Andréa Peres Mendes Currículo Sumário CAPÍTULO 2 – Organização Curricular e o Processo Metodológico......................................05 Introdução.....................................................................................................................05 2.1 Função social do ensino e a organização dos conteúdos...............................................05 2.1.1 Organização dos conteúdos..............................................................................08 2.1.2 Contexto e níveis de decisão curricular...............................................................10 2.2 Organização disciplinar do currículo...........................................................................12 2.2.1 Níveis de integração de disciplinas.....................................................................15 Síntese...........................................................................................................................20 Referências Bibliográficas.................................................................................................21 03 Capítulo 2 Organização Curricular e o Processo Metodológico Introdução Você sabe de que maneira o currículo é construído e organizado pelas escolas? No Brasil, os parâmetros curriculares nacionais sugerem as instituições sobre o conteúdo mínimo a ser ministrado no currículo. Mas por que ensinar esse conteúdo? Como ministrá-los? Como as crianças e os jovens aprendem? Qual o papel da escola nesse processo de aprendizagem? Estas são algumas das questões que os educadores precisam ter em mente ao organizar o currículo. Nesse processo de organização curricular, as escolas podem e devem propor formas de interligar os conteúdos das diversas matérias a fim de potencializar o aprendizado do aluno. Você já ouviu falar sobre inter, multi ou transdisciplinaridade? Ao longo deste capítulo, você estudará como essas formas de interligação dos conteúdos atendem à finalidade de potencializar o aprendizado. O currículo é uma ação pedagógica intencional. A escola precisa refletir como produzirá sentidos e significados para os alunos por meio da seleção de conteúdos e atividades, promovendo o estímulo do pensamento crítico com a articulação dos elementos políticos e culturais. Assim, você verá como as escolas organizam seus conteúdos e quais são os métodos que podem ser aplicados para essa finalidade. Bom estudo! 2.1 Função social do ensino e a organização dos conteúdos O objetivo deste tópico é explicar a função social do currículo no ensino e como a organização do conteúdo deve estar articulada a essa função. Mas o que você entende por função social do ensino? Como os conteúdos se organizam? O primeiro passo aqui é entender o que é função social do ensino ou, mais precisamente, a função social da escola. 05 Currículo Figura 1 – O professor transmite o conhecimento com base no currículo. Fonte: Shutterstock, 2015. Segundo Penin (2001, p. 17): [...] independentemente de suas modificações no decorrer da história, a escola foi a instituição que a humanidade criou para socializar o saber sistematizado. Isto significa dizer que é o lugar onde, por princípio, é veiculado o conhecimento que a sociedade julga necessário transmitir às novas gerações. Até o momento, nenhuma outra instituição dentro da sociedade ocupou totalmente esse papel de construção do saber. Por isso, pode-se dizer que a escola é fundamental na construção dos sujeitos e da realidade social, na construção da cidadania e na própria elaboração da realidade. A partir do conhecimento, o sujeito poderá entender o seu papel social e promover a transformação social em prol de uma sociedade mais equilibrada e ajustada. A escola não existe isoladamente do restante da sociedade. Pelo contrário, é ela que conecta a sala de aula com a realidade social. Posto isso, o papel da escola hoje em dia é refletir sobre como está a sociedade, para que possa proporcionar e produzir um ensino alinhado com essa expectativa de futuro. Para ajudar nesse processo de reflexão da função social da escola, temos como balizadoras as seguintes dimensões: 06 Laureate- International Universities Figura 2 – Balizadores da função social. Fonte: Mendes, 2015. Por modelo de mundo, é possível entender que são os referenciais simbólicos (valores, hábitos e atitudes) que o sujeito apreende e que o influencia, dando-lhe um perfil cultural. Se você conversar com uma pessoa idosa e explicar que a maioria das informações