ORGANIZAÇÃO DO ESTADO A Constituição Federal trata da organização do Estado brasileiro a partir do seu artigo 18, onde dispõe que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” Nos quatro parágrafos do artigo supracitado, a Constituição vai dispor sobre os territórios federais, dizendo que estes integram a União, e irá tratar também da incorporação, subdivisão, fusão e desmembramento de Estados e Municípios. Estas disposições constitucionais tratam da base da organização do Estado brasileiro e o caput do artigo 18 da CF, revelando o tipo de estrutura que os legisladores constituintes elegeram para o nosso Estado: a Federação. O conceito de Estado Antes de adentrarmos no estudo da Federação, necessário é buscarmos o conceito de Estado, uma vez que aquela pressupõe a existência deste. Assim, segundo Celso Ribeiro Bastos, “Estado é a organização juridicamente soberana de um povo em um dado território”.[1] Tendo à frente essa conceituação de Estado, mencionaremos agora as diversas formas pelas quais este se organiza e se estrutura. Há três regimes jurídicos distintos em que o Estado pode se configurar e se manifestar, resultando em diferentes formas de Estado, formas de governo e sistemas de governo. Formas de Estado As formas de Estado, que são as maneiras pelas quais este se estrutura dentro de seu território, com relação a sua descentralização político-administrativa, ensejariam a ocorrência de um Estado Unitário ou de um Estado Composto, sendo que neste último gênero se insere a espécie denominada de Estado Federal. Este último é que examinaremos logo adiante com maior riqueza de detalhes. Formas de Governo A Monarquia, oriunda do vocábulo grego monarchia, governo de um só, apresenta como elementos caracterizadores a vitaliciedade, a hereditariedade e a irresponsabilidade do Chefe de Estado, podendo ser absoluta ou relativa. Na primeira o poder está totalmente em mãos de um único governante, enquanto que na segunda há uma limitação do governante em face da existência de um texto constitucional que deve ser por ele obedecido. Esta última é também denominada de Monarquia Constitucional e encontra existência, por exemplo, no Japão, na Espanha, na Grã-Bretanha, e, ainda, existiu em nosso país na época do Brasil-Império. A República, da expressão em latim res publica (coisa pública), por usa vez, representa forma de governo bastante diferente da Monarquia, uma vez que é a verdadeira expressão do governo do povo, pelo povo e para o povo, caracterizando-se pela eletividade dos seus governantes, pela temporariedade de mandatos e responsabilidade do Chefe de Estado. Temos inúmeros exemplos de governos republicanos, tais como o Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha etc. Sistemas de governo E, ainda, temos os sistemas de governo, que seriam os regimes estabelecidos para os relacionamentos entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, podendo ser o sistema presidencialista (exemplo: Brasil) ou o parlamentarista (exemplo: Portugal). No presidencialismo os poderes Executivo e Legislativo são independentes. O Presidente da República acumula as funções de chefe de Estado e chefe de governo. Ele é eleito pelo povo, direta ou indiretamente, por tempo determinado, não havendo possibilidade de destituição pelo Parlamento, a não ser em raras situações que possam culminar com um processo de impeachment. Já no Parlamentarismo há uma interdependência entre os poderes Legislativo e Executivo, onde a chefia de Estado é exercida pelo Presidente (na República) ou pelo Monarca (na Monarquia) e a chefia de governo é exercida pelo Primeiro Ministro. Este último não possui mandato por prazo certo, podendo ser destituído a qualquer tempo quando não mais gozar do apoio do Parlamento ou pela aprovação de moção de desconfiança. Neste sistema, há ainda a possibilidade de dissolução do Parlamento pelo chefe de Estado, com a convocação de novas eleições. SISTEMA POLITICO – Democracia ou autocracia O conceito de Estado Unitário O Estado Unitário é caracterizado pela centralização do poder, pela existência de uma única unidade de emanação de poder político interno.A produção legislativa fica a cargo de um único poder central, com aplicação sobre todo o território nacional. O conceito de Estado Federal A Federação, que merecerá agora a maior parte da nossa atenção, é subespécie do Estado composto ou complexo, do qual fazem parte também a União pessoal (união de dois ou mais Estados sob o governo de um único monarca), a União Real (união de dois ou mais Estados sob a regência do mesmo monarca, mas cada reino mantendo a sua organização interna) e a Confederação (união de Estados soberanos, que conservam sua soberania, para consecução de fins comuns). Na Federação há a união de dois ou mais Estados que formam um novo ser estatal, onde este é soberano e aqueles possuem somente autonomia política. Soberania e autonomia Distinção entre soberania e autonomia: Um Estado soberano é aquele cujo poder não está limitado pelo Direito. A soberania de um Estado lhe coloca em posição de igualdade com outros Estados no cenário internacional, e, ao mesmo tempo, em posição de superioridade dentro do seu limite territorial com relação ao demais poderes internos.