especialista NunoTudela_rodapés

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Área de formação do
Instituto Politécnico do Porto
para atribuição de Título de Especialista:
Artes da Imagem
CNAEF:213
Área de educação e formação: Áudiovisuais e Produção dos Media
José Nuno de Abreu Tudela de Almeida Dias
Videos Musicais de Nuno Tudela 1993 - 2009
Obra em análise: Mão Morta - Müller no Hotel Hessischer Hof (1998/2006)
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
“O médico mostra-me o filme É ESTE O SÍTIO
VEJA POR SI
(...)”.
Heiner Müller
2
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Índice
Introdução
4
Parte I – História e futuro
1 – O papel do vídeo musical
6
6
2 – Breve história
6
3 – O contexto em Portugal
8
Parte II – Estética e autoria
4 – Elementos para um vídeo musical
10
10
5 – Notação de géneros
11
6 – Públicos alvo
13
Parte III - Identidade e autoria
7 – Relação entre músicos e a realização
13
13
8 – O papel das editoras
14
Parte IV – Da ideia à entrega final
9 – Escuta e découpage
15
15
10 – O guião e o storyboard
16
11 – Elaboração de um orçamento
16
12 – A escolha de locais
18
13 – Meios de produção
18
14 – Constituição de uma equipa
19
15 – Edição e pós-produção
20
16 – Publicação, distribuição e difusão
21
PARTE V – o filme em análise
17 - Müller no Hotel Hessischer Hof
22
22
Bibliografia
35
Publicações
35
Filmografia
35
Webgrafia
35
Anexos
36
3
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Introdução
No âmbito da prova para título de especialista em Áudiovisuais e Produção dos Media, à
qual me proponho, pretende-se fazer uma reflexão sobre o vídeo musical, desde a sua
realização à pós-produção, dentro de um contexto nacional e em como a sua importância
pode influenciar o ensino do audiovisual. Um vídeo musical é também uma curta metragem
com características peculiares onde o papel da música ganha o primeiro plano. Por esta
razão, pretende-se também estabelecer uma relação com a produção cinematográfica.
O texto divide-se em cinco partes. Na primeira, contextualiza-se o vídeo musical numa
tentativa de definição e enquadramento histórico internacional e nacional. Na segunda e
terceiras partes, seguindo uma lógica de separação estrutural definida na obra de Rabiger
(2004), dividiu-se as questões relacionadas com a estética das de identidade na autoria da
criação de vídeos musicais. Esta separação fundamenta-se na associação da autoria de
decisão autónoma, e da influência direta de terceiros no ato de criação. A quarta parte faz
uma revisão das metodologias de trabalho para um vídeo musical com breves reflexões à
sua relação com as da produção cinematográfica. Na quinta parte, faz-se uma reflexão mais
detalhada do filme “Müller no Hotel Hessischer Hof”, a obra que se propõe para estudo e
discussão, e que se entende apresentar como exemplo resultante de toda a experiência
anterior do seu autor, e que se considera pertinente para abrir a discussão dos aspetos
técnicos, das opções de realização e da pós-produção (dando especial importância à
montagem).
“Müller no Hotel Hessischer Hof” foi uma obra de importância vital para a afirmação do seu
autor, uma vez que é a primeira que tem distribuição nacional em edição vídeo comercial.
Para além disso, foi o primeiro trabalho de longa duração que realizou, um ano depois de ter
recebido um dos prémios mais importantes na área do vídeo musical: o Prémios Blitz.
Tratando-se de um filme feito na década de 90, ainda com equipamento de vídeo analógico,
pode parecer desatualizado perante os avanços tecnológicos ocorridos nos últimos anos. No
entanto deve ser visto como uma obra que resulta de um processo experimental e como tal
obedeceu a uma lógica de construção que é herança de experiências adquiridas. Como em
qualquer processo de aprendisagem, a experientação deve ser uma prática dominante. Este
filme foi a oportunidade de pôr em prática processos e ideias que foram sendo testados em
4
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
ambiente profissional. Porque se trata de um laboratório vivo, a produção de vídeos
musicais permite e promove as ideias. Esse potencial deve ser considerado no universo
pedagógico mantendo -o sempre numa relação estreita com o mundo profissional.
Defendendo a ideia que a criatividade deve ser estimulada pela imaginação, apresenta-se
numa obra que, graças às sua singularidade, foi produzida com recurso a uma grande
necessidade laboratorial e que recorreu a soluções que resultaram tanto do exercício como
da imaginação, uma alternativa ao modelo convencional. “Müller no Hotel Hessischer Hof”
não pretende ser um exemplo perfeito mas pela suas condições de produção deve ser vista
como uma obra de liberdade criativa, um bom exemplo para estudo e de entendimento para
a relação entre a realização e a pós-produção.
Palavras Chave. vídeo musical, documentário, experimentalismo, criatividade.
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Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Parte I – História e futuro
1 – O papel do vídeo musical
O que é um video musical e como deve ser encarado? Um teledisco, videoclip ou vídeo
musical pode ser referido como uma sequência de imagens editadas para uma música ou
canção. Esta definição poderá ser demasiado redutora face ao investimento que é feito na
realização destes filmes. Em geral tratam-se de filmes de curta duração que são feitos para
acompanhar uma música ou uma canção mas com objectivos de promoção e, na maioria
das vezes, com um sentido comercial. Detentores de uma grande criatividade, dependem na
maior parte das vezes do género musical a que estão associados para encontrar a sua
identidade. A música ou canção é, e deve ser sempre, a base de trabalho, o primeiro
elemento. As imagens surgem da sua interpretação criativa e isso faz com que noções de
ritmo, harmonia, cadência ou rima estejam associadas à sua montagem e edição, dando
origem a produtos audiovisuais que podem ir da ideia mais simples aos com uma marcada e
arrojada componente experimental. Devido à liberdade na utilização de meios de produção e
pós-produção, são frequentemente o lugar onde se experimentam técnicas e efeitos, muitas
vezes na génese de novas orientações capazes de influenciar até a grande produção
cinematográfica1.
2 – Breve história
Poder-se-á dizer que a essência do vídeo musical está na origem do cinema experimental
de vanguardas. Os filmes Berlim, Sinfonia de uma Grande Cidade de Walter Ruttmann
(Alemanha, 1927) e O Homem da Câmara de Filmar de Dziga Vetov (U.R.S.S., 1929)
podem ser vistos como a génese de um estilo aliado às narrativas experimentais onde a
montagem, a imagem e o som tinham um papel fundamental nas gramáticas utilizadas e
hoje replicadas, no que se chama vulgarmente como “estética videoclipe”. O filme musical
ajudou a congregar outro princípio básico do vídeo musical e que coincide com o primeiro
1.
Alguns realizadores de videos musicais de referência como o americano Spike Jonze, o francês Michel Gondry, ou os
ingleses Anton Corbijn e Cris Cunningham já experimentaram o grande écrã das salas de cinema como realizadores
de longas metragens, tendo sido muito bem sucedidos. Por vezes há também técnicas de efeitos especiais de pósprodução ou processos de filmagem demasiado complexos que antes de serem utilizados pela indústria
cinematográfica são ensaiados e experimentados nos vídeos musicais, uma vez que estes se caracterizam pelo seu
acentuado carácter experimentalista e de liberdade de criação.
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Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
filme sonoro, onde Al Jolson interpretava Mammy em The Jazz Singer, espantando as
audiências na estreia do filme, no ano de 1927. Foi a primeira vez que uma plateia ouvia a
voz cantada em registo síncrono de imagem e encarando a câmara enquanto o fazia. Ao
longo de todo o período de ouro do cinema de Hollywood, o género musical foi
desenvolvendo técnicas que permitiam o playback dos intérpretes, muitas vezes com uma
pesada estrutura de produção. Estas consistiam em reproduzir uma gravação prévia da
canção no estúdio onde a cena era filmada e com a qual os intérpretes simulavam a canção
criando um lipsync perfeito para a imagem. Isto permitia também a possibilidade de repetir a
canção em cada take de imagem sempre com a mesma referência pré gravada. Na maior
parte das vezes, os artistas encaravam a objectiva e interpretavam o playback assumindo a
presença da câmara que correspondia à posição do espectador na plateia de um teatro.