necessárias, por exemplo, podem ser conseguidas em poucos minutos usando a internet, com certeza ela irá se surpreender e comentará que, em sua época, as informações eram acessadas de forma diferente e muito mais demorada. Isso mostra que as atitudes diante da mesma situação – obtenção de informações – mudam ao longo do tempo, o que proporciona um perfil cultural ao sujeito. Pela dimensão conhecimento, pode-se entender a seleção de informações que são produzidas para serem transmitidas a alguém em detrimento de outras. A pergunta é: quais conhecimentos, aptidões e atitudes transmitidas pela organização do conteúdo do currículo ajudarão os membros da sociedade a exercerem efetivamente seus papéis, auxiliando na definição do que será ensinado? Essa seleção do conhecimento será influenciada por variáveis como questões políticas, ideológicas, sociais, etc. e do próprio contexto histórico em que a nossa sociedade está inserida. Por modelo de pessoas, é possível entender qual é o modelo de sujeito que se espera para atuar na sociedade e como esse sujeito lida com as problemáticas na realidade em que vive. Seriam sujeitos críticos? Ou sujeitos conformados? É notável que o modelo de sujeito pode variar de um país para o outro, por exemplo, pois cada país enfrenta problemáticas peculiares. 07 Currículo E, por fim, qual o modelo de sociedade esperamos construir. Uma sociedade emancipada? Igualitária? Crítica? A escola ainda precisa refletir, quando se fala de modelo de sociedade, sobre quais contextos ou áreas de atividades sociais devem ser considerados para a concepção e elaboração dos currículos e dos programas educacionais. Pensar sobre a sociedade futura é importante, mas se faz necessário considerar toda a construção histórica da sociedade atual para entender sua problemática e como a transformação social pode acontecer. O currículo e a organização dos conteúdos estão diretamente ligados a esses balizadores da função social, como você verá a seguir. 2.1.1 Organização dos conteúdos O desenvolvimento curricular implica entender sobre o sujeito e como se dá o seu processo de aprendizagem, respeitando e valorizando a sua individualidade, como os alunos pensam a educação e por quais motivos eles aprendem. Toda organização curricular deveria levar em conta as características dos alunos, sejam elas individuais, sociais ou culturais. Dessa forma, considera-se que o currículo é estruturado para que os alunos possam efetivamente aprender, resguardando seu interesse e não considerando somente interesses políticos ou ideológicos. O aluno não chega à escola como uma folha em branco a ser preenchida: ele traz consigo toda a sua história pregressa carregada de valores assimilados ao seu meio familiar, à sua comunidade e ao meio social em que essas instâncias estão inseridas. Sempre que se pensa em organização de conteúdos, é necessário ter em mente quais são as intenções envolvidas naquela construção e qual o seu objetivo. Desenvolver o currículo e organizar os conteúdos é um ato de intencionalidade. Segundo Pacheco (1996), não é uma tarefa fácil identificar e selecionar os conteúdos curriculares objetivando o interesse do aluno. Entre as dificuldades que se pode encontrar, destacam-se: • como realmente identificar quais são os interesses dos alunos; • como identificar que esses interesses são demandas consistentes de trabalho; • como chegar a um consenso de currículo diante dos vários interesses; • como planejar as atividades diante das demandas identificadas; • será que uma criança com um ambiente social mais limitado terá clareza dos seus interesses? A questão sobre reflexão a respeito da organização do conteúdo é relativamente recente: aconteceu por volta dos anos 1920 e 1930, devido à transformações sociais da época. As primeiras reformas educacionais foram promovidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), segundo Moreira (2009), e pelo Programa de Assistência Brasileiro-Americana a Educação Elementar (PABAEE), baseando-se nas ideias progressistas de Dewey e Kilpatrick, que permaneceram influentes até a década de 1960, embora este não tenha sido um movimento homogêneo. Entre os teóricos participantes, as ideias variavam desde uma postura liberal até uma postura conservadora radical. Até a década de 1970, a questão do currículo era bastante influenciada pela visão americana. 