(Interno e externo) A autonomia, por seu turno, é aquele conjunto de competências atribuídas a uma pessoa, que pode exercê-las dentro de certos limites. Uma unidade autônoma não é soberana, porque ela é limitada pelo Direito. Ela exerce os seus poderes dentro de uma moldura cujos limites são definidos pela Constituição de um Estado. Soberania e autonomia Origem da Federação A origem da formação do Estado federal deita suas raízes na história da concepção dos Estados Unidos da América. Em 1776, as antigas treze colônias da Inglaterra na América do Norte, ao tornarem-se independentes, resolveram unir esforços para a criação de uma abrangente entidade central que pudesse representá-las e defendê-las em assuntos de interesse comum de todas as colônias, criando assim, em 1778, uma espécie de Confederação de Estados independentes. Esta união foi firmada por um documento denominado de Artigos da Confederação, que entrou em vigor a partir de 1781, cujo texto guardava semelhança com as Constituições dos Estados, as quais já dispunham sobre: separação de poderes, Congresso Bicameral e Declaração de Direitos (Bill of Rights). No entanto, a Confederação não teve vida longa. Isto porque o liame que unia os Estados, independentes e soberanos, era muito vulnerável, e o poder central que fora criado não se mostrou capaz de atender os anseios das unidades confederadas, pois a unidade central existente era apenas uma assembléia de representantes dos Estados, sem autoridade sobre os indivíduos de cada Estado e desprovida de soberania.[2] Assim, em 14 de Maio de 1787, na cidade de Filadélfia, reunidos em uma convenção, para rever o pacto formado entre as antigas colônias, os Estados decidiram aprovar uma nova carta, a Constituição dos Estados Unidos da América. A Constituição Federal do EUA, então, fixou as bases sobre a qual se assentaria o novo Estado federativo norte-americano, estabelecendo um novo pacto entre os Estados antes soberanos e independentes que, agora, abdicavam desses poderes em prol do novo poder central. Dentro dessa nova união, a Federação, os Estados gozavam somente de autonomia. As entidades que comporiam a Federação norte-americana, portanto, seriam o poder central (a União) e as unidades federadas (os Estados). “A supremacia do poder federal veio com a aceitação pelos Estados da Constituição Federal, impondo a superioridade da União, em face da legislação dos Estados, como também da legislação federal”.[3] Traços comuns das federações Embora cada Federação, atualmente, tenha as suas próprias características, todas elas, para que assim sejam classificadas, possuem alguns traços comuns, sem os quais o Estado se afastaria do conceito básico de Federação. Luiz Alberto David Araújo organizou, em excelente trabalho doutrinário[4], esses característicos do Estado federal, procurando demonstrar todos os elementos que deve integrar o conceito genérico de Federação. Estas características comuns, portanto, podem assim ser elencadas: (1) a existência de pelo menos duas ordens jurídicas distintas, a central e a periférica; (2) autonomia das unidades federadas, revelada pela repartição constitucional de competências; (3) rigidez da Constituição Federal; (4) indissolubilidade do pacto federativo; (5) possibilidade de manifestação de vontade das unidades parciais, de maneira isonômica, por meio de representantes no Senado Federal; (6) a existência de um órgão guardião da Constituição; (7) possibilidade de intervenção federal nos Estados para a manutenção do pacto federativo. Examinaremos agora cada uma dessas características: (1) A co-existência do poder central com vontades parciais autônomas é o cerne do pacto federativo, é o objeto do acordo federalista. A Federação reconhece e pressupõe a convivência dessas distintas esferas de poderes, sem as quais não haveria sentido em se falar em Estado federal, pois aí estaríamos diante de outra forma de Estado. (2) As unidades federadas devem ter a possibilidade de exercer