Com o surgimento da televisão nos anos 50 e 60, as emissões recorriam a performances
em direto a partir de um estúdio onde os artistas interpretavam as músicas e canções “ao
vivo” para as câmaras, assumindo igualmente o olhar directo para a objectiva, como se a
interpretação fosse directamente para cada telespectador, transformando o mundo numa
plateia global. Nesta altura, os vídeos musicais utilizam o mesmo dispositivo cénico. Os
artistas assumem o papel do cantor que interpreta a canção para a câmara e são quase
sempre meros registos resultantes das suas actuações em estúdio.
Por volta desta altura, os mega grupos de pop-rock como The Beatles experimentam a
produção cinematográfica mais ou menos narrativa, mais ou menos experimental, como
forma de promoção dos seus repertórios. Por outro lado, os The Rolling Stones estavam
frequentemente associados à produção de documentários ao estilo de cinema direto pela
mão de realizadores como Robert Frank ou Jean Luc Godard e que ensaiavam os seus
discursos cinematográficos com as suas câmaras nos backstage dos concertos e tournées.
Nestes últimos casos estamos perante um modo emergente do documentário que utiliza o
mundo da música como cenário para narrativas mais ligadas ao cinema direto.
Mais tarde, nos anos 70, a produção dos vídeos musicais ganha nova expressão, resultado
da evolução e simplificação técnica dos meios de produção. As câmaras de filmar portáteis
de 16 mm e gravadores portáteis que surgem em força ainda nos anos 60, permitem que as
equipas avancem para o exterior com um peso de produção mais ligeiro e dão um sentido
novo à forma de filmar, agora possível de o fazer com a câmara à mão e ao ombro. As
equipas são mais reduzidas e permitem a produção de universos imaginados em décors
7
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
naturais, dando espaço para o que se poderá chamar de “playback a três dimensões”, onde
os atores assumem uma atitude mais próxima das narrativas de ficção com o típico
dispositivo da continuidade cinematográfica e com recurso ao corte, inspiração de alguns
filmes musicais dos anos 60 ao estilo Lloyd Webber ou Jacques Demy. Os artistas começam
a desenhar personagens e protagonizam pequenas histórias por vezes algo non sense,
fragmentadas ou, por vezes, episódicas e não seguindo nenhuma lógica de estrutura
narrativa clássica. Dão lugar ao vídeo como performance narrativa onde os artistas não
assumem o olhar direto para a objectiva da câmara, agora “invisível”. Nos início dos anos 80
surge a Music Television (MTV), que coincide com uma explosão do vídeo musical. Poucos
anos mais tarde assiste-se à criação de canais temáticos (musicais) por cabo que
popularizam o media. Com a sua utilização na internet, assiste-se à verdadeira globalização
do vídeo na promoção musical. No que respeita à publicação do género, apenas continuam
a existir, ou a serem privilegiadas, as edições de compilações em DVD que algumas
editoras ou colecções de autor continuam a lançar internacionalmente, e destinadas a
nichos de mercado muito restritos.
3 – O contexto em Portugal
No princípio estava o cinema com umas incursões no cinema musical ou com momentos
onde a canção tinha uma expressão popular. Depois surge a televisão e, tal como
aconteceu por todo o mundo, os seus estúdios e os seus meios são utilizados para a
produção de vídeos com os artistas. Nos anos 60 e 70, as emissões de estúdio
proporcionaram diversos registos de grupos pop e rock. No início dos anos 80, com a
utilização de câmaras de 16mm, a RTP produziu alguns dos primeiros vídeos (filmes) com
intérpretes como Vitorino, Heróis do Mar e António Variações. Estes filmes eram feitos com
equipas de realização da própria RTP e geralmente para integrarem o alinhamento de
programas de entertenimento das tardes de domingo como “O Passeio dos Alegres”, “Festa
é Festa” ou “A Festa Continua” da autoria de Júlio Isidro.
Estamos na segunda metade da década de 80 e o segundo canal da RTP começa a difundir
em horário alargado a emissão da Music Box com o programa holandês Countdown
apresentado por Adam Curry, franchizado pela Music Box (Europa TV), e difundido em
diversos países europeus por satélite e cabo. Graças à popularidade que atingiu em
Portugal, a produtora holandesa deslocou-se ao nosso país para filmar alguns programas
em Lisboa e no Algarve, aumentado a popularidade do que na altura se chamavam os
8
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
telediscos ou videoclipes. A produção nacional era ainda escassa. Em 1986, resistia o
programa Viva Música, um magazine de novidades musicais, da autoria de Jorge Pêgo,
abrindo caminho para que perto do final da década, as editoras reclamassem o papel de
clientes para a produção dos seus vídeos musicais. Era frequente recorrer a algumas das
produtoras externas, como a Panavídeo, Telecine, que davam os seus primeiros passos na
produção, mas tendo como cliente maioritária a própria RTP.
Em 1988, surge uma produtora independente que quebra todas as regras e arrisca numa
imagem renovada de filosofia de produção televisiva. A Latina Europa foi responsável pela
maioria da produção de vídeos musicais num período de tempo balizado, com os programas
Lusitânia Expresso, dedicado à criação vídeo, com Pop Off e mais tarde Spray, dois
magazines dedicados à música,. Entre 1990 e 1992 foram rodados mais vídeos musicais
que outrora, e formados os realizadores que seriam os responsáveis pela criação de uma
nova geração, dando origem a uma maturidade autoral. A MTV Portugal aparece como
consequência desta provocação; as TVs independentes tomam noção da importância deste
formato e dão origem a programas dedicados2. A RTP começa a dar relevo, em espaço de
informação, à produção de vídeos musicais que, sob capa de uma obrigatoriedade
institucional, ocultam os interesses comerciais das editoras.
O reconhecimento público dos autores dos vídeos musicais teve o período áureo na
segunda metade dos anos 90. Na edição dos prémios Blitz de 1996 foi incluida a variante de
“melhor vídeo” (numa co-produção com o programa da RTP “Spray”) e que nunca mais se
repetiu. No ano seguinte, a TVI associou-se à Compac e nos dois anos posteriores a
atribuição dos prémios anuais de vídeos musicais esteve associada à TMN
A televisão, o mais poderoso dos "media", com franco valor acrescentado na equação
dadivulgação da música, representa, todavia, o mais magro dos pesos na receita nacional
da exposição de sons.Sem tradição alguma na arte de bem mostrar o que se faz e ouve,
com breves episódios de boa memória no "Vivamusica" de Jorge Pêgo", nos inteligentes
"Via Rápida" e "Videopólis" de Álvaro Costa, os atentos "Pop Off" e "Spray", da Latina
Europa, ou até nos primeiros programas dominicais do "padrinho de todos" Isidro, a
televisão portuguesa nunca entendeu que a cultura pop e, sobretudo a música, é coisa
séria e que não implica, necessariamente, apresentadores vestidos à jovem, com
linguagem pobre e discurso para batráquio.
(...)
2.
A SIC (Sociedade Independente de Televisão) aparece como o primeiro canal privado em sinal aberto. Com a
necessidade de inovar e conquistar um público mais alargado, inclui na grelha um espaço de retransmissão da
emissão da MTV internacional, com apresentação de Catarina Furtado, concorrendo assim com Sofia Morais, na
altura, a pivot do POP OFF na RTP.
9
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Se, por um lado, fica clara a incapacidade da RTP em entender que para divulgar música
não se deve optar pelo luxo asiático de um "Miguel Ângelo Ao Vivo" nem pelo registo
"borlinha" do programa (programa?) da Sigma 3, mostra-se também quão perigosa pode
ser uma relação não arbitrada entre as editoras e os meios divulgadores. (Nuno Galopim,
DN Mais (04/09/1999)) 3
Depois disso, o deserto.
Alguns festivais de curtas metragens e outras mostras de cinema ou vídeo, continuam a
incluir nas suas iniciativas categorias destinadas ao vídeo musical, revelando-se um dos
canais alternativos de exibição e difusão destes trabalhos. Mas no que respeita à edição de
publicações dedicadas à produção deste género audiovisual, essa continua raríssima ou
quase inexistente.