08 Laureate- International Universities Os primeiros movimentos no Brasil começaram com Antonio Sampaio Doria, em 1920, que tentou acabar com o analfabetismo no estado de São de Paulo, tornando obrigatórios dois anos de escolarização no nível primário. Anísio Teixeira, na Bahia, foi o primeiro teórico da área que tentou organizar as disciplinas escolares. Ele as entendia como instrumento para capacitar os indivíduos para a sociedade. Segundo Moreira (2009, p. 88), Teixeira alertou para a importância de organizar o currículo escolar em sintonia com as necessidades e os estágios de desenvolvimento das crianças. Essa reforma não se limitou aos interesses e necessidades individuais. O enfoque também era atender às necessidades sociais. O currículo era entendido como “intermediário entre a escola e a sociedade”. Em Minas Gerais, também houve movimentos de reforma do currículo liderado por Francisco Campos e Mário Casassanta, influenciados pelo pensamento da Escola Nova. Esse movimento foi considerado o primeiro momento de uma abordagem técnica, pois houve a utilização de princípios definidos para a elaboração de currículos e programas dentro dos pressupostos da teoria tradicional. Mesmo assim, o aluno passou a ser visto como uma criança que aprende e não como um miniadulto, ou seja, com interesses e necessidades próprias. Os programas concebidos nessa reforma eram considerados instrumentos para o desenvolvimento na criança das habilidades de observar, pensar, julgar, criar, decidir e agir, segundo Moreira (2009, p. 76). A reforma mais significativa foi elaborada por Francisco de Azevedo e aplicada entre 1927 e 1930 no antigo Distrito Federal do Brasil (criado em 1861 e que, em 1960, tornou-se o Estado da Guanabara). Ela é assim considerada por não ter se limitado somente às questões administrativas ou pedagógicas, focando a modernização do sistema escolar. Segundo Moreira (2009), foram consideradas metas de uma sociedade contemporânea e alinhada com as reais necessidades do país onde “a escola primária permeava por fins sociais, em um íntimo contato com a comunidade, integrando as novas gerações no ambiente social e reformando e melhorando esse ambiente” (MOREIRA, 2009, p. 91). Embora essas reformas não tenham chegado a propor procedimentos detalhados para o planejamento escolar, o enfoque na metodologia fez com que oferecessem diretrizes para as práticas curriculares. Teixeira (apud MOREIRA, 2000) defende um currículo centrado na criança, como vimos anteriormente. As atividades, os projetos e os problemas devem promover a autonomia e a visão de mundo da criança. Sob a perspectiva deste autor, os programas devem ser preparados com antecedência e planejados para cada classe à medida que o trabalho evolui. As reformas aconteceram e vêm acontecendo desde o século passado. O papel dos educadores é refletir sobre o legado que foi deixado por essas reformas e como as políticas educativas estão empregando essas transformações. A política educativa, segundo Pacheco (1996, p. 51), “corresponde ao conjunto de decisões oriundas do sistema político, englobando as intenções e estratégias determinadas pelos critérios ideológicos e pelas necessidades reconhecidas como socialmente válidas”. Ainda segundo o autor, o currículo não se elabora no vazio ou de forma arbitrária. Ele é um projeto de escolarização que articula os balizadores da função social com a própria sociedade. O currículo e a organização curricular não são imutáveis, já que envolvem a seleção da cultura, o que transmitir e o que omitir em determinado momento histórico. Todos os indivíduos estão inseridos em um meio social e interagem com ele. Por isso, não é possível conceber o currículo sem considerar as exigências sociais e sem a integração dos conteúdos. 09 Currículo Como Moreira (2009, p. 217) menciona, “é necessário que aprendamos a elaborar currículos que capacitem essas crianças a crítica não só os arranjos sociais e as desigualdades existentes, mas também o caráter machista e racista de nossa sociedade de classes”. A grande questão aqui é identificar o que exatamente a sociedade exige da educação. 