quando visitamos um
museu. Digamos que essa experiência fosse realizada no Museu do Louvre, em Paris, com o quadro Monalisa. Se nos
colocarmos como observador, perceberemos que os mais diversos comentários serão tecidos a cerca dessa obra tão
famosa.
Detendo-nos na análise dos comentários favoráveis notaremos que, ratificando Kant, o belo não está arraigado em nenhum
conceito. Pois, dos vários indivíduos que vão apreciar a obra de Leonardo da Vinci, encontraremos desde pessoas
especializadas em arte até leigos, como eu ou você, que vão empregar cada qual um conceito, de acordo com a percepção,
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após a contemplação da Monalisa. Então isso comprova que não existe uma definição exata a cerca do belo, mas sim um
sentimento que é universal e necessário.
A paz perpetua
A paz perpetua, trata que o direito cosmopolítico deve circunscrever-se às condições de uma hospitalidade universal. Dessa
forma, Kant traz no terceiro artigo definitivo de um tratado de paz perpetua, o fato de que existe um direito cosmopolitano
relacionado com os diferentes modos do conflito dos indivíduos intervirem nas relações com outros indivíduos. A pessoa que
está em seu território, no seu domínio, pode repelir o visitante se este interfere em seu domínio.
No entanto, caso o visitante mantenha-se pacifico, não seria possível hostiliza-lo. Também, não se trata de um direito que
obrigatoriamente o visitante poderia exigir daquele que o tem assim, mas sim, de um direito que persiste em todos os
homens, o do direito de apresentar-se na sociedade.
O direito de cada um na superfície terrestre pode ser limitada no sentido da superfície. Já o indivíduo deve tolerar a
presença do outro, sem interferir nele, visto que tal direito persiste a toda espécie humana. Então, o direito da posse
comunitária da superfície terrestre pertence a todos aqueles que gozam da condição humana, existindo uma tolerância de
todos a fim de que se alcance uma convivência plena.
Veja que o ato de hostilidade está presente no ato do direito de hospitalidade. Mesmo que o espaço seja limitado, os
indivíduos devem se comportar pacificamente com o intuito de se alcançar a paz de convívio mútuo. O relacionamento entre
as pessoas está na construção dos direitos de cada um, sendo indispensável para a compreensão do direito cosmopolítico
de modo a garantir as condições necessárias para termos uma hospitalidade universal.
Por fim, a violação do direito cosmopolitano e o direito público da humanidade criará condições para o favorecimento da paz
perpetua, proporcionando a esperança de uma possível aproximação do estado pacífico.
Filosofia de Kant em geral
Apesar de ter adaptado a ideia de uma filosofia crítica, cujo objectivo primário era "criticar" as limitações das nossas
capacidades intelectuais, Kant foi um dos grandes construtores de sistemas, levando a cabo a ideia de crítica nos seus
estudos da metafísica, ética e estética.
Uma citação famosa - "o céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro de mim" - é um resumo dos seus esforços: ele
pretendia explicar, numa teoria sistemática, aquelas duas áreas. Isaac Newton tinha desenvolvido a teoria da física sob a
qual Kant queria edificar a filosofia. Esta teoria envolvia a assunção de forças naturais de que os homens não se
apercebem, mas que são usadas para explicar o movimento de corpos físicos.
O seu interesse na ciência também o levou a propor em 1755 que o sistema solar fora criado a partir de uma nuvem de gás
na qual os objectos se condensaram devido à gravidade. Esta Hipótese Nebular é amplamente reconhecida como a primeira
teoria moderna da formação do sistema solar e é precursora das actuais teorias da formação estelar.
Metafísica e epistemologia de Kant
Capa da obra Crítica da Razão Pura, 1781.
O livro mais lido e mais influente de Kant é a Crítica da Razão Pura (1781). De acordo com o próprio autor, a obra, também
conhecida como "primeira crítica", é resultado da leitura de Hume e do seu despertar do sono dogmático, a saber: Kant se
perguntou como são possíveis juízos sintéticos a priori? Para responder a essa pergunta, Kant escreveu esse livro
portentoso, de mais de 800 páginas.
Na primeira crítica, Kant vai mostrar que tempo e espaço são formas fundamentais de percepção (formas da sensibilidade)
que existem como ferramentas da mente, mas que só podem ser usadas na experiência.
Tente imaginar alguma coisa que existe fora do tempo e que não tem extensão no espaço.[2] A mente humana não pode
produzir tal ideia. Nada pode ser percebido excepto através destas formas, e os limites da física são os limites da estrutura
fundamental da mente. Assim, já vemos que não podemos conhecer fora do espaço e do tempo.
Mas além das formas da sensibilidade, Kant vai nos dizer que há também o entendimento, que seria uma faculdade da
razão. O entendimento nos fornece as categorias com as quais podemos operar as sínteses do diverso da experiência.
Assim, como são possíveis juízos sintéticos a priori? São possíveis porque há uma faculdade da razão - o entendimento que nos fornece categorias a priori - como causa e efeito - que nos permitem emitir juízos sobre o mundo.
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Contudo, diz Kant, as categorias são próprias do conhecimento da experiência. Elas não podem ser empregadas fora do
campo da experiência. Daí porque, na filosofia crítica de Kant, não nos é possível conhecer a coisa em si, ou aquilo que não
está no campo fenomenológico da experiência.
Na perspectiva de Kant, há, por isso, o conhecimento a priori de algumas coisas, uma vez que a mente tem que ter estas
categorias, de forma a poder compreender a massa sussurrante de experiência crua, não-interpretada que se apresenta às
nossas consciências. Em segundo lugar, ela remove o mundo real (a que Kant chamou o mundo numenal ou númeno) da
arena da percepção humana.
Kant denominou a filosofia crítica de "idealismo transcendental". Apesar da interpretação exacta desta frase ser contenciosa,
uma maneira de a compreender é através da comparação de Kant, no segundo prefácio à "Crítica da Razão Pura", da
filosofia crítica com a revolução copernicana na astronomia.
Tal como Copérnico revolucionou a astronomia ao mudar o ponto de vista, a filosofia crítica de Kant pergunta quais as
condições a priori para que o nosso conhecimento do mundo se possa concretizar.
O idealismo transcendental descreve este método de procurar as condições da possibilidade do nosso conhecimento do
mundo. Mas esse idealismo transcendental de Kant deverá ser distinguido de sistemas idealistas, como os de Berkeley.
Enquanto Kant acha que os fenómenos dependem das condições da sensibilidade, espaço e tempo, esta tese não é
equivalente à dependência-mental no sentido do idealismo de Berkeley.