Atualmente, os canais de difusão via cabo em Portugal competem entre si por grelhas que
incluam canais temáticos de música, mas limitam-se a repetir o que a oferta dá, ou seja,
MCM pop, MCM top, MEZZO, VH1 classic, Trace Urban, C Music, e o canal MTV nas suas
variantes: music, rock, dance e portugal. Todos incluem períodos de blocos compactos de
vídeos musicais exibidos por ciclos temáticos ou por autor. Curiosamente o canal que deu
origem a toda esta corrente, já não é considerado um canal musical por alguns operadores
de cabo, sendo agora o líder da classe dos canais de entretenimento.
Parte II – Estética e autoria
4 – Elementos para um vídeo musical
A primeira fase é a pré produção. Nesta altura ouve-se a música incessantemente com a
finalidade de surgirem imagens e ideias para um guião. Auscultam-se os autores da música
e da letra quando a há de forma a cruzar todas as referências possíveis para a ideia base.
Uma ideia condutora da história. A ligação entre música e imagens é fundamental para que
esteja tudo claro na altura de surgir a tal ideia que conduzirá a história. Frequentemente
recorre-se a referências já existentes: Em “Budapeste” dos Mão Morta (Nuno Tudela, 1993)
misturam-se ideias de Jean Baptiste Mondino do vídeo “Rita Mitsouko - C'est Comme Ça” e
3.
in http://mp2000.no.sapo.pt/ng.htm
10
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
as de Andy Warhol em “Cars - Hello Again”; a ideia base de “Clã – Problema de
Expressão” (Nuno Tudela, 1997) foi vendida, à banda e à editora, depois de mostrada a
curta-metragem “Le P'tit Bal” (Philippe Decouflé, 1993)3. Literal à letra da canção ou distante
da sua significação, de abstracção gráfica ou figurativo, com questões de semiótica
complexas ou de um mero retrato do artista a atuar em playback, instrumental, com ou sem
instrumentos ou ainda com os intérpretes da música a desempenhar de papeis de ficção;
em slowmotion ou filmado em planos acelerados, usando clichés ou um simples texto sobre
fundo de cor lisa, muitas são as possibilidades de caminho para a produção de uma ideia
que conduza um vídeo musical. Tudo serve, desde que seja coerente e justificado.
5 – Notação de géneros
Quando falamos de géneros musicais e seus códigos estéticos, facilmente se entende que
os produtos audiovisuais que lhes estão associados devem obedecer a códigos específicos
desses mesmos géneros. Se um vídeo for de música popular portuguesa, deverá conter
alguns ícones visuais que remetam imediatamente o espetador para esse universo.
Imagine-se que filmamos um tema de fado e o associarmos a imagens a preto e branco de
um bairro lisboeta, apelando a um estilo neorealista. Desta forma, não estamos decalcar
códigos estéticos que reclamam determinadas clichés visuais mas sim, acabamos por
obedecer àquilo que é quase instituído como o dever de servir com honestidade um género
específico.
Há também os realizadores que se caracterizam por elementos recorrentes nos seus vídeos
por trabalharem muito dentro de um género definido. Se há realizadores que preferem
trabalhar só com grupos de música rap ou hip hop é porque dominam a linguagem visual
urbana de correntes street wear, associados a uma forma de estar e que caracterizam essa
forma musical.
Dentro do mesmo género musical podem ainda ser usadas narrativas da imagem que
remetam para uma linguagem audiovisual associadas a outros géneros de ficção, muito
4.
Os vídeos de referência encontram-se em http://www.youtube.com/watch?v=BggXhzUhZ94 (“C'est Comme Ça” ), em
http://www.youtube.com/watch?v=ET1baJPv3gA, (“Hello Again”) e em
http://www.youtube.com/watch?
v=kIOaIGJPmbk&feature=related (“Le P'tit Bal”).
11
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
frequentemente géneros cinematográficos. Tomemos como exemplo o grupo musical Mão
Morta que já experimentou vídeos musicais com características de vanguardas artísticas
(Shambalah, Nuno Tudela, 1993), pop art (Nuno Tudela, Budepeste, 1993), nouvelle vague
(Sangue no asfalto, Nuno Tudela, 1995), cinema noir (Chabala, Nuno Tudela, 1996),
suspense (Cão da Morte, Tiago Guedes, 2001).
Por vezes, surgem trabalhos de duração mais longa, compilando trabalhos que seguem uma
lógica de complementaridade ou uma unidade autoral. Outras vezes são eles um trabalho
único com características de longa duração com complementos do tema que promovem.
Exemplo disso é o EPK5 “Vitorino La Habana 99” (Nuno Tudela, 1999), onde, os dois vídeos
musicais que foram produzidos para o disco, surgem naturalmente inseridos dentro de um
filme que contêm imagens de estúdio, depoimentos dos músicos e imagens de arquivo
articuladas numa narrativa que se pretende documental. Resultando de modo distinto, o
EPK “Cuidado com o Cão” (Nuno Tudela, 2001) utiliza um modo documental para
acompanhar o percurso de um tema musical, desde a criação nas suas sessões de
gravação de estúdio em Vigo, na Galiza, passando pelos dois dias de rodagem do vídeo em
Sintra, a sua montagem e pós-produção em Lisboa e concluindo com a estreia do tema
tocado ao vivo, na apresentação do álbum, em Coimbra. Pelo meio podemos ver
depoimentos dos protagonistas das várias fases de existência do tema em questão, “Cão da
Morte” dos Mão Morta.
Outros modos documentais são ainda possíveis para além dos simples registos ao vivo,
como acontece com o documentário “Brava Dança” (José Francisco Pinheiro / Jorge
Pereirinha Pires, 2007), um filme biográfico do controverso grupo português Heróis do Mar,
com depoimentos, imagens de arquivo de particulares e TV e ainda excertos ao vivo e dos
vários vídeos musicais do grupo, alguns deles da autoria dos autores do documentário,
tornando-os assim em participantes através de incursões no modo participativo.
5.
EPK (Electronic Press Kit), nome dado a um vídeo para promoção discográfica. Feito para ser enviado para os meios
de comunicação, geralmente encomendado a uma produtora audiovisual que garanta a existência de video bits de
entrevistas para que as televisões possam usar. Pode mesmo ser um programa de média duração (15 a 20 minutos)
contendo entrevistas e excertos dos bastidores das gravações e contendo parcialmente ou na íntegra os vídeos
musicais feitos para o lançamento da promoção. Geralmente é considerado um complemento de promoção, de
importância inferior à dos vídeos musicais por ter uma exposição inferior ou uma existência mais efémera.
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Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
6 – Públicos alvo
O espetador do vídeo musical é o fã do artista. A criação de um vídeo rege-se pela
obediência dos códigos e clichés do género musical para servir um público específico. Hoje
já se encontram crianças como público alvo de alguns temas que atingem grandes níveis de
vendas, obrigando os produtores musicais a criar produtos complementares. O público alvo
pode ir desde o regular espetador de televisão, ao utilizador ocasional de meios de
transporte coletivo, assim como aos frequentadores de locais públicos como bares ou
discotecas. Com a democratização do acesso e aquisição de meios tecnológicos, o público
preferencial tornou-se o normal utilizador de um computador pessoal. Assim, ligada à
internet, qualquer pessoa pode aceder a redes sociais que difundem vídeos musicais, com
mais ou menos liberdade, respeitando mais ou menos os direitos de autor e conexos.
Contudo, os canais de cabo continuam a ser o cliente preferencial, com as suas políticas e
estratégias de audiência e os seus objetivos de recrutar os seus próprios fieis seguidores.
Parte III - Identidade e autoria
7 – Relação entre músicos e a realização
A troca de ideias acontece normalmente numa reunião prévia com os músicos e não é de
dispensar. As ideias que os músicos puseram no seu ato de criação podem servir de
interruptor para as ideias se organizarem no storyboard. Em “Mão Morta - Budapeste” (Nuno
Tudela, 1993), a primeira reunião aconteceu entre duas pessoas que nunca tinham
encontrado antes; as ideias de Adolfo Luxúria Canibal, o carismático vocalista do grupo, não
eram da mesma natureza das da realização. O primeiro queria um corpo feminino, nú, com
uma estrada pintada por onde simular o estúdio de uma TV húngara onde os músicos
actuavam parecendo bonecos circulava uma miniatura de um Trabant6. Em contraponto o
realizador propôs uma cena do ambiente retro de um estúdio de uma TV húngara, onde os
músicos actuavam parecendo bonecos mecânicos. As ideias pareciam não se enquadrar.
