IPCA: Inércia, Câmbio, Expectativas e Preços Relativos Este boxe examina o comportamento recente do IPCA, a partir da contribuição dos principais fatores que explicam sua dinâmica, com destaque para a evolução das expectativas de inflação e para o comportamento dos preços relativos entre o grupo de bens cujos preços são determinados livremente pelo mercado e aqueles administrados por contrato e monitorados. Como enfatizado em documentos anteriores do Banco Central, a aceleração da taxa de inflação iniciada no segundo semestre de 2002 está relacionada aos impactos da perda de confiança na evolução da economia brasileira e da forte elevação da aversão ao risco nos mercados internacionais, ambas ocorridas naquele ano. Nesse processo, no acumulado em doze meses, a inflação elevou-se de 7,5% em agosto de 2002 até atingir o máximo de 17,2% em maio de 2003. É de se destacar, todavia, a trajetória de queda observada a partir desse mês. A ação da política monetária, em um contexto de melhora progressiva das expectativas em relação ao futuro da economia, conseguiu reduzir de forma consistente a inflação, trazendo a variação acumulada do IPCA em doze meses para 5,2% em maio de 2004, o menor valor desde julho de 1999. IPCA, inflação livre, administrados e projeção Carta Aberta Acumulado em doze meses % 24 20 16 12 8 4 0 Jan Mar Mai Jul 2002 Set Nov Jan Mar Mai Jul 2003 IPCA Administrados 100 | Relatório de Inflação | Junho 2004 Set Nov Jan Mar Mai 2004 Livres Projeção Carta Além disso, como pode ser visto no gráfico ao lado, essa trajetória de redução da inflação acabou seguindo aquela projetada na Carta Aberta do Presidente do Banco Central ao Ministro da Fazenda, de 21 de janeiro de 2003. Embora, no acumulado em doze meses, a inflação efetiva tenha sido ligeiramente maior que a projetada para o início de 2003, há a partir daí uma reaproximação entre as curvas, e a diferença inicial acaba por se reverter no início de 2004, quando a inflação acumulada em doze meses fica abaixo da projetada (5,3% contra 7,2%, respectivamente, em abril de 2004). Tomando-se o período como um todo, percebe-se que as duas curvas têm evoluído de forma bastante próxima. Esse desempenho evidencia não apenas uma boa performance dos modelos de previsão do Banco Central, mas também que a inflação permanece em sua trajetória de convergência para as metas. Para avaliar o comportamento dos principais fatores inflacionários ao longo desse período, foi realizado um exercício de decomposição da taxa de inflação acumulada em doze meses, tal como efetuado anteriormente nas cartas abertas. O exercício usa estimações dos modelos estruturais para três momentos: junho de 2003 (trimestre em que a inflação acumulada atingiu o pico); dezembro de 2003 (equivalente à inflação do ano-calendário de 2003) e março de 2004 (trimestre já fechado em que a inflação acumulada foi mais baixa). O gráfico abaixo decompõe a variação do IPCA de cada período nos seguintes componentes: i) depreciação cambial; ii) inércia herdada da parcela da inflação que excedeu a meta no período anterior (calculada para junho/ 2003 e março/2004 via interpolação das metas de cada ano); iii) expectativas de inflação acima da meta; iv) inflação dos preços livres, excluídos os efeitos dos itens anteriores; e v) inflação dos preços administrados, excluídos os efeitos dos itens “i” e “ii”. O gráfico seguinte apresenta a participação de cada um desses componentes no total do IPCA. Decomposição da Inflação acumulada em doze meses 18 16,6 16 14 12 9,3 10 8 5,9 6,6 5,9 4,9 6 4 4,3 2,1 1,5 1,7 2 1,0 2,0 1,1 1,7 1,0 0,1 0 -1,1 -2 IPCA Inércia Junho/03 Expectativa -1,1 Repasse cambial Dezembro/2003 Inflação livre* Inflação administrados** Março/2003 * Excluindo repasse cambial, inércia e expectativas. ** Excluindo repasse cambial e inércia. Junho 