Para Berkeley, uma coisa é um objecto apenas se puder ser percepcionada. Para Kant, a percepção não é o critério da
existência dos objectos. Antes, as condições de sensibilidade - espaço e tempo - oferecem as "condições epistémicas", para
usar a frase de Henry Allison, requeridas para que conheçamos objectos no mundo dos fenómenos. Kant tinha querido
discutir os sistemas metafísicos mas descobriu "o escândalo da filosofia": não se pode definir os termos correctos para um
sistema metafísico até que se defina o campo, e não se pode definir o campo até que se tenha definido o limite do campo da
física - física, no sentido de discussão do mundo perceptível.
Kant afirma, em síntese, que não somos capazes de conhecer inteiramente os objetivos reais e que o nosso conhecimento
sobre os objetos reais é apenas fruto do que somos capazes de pensar sobre eles.
Filosofia Moral
Estátua de Immanuel Kant em Kaliningrado
Immanuel Kant desenvolve a filosofia moral em três obras: Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Crítica da
razão prática (1788) e Metafísica dos costumes (1798).
Nesta área, Kant é provavelmente mais bem conhecido pela teoria sobre uma obrigação moral única e geral, que explica
todas as outras obrigações morais que temos: o imperativo categórico.
O imperativo categórico, em termos gerais, é uma obrigação incondicional, ou uma obrigação que temos
independentemente da nossa vontade ou desejos (em contraste com o imperativo hipotético).
As nossas obrigações morais podem ser resultantes do imperativo categórico. O imperativo categórico pode ser formulado
em três formas, que ele acreditava serem mais ou menos equivalentes (apesar de opinião contrária de muitos
comentadores):
§ A primeira formulação (a fórmula da lei universal) diz: "Age somente em concordância com aquela máxima através da qual
tu possas ao mesmo tempo querer que ela venha a se tornar uma lei universal".
§ A segunda fórmula (a fórmula da humanidade) diz: "Age por forma a que uses a humanidade, quer na tua pessoa como de
qualquer outra, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio".
§ A terceira fórmula (a fórmula da autonomia) é uma síntese das duas prévias. Diz que deveremos agir por forma a que
possamos pensar de nós próprios como leis universais legislativas através das nossas máximas. Podemos pensar em nós
como tais legisladores autônomos apenas se seguirmos as nossas próprias leis..
Kant e a Revolução Francesa
Estátua de Immanuel Kant na UFMG.
Em 1784, no seu ensaio "Uma resposta à questão: o que é o Iluminismo?", Kant visava vários grupos que tinham levado o
racionalismo longe de mais: os metafísicos que pretendiam tudo compreender acerca de Deus e da imortalidade; os
cientistas que presumiam nos seus resultados a mais profunda e exacta descrição da natureza; os cépticos que diziam que
a crença em Deus, na liberdade, e na imortalidade, eram irracionais.
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Kant mantinha-se no entanto optimista, começando por ver na Revolução Francesa uma tentativa de instaurar o domínio da
razão e da liberdade. Toda a Europa do Iluminismo contemplava então fascinada os acontecimentos revolucionários em
França.
A Revolução francesa vai no entanto ser um marco de viragem, também na filosofia de Kant. Observando a evolução e as
realizações práticas, Kant volta a reflectir sobre a prometida razão e liberdade.
No plano religioso, em 1792, Kant, ao escrever a obra Der Sieg des guten Prinzips über das böse und die Gründung eines
Reichs Gottes auf Erden (A vitória do princípio bom sobre o princípio mau e a constituição de um reino de Deus sobre a
terra), afirma ainda cheio de optimismo: "A passagem gradual da fé eclesiástica ao domínio exclusivo da pura fé religiosa
constitui a aproximação do reino de Deus".[4]
Nessa obra, o "reino de Deus" anunciado nos Evangelhos recebia como que uma nova definição e uma nova presença: a
Revolução podia apressar a passagem da fé eclesiástica à fé racional; onde chegasse a Revolução a "fé eclesiástica" seria
superada e substituída pela "fé religiosa", ou seja, pela "mera fé racional."
Em 1795, no livro Das Ende aller Dinge ("O fim de todas as coisas"), a perspectiva é já completamente diferente. Kant toma
agora em consideração a possibilidade de que, a par do fim natural de todas as coisas, se verifique também um fim contrário
à natureza, perverso:
Se acontecesse um dia chegar o cristianismo a não ser mais digno de amor, então o pensamento dominante dos homens
deveria tomar a forma de rejeição e de oposição contra ele; e o anticristo [...] inauguraria o seu regime, mesmo que breve,
(baseado presumivelmente sobre o medo e o egoísmo). Em seguida, porém, visto que o cristianismo, embora destinado a
ser a religião universal, de facto não teria sido ajudado pelo destino a sê-lo, poderia verificar-se, sob o aspecto moral, o fim
(perverso) de todas as coisas.[5]
Face à violência inaudita da Revolução Francesa, e ao novo tipo de autoritarismo que se firmava nas "Luzes" da razão, Kant
vai também reflectir acerca dos seus conceitos políticos.[6]
[editar] Marcos na vida de Kant
1724 - Kant nasce a 22 de abril.
1740 - Neste ano, Frederico II torna-se Rei da Prússia. Foi um rei que trouxe sinais de tolerância à Prússia, que era uma
nação célebre pela disciplina militar. Trouxe iluministas (Voltaire, o mais famoso) para a corte e continuou a política de
encorajamento à imigração que o pai tinha seguido.
1746 - Falecimento do pai de Kant. Kant deixou de ter sustento. Teria de encontrar trabalho como professor particular.
1748 - 1754 - Kant dá aulas a crianças em pequenas vilas das redondezas.
1755 - Publicação do Livro "História natural genérica e teoria dos céus". Kant consegue o título de Mestre e o direito a dar
aulas na Universidade Alberto. Daria aulas como docente privado. Não pago pela Universidade mas pelos próprios alunos.
Nesse ano, Kant foi influenciado pelo desastre que foi o Terramoto de 1755, em Lisboa/Portugal, em parte pelo resultado de
tentar entender a enormidade do sismo e as consequências, publicou três textos distintos sobre o assunto.
1762 - Kant lê as recentes publicações de Rousseau, "Emile" (uma obra filosófica sobre a educação do indivíduo) e o ensaio
"Contrato social".
1770 - Kant torna-se professor de Lógica e Metafísica na Universidade, após 14 anos como docente (pago pelos alunos).
Kant lê por volta desta altura a obra de David Hume, que o terá despertado do seu "sono dogmático", como ele próprio
disse.
1773 - Ironicamente, Frederico II, um protestante, concede refúgio à Ordem dos Jesuítas, banidos pelo Papa.
1774 - Auge do movimento romântico chamado "Sturm-und-Drang". Herder publica "Também uma filosofia da História para
educação da Humanidade".
1781 - Kant publica em Maio "Crítica da Razão Pura". A reacção é pouco encorajadora. Moses Mendelssohn e Johann
Georg Hamann pronunciam-se com indecisão.