No entanto, a liberdade que é permitida às estruturas narrativas dos vídeos musicais
permitiu que ambas as situações apareçam no vídeo e ninguém questiona como foram lá
parar.
6.
O Trabant é um carro económico, muito popular, construído e foi produzido durante trinta anos, sem grandes
alterações, na extinta Alemanha Democrática. Feito com uma carrossaria de plástico e um motor de dois tempos.
Continua a ser um símbolo do antigo bloco de leste.
13
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Estas reuniões criam uma distinção de comportamento entre duas categorias de artistas: os
também autores e os apenas intérpretes. Sérgio Godinho, autor, na sua reunião de préprodução para o vídeo “Dancemos no Mundo” (Nuno Tudela, 2000), ao ver o storyboard
preparado pelo realizador avisou que não estava de acordo com as ideias propostas para o
vídeo, onde o cantautor iria aparecer a fazer um playback que era interrompido
ocasionalmente por uma agitação. Ao seu lado surgiriam a flutuar elementos gráficos (notas
musicais e claves de sol). Só no final do vídeo daríamos conta que ele era um boneco a
cantar dentro de uma bola pisa-papéis com líquido. Sérgio Godinho, para além de não ser
grande entusiasta da ideia, chumbou liminarmente a utilização de claves de sol. Sugeriu a
utilização de granadas, metralhadoras e outros elementos bélicos em substituição. Este
impasse aconteceu na semana anterior às rodagens do vídeo e a ideia base sofreu uma
remodelação total7. Mas isto não deve ser considerado como controle das ideias criativas,
até porque a nova proposta foi aceite sem restrições. Uma coisa é liberdade criativa; por
oposição, estamos debaixo do controlo total das ideias como pode acontecer com algumas
editoras discográficas.
8 – O papel das editoras
Por vezes, as editoras podem ter um papel decisivo no corte final da obra. Este era o caso
da EMI MUSIC (Portugal). A experiência de se trabalhar com uma editora tendo esta um
papel de cliente na decisão do corte final acontecia de forma assumida pela EMI Music
(Portugal). A aprovação final cabia quase sempre a David Ferreira (CEO da EMI) que
marcava nos escritórios da editora um visionamento para aprovação, no dia da entrega final,
deliberando a sua decisão. Houve situações , como num vídeo de Rui Veloso, em que a
proposta final foi simplesmente recusada e propostas novas filmagens, com um novo guião.
Para o vídeo dos Clã “Sopro do Coração”, foi solicitada a terceiros uma reedição do material
filmado por haver opiniões distintas por parte da editora perante a proposta do realizador.
Depois destes acontecimentos, a editora passou a enviar regularmente um A&R8 ao local
das filmagens sob o pretexto de estar a acompanhar o músico. Na verdade, estava lá para
7.
A ideia inicial de rodar em estúdio só com o cantor e uma modelo foi totalmente abandonada e no espaço de uma
semana surgiu numa ideia muito mais ambiciosa, toda rodada em exteriores e com figurantes contratados.
14
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
garantir a forma como a imagem do artista era registada, tal como os criativos e os copies
das agências publicitárias o fazem quando visitam os plateau de spots comerciais. Se o
A&R não pudesse estar presente, eram enviadas directrizes sugerindo formas de filmar ou
mesmo enquadrar os artistas quando o brieffing inicial deixava algumas dúvidas9.
Mas houve uma situação que quebrou todas as regras de negociação, a tal excepção. O
vídeo Rui Veloso – A Paixão (de Nicolau da Viola) feito apenas em 200110, foi encomendado
ao realizador, como habitualmente, pela editora EMI Music Portugal e não pelo artista. Mas
ao contrário do que era normal acontecer, o artista não iria estar presente na reunião inicial.
E por mais estranho que pareça, o realizador nem chegou a conhecer o artista em questão.
O pedido foi feito para a execução de uma ideia pré concebida pela editora: o vídeo iria
obedecer literalmente à história que a letra da canção canta. Como sugestão seriam
contratados dois atores que fariam os papeis dos namorados em rutura, descritos na letra
de Carlos Tê.
Parte IV – Da ideia à entrega final
9 – Escuta e découpage
Para o desenvolvimento da ideia deve-se fazer a construção do esqueleto ou da estrutura
fílmica do tema a trabalhar. Numa primeira fase, faz-se a escuta da música e análise da letra
da canção. Esta pode ser feita com o recurso a um cronómetro se se quiser ser mais
rigoroso. Um documento em papel com a transcrição da letra da canção (anexo J) pode ser
útil para começar o processo de organização estrutural, dos planos a filmar, inspirado no
processo de breakdown de um argumento como se faz no cinema de ficção.
8.
9.
10.
Artists and Repertoire (A&R) é o departamento de uma companhia discográfica responsável pela seleção e
recrutamento de novos artistas. Em Portugal, as multinacionais como a EMI Music, a Universal, BMG Ariola e Sony
Music, têm responsáveis que trabalham exclusivamente com os seus artistas nacionais.
Aquando da realização do vídeo “Clã - Problema de expressão” (1997) e na impossibilidade de se deslocar ao Porto
onde iria ser rodado o vídeo com a banda, Maria João Fortes da EMI Music enviou um fax à produção a sugerir
alguns ângulos de filmagem e a pedir para não se filmar o playback totalmente em lingua gestual. Esta última
sugestão já tinha sido ponderada pela realização na reunião com os músicos na editora (ver DVD dados anexo).
O tema foi lançado dez anos antes para o álbum “Mingos e os Samurais” (1991) mas na altura apenas o tema Porto
Covo teve direito a vídeo musical. A pretexto do álbum de carreira “O Melhor de Rui Veloso - 20 Anos Depois” (2001),
a editora decidiu que já era hora de existir vídeo musical para um tema que se tinha tornado tão popular e nunca
tinha tido esse elemento de promoção. Aconteceu o inverso da habitual escolha do tema para promoção: foi o
sucesso já confirmado da música que deu oportunidade que o vídeo fosse criado e não a aposta numa música que
potencialmente se revelaria um sucesso junto do público (ver DVD dados anexo).
15
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
No caso de um vídeo musical pode ter-se duas opções: a découpage rigorosa ou uma
listagem de planos chave que serão decisivos para a rodagem e darão a possibilidade de
improvisar outros planos e pontos de vista no dia das filmagens e decididos no local de
filmagem. No primeiro caso, joga-se pelo seguro de uma estrutura pré-definida, não
dispensando a necessidade de se fazerem as necessárias répèrages que darão origem à
elaboração de documentos anexos como storyboards, planificações e roteiros rigorosos
(anexos K e L). Pode-se sempre fazer notas referenciais que serão complementadas com a
elaboração de planos novos decididos no local e dia de filmagem. O que há é sempre uma
desconstrução da música prévia, a interpretação e transposição da letra nas canções no
desenvolvimento da ideia em imagens.
10 – O guião e o storyboard
Como se referiu já, a elaboração de um guião, no caso dos videos musicais, nem sempre é
feita e quando acontece, é pouco utilizado no local de filmagem, por ser este um documento
demasiado técnico, e poder comprometer o ritmo das rodagens. Também porque as equipas
nem sempre são suficientemente grandes para justificar um documento com este rigor. Já o
storyboard, devido às suas características visuais de rápida apreensão, é o documento
preferencial para trabalhar a ideia. Em conjunto com elementos concretos como uma
sinopse e referenciais tais como fotografias, filmes ou mesmo outros vídeos musicais, é
através do storyboard que se começa por defender a ideia para um vídeoclip junto do
cliente. Na maior parte das vezes não se trata de um storyboard com a correspondência
sequencial do trabalho a realizar, como acontece no caso do cinema. Neste caso, dá-se
preferência à representação gráfica de momentos chave do vídeo final, momentos que
poderão corresponder a takes que irão ser registados e que, depois de alinhados na pósprodução, poderão ser cortados e usados ao longo do vídeo, resultando numa montagem
orgânica, ou seja, conforme se vai editando, e sentindo a necessidade da inclusão dessas
gravações.