2.1.2 Contexto e níveis de decisão curricular Quem decide o currículo? Quanto há de autonomia do professor e do aluno para realmente construírem o conhecimento? O currículo está em constante desenvolvimento. Trata-se de uma construção social que se dá em diversos contextos correspondentes às fases e às etapas diferentes e que envolvem instâncias diferentes. De modo geral, segundo Pacheco (1996, p. 68), podem-se considerar três contextos para a decisão curricular: • político-administrativo: administração geral ou governo que definem as regras gerais para os currículos em todo o país; • de gestão: é a escola e a administração regional (delegacias regionais de ensino). São as instâncias que operacionalizam e viabilizam as decisões apresentadas pela instância anterior; • de realização: sala de aula, instância em que há o trabalho dos conteúdos decididos nos currículos. O professor não necessariamente é envolvido na decisão do que ensinar em sala de aula. As métricas gerais são passadas das instâncias superiores para ele por meio de documentos oficiais e de abrangência nacional como os parâmetros curriculares ou as diretrizes curriculares. Embora haja esse documento oficial, a prática do dia a dia pode ser distante – como muitas vezes o é –, há diferença entre o que foi planejado no nível governamental com o que é exercido. Pode-se ter na prática diferentes currículos acontecendo ao mesmo tempo. No fluxo a seguir, você pode refletir sobre essa afirmação. Figura 3 – Fluxo de apresentação do currículo. Fonte: Mendes, 2015. 10 Laureate- International Universities Currículo formal ou oficial é o currículo sancionado pelo poder regulador da educação (ad- ministração central) no país. Por meio de resoluções e outras formas oficiais de divulgação, é transmitido para todas as escolas e deve ser adotado como tal. No Brasil, essas orientações curriculares estão presentes na Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010, que define as diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica. O currículo apresentado normalmente é repassado para o segundo nível do contexto (PACHECO, 1996). Ele é encaminhado aos professores por meio de manuais e livros pelas instâncias intermediárias – delegacias regionais ou pela direção da escola. Por isso, o nome de currículo apresentado. O professor normalmente recebe orientações e material de apoio para ajudá-lo na compreensão do currículo formal. Uma vez em contato com o currículo formal e com o apresentado, o professor é o profissional responsável por aplicá-lo no dia a dia da sala de aula. Muitas vezes, esse currículo é adaptado ao contexto de ensino e outras realidades (regionais, por exemplo). O currículo é uma construção e, por isso, pode ser percebido de diferentes maneiras pelos envolvidos (alunos, pais, professores, etc.), e essas percepções geram mudanças. Com isso, é possível deduzir que deve haver diferenças entre o currículo formal e o currículo que acontece na prática, ou currículo real. Pode-se dizer que existe um currículo executado, que é o resultado da práxis entre aluno e professor. Pacheco (1996, p. 68) afirma que, quando há essa diferença entre currículo real e o formal, executa-se o currículo oculto. No currículo oculto, os conteúdos passados aos alunos não foram planejados ou programados, mas fazem parte da experiência escolar. Na Figura 4, você pode ter uma visão mais detalhada do fluxo de desenvolvimento curricular. Figura 4 – Fases do desenvolvimento curricular. Fonte: Pacheco, 1996. Em síntese, é possível que haja diversos currículos operando na realidade educacional. Como não há ou há pouco diálogo entre as instâncias planejadoras e quem efetivamente aplica os conteúdos, tem-se essa diversidade de informações. Cada uma delas olhará para um aspecto do conteúdo e do ensino e, em vez de promoverem a construção saudável da educação e do sujeito, promovem mais fragmentação. 11 Currículo 2.2 Organização disciplinar do currículo Você conhece as formas de organização disciplinar do currículo? Organização disciplinar é o mesmo que planejamento curricular? Você sabe a diferença entre as diversas formas de integração das disciplinas? Neste tópico, você conhecerá algumas formas de organização disciplinar do currículo e como elas estão relacionadas com as diferentes teorias curriculares. Terá a oportunidade de contrastá-las nos diferentes níveis de integração de disciplinas para que possa identificá-las e selecionar a mais indicada para diferentes situações educacionais. O primeiro ponto a esclarecer é que, nas diferentes teorias, os conteúdos são selecionados e sistematizados de forma diferente. Quando se pensa em planejamento, não se pode ater-se somente ao conteúdo. Devem-se considerar quais serão os instrumentos a serem usados para o ensino, como será a construção do conhecimento e o que se espera obter como resultado. A organização do currículo é a forma como os conteúdos serão trabalhados com