Selo de 250 anos de nascimento de Immanuel Kant (1724-1804).
1783 - Kant escreve um artigo intitulado "O que é o Iluminismo?" para a revista "Berlinischen Monatsschrift", como resposta
a uma discussão na mesma. Um anónimo tinha escrito que a cerimónia do casamento já não se conformava ao espírito dos
tempos do iluminismo. Um pastor perguntou na resposta, que era então o iluminismo. Kant respondeu com o seu artigo.
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1788 - Publicação de "Crítica da Razão Prática". Morte do amigo Johann Georg Hamann.
1789 - Início da Revolução Francesa. Kant pronuncia-se inicialmente de forma favorável à Revolução, e sobretudo à
secularização resultante, após o qual o Rei da Prússia Friedrich Wilhelm II proíbe Kant de se pronunciar sobre quaisquer
temas religiosos.
1795 - Publicação do tratado "Para a paz eterna", na qual surge a perspectiva de um cidadão do mundo esclarecido.
1804 - Com 80 anos de idade, Kant faleceu em Königsberg, após prolongada doença que apresentava sintomas
semelhantes à Doença de Alzheimer. Já não reconhecia sequer os seus amigos íntimos.
Obras:
Crítica da Razão Pura;
Crítica da Razão Prática;
Crítica do Julgamento;
Doutrina do Direito;
Fundamentação da Metafísica dos Costumes;
Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura;
Crítica da Faculdade do Juízo;
Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e inteligível (1770);
Prolegômenos para toda metafísica futura que se apresente como ciência (1783);
Fundamentos da metafísica da moral (1785);
Primeiros princípios metafísicos da ciência natural (1786);
A Religião dentro dos limites da mera razão (1793);
A Metafísica da Moral (1797);
Antropologia do ponto de vista pragmático (1798).
Referências
↑ Vanni Rovighi, Sofia, Introduzione allo studio di Kant, Roma, 1945, Core, Mori
↑ a b Crítica da razão pura, Martin Claret/Cassier, Ernst, Kants Leben und lehre, Berlin, 1921.
↑ KANT, I. Crítica da razão pura. 4ª ed. Prefácio à tradução portuguesa, introdução e notas: Alexandre Fradique
MOURUJÃO. Tradução: Manuela Pinto dos SANTOS e Alexandre Fradique MOURUJÃO. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997, p. 30.
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Portal Filosofia
A ética de Kant
James Rachels
Como muitos outros filósofos, Kant pensava que a moralidade pode resumir-se num princípio fundamental, a partir do qual
se derivam todos os nossos deveres e obrigações. Chamou a este princípio «imperativo categórico». Na Fundamentação da
Metafísica dos Costumes (1785) exprimiu-o desta forma:
Age apenas segundo aquela máxima que possas ao mesmo tempo desejar que se torne lei universal.
No entanto, Kant deu igualmente outra formulação do imperativo categórico. Mais adiante, na mesma obra, afirmou que se
pode considerar que o princípio moral essencial afirma o seguinte:
Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca apenas
como um meio.
Os estudiosos têm-se perguntado desde então por que razão pensava Kant que estas duas regras são equivalentes.
Parecem exprimir concepções morais diferentes. Serão, como Kant pensava aparentemente, duas versões da mesma ideia
básica, ou são simplesmente ideias diferentes? Não nos vamos deter nesta questão. Vamos, em vez disso, concentrar-nos
na crença de Kant de que a moralidade exige que tratemos as pessoas «sempre como um fim e nunca apenas como um
meio». O que significa exactamente isto, e que razão há para pensar que é verdade?
Quando Kant afirmou que o valor dos seres humanos «está acima de qualquer preço» não tinha em mente apenas um efeito
retórico, mas sim um juízo objectivo sobre o lugar dos seres humanos na ordem das coisas. Há dois factos importantes
sobre as pessoas que apoiam, do seu ponto de vista, este juízo.
Primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e objectivos, as outras coisas têm valor para elas em relação aos seus
projectos. As meras «coisas» (e isto inclui os animais que não são humanos, considerados por Kant incapazes de desejos e
objectivos conscientes) têm valor apenas como meios para fins, sendo os fins humanos que lhes dão valor. Assim, se
quisermos tornar-nos melhores jogadores de xadrez, um manual de xadrez terá valor para nós; mas para lá de tais
objectivos o livro não tem valor. Ou, se quisermos viajar, um carro terá valor para nós; mas além de tal desejo o carro não
tem valor.
Segundo, e ainda mais importante, os seres humanos têm «um valor intrínseco, isto é, dignidade», porque são agentes
racionais, ou seja, agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios
objectivos e guiar a sua conduta pela razão. Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são a encarnação
da lei moral em si. A única forma de a bondade moral poder existir é as criaturas racionais apreenderem o que devem fazer
e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo. Isto, pensava Kant, é a única coisa com «valor moral». Assim, se não
existissem seres racionais a dimensão moral do mundo simplesmente desapareceria.
10
Não faz sentido, portanto, encarar os seres racionais apenas como um tipo de coisa valiosa entre outras. Eles são os seres
para quem as meras «coisa» têm valor, e são os seres cujas acções conscientes têm valor moral. Kant conclui, pois, que o
seu valor tem de ser absoluto, e não comparável com o valor de qualquer outra coisa.
Se o seu valor está «acima de qualquer preço», segue-se que os seres racionais têm de ser tratados «sempre como um fim
e nunca apenas como um meio». Isto significa, a um nível muito superficial, que temos o dever estrito de beneficência
relativamente às outras pessoas: temos de lutar para promover o seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar
fazer-lhes mal, e, em geral, «empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos fins dos outros».
Mas a ideia de Kant tem também uma implicação um tanto ou quanto mais profunda. Os seres de que estamos a falar são
racionais, e «tratá-los como fins em si» significa respeitar a sua racionalidade. Assim, nunca podemos manipular as
pessoas, ou usá-las, para alcançar os nossos objectivos, por melhores que esses objectivos possam ser. Kant dá o seguinte
exemplo, semelhante a outro que utiliza para ilustrar a primeira versão do seu imperativo categórico: suponha que precisa
de dinheiro e quer um empréstimo, mas sabe que não será capaz de devolvê-lo. Em desespero, pondera fazer uma falsa
promessa de pagamento de maneira a levar um amigo a emprestar-lhe o dinheiro. Poderá fazer isso? Talvez precise do
dinheiro para um propósito meritório — tão bom, na verdade, que poderia convencer-se a si mesmo de que a mentira seria
justificada. No entanto, se mentisse ao seu amigo, estaria apenas a manipulá-lo e a usá-lo «como um meio».