11 – Elaboração de um orçamento
Há duas formas de fazer um orçamento para um vídeo musical. Ou se trabalha com base
num valor orçamental ou se avança prioritariamente com a ideia. Na maior parte das vezes,
o que acontece é que a ideia tem sempre que se ajustar ao orçamento estipulado. São raras
as situações em Portugal que privilegiam uma ideia. Noutras situações, o que está por trás
16
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
da decisão é uma vontade de experimentação técnica ou tecnológica. Houve uma época
que se ouvia muito a pergunta “vídeo ou película?” e ao fazer esta pergunta um realizador
comprometia um orçamento. Os vídeos musicais ganharam este nome por serem
maioritariamente gravados em fita vídeo e não rodados em película cinematográfica. Mesmo
os que tinham esta sorte, acabavam por se tornar vídeo logo que entravam na fase de pósprodução. Em Portugal, por meados dos anos 90, alguns grupos recorrem a realizadores
que estavam ligados a produtoras de publicidade, habituados a trabalhar com meios mais
exigentes. Começa uma nova vaga de produção de vídeos musicais filmados em película de
16mm, chegando alguns, mesmo, a serem rodados em 35mm, também possível porque
tecnicamente o telecinema era feito para um suporte digital e que simplificava a pósprodução. O vídeo “GNR- Saliva” (Nuno Tudela, 1998) foi filmado em 35mm com a câmara
em grua Cyclope11 controlada por computador, do estúdio da Nova Imagem. Foram rodados
apenas 18 minutos em negativo de cor e transcritos em telecinema Da Vinci para Betacam
Digital. Como referência, o orçamento total do vídeo correspondia apenas ao valor de tabela
de um dia de aluguer da grua Cyclope. Criou-se a ideia generalizada que a qualidade de um
vídeo dependia diretamente dos meios envolvidos, o que por vezes era um embuste para se
deslocarem meios técnicos e humanos, criando, desta forma, uma inflação nos orçamentos.
Com os meios digitais de produção, observou-se um retrocesso nesta questão. A
acessibilidade dos meios reflete-se também no orçamento dos vídeos musicais. Começam a
surgir pequenos produtores e há um segundo boom na quantidade de produção. A “voz aos
mais fracos” ganha nova expressão e tal como aconteceu na produção musical, as
produtoras de audiovisuais vêm chegar ao mercado os independentes com autonomia de
produção. Grupos e intérpretes musicais independentes criam a sua própria música e os
autores de produtos audiovisuais têm possibilidade de realizar os seus trabalhos com
pequenas câmaras digitais e com um laptop acabam por dispensar o uso de salas de pósprodução com tabelas de utilização dispendiosas, fazendo assim os vídeo em casa, quase a
custo zero12
11.
12.
A produtora Nova Imagem decidiu fazer um investimento na parceria que tinha com a Neurónio, Lda., usando os
meios de estúdio para conquistar as relações de um novo cliente (a EMI Music). A película usada no vídeo resulta
dos restos de uma produção de publicidade. A equipa de estúdio era composta quase exclusivamente por
funcionários e colaboradores habituais da Nova Imagem (ver DVD anexo). Após esta experiência a editora recorreu
a este equipamento outras vezes, como foi o caso do vídeo Mãozinha - Você , realizado por Bruno Niel em 1998 para
a EMI Valentim de Carvalho.
Ironicamente, o realizador Rui de Brito, proprietário de uma das maiores produtoras de vídeos musicais (SubFilmes),
cria uma verdadeira paródia com a lição “como fazer um videoclip sem dinheiro” em Gomo - Feeling Alive, dando a
ideia que bastam vinte e uma etapas para se produzir um vídeo musical criativo com um orçamento reduzido.
17
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
12 – A escolha de locais
Playback ou narrativo; ao vivo ou em estúdio: Tudo a servir a ideia base pensada para cada
vídeo. E tudo isso influencia o orçamento. Podem ser feitas répèrages para encontrar um
local que vá ao encontro da atmosfera pretendida para o vídeo, seja para o playback
assumido ou para a produção de pequenas histórias que envolvam os artistas no papel de
personagens imaginárias. Por vezes a conveniência de produção dita o próprio guião. Em
“Mão Morta - Tu Disseste” (Nuno Tudela, 2001), a banda aproveita um ensaio de um
concerto emblemático para a rodagem do vídeo musical. As condições de produção
estavam criadas porque esse espetáculo iria ser filmado em multicâmara. Aproveitou-se a
tarde de sound check para filmar três takes com duas câmaras13 do tema na íntegra. O facto
de se filmar num ensaio, permitiu a colocação das câmaras em locais que em situação de
concerto não seria possível. Apenas um plano de abertura do vídeo tem o público real do
espectáculo. Todos os outros planos deste vídeo musical foram feitos em playback da banda
tocar cada um dos instrumentos14.
Num país como Cuba em 1999, onde tudo faltava devido ao embargo dos EUA, fazer um
vídeo pode ser uma experiência curiosa. A equipa de realização teve apenas um dia para
fazer uma répèrage à cidade de La Habana e decidir os locais em vésperas de filmar.
Vitorino Salomé e o seu produtor Paulo Pulido Valente sugeriram alguns locais que haviam
sido visitados um ano antes, na altura da gravação do disco em Cuba. E o facto do operador
de câmara ser cubano e graças às suas propostas, transmitiu algum conforto e segurança à
realização para que nos dias de filmagens houvesse rapidez na escolha do ângulo para
enquadrar cada plano.
13 – Meios de produção
A escolha dos meios a utilizar durante a rodagem geralmente resulta das opções criativas
que a realização decide. A análise do guião por vezes é antecedida pela análise do
orçamento.
13.
14.
A editora encomendou o vídeo do registo do concerto para promoção de um disco extra do espetáculo da Aula
Magna a incluir na reedição de Primavera de Destroços. Do concerto, sairia um outro clip ao vivo do tema "Cão da
Morte".
O mesmo já tinha sido experimentado no espectáculo “Mão Morta - Müller no Hotel Hessischer Hof” (1998), onde
foram usadas imagens dos três dias de espectáculo e de algumas tardes de ensaios, permitindo, neste caso, que as
câmaras pudessem avançar sobre os intérpretes em cima do palco.
18
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Raras são as oportunidades de se poder decidir o que fazer antes de se pensar o como se
irá fazer. A História dos vídeos musicais está plena de exemplos de vanguardas de técnicas
ou de ensaios tecnológicos que antecedem a sua utilização em produções mais complexas.
As utilização de efeitos visuais foi largamente experimentada antes da sua utilização em
filmes de Hollywood. A liberdade criativa e a não exigência de uma lógica narrativa permitiu
sempre aos vídeos musicais uma grande autonomia criativa.Com frequência, o orçamento
dita as regras. Efeitos produzidos durante o registo são muitas vezes a solução para a
economia de meios. Francisco Vidinha experimentou a técnica de balanço de brancos sobre
cartões coloridos em vídeos musicais antes de adoptar esta técnica a filmes publicitários,
onde a responsabilidade limita a liberdade criativa. O uso de película foi progressivamente
abandonado sendo substituído rapidamente pelo formato de vídeo digital. Por outro lado
assistimos a uma enorme democratização dos meios. Alguns grupos ou autores decidem a
produção própria dos seus vídeos musicais, não tanto por obsessão de controle criativo mas
dando oportunidade de experimentar outras linguagens e meios tecnológicos. O vídeo tornase mais um instrumento de trabalho, já
ensaiado de forma performativa em grupos
alternativos como os Coldcut ou, de uma forma mais aparatosa, a banda virtual Gorillaz. Em
Portugal, os Teratron, grupo composto por ex-elementos dos Da Weasel com o projeto As
Cobaias ensaiaram alguns temas em espetáculo com um vocalista virtual, presente em
palco numa projeção de vídeo.
Muitos meios tecnológicos e técnicas de apoio à produção tiveram a sua primeira utilização
em vídeos musicais. Muitos dos planos com grua ou steadycam, usados de forma
experimental15, técnicas de timelapse, stopmotion foram usadas de uma forma criativa antes
das suas aplicações em publicidade ou na ficção narrativa de longas metragens.
14 – Constituição de uma equipa
O orçamento condiciona a constituição da equipa, assim como os meios envolvidos para a
produção. E tal como o orçamento depende da ideia, então a equipa tem que corresponder
à complexidade ou simplicidade do video musical a fazer. Podemos quase caracterizar as
mini e as megaproduções. A equipa é sempre constituída em função do orçamento ou das
15.