os alunos. Para que essa organização aconteça, alguns autores sugerem que as etapas devem ser sequenciais, ou seja, que algumas etapas sejam superadas previamente para que a próxima etapa aconteça. Pense quais etapas são necessárias em um planejamento curricular? Como você faria isso? De onde veio essa necessidade de se planejar? E por que planejar? Segundo Moreira (2010, p. 110), a questão do planejamento vem das práticas econômicas, comerciais e industriais. A economia capitalista foi a primeira que criou a necessidade de controle e planejamento rígido para acompanhamento da produção. Os governos capitalistas passaram a adotar o planejamento de suas ações e as escolas também o fizeram para acompanhar o desempenho de seus alunos. Portanto, percebe-se que se trata de um movimento histórico, em que “há o interesse em contribuir na administração das ações de indivíduos e de populações e, de outro, lucrar com isso” (MOREIRA, 2010, p. 111). Outro elemento que aparece no planejamento curricular é a racionalidade, que surgiu a partir do pensamento de Galileu, Newton e Descartes, que contribuíram para a chamada Nova Ciência. NÓS QUEREMOS SABER! O que é Nova Ciência? Trata-se de outra forma de referir-se à Ciência Moderna, fundada por Galileu Galilei, Isaac Newton e René Descartes. Historicamente, surgiu após o período medieval e é considerada como uma ciência revolucionária porque passou a observar os fenômenos naturais e sociais por meio de métodos e instrumentos definidos. Nessa perspectiva, o planejamento está relacionado com o método: sistemático, intencional e técnico, em que as regras práticas são aplicáveis a todos os problemas concretos e técnicos. Esse modelo sistêmico, baseado no modelo cartesiano e positivista do pensamento, exclui as relações do poder-saber e instaura um caráter neutro, normativo e universal para o saber. O conhecimento é o resultado de como se procuram estabelecer semelhanças, diferenças e a forma de “pôr ordem” no caos. 12 Laureate- International Universities NÃO DEIXE DE LER... O pensamento cartesiano, devido a Descartes, é focado na busca pela verdade. Para isso, o método é usado como o caminho para se alcançar a verdade. Já no positivismo, os processos pelos quais se analisa a realidade é o enfoque. É necessário provar para se crer. Ambas as formas de “ver” estão presentes na sociedade e influenciam a forma de organizar o conhecimento. Por isso, não deixe de ler a obra Filosofando: introdução à filosofia, de Maria Lucia Aranha e Maria Helena Pires Martins (1993). Alguns autores ao longo do desenvolvimento de suas teorias propuseram modelos de planejamento curricular. Está pronto conhecer alguns deles? O primeiro modelo que você conhecerá é o modelo de planejamento de Tyler (1949 apud PACHECO, 1996). É baseado na teoria de Bobbitt, precursor da teoria curricular tradicional. Na visão dele, o planejamento é uma tarefa técnica e deve ser feito por um especialista que olhará para as políticas vigentes e definirá a sequência de atividades mais adequadas. Lembre-se de que, dentro da teoria tradicional, o currículo é visto como meio para a obtenção de uma reprodução social por meio da previsão dos resultados, ou seja, o indivíduo é preparado para atender aos interesses da sociedade capitalista. VOCÊ O CONHECE? Ralph W. Tyler (1902-1994) nasceu em Chicago (EUA). Formou-se aos 19 anos e, desde então, passou a atuar na área da educação, principalmente no campo da avaliação e da organização curricular, sendo conhecido como o “pai da avaliação educacional”. Em 1949, reformulou e formalizou suas pesquisas no campo do currículo e dos planos de estudos na instituição de atuava, onde produziu também um modelo de organização e avaliação curricular. De qualquer forma, o modelo proposto por ele traz uma estruturação de informações que é importante você conhecer, lembrando que o modelo tradicional não desapareceu da realidade brasileira. Tyler (1949), segundo Pacheco (1996, p. 72-73), propõe quatro princípios para o planejamento curricular. 1. Formulação dos objetivos: fins que a escola deverá alcançar a partir das fontes de sua formulação (sujeito, sociedade e cultura) e as funções que cada um desempenha. 2. Seleção das experiências educativas: refere-se à interação entre o aluno com as condições externas. 3. Organização das experiências, seleção das atividades a serem aplicadas, organizadas por disciplinas, cursos e programas com perspectiva vertical (critérios de continuidade e de sequência) e horizontal (critério de integração). 