2004 | Relatório de Inflação | 101 Decomposição da inflação acumulada em doze meses Participação no total do IPCA 100,0% 100% 82,7% 80% 63,7% 60% 39,9% 40% 26,1% 12,6% 9,2% 20% 18,4% 16,9% 12,0% 12,2% 17,6% 17,8% 0,9% 0% -11,9% -20% -18,1% IPCA Inércia Expectativa Junho/03 Repasse cambial Dezembro/2003 Inflação livre* Inflação administrados** Março/2003 * Excluindo repasse cambial, inércia e expectativas. ** Excluindo repasse cambial e inércia. Refletindo a trajetória já enfatizada, o gráfico mostra que a taxa de inflação passou de 16,6%, em junho de 2003, no acumulado em doze meses, para 5,9%, em março de 2004. As elevadas taxas de inflação no último trimestre de 2002 e no primeiro trimestre de 2003 tiveram forte impacto nos trimestres seguintes, por meio dos mecanismos inerciais. Por isso, o componente de inércia, descontando-se a meta, foi o que mais contribuiu para o aumento de preços nos dois últimos períodos de análise – 5,9 pontos percentuais para a inflação nos doze meses encerrados em dezembro de 2003 e 4,9 para o período até março de 2004, respondendo por 63,7% e 82,7%, respectivamente, do IPCA de cada período. O efeito da variação cambial sobre a inflação foi estimado em 2,0 pontos percentuais no primeiro período, representando 12,2% do IPCA. Esse resultado advém dos mecanismos de repasse defasados da variação cambial ocorrida em 2002, quando a taxa de câmbio partiu de uma média de R$2,50/US$1,00 no segundo trimestre e alcançou RS$3,68/US$1,00, em média, nos últimos três meses do ano. Com a reversão da depreciação cambial, esse fator apresenta contribuição deflacionária nos dois períodos subseqüentes. Em virtude do choque em 2002, houve significativa deterioração das expectativas de inflação. Isso foi refletido no aumento da contribuição para o IPCA da parcela das expectativas que excedeu a meta do primeiro para o segundo período analisado – de 12,6% para 18,4%. A partir de meados de 2003, com a recuperação da confiança na condução macroeconômica, a mediana das expectativas de inflação para os próximos doze 102 | Relatório de Inflação | Junho 2004 Mediana das expectativas do IPCA doze meses à frente e trajetória das metas meses caiu fortemente, convergindo para a trajetória das metas ajustadas conforme mostra o gráfico abaixo. Em conseqüência, observou-se a redução da contribuição das expectativas acima da meta para a inflação acumulada em doze meses encerrada em março de 2004, para 16,9% do IPCA. 16 14 12 10 8 6 4 2 0 jan/02 mai/02 set/02 jan/03 mai/03 set/03 Mediana das expectativas jan/04 mai/04 Meta Distribuição das expectativas do IPCA doze meses à frente 1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 4,0 4,8 5,5 6,2 7,0 7,7 8,4 IPCA 12 jun 2003 IPCA 12 dez 2003 IPCA 12 mar 2004 9,1 9,9 10,6 A análise acima se restringe ao exame da contribuição para a inflação da mediana das expectativas do mercado. Entretanto, o regime de metas enquanto mecanismo de coordenação de expectativas tem sua eficácia determinada não apenas pelo comportamento da mediana, mas de todo o espectro de expectativas inflacionárias dos agentes econômicos. Para suprir essa lacuna, o gráfico ao lado apresenta a densidade de probabilidade das expectativas de inflação do mercado para os próximos doze meses nas mesmas três datas de corte discutidas no exercício de decomposição: junho de 2003, dezembro de 2003 e março de 2004. Dessa forma, agregamos mais informação à análise sobre o papel das expectativas, permitindo examinar como sua convergência ou sua dispersão contribuiu para a evolução do nível de preços. Entre junho e dezembro de 2003, observa-se que não apenas a mediana das expectativas de inflação recuou em cerca de 1 ponto percentual, como também as previsões mais pessimistas (superiores a 8%) deram lugar a expectativas mais próximas da mediana, o que fez