Por outro lado, como seria tratar o seu amigo «como um fim»? Suponha que dizia a verdade, que precisava do dinheiro para
um certo objectivo mas não seria capaz de devolvê-lo. O seu amigo poderia, então, tomar uma decisão sobre o empréstimo.
Poderia exercer os seus próprios poderes racionais, consultar os seus próprios valores e desejos, e fazer uma escolha livre
e autónoma. Se decidisse de facto emprestar o dinheiro para o objectivo declarado, estaria a escolher fazer seu esse
objectivo. Dessa forma, o leitor não estaria a usá-lo como um meio para alcançar o seu objectivo, pois seria agora
igualmente o objectivo dele. É isto que Kant queria dizer quando afirmou que «os seres racionais […] têm sempre de ser
estimados simultaneamente como fins, isto é, somente como seres que têm de poder conter em si a finalidade da acção».
A concepção kantiana da dignidade humana não é fácil de entender; é provavelmente a noção mais difícil discutida neste
livro. Precisamos de encontrar uma forma de tornar a ideia mais clara. Para isso, analisaremos com algum detalhe uma das
suas aplicações mais importantes. Isto pode ser bem melhor do que uma discussão teórica árida. Kant pensava que se
tomarmos a sério a ideia da dignidade humana seremos capazes de entender a prática da punição de crimes de uma forma
nova e reveladora. O resto deste capítulo será dedicado a um exame deste exemplo.
James Rachels
A filosofia moral de Kant
Anthony Kenny
Universidade de Oxford
Assim como a primeira Crítica estabeleceu criticamente os princípios sintéticos a priori da razão teórica, a Fundamentação
da Metafísica dos Costumes (1785) estabelece criticamente os princípios sintéticos a priori da razão prática. Trata-se de
uma breve e eloquente apresentação do sistema moral de Kant.
Na moral, o ponto de partida de Kant é o de que o único bem irrestrito é uma vontade boa. Talento, carácter, autodomínio e
fortuna podem ser usados para alcançar maus fins; até mesmo a felicidade pode corromper. O que constitui o bem de uma
vontade boa não é o que esta alcança; a vontade boa é um bem em si e por si.
Ainda que por um desfavor especial do destino, ou pelo apetrechamento avaro duma natureza madrasta, faltasse totalmente
a esta boa vontade o poder de fazer vencer as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus
maiores esforços, e só afinal restasse a boa vontade […] ela ficaria brilhando por si como uma jóia, como coisa que em si
tem o seu pleno valor.
Não foi para procurar a felicidade que os seres humanos foram dotados de vontade; para isso, o instinto teria sido muito
mais eficiente. A razão foi-nos dada para originar uma vontade boa não enquanto meio para outro fim qualquer, mas boa em
si. A vontade boa é o mais elevado bem e a condição de possibilidade de todos os outros bens, incluindo a felicidade.
Que faz, pois, uma vontade ser boa em si? Para responder a esta questão, temos de investigar o conceito de dever. Agir por
dever é exibir uma vontade boa face à adversidade. Mas temos de distinguir entre agir de acordo com o dever e agir por
dever. Um merceeiro destituído de interesse pessoal ou um filantropo que se deleite com o contentamento alheio podem
agir de acordo com o dever. Mas acções deste tipo, por melhores e por mais agradáveis que sejam não têm, de acordo com
Kant, valor moral. O nosso carácter só mostra ter valor quando alguém pratica o bem não por inclinação mas por dever —
quando, por exemplo, um homem que perdeu o gosto pela vida e anseia pela morte continua a dar o seu melhor para
preservar a sua própria vida, de acordo com a lei moral.
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A doutrina de Kant é, a este respeito, completamente oposta à de Aristóteles, que defendia não serem as pessoas
realmente virtuosas desde que o exercício da virtude fosse contra a sua natureza; a pessoa verdadeiramente virtuosa gosta
decididamente de praticar actos virtuosos. Para Kant, por outro lado, é a dificuldade de praticar o bem que é a verdadeira
marca da virtude. Kant dá-se conta de ter estabelecido padrões intimidadores de conduta moral — e está perfeitamente
disposto a considerar a possibilidade de nunca ter havido, de facto, uma acção levada a cabo unicamente com base na
moral e em função do sentido do dever.
O que é, pois, agir por dever? Agir por dever é agir em função da reverência pela lei moral; e a maneira de testar se estamos
a agir assim é procurar a máxima, ou princípio, com base na qual agimos, isto é, o imperativo ao qual as nossas acções se
conformam. Há dois tipos de imperativos: os hipotéticos e os categóricos. O imperativo hipotético afirma o seguinte: se
quisermos atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira. O imperativo categórico diz o seguinte:
independentemente do fim que desejamos atingir, age desta ou daquela maneira. Há muitos imperativos hipotéticos porque
há muitos fins diferentes que os seres humanos podem propor-se alcançar. Há um só imperativo categórico, que é o
seguinte: "Age apenas de acordo com uma máxima que possas, ao mesmo tempo, querer que se torne uma lei universal".
Kant ilustra este princípio com vários exemplos, dos quais podemos mencionar dois. O primeiro é este: tendo ficado sem
fundos, posso cair na tentação de pedir dinheiro emprestado, apesar de saber que não serei capaz de o devolver. Estou a
agir segundo a máxima "Sempre que pensar que tenho pouco dinheiro, peço dinheiro emprestado e prometo pagá-lo,
apesar de saber que nunca o devolverei". Não posso querer que toda a gente aja segundo esta máxima, pois, nesse caso,
toda a instituição da promessa sucumbiria. Assim, pedir dinheiro emprestado nestas circunstâncias violaria o imperativo
categórico.
Um segundo exemplo é este: uma pessoa que esteja bem na vida e a quem alguém em dificuldades peça ajuda pode cair
na tentação de responder "Que me interessa isso? Que todos sejam tão felizes quanto os céus quiserem ou quanto o
conseguirem; não o prejudicarei, mas também não o ajudo". Esta pessoa não pode querer que esta máxima seja
universalizada porque pode surgir uma situação na qual ela própria precise do amor e da simpatia de outras.
Estes casos ilustram duas maneiras diferentes a que o imperativo categórico se aplica. No primeiro caso, a máxima não
pode ser universalizada porque a sua universalização implicaria uma contradição (se ninguém cumprir as suas promessas,
as próprias promessas deixam de existir). No segundo caso, a máxima pode ser universalizada sem contradição, mas
ninguém poderia racionalmente querer a situação que resultaria da sua universalização. Kant afirma que os dois casos
correspondem a dois tipos diferentes de deveres: deveres estritos e deveres meritórios.
Nem todos os exemplos de Kant são convincentes. Ele defende, por exemplo, que o imperativo categórico exclui o suicídio.