4. Avaliação da eficácia das atividades de aprendizagem: verificação dos resultados versus objetivos traçados. Na Figura 5, pode-se ter uma visão mais clara desses pressupostos de Tyler: 13 Currículo CULTURA SOCIEDADE ALUNO OBJETIVOS GERAIS E PROVISÓRIOS FILOSOFIA PSICOLOGIA OBJETIVOS PRECISOS DO ENSINO SELEÇÃO DAS ATIVIDADES ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES AVALIAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS Figura 5 – Modelo curricular proposto por Tyler, em 1949. Fonte: Pacheco, 1996. Taba (1983, apud PACHECO, 1996), baseado no modelo de planejamento curricular de Tyler, concebe que o currículo requer uma ordenação sistemática e ordenada e propõe seis etapas sequenciais para tal: 1. levantamento das necessidades educacionais; 2. definição dos objetivos; 3. seleção dos conteúdos; 4. preparação dos conteúdos selecionados; 5. seleção das experiências de aprendizagem; 6. determinação dos métodos de avaliação do ensino. Outro autor que também baseou o seu modelo de planejamento curricular nas mesmas etapas sistemáticas foi Wheeler (1967, apud PACHECO, 1996). Ele as apresentou no modelo cíclico, sugerindo que há uma constante revisão de cada uma delas. 14 Laureate- International Universities 1. Fins, metas e objetivos 2. Seleção da experiência de aprendizagem Avaliação 4. Integração das experiências de aprendizagens e conteúdos 3. Seleção de conteúdos Figura 6 – Modelo curricular cíclico de Wheeler (1967). Fonte: Pacheco, 1996. NÃO DEIXE DE LER... No Brasil, a Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010, no Título VI – Organização da Educação Básica, apresenta como foi pensada a organização curricular para as escolas brasileiras. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ rceb004_10.pdf>. 2.2.1 Níveis de integração de disciplinas Você já ouviu falar em integração das disciplinas? Você sabe o que significa? E o que é interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade? A atual reorganização da sociedade capitalista (com o advento da pós-modernidade, do pós-industrialismo e da nova revolução industrial) trouxe modificações tanto para o mundo do trabalho quanto para as escolas. Neste item, você conhecerá a definição de cada um desses níveis de integração de disciplina, bem como suas diferenças e como eles acontecem na prática. • Multidisciplinaridade Nesta visão, um tema único é abordado por vários professores, de disciplinas diferentes, mas sem uma articulação de ideias. 15 Currículo Cada professor contribuirá com a sua especialidade, com a visão ou com a conexão que o tema tem na sua disciplina. Podem compartilhar bibliografia, técnicas de ensino, procedimentos e avaliação, mas, como já foi mencionado, sem a articulação das informações. Pires (1998, p. 176) resume com assertividade a essência desse tipo de trabalho: “[...] as disciplinas do currículo escolar estudam perto, mas não juntas”. • Pluridisciplinaridade Diz respeito ao estudo de um único conteúdo, mas sendo abordado pelas diversas disciplinas ao mesmo tempo, integrando o conhecimento. Veja o exemplo descrito no caso prático a seguir: Imagine uma classe da 1ª série do ensino fundamental, em que o(a) professor(a) propõe que os alunos trabalhem com o conteúdo: receita de alimentos. Dentro da proposta pluridisciplinar, na aula de português será trabalhada a escrita dos ingredientes, ou seja, os alunos estudarão as palavras, as vogais e as consoantes, por exemplo. Já na aula de matemática, o enfoque serão as quantidades descritas na receita. A professora de ciências poderá trabalhar os grupo de alimentos e ensinar o que são legumes, frutas e demais itens da receita, além de poder abordar o meio ambiente, por exemplo. Nesse caso, conseguimos verificar que o mesmo conteúdo poderá ser trabalhado pelas diversas disciplinas, respeitando as suas respectivas características. O aluno receberá um único conteúdo, mas com a contribuição que cada disciplina pode dar. A pluridisciplinaridade é uma das facetas de abordagem da transdisciplinaridade. • Transdisciplinaridade: temas transversais ou transversalidade Embora se utilize esse conceito, atualmente, ele ainda não está totalmente entendido na visão de Pires (1998, p. 176): “A transdisciplinaridade insere-se na busca atual de um novo paradigma para as ciências da educação”. Quando falamos em temas transversais, estamos nos referindo a temas de conteúdos de caráter social, que são