certas competências com autonomia, ou seja, as vontades parciais devem ter o poder de se auto-organizar, de realizar, de se manifestar livremente sobre certos assuntos, sem a interferência da vontade central. Esta é a parcela de autonomia que, obrigatoriamente, os Estados federados devem possuir para seja caracterizada a Federação. E esta autonomia se verifica pela repartição de competências atribuídas pela Constituição Federal, variando somente o grau ou o critério de descentralização. Não se trata, portanto, de distribuição de competências pelo poder central, mas sim de competências concedidas pela Constituição Federal, para que não haja interferência de uma esfera de poder sobre a outra. Por isto, ainda, tampouco estas competências podem advir de leis ordinárias, para que não possam ser suprimidas ou modificadas ao talante do poder federal, o que quebraria a estabilidade do pacto federativo. (3) O Estado Federal, necessariamente, possui como documento que o institui e o organiza a Constituição Federal. E esta é imprescindível, uma vez que ela é que determina as bases em que se assenta a Federação. É o acordo de vontades, contrato escrito, que regerá a vida de todas as partes envolvidas no pacto federativo. Desta premissa surge a outra característica comum a todas as federações, qual seja, a rigidez constitucional. Por isto, não basta a existência da Constituição, ela tem que ser rígida, assim conceituada como aquele documento que exige um processo mais solene e dificultoso para a sua alteração do que aquele previsto para as leis infraconstitucionais. Esta rigidez se constitui em garantia do pacto federal, de modo que este restará protegido de uma tentativa de alteração, sem que realmente haja um forte desejo da sociedade nesse sentido. Inclusive, há autores que defendem que esta rigidez deve estar alçada à condição de cláusula pétrea, não podendo a Federação ser abolida em nenhuma hipótese. (4) A indissolubilidade seria outro elemento sine qua non da Federação, pois a proibição dirigida aos seus membros de dela se retirar é parte intangível, implícita e integrante do pacto federativo. Seria impensável uma Federação em que qualquer um dos seus integrantes pudesse deixá-la a qualquer tempo. As unidades federadas, quando da aquiescência ao pacto federativo, deixam de ter soberania e, por via de conseqüência, também abdicam do poder de se afastar da Federação. Nisto reside a diferença nuclear entre esta e a Confederação, ou seja, nesta última os Estados ainda reservam para si o direito de secessão, o que não se verifica na federação. (5) A possibilidade dos Estados membros de participar na formação da vontade central é ínsita ao pacto federal. Quando do nascimento do Estado federativo, os seus membros já exercem esta vontade ao criar o órgão central. Esta característica irá, necessariamente, permear todas as manifestações do governo central. Este age em nome de todos os componentes da federação e, por isto, a sua manifestação se dá com a participação ou aprovação dos Estados membros, que se perfaz com a eleição de representantes perante o Senado Federal. O órgão legislativo federal, portanto, deve contar com representantes do povo (Câmara do Deputados) e com representantes dos Estados (Senado). E esta participação das unidades federadas deve contar com número igual de representantes. Nenhum Estado pode ser privilegiado com mais representantes eleitos do que os outros e nenhum Estado pode ser prejudicado com um menor número deles, para que haja harmonia e equilíbrio no pacto federativo. (6) Para controlar toda a distribuição de competências federativas e de modo a manter funcionando harmoniosamente a federação, mister se faz a existência de um órgão que dirimirá os conflitos que possam surgir neste relacionamento entre os membros do Estado Federal. Este órgão exercerá função das mais relevantes e por isso deve ser neutro, para que as ordens jurídicas, eventualmente em litígio, possam receber uma solução jurídica imparcial. Este órgão deve pertencer ao Poder Judiciário, posto que este é que enfeixa em suas mãos todas estas propriedades, capazes de estabelecer o equilíbrio desejado para o bom funcionamento do acordo de vontades das entidades federadas. Importante dizer que a atuação do órgão do Judiciário que exercerá esta função deverá basear suas decisões na Constituição Federal, que é o documento onde se encontram as diretrizes para a solução de todo e qualquer conflito federativo. (7) Por derradeiro, temos outro importante característico comum da Federação, instrumento de defesa do próprio pacto federal em situações de