Mas, por mais que o suicídio seja um mal, nada há de autocontraditório na perspectiva do suicídio universal; e uma pessoa
suficientemente desesperada pode considerá-lo um fim a desejar piedosamente.
Kant oferece uma formulação complementar do imperativo categórico. "Age de tal modo que trates sempre a humanidade,
quer seja na tua pessoa quer na dos outros, nunca unicamente como meios, mas sempre ao mesmo tempo como um fim."
Kant pretende, apesar de não ter convencido muitos dos seus leitores, que este imperativo é equivalente ao anterior e que
permite retirar as mesmas conclusões práticas. Na verdade, é mais eficaz do que o anterior para expulsar o suicídio. Tirar a
nossa própria vida, insiste Kant, é usar a nossa própria pessoa como um meio de acabar com o nosso desconforto e
angústia.
Como ser humano, afirma Kant, não sou apenas um fim em mim mesmo, sou um membro do reino dos fins — uma
associação de seres racionais sob leis comuns a todos. A minha vontade, como se disse, é racional na medida em que as
suas máximas puderem transformar-se em leis universais. A conversa desta afirmação diz que a lei universal é a lei feita por
vontades racionais como a minha. Um ser racional "só está sujeito a leis feitas por si mesmo e que, no entanto, sejam
universais". No reino dos fins, todos somos igualmente legisladores e súbditos. Isto faz lembrar a vontade geral de
Rousseau.
Kant conclui a exposição do seu sistema moral com um panegírico à dignidade da virtude. No reino dos fins, tudo tem um
preço ou uma dignidade. Se algo tem um preço, pode ser trocado por qualquer outra coisa. O que tem dignidade é único e
não pode ser trocado; está além do preço. Há dois tipos de preços, afirma Kant: o preço venal, que está relacionado com a
satisfação da necessidade; e o preço de sentimento, relacionado com a satisfação do gosto. A moralidade está para lá e
acima de ambos os tipos de preço.
A "moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade. A destreza e a
diligência no trabalho têm um preço venal; a argúcia de espírito, a imaginação viva e as fantasias têm um preço de
sentimento; pelo contrário, a lealdade nas promessas, o bem querer fundado em princípios (e não no instinto) têm um valor
intrínseco." As palavras de Kant ecoaram ao longo do século XIX e ainda emocionam muitas pessoas hoje em dia.
Anthony Kenny
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Retirado de História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria
José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral (Temas e Debates, 1999).
A teoria moral de Kant
Elliott Sober
Universidade de Wisconsin
Para entender a abordagem que Immanuel Kant desenvolveu na sua teoria moral, é útil começar por uma ideia de senso
comum que ele rejeita. Trata-se da ideia de que a razão tem apenas um papel "instrumental" como guia da acção. A razão
não te diz quais devem ser os teus objectivos; em vez disso, diz-te o que deves fazer dados os objectivos que já tens. Dizer
que a razão é puramente instrumental é dizer que ela é simplesmente um instrumento que te ajuda a atingir objectivos que
foram determinados por outra coisa diferente da razão.
Esta ideia comum pode ser elaborada vendo as acções como o resultado de crenças e desejos. Dada a informação
disponível, a razão pode dizer-te em que acreditar. Mas a razão não pode dizer-te o que querer. Terá de ser outra a fonte
dos desejos:
Hume sobre o papel da razão
David Hume articulou esta ideia acerca do contributo da razão para as nossas acções. No Tratado da Natureza Humana
(1738) diz que a "razão é e deve ser a escrava das paixões." Hume exprime a mesma ideia na seguinte passagem:
Não é contrário à razão preferir a destruição do mundo a arranhar o meu dedo […] Isto é tão pouco contrário à razão como
preferir um bem reconhecidamente menor a um bem maior, e ter pelo primeiro uma afeição mais intensa do que pelo
segundo.
A ideia de Hume é que as acções nunca derivam apenas da razão; elas têm de ter uma fonte não racional.
Kant rejeita a ideia de que a razão é puramente instrumental
A teoria moral de Kant rejeita esta doutrina de Hume. Segundo Kant, apenas por vezes é verdade que as acções são
produzidas pelas crenças e desejos não racionais do agente. É o que acontece quando agimos por "inclinação". Todavia,
quando agimos por dever — quando as nossas acções são guiadas por considerações morais em vez de o serem pelas
nossas inclinações — o que se passa é inteiramente diferente.
Quando agimos temos em mente um fim e meios para o atingir. Hume pensava que a razão determina apenas os meios,
mas não o fim. Kant concordava que isto é correcto quando agimos por inclinação. Mas quando a moralidade guia as
nossas acções, a razão determina não só os meios mas também o fim.
Kant pensava que a moralidade deriva a sua autoridade apenas da razão. Só a razão determina se uma acção é boa ou má,
independentemente dos desejos que as pessoas possam ter. Segundo Kant, quando agimos moralmente as nossas acções
são guiadas pela razão de uma maneira que a teoria de Hume exclui.
Kant: as regras morais são imperativos categóricos
Como Hume afirma, é claro que a razão pode mostrar-nos que meios usar dados os fins que temos. Se quero ter saúde, a
razão pode dizer-me que devo parar de fumar. Neste caso, a razão fornece um imperativo que na sua forma é hipotético: Diz
que devo parar de fumar se quiser proteger a minha saúde. Hume pensava que a razão não pode fazer mais do que isto.
Todavia, Kant defendeu que as regras morais são categóricas na sua forma, e não hipotéticas. Um acto que é errado, é
errado — ponto final. As regras morais dizem "Não faças x." Não dizem "Não faças x se o teu fim é G". Kant tentou mostrar
que as regras morais — os imperativos categóricos — derivam da razão tão seguramente como os hipotéticos.
As regras morais que tomam a forma de imperativos categóricos descrevem o que temos de fazer, queiramos ou não fazêlo; têm uma autoridade bastante diferente das nossas inclinações. Logo, Kant pensava que quando agimos moralmente
somos guiados pela razão e não pela inclinação. Neste caso, a razão tem mais do que um papel puramente instrumental.
A lei moral
Outro ingrediente importante da filosofia moral de Kant é a ideia de que as leis morais e as leis científicas têm algo
profundamente em comum. A lei científica é uma generalização que diz o que tem de ser verdade num tipo específico de
situação. A lei da gravitação universal de Newton diz que a magnitude da força gravitacional Fg entre dois objectos é
proporcional ao produto das suas massas (m1 e m2) e inversamente proporcional ao quadrado da distância (r) entre eles:
Fg = Gm1m2/r2
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Ou seja, a lei diz que, se as massas são m1 e m2 e a distância é r, então a força gravitacional terá de tomar o valor
Gm1m2/r2, sendo G a constante gravitacional.