O plano de abertura do vídeo Cabaret Voltaire “Sensoria” (Peter Care, 1984), utiliza uma grua com movimentos até
então nunca vistos.
19
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
exigências da rodagem. Há projetos que dependem de uma equipa de imagem do qual
fazem parte um diretor de fotografia e um operador de câmara, na maior parte das vezes
acumulando as funções. Outras há que exigem o uso de equipas especiais para operar
gruas ou steadycam, mais parecendo equipas de um spot publicitário. Mas na maioria dos
vídeos a equipa é reduzida ao mínimo indispensável. Há muitas situações em que o próprio
realizador operou a câmara, como foi o caso dos vídeos dos Mão Morta “Sangue no
Asfalto” (Nuno Tudela, 1995), “Chabala” (Nuno Tudela, 1996), “Gnoma” (Nuno Tudela, 2004)
e “Gumes 5 – O Rei Mimado” (Nuno Tudela, 2004), Da Weasel “Todagente” (Nuno Tudela,
1997), Clã “Problema de Expressão” (Nuno Tudela, 1997), Rui Veloso “A Paixão (segundo
Nicolau da Viola)” (Nuno Tudela, 2001)16. Noutros projetos não se dispensou a existência
de um Diretor de Fotografia/Operador de Câmara, como foram os casos: Rui Poças (AIP)
em Fúria do Açucar “Joana Bate-me à Porta” (Nuno Tudela, 1997), MinDaGap
“Dedicatória” (Nuno Tudela, 1997), Mão Morta “Em Directo para a Teelvisão” (Nuno Tudela,
1998); Pedro Emaúz (AIP) em Sitiados “Outro Parvo no meu Lugar”(Nuno Tudela, 1999),
Sérgio Godinho “Dancemos no Mundo” (Nuno Tudela, 2000), Vitorino “Alentejanas e
Amorosas”
(Nuno Tudela, 2002); Leonardo Simões (AIP) em Jorge Palma “Dormia tão
Sossegada” (Nuno Tudela, 2001) e ainda Vítor Estevão (AIP) em GNR “Saliva” (Nuno
Tudela, 1998)17.
15 – Edição e pós-produção
A edição de vídeos musicais teve a sua expansão em Portugal numa altura em que a edição
profissional destes trabalhos era feita com recurso a uma edição linear A/B roll;
normalmente dois leitores para um gravador com recurso a um controlador / misturador de
edição onde era possível guardar a listagem de todas as decisões de corte e mistura da
montagem do vídeo. As imagens eram geralmente registadas em vídeo Pal, em Betacam
SP, permitindo uma imagem com qualidade broadcast 4:2:218. Isto era vantajoso para a
editor on-line, normalmente a cassete entregue ao cliente. A partir daí eram feitas as cópias
16.
17.
18.
Cópia destes vídeos disponíveis no DVD data incluído (ver pasta anexos).
Idem.
A razão de frequência usada para digitalizar a diferença entre a luminância e crominância (Y, R-Y, B-Y) no sinal de
vídeo por componentes. O termo 4:2:2 descreve que, para cada quatro amostras do componente Y, correspondem
duas de cada componente R-Y, e B-Y, dando mais largura de banda para a cor, comparando com a amostragem
4:1.1.
20
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
edição num master de primeira geração19. Esse master era o resultado da edição à saída do
de segunda geração destinadas às cadeias de televisão para promoção do vídeo musical.
Uma cópia de segurança com a mesma qualidade do master podia (devia) ser feita caso a
listagem de EDL20 fosse preservada. Por questões de tempo e ocupação dos meios nas
casas de pós-produção, este passo era substituído por uma cópia de segurança de segunda
geração, feita a partir da cassete master, antes da entrega final ao cliente.
Com a introdução de meios de edição digital, a preservação do master de um vídeo musical
ganha nova expressão, permitindo aos produtores e autores a tiragem de cópias à saída do
editor off-line, em tudo idênticas ao master destinado ao cliente.
A montagem é o primeiro momento da pós-produção. Muitas vezes, é nesta altura que se
encontra o ritmo e o beat do vídeo musical. Estes devem inspirar-se na música/canção para
se revelarem e não têm que seguir exatamente os da música. Podem funcionar em
contraponto mas devem comunicar entre si segundo uma lógica narrativa de som/imagem.
A música é sempre o primeiro elemento a ser criado mas o vídeo deve tornar-se uma obra
distinta da música. Há vídeos cuja banda de som final difere do original que promove,
acrescentando alguns sons de foley ou diálogos21.
A pós-produção vídeo é a fase onde os efeitos visuais e de correção de cor dão o
acabamento final à obra. Mais uma vez, podem obedecer a modas ou a tendências mas o
segredo é usar estes recursos em coerência com o que já foi pensado para a promoção.
Isso pode passar por um diálogo com o designer que cria a imagem dos elementos de
promoção do disco, capa, fotografias e dossiê de imprensa.
16 – Publicação, distribuição e difusão
Os canais de distribuição atualmente são DVD (venda directa, promoções e periódicos ou
19.
20.
21.
O resultado final de uma edição, normalmente em formato de uma cassete. Com a difusão broadcast por um
servidor, pode ser constituído por imagens originais com um ficheiro de decisões de edição inscritas num disco
rígido.
Sigla para Edit Decision List. Uma lista de decisões usada na pos-produção, muitas vezes gravada para uma
disquete. Podem ser produzidas durante uma sessão off-line para depois se utiizar no processo de edição on-line,
numa suite na edição final. Os protocolos mais frequentemente adoptados como o CMX 3400 e 3600 permitem a
interpretação das decisões de corte de uma edição entre uma larga gama de equipamentos.
Na mistura audio do vídeo musical Massive Attack “Karmacoma”, não só se ouvem ruídos que não estão na versão
do CD como diálogos das personagens que ali aparecem.mais parecendo uma curta metragem.
21
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
mesmo nas edições duplas com o CD áudio), TV (RTP, SIC, TVI e os operadores de
televisão por cabo); transportes (comboio e avião); internet (Vimeo, Youtube Myspace,
Facebook);
equipamentos portáteis (PSP, iPhone, iPad). O futuro do mercado do vídeo
musical está à imagem do que tem sido a evolução da promoção na industria da música.
PARTE V – o filme em análise
17 - Müller no Hotel Hessischer Hof
O trabalho que proponho para análise de caso é o video musical de longa duração “Mão
Morta – Müller no Hotel Hessischer Hof”. É o filme que resultou do registo do espectáculo
que a banda bracarense efectuou em Janeiro de 1997 em Lisboa e que foi editado em VHS
pela NorteSul em 1998 e re-editado em DVD em 2008 pela Cobra Discos.
Em 1996, Jorge Silva Melo propõe aos Mão Morta a criação de um espetáculo musical para
o pequeno auditório do Centro Cultural de Belém em Lisboa, integrado na homenagem a
Heiner Müller, desaparecido em Dezembro de 1995. O que era inicialmente uma sugestão
de musicar uma seleção de poemas, rapidamente se transformou num projeto mais
ambicioso de espectáculo musical, com uma narrativa e atmosfera próprias e adequadas ao
universo do dramaturgo alemão, e “através dos seus textos, a história do próprio
Müller” (Junqueira:2004,129).
Do espetáculo fariam parte dezassete temas originais, interpretados pelos Mão Morta e as
ideias cénicas foram acordadas por Adolfo Luxúria Canibal, Mariana Otero e a autora da
cenografia e guarda roupa, Ana Rita, após várias reuniões entre Lisboa e Braga.