maior gravidade: é o instituto jurídicoconstitucional da intervenção federal. Por meio desta ao órgão central federal é permitido intervir em determinado Estado federado, para que sejam combatidas certas condutas ou omissões atentatórias ao pacto federativo. Assim, a União recebe poderes explícitos para agir em nome dos demais Estados e decreta a intervenção federal em um Estado, objetivando fazer cessar uma situação que esteja ameaçando a Federação. Nesta hipótese, a autonomia do Estado membro fica temporariamente afastada, dando lugar à manifestação de poder da vontade central, até que cesse a situação que ensejou a intervenção. É bom dizer que se trata de situação anormal, rara e sujeita a verificação da ocorrência de diversos requisitos, tudo lastreado nos comandos previstos no Texto Constitucional que disciplinam a matéria. Repartição constitucional de competências Competências são os poderes conferidos à determinada pessoa ou entidade pelos quais ela tem a possibilidade de fazer prevalecer a sua vontade ou para realizar suas funções. A Constituição Federal brasileira adota a técnica de repartição de competências entre as unidades federadas tendo em vista a predominância de interesses, cabendo, assim, à União as competências de caráter geral, aos Estados as de predominante interesse regional, enquanto que aos Municípios caberão as competências referentes aos assuntos de interesse local. Assim sendo, as competências atribuídas pela Constituição Federal brasileira às entidades federadas podem ser assim classificadas: (I) Competências da União (a) Materiais privativas: artigo 21; (b) Legislativas privativas: artigo 22; (c) Comuns: artigo 23; (d) Legislativas concorrentes: artigo 24. (II) Competências dos Estados (a) Remanescentes (materiais e legislativas): artigo 25, par. 1º ; (b) Legislativas privativas: artigo 25, pars. 2o e 3o ; (c) Comuns: artigo 23; (d) Legislativas concorrentes: artigo 24; (e) Legislativas suplementares: artigo 24, par. 2o; (f) Legislativas supletivas: artigo 24, par. 3o . (III) Competências dos Municípios (a) Comuns: artigo 23; (b) Legislativas privativas: artigo 30, inciso I; (c) Legislativa suplementar: artigo 30, inciso II No tocante à competência residual, que na regra geral cabe aos Estados Membros e ao DF, em matéria tributária a competência residual pertence à União, nos moldes do art. 154, I da CF/88. [1] In Curso de Direito Constitucional, 9a edição, Saraiva, pág. 8. [2] Esta precariedade do pacto confederativo norte-americano é bem retratada pela expressão cunhada na época: rope of sand. Por meio desta se queria dizer que a união entre os Estados norte-americanos era ligada por uma “corda de areia” e por isto não teve êxito em manterem unidas as unidades em torno da Confederação. [3] Janice Helena Ferreri in Por uma nova Federação, 1995, RT, pág. 18. [4] In Por Uma Nova Federação, 1995, RT, págs. 39-52. DIREITOS FUNDAMENTAIS TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Conceito “Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.”[1] A definição desses direitos denominados de fundamentais envolve diferentes aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem respeito aos direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Depois, em acepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito vigente em um país assim os qualifica, normalmente estabelecendo certas garantias para que estes direitos sejam respeitados por todos. Outras definições Tendo em vista a profusão de termos utilizados quando se fala sobre direitos fundamentais, causando uma certa confusão de significados, importante se faz apresentar algumas definições nesta seara. Direitos fundamentais. Como já dissemos, em sua acepção formal, são aqueles direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito positivo do Estado, que exige deste ou uma abstenção ou uma atuação no sentido de garantí-los. No Brasil, essa expressão engloba vários direitos, tais como: os individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os nacionais e os políticos. Direitos do homem. Seriam os direitos referentes à condição do indivíduo enquanto ser humano, que, portanto, se estendem à toda humanidade, em todos os lugares, sem limitação temporal. Estes direitos se baseariam no conceito de direito natural, os quais não necessitariam de serem criados pelo direito positivo, mas tão somente de serem reconhecidos e declarados, em razão de serem verdadeiros direitos humanos, expressão esta utilizada como sinônima de direitos do homem. Direitos do cidadão. Esta expressão abarca dois tipos de direitos: os direitos naturais, que