Há claramente uma diferença entre as leis científicas e as regras morais (como "Não causes sofrimento gratuito!"). A lei de
Newton não diz o que os planetas devem fazer; diz o que fazem, necessariamente. Se uma lei científica é verdadeira, então
nada no universo lhe desobedece. Todavia, as pessoas violam as leis morais. As leis morais dizem como as pessoas devem
comportar-se, não dizem o que as pessoas de facto farão. As leis morais são normativas, enquanto as leis científicas são
descritivas.
Apesar desta diferença, Kant pensava que há uma semelhança profunda entre elas. As leis científicas são universais —
envolvem todos os fenómenos de um tipo específico. Não estão limitadas a lugares ou instantes. Além disso, uma
proposição que enuncia uma lei não faz menção a qualquer pessoa, lugar ou coisa particular. "Todos os amigos de
Napoleão falavam Francês" pode ser uma generalização verdadeira, mas não pode ser uma lei, uma vez que faz menção a
um indivíduo específico — Napoleão. Distinguirei esta propriedade das leis científicas dizendo que são "impessoais".
Kant pensava que também as leis morais têm de ser universais e impessoais. Se está certo que eu faça uma determinada
coisa, então está certo para qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias fazer a mesma coisa. Não é possível que
Napoleão deva ter o direito de fazer alguma coisa simplesmente por ser quem é. Tal como as leis científicas, as leis morais
não mencionam pessoas específicas.
Um outro elemento da filosofia moral de Kant deve ser referido antes de descrevermos como pensava Kant que a razão e
nada mais prescreve os nossos princípios morais. O utilitarismo afirma que as propriedades morais de uma acção são
determinadas pelas suas consequências na felicidade das pessoas ou na satisfação das suas preferências. Kant não
concebia a moralidade como algo que se centra em maximizar a felicidade. Em particular, não via as consequências da
acção como o verdadeiro teste das suas propriedades morais. O que para ele era central é a "máxima que a acção
incorpora".
Kant: o valor moral de uma acção deriva da sua máxima, e não das suas consequências
Cada acção pode ser descrita como uma acção de um certo tipo. Se ajudas alguém, podes conceber o que fazes como um
acto de caridade. Neste caso, ages segundo a máxima de que deves ajudar os outros. Mas tens outras alternativas: quando
forneces a ajuda talvez estejas a pensar que essa é uma maneira de fazer o beneficiário sentir-se em dívida para contigo.
Neste caso, a máxima da tua acção pode ser a de que deves fazer que os outros se sintam em dívida para contigo. Para
saberes que valor moral tem a tua acção, vê que máxima te levou a fazer o que fizeste.
Não é difícil perceber por que razão precisamos de considerar os motivos do agente e não as consequências da acção. Kant
descreve o caso de um comerciante que nunca engana os seus clientes. A razão é que ele receia que, se os enganasse, os
seus clientes deixariam de comprar na sua loja. Kant diz que o comerciante faz o que está certo, embora não pela razão
certa. Ele age de acordo com a moralidade, mas não devido à moralidade. Para descobrir o valor moral de uma acção,
temos de ver por que razão o agente a realiza, o que as consequências não revelam.
Se o comerciante age aplicando a máxima "Sê sempre honesto", a sua acção tem valor moral. Todavia, se a sua acção é o
resultado da máxima "Não enganes as pessoas se é provável que isso te cause prejuízos financeiros", ela é meramente
prudencial, e não moral. O valor moral depende dos motivos e os motivos são dados pela máxima que o agente aplica ao
decidir o que fazer.
Kant rejeita o consequencialismo
Kant está correcto ao dizer que conhecer os motivos das pessoas é importante para a avaliação de algumas propriedades
morais da acção. Se queremos avaliar o carácter moral de um agente, conhecer os seus motivos é importante; as
consequências da acção são um guia imperfeito. Afinal, uma pessoa boa pode causar prejuízos a outros sem intenção; e
sem intenção, uma pessoa malevolente pode beneficiar outros. Todavia, é importante perceber que isto não implica que as
consequências da acção são irrelevantes. Kant sustenta a seguinte tese: O que torna uma acção certa ou errada não é se
as consequências são prejudiciais ou benéficas. Kant rejeita o consequencialismo em ética.
O critério da universalizabilidade
Irei descrever agora a ideia de Kant segundo a qual a razão (e não o desejo) determina o que está certo e o que está errado
fazer. Não esqueças que a lei moral (tal como a lei científica) terá de ser universal. Isto significa que a acção moral terá de
incorporar uma máxima universalizalizável. Para decidir se estará certo realizar uma acção particular, Kant diz que deves
perguntar se queres que a tua máxima se torne uma lei universal. A universalizabilidade é a base de todos os imperativos
categóricos — de todas as prescrições morais. Os actos morais podem ser universalizados; oa actos imorais não.
É importante perceber o que este teste implica. É um erro pensar que Kant diz que deves perguntar se seria bom ou mau
que todos realizassem a acção que tens em mente. A ideia acerca das acções imorais não é que seria mau que todos as
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realizassem; a ideia é que é impossível que todos as realizem (ou que é impossível para ti querer que todos as realizem).
Tal como os exemplos de Kant ilustrarão há, por assim dizer, um teste lógico para saber se uma acção é moral.
Quatro exemplos
No livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Kant aplica esta ideia a quatro exemplos. O primeiro descreve
um homem cansado da vida que tenciona suicidar-se. O homem considera a máxima de pôr termo à vida se continuar a
viver produziria mais dor que prazer. Kant diz que é
duvidoso se este princípio de amor-próprio possa tornar-se uma lei universal da natureza. Imediatamente se vê uma
contradição num sistema natural cuja lei fosse destruir a vida, dada a convicção de que a especial função de tal sistema é
promover o aperfeiçoamento da vida. Neste caso, tal sistema natural não poderia existir. Logo, esta máxima não pode
tornar-se lei universal da natureza e assim contradiz o princípio supremo de todo o dever.
Kant sugere que é impossível existir um mundo no qual todos os seres vivos decidem cometer suicídio quando as suas
vidas prometem mais dor que prazer. Dado que não pode existir um mundo desses, é errado o indivíduo do exemplo de
Kant cometer suicídio. O acto é errado porque não pode ser universalizado.
O segundo exemplo diz respeito a cumprir promessas. Precisas de dinheiro e ponderas se o pedes emprestado. A questão
é se seria permissível prometeres pagar o empréstimo mesmo que não tenhas a intenção de o fazer. Kant argumenta que a
moralidade exige que cumpras a promessa (e por isso que não peças dinheiro emprestado com falsas intenções):
Dado que a universalidade da lei segundo a qual uma pessoa em dificuldade pode prometer o que lhe convier com a
intenção de não cumprir a promessa tornaria impossíveis a própria promessa e o fim que ela persegue; nenhuma pessoa
acreditaria no que lhe foi prometido e tais vãs intenções apenas a fariam rir.