abordados simultaneamente por várias disciplinas, não se detendo em uma dela, visando à sua compreensão completa (desde o conceito até sua aplicabilidade na prática) pelos alunos. Em Parâmetros curriculares nacionais: temas transversais (BRASIL, 1997, p. 23), o MEC apresenta para as escolas os temas que são considerados de cunho social e que devem ser abordados nas diversas disciplinas: • ética – que diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas e no agir perante o outro; • orientação sexual; • saúde; • meio ambiente; • pluralidade cultural. Como você pode ver no gráfico disponibilizado nos documento dos parâmetros curriculares (Figura 7), esses temas permeiam todas as disciplinas e em parte dos níveis educacionais. 16 Laureate- International Universities Objetivos Gerais do Ensino Fundamental ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA ÁREA DE MATEMÁTICA ÁREA DE CIÊNCIAS NATURAIS ÁREA DE HISTÓRIA ÁREA DE GEOGRAFIA ÁREA DE ARTE ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ÁREA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Ética - Saúde - Meio Ambiente - Orientação Sexual - Plasticidade Cultural Caracterização da Área 1ª Parte Ensino Fundamental 2ª Parte Especialização por Ciclos 1º Ciclo (1º e 2º s) Objetivos Gerais da Área 2º Ciclo (3º e 4º s) 3º Ciclo (5º e 6º s) Objetivos da Área para o Ciclo 4º Ciclo (7º e 8º s) Conteúdos da Área para o Ciclo Critérios de Avaliação da Área para o Ciclo Orientações Didáticas Os quadrinhos não-sombreados correspondem aos itens que serão trabalhados nos Curriculares Nacionais nacionais de quinta a para oitavaosérie. Figura 7 – EstruturaParâmetros dos parâmetros curriculares ensino fundamental Fonte: BRASIL, 1997. Os critérios para adoção desses temas foram: • abrangência nacional; • urgência social; • possibilidade no nível de ensino que se propõe; • favorecer a compreensão da realidade a partir da participação social. A grande crítica a esse conceito de trabalho é a real condição do professor para conseguir viabilizar e atuar de acordo com essa proposta. 17 Currículo Segundo Mizukami (1998, apud FIGUEIRÓ, 2000), para que o professor consiga colocar em prática os temas transversais, espera-se que ele tenha as seguintes competências: 1. planejar o currículo e o ensino; 2. ser a figura central do processo ensino-aprendizagem; 3. ser avaliador do progresso do aluno e observador dos eventos da sala de aula; 4. ser responsável pelo desenvolvimento pessoal de cada aluno; 5. ser agente do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional; 6. conhecer profundamente as áreas de conhecimentos e os temas transversais; 7. ser educador de estudantes diversos; 8. participar do projeto educativo da escola. Pelo o que se pode notar, espera-se que o profissional tenha uma autonomia e uma participação nas várias etapas de elaboração do currículo, que o professor não tem. Outro ponto de crítica é em relação à formação profissional. É necessária uma formação ampla e com componentes generalistas que habilite o professor para exercer esse papel. • Interdisciplinaridade: Fazenda (2006, p. 13) escreve que o primeiro passo para a conceituação de interdisciplinaridade é abandonar as posições acadêmicas, unidirecionadas e restritivas, que impedem a abertura para novos olhares, isto é, olhar as práticas pedagógicas rotineiras com interesse e com o intuito de pesquisa e de querer fazer diferente. Interdisciplinar, segundo o dicionário online Aurélio (2008), é um adjetivo que qualifica o que é comum a duas ou mais disciplinas ou outros ramos do conhecimento. É o processo de ligação entre as disciplinas, a forma de promover a integração dos conteúdos de disciplinas diferentes que contribuem para o aprendizado do aluno. Segundo Fazenda (2002, p. 11) “é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura a compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e do que é aparentemente expresso, colocando-os em questão”. Nesse conceito, pode-se planejar (planejamento interdisciplinar) uma atividade ou projeto e suas etapas envolvendo duas ou mais disciplinas para aprofundar o conhecimento. Essa união de conhecimento é mais interessante tanto para os alunos quanto para os professores, pois, muitas vezes, não se consegue prever o resultado a ser produzido devido à enorme gama de possibilidades que se abre ao integrar os conteúdos. A interdisciplinaridade foi introduzida na realidade brasileira pela Lei de Diretrizes e Bases – LDB em 1961. Em 1996, ela foi revista e, juntamente com os parâmetros curriculares, estimulou a interdisciplinaridade. O grande objetivo é articular os conhecimentos, visto que a realidade das escolas brasileiras é de um ensino fragmentado e desarticulado. 