com que a curva de distribuição perdesse peso na cauda superior e se elevasse no centro. Ou seja, houve uma redução importante no grau de ceticismo do mercado com relação à convergência da inflação para a trajetória das metas. Entre dezembro e março, ocorreu um novo recuo da mediana, acompanhada nesta situação por um ligeiro aumento das caudas superior e inferior da distribuição – graficamente, corresponde à redução da altura do centro da distribuição. Tomando-se o período inteiro, entretanto, é visível que a condução da política monetária logrou melhorar consideravelmente o conjunto de expectativas para a inflação. Por fim, deve-se destacar a evolução dos preços livres e dos administrados por contratos e monitorados. A participação de ambos os grupos foi maior no primeiro período, quando eles contribuíram Junho 2004 | Relatório de Inflação | 103 com 39,9% e 26,1% para o IPCA, respectivamente. Nos dois outros períodos, a parcela dos preços livres foi significativamente menor e permaneceu relativamente estável (1,1 e 1,0 ponto percentual). Já os preços administrados apresentaram uma tendência consistente de redução em sua participação no aumento do nível de preços em cada período, indicando que a pressão maior sobre a inflação exercida por esse grupo ao longo dos últimos anos vem se dissipando. Como mostra o gráfico ao lado, desde meados de 1995, o grupo dos preços administrados tem apresentado aumento significativamente maior que o dos preços livres. Esse comportamento foi influenciado por diversos fatores, tais como: i) o processo de privatização de alguns serviços públicos; ii) a retirada de subsídios para alguns itens que fazem parte do grupo dos administrados; iii) o aumento do preço do petróleo no mercado internacional; e iv) a desvalorização da taxa de câmbio, com a flutuação do Real a partir de 1999. Em conseqüência, vem ocorrendo desde então um processo de mudança de preços relativos na economia, que tem marcadamente afetado a taxa de inflação. Razão entre preços administrados e livres 1993-2004 Base: Jan/93=100 1,9 1,7 1,5 1,3 1,1 0,9 Set/03 Mai/04 Jan/03 Set/01 Mai/02 Jan/01 Mai/00 Set/99 Jan/99 Set/97 Mai/98 Jan/97 Set/95 Mai/96 Jan/95 Set/93 Mai/94 Jan/93 0,7 Além da pressão direta sobre o nível de preços, existe ainda um outro efeito desse processo. Como os preços administrados apresentam uma dinâmica com forte componente backward-looking (alguns itens são reajustados, em parte, com base na variação passada dos IGPs), além de grande dependência dos preços internacionais do petróleo e elevado componente de repasse cambial, esse ajustamento de preços relativos determina um maior grau de persistência da taxa de inflação, exigindo maior esforço do Banco Central no combate aos efeitos secundários do aumento de preços e implicando maior custo em termos de produto no processo de desinflação. IPCA, inflação livre e inflação administrados Acumulado em doze meses 40 35 30 25 20 15 10 5 IPCA 104 | Relatório de Inflação Livres | Junho 2004 Mai/04 Dez/03 Jul/03 Set/02 Administrados Fev/03 Abr/02 Jun/01 Nov/01 Jan/01 Mar/00 Ago/00 Out/99 Mai/99 Dez/98 Jul/98 Fev/98 Set/97 Abr/97 Nov/96 Jun/96 Jan/96 0 É importante, então, que o realinhamento de preços convirja para a meta de inflação para que esse efeito sobre o produto seja reduzido ou evitado e a pressão sobre a inflação seja menor. O gráfico ao lado sinaliza, porém, que isso pode estar ocorrendo – o processo de mudança de preços relativos, em curso desde 1995, parece estar se estabilizando. Há uma convergência no aumento dos dois grupos de preços para a meta e pela primeira vez desde a adoção do regime de metas para a inflação a elevação dos preços administrados foi menor que a dos livres, no acumulado em doze meses – 4,7% e 5,3%, respectivamente, em maio. Junho 2004 | Relatório de Inflação | 105