seriam aqueles inerentes à própria existência humana; e os direitos civis, que pertencem ao ser humano enquanto participante de uma coletividade social civil. Direitos políticos. Estes se constituem naqueles direitos decorrentes da cidadania, se subdividindo em direitos políticos positivos e negativos. Os primeiros concedem ao cidadão o poder de participar da vida política do país por meio de diferentes formas: o voto, o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de leis e por meio da propositura de ação popular. Os direitos políticos negativos, por seu turno, permite ao cidadão se candidatar e ser votado nas eleições para cargos públicos, representando o povo, também conhecidos como direito de elegibilidade. Não obstante todas essas conceituações, “a expressão direitos fundamentais é a mais precisa. Primeiro, pela sua abrangência. O vocábulo direito serve para indicar tanto a situação em que se pretende a defesa do cidadão perante o Estado como os interesses jurídicos de caráter social, político ou difuso protegidos pela Constituição. De outro lado, o termo fundamental destaca a imprescindibilidade desses direitos à condição humana.”[2] Histórico A história dos direitos fundamentais está diretamente ligada ao aparecimento do constitucionalismo, no final do século XVIII, que, entretanto, herdou da idade média as idéias de contenção do poder do Estado em favor do cidadão, sendo exemplo mais relevante neste sentido a célebre Magna Carta, escrita na Inglaterra, em 1215, pela qual o Rei João Sem Terra reconhecia alguns direitos dos nobres, limitando o poder do monarca. Com a Revolução Francesa, em 1789, se acentuaram os movimentos e documentos escritos que buscavam garantir aos cidadãos os seus direitos elementares em face da atuação do poder público. Um dos documentos mais conhecidos neste sentido foi a denominada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, produto daquela revolução ocorrida em território francês. Pouco antes disso, porém, outro documento entrava para a história, como resultado de outra revolução, a Americana. A Declaração de Virgínia, elaborada em 1776, procurava estabelecer os direitos fundamentais do povo norte-americano, tais como a liberdade, a igualdade, eleição de representantes etc. Em 1948, logo após a 2a Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas fazia editar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, estendendo para praticamente todo o mundo o respeito e a proteção aos direitos fundamentais do ser humano. Paulo Bonavides, comentando sobre a importância das declarações dos direitos do homem, enaltecendo aquela nascida na França, em mais uma lição magistral, ensina que: “Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. O teor de universalidade da Declaração recebeu, aliás, essa justificativa lapidar de Boutmy: Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações.”[3] As gerações dos direitos fundamentais O reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem no mundo alcançou o seu estágio atual de uma forma lenta e gradual, passando por várias fases. Estas etapas da evolução desses direitos são chamadas de gerações, pois foram construídas em diferentes momentos históricos. Essas gerações, numa primeira análise, representariam a conquista pela humanidade de três espécies de direitos fundamentais, amparada nos ideais divulgados especialmente na Revolução Francesa, os quais se resumiam no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Coincidentemente, cada uma dessas expressões representaria uma geração de direitos a ser conquistada. A primeira geração dos direitos fundamentais, então, corresponderia àqueles direitos básicos dos indivíduos relacionados a sua liberdade, considerada em seus vários aspectos. Esta geração encerra os postulados dos cidadãos em face da atuação do poder público, buscando controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana. Os direitos relativos a esta primeira geração significariam, portanto, uma limitação do poder público, um não fazer do Estado, uma prestação negativa em relação ao indivíduo. A segunda geração, por sua vez, fundada no ideário da igualdade, significa uma exigência ao poder público no sentido de que este atue em favor do cidadão, e não mais para deixar de fazer alguma coisa. Esta necessidade de prestação positiva do Estado corresponderia aos chamados direitos sociais dos cidadãos, direitos não mais considerados individualmente, mas sim de caráter econômico e social, com o objetivo de garantir à sociedade melhores condições de vida. Esta geração de direitos guarda estreito vínculo