18 Laureate- International Universities NÓS QUEREMOS SABER! Você sabe o que é a Lei nº 9.394/1996? É a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a legislação regulamenta o sistema educacional brasileiro, para escolas públicas e privadas. Essa lei abrange desde a educação básica até o ensino superior. Para saber mais, acesse: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9394.htm>. O olhar de professor está habituado com as disciplinas rigidamente fragmentadas, para as competências a serem desenvolvidas e previamente pensadas, processos de ensino-aprendizagem já estruturados, didática, conceitos, etc. previamente organizados para um resultado específico. Na interdisciplinaridade, o olhar volta-se para o fenômeno e é preciso treinar esse olhar para ver uma nova produção e uma nova formulação crítico-reflexivo. A sala de aula tem sua própria disponibilização dos elementos, como: tempo, espaço, disciplina e avaliação. Mudar a lógica da produção requer esse novo olhar. Passa-se do previamente esperado para a descoberta e a invenção aliada ao desejo de conhecer mais e de construir a liberdade e o pensamento crítico. O projeto interdisciplinar deve ser claro, coerente e detalhado para que as pessoas envolvidas sintam vontade de fazer parte dele. Muitas vezes, vê-se que, na prática, a interdisciplinaridade é confundida com improvisação. Assim, trabalhar com essa nova perspectiva de produção possibilita pensar na necessidade de estimular uma nova formação de professores, em que eles possam também exercitar a sua postura mais crítica, questionando os paradigmas, analisando e reanalisando sua prática em sala de aula. O professor é o agente desse processo. Um único professor pode ser capaz de trabalhar o conteúdo interdisciplinar ou pode atuar em conjunto com os demais professores promovendo mais integração. Cada um desses conceitos tenta propor uma nova visão e uma nova forma de se pensar a educação no Brasil. Seja ela totalmente interligada como na interdisciplinaridade ou na multidisciplinaridade, que se pensa sobre um tema a partir da articulação das ideias, o foco é promover uma educação que traga conhecimento e autonomia para os indivíduos. NÃO DEIXE DE VER... O filme O Clube do Imperador (EUA, 2002) conta a história de William Hundert, um professor apaixonado pelo trabalho que tem sua vida pacata e controlada totalmente mudada quando um novo estudante chega à escola. O filme tem direção de Michael Hoffman e está disponível em disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=0sIXdfWwMEE>. 19 Síntese Síntese Neste capítulo, você: • aprendeu que a escola tem como função social aliar a prática de sala de aula com a realidade social para produzir sujeitos capazes de promover a transformação social; • entendeu que a escola precisa favorecer o acesso dos alunos aos conteúdos e questionar a forma como o conhecimento é agrupado nas disciplinas; • entendeu que a escola tem o papel de educar para a democracia ajudando os alunos a desenvolverem sua capacidade intelectual e reflexiva; • viu que o planejamento precisa ser elaborado considerando as necessidades do aluno e aliado ao mínimo de conteúdo previsto nos parâmetros curriculares; • identificou que a forma como o currículo é planejado pode ajudar o aluno a construir ou desconstruir o conhecimento; • aprendeu que o currículo deve considerar temáticas atuais, como gênero, etnia e outros elementos da realidade; • conheceu a multidisciplinaridade, em que um único conteúdo é abordado por vários professores, de disciplinas diferentes, mas sem a articulação de ideias; • entendeu que na pluridisciplinaridade um único conteúdo é trabalhado pelas diversas disciplinas ao mesmo tempo; • aprendeu que “a transdisciplinaridade insere-se na busca atual de um novo paradigma para as ciências da educação” (PIRES, 1998, p. 176); • entendeu que, nos temas transversais ou transversalidade, são trabalhados temas de caráter social, que são abordados simultaneamente por várias disciplinas, visando à sua compreensão completa (desde o conceito até sua aplicabilidade na prática) pelos alunos. 20 Laureate- International Universities Referências Bibliográficas ARANHA, M. 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