Na proposta inicial que o grupo fez à editora NorteSul, estavam incluídos os registos audio
mas também os de vídeo para os espectáculos de Lisboa, que estariam a cargo da Valentim
de Carvalho Televisão (VCT). O nome de Nuno Tudela para a realização do filme do
concerto no CCB estava na proposta inicial que o grupo bracarense fez chegar à editora. A
produtora, para além de deslocar uma regie de audio para garantir o registo em vinte e
quatro pistas, fez deslocar três câmaras Betacam SP que iriam registar os espetáculos e
22
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
ensaios autonomamente22. Os meios técnicos de vídeo deslocados para o local não
contemplariam uma operação clássica de multicâmara23, com monição remota, controlo e
mistura de imagem. A edição de vídeo viria numa etapa posterior. A ideia de realizar um
concerto ao vivo punha-se como um desafio. A experiência como operador de câmara em
concertos multicâmara já tinha acontecido anteriormente, nos espetáculos “Resistência em
Loures“(1993), os mega-concertos “Portugal Ao Vivo” e “Filhos da Madrugada”, no antigo
Estádio de Alvalade, em Lisboa (nos anos de 1994 e 1995 respetivamente) e ainda no
espetáculo “Carlos do Carmo no Coliseu dos Recreios” (Lisboa) em 1995, todos eles como
colaborador da Latina Europa, produtora responsável da maior parte da produção
audiovisual no universo da música portuguesa24. Como inspiração e referência, surgiriam os
filmes Woodstock: 3 Days of Peace and Music (M. Wadleigh, 1970) ou The Last Waltz
(Martin Scorcese, 1982) onde as incursões nos bastidores do espetáculo fazem parte da
estrutura narrativa do filme25. No entanto, interessava muito mais referenciar como modelo o
filme Stop Making Sense (Jonnathan Demme, 1988), onde o alinhamento das canções do
espetáculo no palco foi coordenado e pensado em conjunto com a realização, de acordo
com o guião do filme. Tal como aconteceu no filme de Demme26, os registos de imagem dos
três dias de espetáculo - e algumas das sessões de ensaio de “Müller no Hotel Heschisser
Hof”, iriam ser utilizadas na montagem final.
A equipa vídeo ficou formada por quatro operadores de câmara que iriam ser distribuídos da
seguinte forma: Pedro Abreu, operador da Valentim de Carvalho Televisão na câmara fixa
central em todos os registos, e que fez câmara montada em tripé; na posição lateral direita,
operou Nuno Tudela no primeiro e segundo dias e Mariana Otero nos ensaios gravados e no
último dia de espetáculo. Na posição esquerda, por vezes sobre tripé mas maioritariamente
operada à mão e ombro, esteve João Quaresma, também ele câmara da VCT. Utilizou-se
ainda uma câmara doméstica Sony Video8, que recolheu a quase totalidade das imagens de
bastidores e algumas das sessões de ensaio e ainda o espectáculo do último dia, numa
22.
23.
24.
25.
26.
A VCT não montou uma regie multicâmara para vídeo no Centro Cultural de Belém. Os operadores de câmara não
iriam ter intercomunicação, ou tão pouco iria haver comandos de realização para os câmaras em tempo real. A
solução foi a operação autónoma com orientação planificada previamente pela realização para cada registo feito.
Espetáculos onde o modelo multicâmara era usado para misturar a imagem em direto para os écrãs nas torres
laterais ou para serem gravados em fita para uma posterior montagem em pós-produção.
A Latina Europa, com sede em Lisboa, produziu para os programas de televisão e depois diretamente para as
maiores editoras discográficas portuguesas, a maioria dos vídeos musicais produzidos em Portugal entre 1988 e
1997, sob a realização de Paulo Miguel Forte, António Saraiva, Bruno Neil, Pedro Cláudio, José Pinheiro, António
Forte, Jesus Roque, Nuno Tudela, José Abreu, entre outros.
Algumas imagens de bastidores e ensaios dos dias de espetáculo no Centro Cultural de Belém são incluídas na
edição DVD de 2008 de “Mão Morta - Müller no Hotel Hessischer Hof”, re-editado desta vez pela Cobra.
Tal como é referido na páginas web de Wikipédia e Internet Movie Data Base sobre o filme.
23
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
posição lateral recolhida do público, em cima do palco, com o objetivo de garantir ângulos
que não tivessem sido recolhidos nas sessões anteriores. A qualidade de imagem do
equipamento de características domésticas não era exactamente a mesma das três
câmaras broadcast mas houve à partida a noção que a edição de imagem seria feita com
essa premissa.
Tal como foi referido anteriormente, a manipulação das imagens recolhidas estava prevista e
valeu uma das câmaras broadcast estar desajustada, o que resultou num aumento
exagerado do grão de imagem. Estes defeitos apenas detetados na pós-produção, a somar
à qualidade distinta da imagem da câmara de video8, revelaram-se instrumentos valiosos
nas soluções criativas na fase da edição final27.
O espetáculo iria ter uma hora de duração. A câmara central fixa foi utilizada como master
shot nas gravações28. Seriam usadas cassetes de 90 minutos nesta posição de câmara,
garantindo a totalidade de cada registo, sem pausas e com margem para os dias que o
público levaria algum tempo a entrar na sala. Com a utilização de camcorders Betacam SP
nas posições laterais, a troca de cassete durante o espetáculo iria acontecer
inevitavelmente. Havia necessidade de garantir que a troca de cassetes não iria acointecer
ao mesmo tempo. Para tal foi dada indicação à equipa para começar a gravar com uma
diferença temporal que seria de cerca de 2 minutos, de forma que a troca de cassete
pudesse acontecer em momentos diferentes permitindo que a câmara do lado oposto
continuasse a gravar durante essa operação.
O balanço final ficou pelos seguintes números: Ratio de filmagem 1:3; total de cassetes de
vídeo utilizadas: 21, sendo três de 90 minutos Betacam SP, quinze de 30 minutos Betacam
SP e três cassetes de 90 minutos formato Video8 que não só recolheram imagens dos
ensaios e espetáculos bem como toda a movimentação de bastidores, incluindo todos os
ensaios anteriores aos que já estavam destinados a registo vídeo e audio.
27.
28.
O filmes de Oliver Stone, J.F.K. (1991) e Natural Born Killers (1994), serviram de inspiração para que, na montagem
de , fossem utilizadas imagens de origem, formatos e características diferentes. Houve inclusivamente uma tentativa
de alterar a qualidade de imagem de algumas das fontes para ficarem semelhantes a material filmado em película
super8, por exemplo.
A indicação aos operadores de câmara era gravar o máximo da duração do espetáculo de forma contínua. As
camcorder Betacam SP têm uma autonomia de 32 minutos (cassete de maior duração para o formato MA). A câmara
da posição central, a gravar continuamente os 90 minutos para um gravador externo, utilizava a capacidade da
cassete de maior duração (ML) que foi utilizada e iria garantir a continuidade do espetáculo sem qualquer corte.
24
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Hoje, com o uso vulgarizado das câmaras Digital Single Lens Reflex (DSLR), a proposta
passaria por se fazer o projeto com equipamento desta natureza, o que seria a escolha
errada. Por que é que se pensa em utilizar câmaras DSLR, um equipamento que não foi
feito para filmar mas sim para fotografar? Para se conseguir utilizar lentes fotográficas em
vídeo resultando numa qualidade superior das imagens recolhidas pelas câmaras de vídeo
convencionais. E porque tal resultado se obtém com equipamento económico, é certo. Mas
isso pode traduzir-se num enorme equívoco. Em primeiro lugar há a impossibilidade de
utilizar câmaras DSLR como multicâmaras por não haver capacidade de se enviar sinal
capaz de se utilizar numa regie. De facto, “Müller” foi feito com um modelo de gravação com
câmaras autónomas e não com num verdadeiro modelo de registo multicâmara, com regie,
monitores, mistura, controlo de CCU, etc. Mas a forma como se operou as câmaras em
“Müller no Hotel Hessischer Hof” não ganharia com a utilização de câmaras DSLR. As
câmaras fotográficas permitem um domínio maior em situações de baixas luzes, mas
apenas se forem utilizadas lentes de abertura focal grande, vulgo prime. Se forem utilizadas
lentes standard não estamos a tirar as verdadeiras vantagens que estas câmaras
proporcionam. Além de que, se forem feitas gravações com câmaras DSLR de baixa gama29
por razões económicas, estas revelam-se uma fonte enorme de ruído de imagem quando
utilizadas com ganhos de ISO. E a falta de profundidade de campo resultaria numa lógica de
filmagem completamente diferente para “Müller”, numa outra forma de filmar o espetáculo.