com as condições de trabalho da população, que, com a evolução do capitalismo, se viu necessitada de regular e garantir as novas relações de trabalho, postulando, portanto, salário mínimo digno, limitação das horas de trabalho, aposentadoria, seguro social, férias remuneradas etc. E, ainda, a terceira geração, que corresponderia ao terceiro elemento preconizado na Revolução Francesa, a fraternidade, representa a evolução dos direitos fundamentais para alcançar e proteger aqueles direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, que se encontra envolvida em relações de diversas naturezas, especialmente aquelas relativas à industrialização e densa urbanização. Nesta situação, outros direitos precisavam ser garantidos, além daqueles normalmente protegidos, uma vez que essas novas relações devem ser consideradas coletivamente. Nesta terceira geração de direitos fundamentais, podemos mencionar: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos dos consumidores e vários outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente físico etc). Deve ser mencionada, por derradeiro, uma quarta geração de direitos fundamentais, identificada por vários autores, que decorreria da atual globalização desses direitos, tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Considerando a maneira como os direitos fundamentais nasceram, bem como os valores que busca garantir, eles podem ser analisados sob várias óticas e deles serem extraídas algumas características que lhe são comuns. As características dos direitos fundamentais podem então ser assim resumidas: historicidade; universalidade; relatividade; e irrenunciabilidade. 1. Historicidade. Os direitos fundamentais são resultados de um longo processo histórico, de uma lenta evolução. Eles não nasceram em uma data específica e nem foram engendrados em um único país, embora alguns momentos da história e certos Estados podem ser mencionados como relevantes e que contribuíram fortemente para a sua origem e seu fortalecimento. Em verdade, porém, esses direitos do ser humano deitam suas raízes mais longínquas no cristianismo, que contribuiu enormemente para que o homem fosse visto e tratado de forma isonômica, uma vez que a doutrina cristã prega que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, valorizando assim a criação divina e permitindo-lhe que adquirisse respeito e fosse tratado de forma digna. Nessa evolução histórica, vieram as várias declarações de direitos do homem, como as já mencionadas Magna Charta Libertatum (1215), a Declaração americana (1776), a francesa (1789), e a Declaração da ONU (1948), que, certamente, influenciaram o surgimento das proteções jurídicas dos direitos fundamentais em outros países. E essa evolução ainda se encontra em andamento, posto que à medida que a humanidade avança outros direitos necessitam ser garantidos e outras tantas violações desses direitos precisam ser coibidas. Por tudo isso é que se diz que a historicidade é uma característica dos direitos fundamentais. 2. Universalidade. A sentido dessa característica dos direitos fundamentais é que estes se destinam a todos os homens. A sua essência por si própria já rejeita a idéia de discriminação na aplicação e garantia desses direitos básicos. Um dos seus objetivos mesmo é de garantir que todos os homens tenham acesso aos direitos fundamentais, num tratamento isonômico que lhe peculiariza, que deve ser universal. 3. Relatividade. Esta característica decorre da idéia de que os direitos fundamentais não podem ser tidos como absolutos, de aplicação ilimitada. Ao se exercitar tais direitos, muitas vezes um deles conflitará com outro. O direito de propriedade, por exemplo, esbarra no direito público da desapropriação. O exercício do direito de informação pode encontrar óbice no direito à imagem. E assim por diante. Alexandre de Moraes diz que “quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional ao âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com a sua finalidade precípua.”[4] 4. Irrenunciabilidade. Uma marca dos direitos fundamentais é que os seus destinatários não podem a eles renunciar. Têm a faculdade de escolher o momento de exercê-los, em certas hipóteses, mas nunca de dispor dos mesmos de forma definitiva. [1] Rodrigo César Rebello Pinho in Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, 2a edição, Saraiva, São Paulo, pág. 60. [2] Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior in Curso de Direito Constitucional, 5a edição, pág. 80. [3] In Curso de Direito Constitucional, 11a edição, pág. 516. [4] In Direito Constitucional, 11a edição, pág. 61.