O que Kant está a dizer é que cumprir promessas não poderia estabelecer-se como prática se todos os que fizeram
promessas tinham a intenção de não as cumprir. O que quer dizer que tal prática pode existir apenas porque as pessoas
habitualmente são dignas de confiança. Mais uma vez, a razão de sermos obrigados a cumprir as nossas promessas é que
seria impossível um mundo no qual todos fizessem promessas com a intenção de as quebrar. A universalizabilidade é a
prova de fogo.
O terceiro exemplo tem o propósito de mostrar que cada um de nós tem a obrigação de desenvolver os seus talentos. Por
que devemos nós "alargar e desenvolver os nossos dons naturais"? Em vez disso, por que não escolher uma vida de
"ociosidade, complacência e prodigalidade"? Cada pessoa tem de escolher a primeira porque, afirma Kant, "como ser
racional, a pessoa necessariamente deseja que todas as suas faculdades devam ser desenvolvidas, uma vez que lhe foram
dadas para todas as espécies de propósitos possíveis."
O quarto exemplo é o de um homem a quem a vida sorri mas que vê outros terem vidas de grande privação. Terá ele a
obrigação de os ajudar? Kant concede que a humanidade poderia existir num estado em que alguns vivem bem enquanto
outros sofrem. Mas afirma que nenhum agente racional pode desejar um mundo assim:
Ora, se bem que seja possível existir uma lei universal da natureza de acordo com esta máxima, é todavia impossível
desejar que tal princípio deva estabelecer-se em toda a parte como lei da natureza. Porque uma vontade que assim
decidisse entraria em conflito consigo própria, uma vez que podem surgir frequentemente circunstâncias em que a pessoa
precisaria do amor e simpatia dos outros e, devido a tal lei da natureza que emana da sua vontade, privar-se-ía de toda a
esperança de ajuda que deseja.
A ideia de Kant não é que este padrão não possa ser universal, mas que nenhum agente racional poderia desejar que fosse
universal.
Avaliação dos exemplos de Kant
Destes exemplos, o mais fraco é talvez o primeiro. Não é impossível existir um mundo em que todos os doentes terminais
sujeitos a um grande sofrimento cometem suicídio. E também não parece haver qualquer razão para que um agente racional
não pudesse desejar que todas as pessoas poupassem a si próprias a inevitabilidade de uma morte dolorosa.
O segundo exemplo é um pouco mais plausível. A prática do cumprimento de promessas parece confiar no facto de que as
pessoas habitualmente acreditam nas promessas que lhes são feitas. Se as pessoas nunca tivessem a intenção de cumprir
as suas promessas poderia tal prática persistir? Kant diz que não. Todavia, talvez seja possível imaginar circunstâncias
engenhosas nas quais esta conclusão pudesse ser contornada. Convido-te a fazer este exercício.
Talvez alguma coisa possa também ser dita do argumento de Kant acerca do nosso dever de ajudar os outros. Cada um de
nós precisa de alguma espécie de ajuda em algum momento da vida. Por consequência, cada um de nós desejaria evitar
uma situação em que ninguém nos daria a ajuda de que precisamos. Logo, não podemos desejar que ninguém deva jamais
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fornecer ajuda. Isto significa que seria errado da nossa parte conduzir a vida recusando completamente prestar ajuda aos
outros. Mais uma vez, a razão pela qual seria errado é que não podemos desejar que o padrão seja universal.
Que argumento apresenta Kant no quarto exemplo a respeito do dever de desenvolvermos os nossos talentos? Talvez o
raciocínio seja semelhante àquele que é usado por Kant na discussão do dever de ajudar os outros. Eu quero que os outros
desenvolvam os talentos que me serão benéficos; por exemplo, quero que os médicos aperfeiçoem as suas competências,
uma vez que um dia precisarei deles. Mas isto significa que eu não posso desejar que todos descuidem o desenvolvimento
dos seus talentos. Segue-se supostamente que eu tenho o dever de desenvolver os meus talentos.
Já sublinhei antes que o critério de universalizabilidade não pergunta se seria bom que todos realizassem a acção que o
agente pensa realizar. A questão de Kant é saber se seria possível que todos realizassem a acção, ou se seria possível
desejar que todos devessem realizar a acção.
Se tivermos isto em mente, é duvidoso se Kant pode chegar às conclusões pretendidas a respeito dos últimos dois
exemplos sem uma explicação que tenha em conta as consequências. É claramente possível que o mundo seja um lugar
em que ninguém ajuda os outros e ninguém desenvolve os seus talentos. Trata-se de um estado de coisas lamentável, e
não de um estado de coisas impossível. O que pensar da segunda opção — poderia um agente racional desejar que as
pessoas não ajudem os outros ou não desenvolvam os seus talentos?
Isso depende do que se quer dizer com "racional". Se racional significa instrumentalmente racional, então não parece haver
qualquer impossibilidade. Como diz Hume, posso ser perfeitamente claro no meu raciocínio meios/fim (e por isso ser
instrumentalmente racional) e ter os desejos mais bizarros que podes imaginar. Por outro lado, há um sentido de "racional"
segundo o qual um agente racional não desejaria que o mundo fosse um lugar em que as pessoas não ajudam os outros ou
não desenvolvem os seus talentos. Um agente racional não o desejaria devido às consequências que tais comportamentos
teriam. Num mundo assim haveria muito sofrimento, alienação e desespero; a vida seria desolada.
A conclusão que retiro é que não é claro como podem ser feitas as análises de Kant dos últimos exemplos sem considerar
as consequências que resultariam de tais acções se tornarem universais.
Um problema do critério de universalizabilidade
Há um problema geral nos quatro exemplos de Kant — na verdade, há um problema no próprio critério de
universalizabilidade. Um objecto singular exemplifica vários tipos. Isto significa que uma dada acção pode ser descrita como
incorporando diferentes propriedades. Kant parece pressupor que cada acção incorpora apenas uma máxima, de maneira
que podemos testar a moralidade de um acto universalizando a sua máxima. O problema é que há várias máximas que
podem conduzir a uma determinada acção; algumas podem ser universalizadas, enquanto outras não.
Vejamos este problema no exemplo da promessa. Alguém tem de decidir se pede dinheiro emprestado prometendo que
paga o empréstimo, embora não tenha a intenção de cumprir a promessa. O que significaria isto caso todos se
comportassem assim? Uma maneira de descrever esta acção decorre da máxima "Faz uma promessa mesmo que tenhas a
intenção de a quebrar". Kant afirma que universalizar esta máxima é impossível porque a proposição seguinte é uma
contradição:
Todos fazem promessas mesmo que ninguém tenha a intenção de cumprir as promessas que faz.
Todavia, também podemos descrever a acção do homem como decorrendo de uma máxima bastante diferente: "Não faças
promessas a menos que tenhas a intenção de as cumprir, excepto se estiveres numa situação de vida ou de morte e se a
tua intenção de quebrar a promessa não for evidente para os outros". Universalizar esta máxima não conduz a contradição,
uma vez que é perfeitamente possível que o mundo seja da seguinte maneira:
Todos fazem promessas e em geral as pessoas esperam cumprir as promessas. A excepção surge quando há uma enorme
vantagem pessoal em fazer a promessa sem a intenção de a cumprir e a intenção de quebrar a promessa não é evidente
para os outros.
Longe de ser impossível, esta generalização parece descrever de maneira bastante exacta o mundo em que efectivamente
vivemos.
Repara na semelhança entre o problema que Kant enfrenta e um dos problemas do utilitarismo das regras. "O que
aconteceria se todos realizassem a acção?" é uma questão que o utilitarismo das regras pensa ser importante na avaliação
das propriedades morais de uma acção. A questão de Kant é diferente; ele pergunta "Podem todos realizar a acção?" ou
"Posso desejar que todos realizem a acção?" Embora as questões sejam diferentes, problemas semelhantes derivam do
facto de haver múltiplas maneiras de descrever qualquer acção.
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O critério de universalizabilidade parece plausível se considerarmos seriamente a analogia entre as leis morais e as leis
científicas. Ambas têm de ser universais e impessoais. Mas outra comparação entre estas duas ideias diminui a
plausibilidade de pensar que o critério de universalizabilidade tem condições para resultar.
As leis científicas têm de ser universais mas
priori. Por si só, a razão não pode dizer-me
tenha o pressuposto de que a explicação
semelhantes. Por outro lado, Kant defendeu
racional de universalizabilidade.
a explicação verdadeira de um fenómeno específico não pode ser derivada a
por que descreve a Terra uma órbita elíptica em torno do Sol, ainda que eu
deste facto tenha de ser verdadeira para todos os sistemas planetários
que numa situação específica o que está certo fazer é ditado pela exigência
Evidentemente que um facto importante acerca da moralidade é que, se uma acção particular está certa para mim, então
está certa para qualquer pessoa numa situação semelhante. Esta é a ideia de que as leis morais — os princípios gerais que
ditam o que está certo fazer — são universais e impessoais. O problema é que esta exigência não é suficiente para mostrar
que generalizações morais são verdadeiras. Se assim é, a analogia entre leis científicas e leis morais tem implicações
diferentes daquelas que Kant tentou desenvolver.
Kant: as pessoas são fins em si
Kant pensava que uma importante consequência do teste de universalizabilidade é que devemos tratar as pessoas como
fins em si e não como meios. Kant queria dizer com isto que não devemos tratar as pessoas como meios para fins que elas
racionalmente não poderiam consentir. Pensava que este princípio proíbe a escravatura. E diria o mesmo acerca da punição
de alguém por um crime que não cometeu, ainda que isso aplacasse uma perigosa multidão. A teoria kantiana parece
fornecer bases mais sólidas do que o utilitarismo para a ideia de que as pessoas têm direitos que não podem ser
ultrapassados por considerações de utilidade. Não é a maximização da felicidade que está em jogo na teoria de Kant. É de
esperar que a razão por si só dite princípios de equidade, imparcialidade e justiça.
Embora Kant preceda os utilitaristas, a sua teoria parece ter sido concebida para corrigir os defeitos do utilitarismo. A ideia
de que as pessoas têm direitos é uma correcção plausível da ideia de que qualquer aspecto da vida de uma pessoa tem de
passar o teste da maximização da felicidade global. Todavia, a teoria de Kant enfrenta sérias dificuldades lógicas. E o
carácter absoluto das suas declarações parece ser bastante questionável para as convicções morais fortemente defendidas
pelo senso comum. Será de todo plausível pensar que as promessas devem ser sempre cumpridas — que nunca devemos
dizer uma mentira — sejam quais forem as consequências? Para além de sublinhar os defeitos nos argumentos que
justificam estas ordens, devemos também sublinhar que estas exigências morais não devem receber em princípio uma
justificação incondicional.
Se o critério da universalizabilidade falha a tentativa de estabelecer um procedimento para decidir que acções estão certas,
e se os juízos morais de Kant acerca do cumprimento de promessas, suicídio e outras acções são implausíveis, que méritos
tem a sua teoria ética? Muitos filósofos vêem na descrição do ponto de vista moral uma das contribuições notáveis e
duradouras de Kant. Os desejos e as preferências podem impelir-nos a agir e estas acções podem produzir diferentes
combinações de prazer e dor. Todavia, esta sequência de acontecimentos ocorre em criaturas — provavelmente vacas e
cães — às quais nenhum golpe de imaginação atribui moralidade. O que distingue então a acção motivada pela moralidade
da acção guiada pela inclinação, seja benevolente ou malevolente?
A esta pergunta Kant respondeu que a acção moral é guiada por princípios que têm um tipo especial de justificação racional.
A linguagem comum talvez seja um pouco enganadora, uma vez que podemos falar do desejo de agir moralmente e do
desejo de ter prazer ou vantagens como se ambos tivessem a mesma base. Mas Kant não pensava na determinação de agir
por dever como uma inclinação entre outras. Ele via a moralidade e a inclinação como esferas inteiramente diferentes. Para
identificar a coisa moralmente certa a fazer, a pessoa terá de pôr de lado as suas inclinações. Fixando a nossa atenção em
leis universais e impessoais, podemos ter a esperança de diminuir o grau em que o interesse próprio distorce o nosso juízo
a respeito do que devemos fazer.
Elliott Sober
Questões de revisão
Por que razão defendia Hume que toda a acção tem uma causa "não racional"? Por que razão Kant rejeitava isto?
Kant acreditava que há importantes semelhanças entre leis científicas e leis morais. Que semelhanças são essas?
O que significa dizer que o utilitarismo é uma teoria consequencialista enquanto a teoria de Kant não?
O que afirma o critério de universalizabilidade? Dirá ele que não deves realizar uma acção se o mundo fosse um lugar pior
caso todos fizessem o mesmo?
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Como tenta Kant mostrar que a obrigação de cumprir promessas deriva do critério de universalizabilidade? Será ele bem
sucedido?
Estás num barco que se inclina perigosamente para um dos lados porque todos os passageiros estão no lado direito.
Imagina que consideras se seria boa ideia mudar para o lado esquerdo. Perguntas a ti próprio "O que aconteceria se todos
fizessem isso?" Esta pergunta contém uma ambiguidade. Qual é ela? Como é esta ambiguidade relevante para avaliar o
critério de universalizabilidade de Kant?
COEDUP-FILOSOFIA - 201008230903
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