Para além de todas as desvantagens inerentes à utilização de foco, as DSLR têm uma
limitação de tempo de registo em gravação contínua (29 min). Mas isso seria um problema
menor. “Müller”, sendo um espetáculo de uma hora sem intervalo, foi feito com recurso a
cassetes Betacam SP de 32 minutos em duas das câmaras, e a troca de cassetes
aconteceu. No entanto, isso foi feito com um timecode escravizado e síncrono em free run,
comum e igual em todas as câmaras utilizadas, permitindo que, mesmo com a troca
desfasada de cassetes em duas das câmaras, o instante gravado em falta de uma das
câmaras estava sempre assegurado pelas outras duas. As DSLR não são câmaras
pensadas para este género de operação de câmara. A falta de Time Code é talvez o
problema maior na gravação de um espetáculo longo. Não há possibilidade de se fazer
29.
A Canon tem como modelos de topo de gama os modelos 5D Mark II (ou III) e ainda 7D. Os modelos como 60D,
550D ou 1110D , mesmo garantindo o full frame HD, são de qualidade inferior, resultando numa diminuição da
qualidade de imagem quando se combina imagens gravadas com as câmaras de topo da mesma marca.
25
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
claquetes intermédias, de cada vez que se muda um cartão30 e isso traria uma dor de
cabeça na fase de montagem e na pós-produção, comprometendo a organização do
material. A edição A/B Roll foi iniciada em Paço d' Arcos, nos estúdios da VCT (Valentim de
Carvalho Televisão) que na época funcionava como produtora associada à editora
discográfica NorteSul. O
operador de edição foi Vasco Mota. Ali foram editados os dois
primeiros temas do filme, “Intro”, que posteriormente serviria de genérico de abertura e
ainda “Eu sou o Anjo do Desespero”. Por haver sobreposição de marcações,
indisponibilidade de meios humanos e de equipamentos – a suíte On-Line de edição tinha
uma taxa de ocupação de quase 100% com apenas dois operadores – a pós-produção foi
transferida para a regie do estúdio da Latina Europa numa utilização fora de horas, que não
chocasse com utilização normal destas instalações. Este espaço estava equipado com uma
suite de edição A/B roll Abekas A34, dois gravadores e um leitor Betacam SP, e ainda uma
Paintbox. Com a ausência de um operador, optou-se por ser o realizador a editar o filme,
num local que lhe era familiar e, estando a produtora com uma ocupação abaixo do normal,
a regie estaria inteiramente à disposição deste projeto durante o período de edição do filme,
sem pressões nem imposições de um calendário apertado.
É frequente acontecer em projetos de orçamento baixo tal como acontece nos vídeos
musicais o papel de realizador-editor. Em “Mão Morta - Müller no Hotel Hessischer Hof” isso
aconteceu devido a uma série de condições que obrigaram a tomar esta opção. No entanto
e em trabalhos que iriam acontecer posteriormente, a existência de um montador na equipa
permite um novo entendimento e outra contribuição no trabalho permitindo que um outro
olhar sobre a identidade adotada, a estrutura e sentidos narrativos podem contribuir para um
novo rumo do filme na fase da pós produção.
Em filmes de baixo orçamento, o realizador muitas vezes torna-se o editor sob uma justificação
económica. Esta é uma falsa questão de economia; a verdadeira razão, muitas vezes é uma falta
de vontade de compartilhar o controle sob a ideia errada de que nenhuma outra identidade
artística deva existir no filme. Essa pessoa geralmente tem grande dificuldade de absorção crítica,
vendo-a antes como um ataque ao seu direito de individualidade e autonomia. Montar (editar) o
seu próprio trabalho, a menos que seja um filme limitado ou um exercício, é sempre um erro,
especialmente para os inexperientes. (Rabiger, 2003:495)
30.
Mesmo com a existência de softwares como o Vocalign (que permite a sincronização através do audio gravado
originalmente de referência) não é aconselhável ficar dependente de software que salve uma má opção. E uma má
opção pode ser um equívoco de gestão na produção.
26
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
A pós-produção de um trabalho de natureza broadcast deve requerer uma especialização
para cada fase de trabalho. Hoje, e refletindo sobre edição, sinto falta de não se ter feito um
trabalho de pré-montagem ou uma edição off-line. Na altura, optou-se por se fazer um
trabalho de edição on-line. As vantagens não são muitas; ganha-se tempo na decisão de
corte e avança-se linearmente na edição, de uma forma sequencial. Mas ficamos sem a
oportunidade de fazer uma reflexão sobre a montagem. Sendo linear, não há a mesma
possibilidade de intervir sobre uma sequência já editada, sem prejuízo do que já foi feito. O
que está feito considera-se terminado. Raras são as vezes que se remonta uma sequência
fechada numa edição A/B roll.
Uma outra desvantagem é o grande risco de desgaste nos originais de recolha ou mesmo o
perigo de “morder” a fita num gravador que esteja em condições deficientes31. E também
porque as cassetes usadas na edição eram de sinal analógico, o que afastava à partida a
duplicação do material para um suporte de segurança.
Hoje em dia, com o armazenamento digital, há essa salvaguarda e vantagem de o sistema
não ser físico. Os problemas revelam-se de outra ordem, na gestão do espaço em disco, na
incompatibilidade de formato e codec32.
A realização de “Müller” seguiu um modelo não convencional de registo de um concerto
musical ao vivo . Tal como no filme “Stop Making Sense” (Jonnathan Demme, 1988), o filme
divide-se em partes, cada uma dela correspondendo a um dos temas do alinhamento do
espetáculo original. Na pós-produção foi onde o filme ganhou um fôlego novo, adivinhandose a cada dia de edição33 do filme a atmosfera que o espetáculo sugeria para cada tema. À
medida que a montagem on-line avançava, decidiu-se o tratamento da imagem que cada
uma das partes iria ter. O genérico do filme foi inspirado no arranjo gráfico da capa do CD
áudio, da autoria de Sónia Teixeira Pinto sobre uma fotografia de Hugo Delgado. O filme
31.
32.
33.
Nesta época, os equipamentos da produtora Latina Europa eram vistoriados com uma regularidade abaixo do
recomendado. Na fase que foi editado, a utilização do equipamento significava algum risco para a integridade dos
suportes magnéticos. As cassetes usadas nesta edição eram de natureza analógica (BetacamSP). Afastou-se a
hipótese de duplicação do material para um suporte de segurança. Hoje em dia, com o armazenamento digital em
disco rígido, há a salvaguarda e preservação de desgaste dos originais.
Codec: abreviatura para Coder/Decoder. Peça de software ou dispositivo capaz de codificar e descodificar um sinal
ou fluxo de dados digitais. Distingue-se e não deve ser confundido com formato de ficheiro. Um mesmo formato de
ficheiro pode suportar codec diferentes.
Este plano foi feito propositadamente para a abertura do filme e que iria corresponder ao olhar subjetivo de Adolfo na
sua personagem de anjo. Essa seria a sua marcação pois ele iria percorrer esse espaço do palco, precisamente no
início do primeiro tema, “Vaso Coronário.
27
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
inicia com um fade in de um travelling, feito à mão34, sobre os três manequins/cadáveres
trespassados por lanças diagonais que compunham a cenografia na parte mais atrás do
cenário. O fade in do título “Mão Morta” surge com letra a branco, lento. No corpo do texto,
um texto impercetível de letra miudinha em scroll descendente (e que corresponde à letra do
texto do primeiro tema do alinhamento, “Vaso Coronário”). Desaparecem ao fim de uns
segundos, e o M de “Morta”, dá origem à formação da palavra “Müller” no seu lugar. O título
do espetáculo aparece assim a vermelho seguindo a mesma lógica formação dos títulos,
através de uma textura de letras miudinhas, no interior da fonte. O genérico do filme arranca
desta forma e em simultâneo com o tema musical na parte instrumental de “Vaso Coronário”,
tema de abertura do espetáculo. Para este tema foi aplicado um efeito de strobe 01 da mesa
Abekas A3435, o que faz com que o efeito interlaçado desapareça da imagem.
Ocasionalmente, uns ligeiríssimos e ténues resize de aumento do tamanho da imagem36,
síncronos com a batida e que lembram o bater de coração. A imagem não sofre qualquer
alteração no tema seguinte, “Eu Sou o Anjo do Desespero”. Até ao seu final, parece que
estamos perante um normal registo de imagem, quebrado num slow motion desfocado do
momento que Zé Miguel, um dos roadies, retira as asas do Anjo do Desespero, i.e., Adolfo.
Estamos com o caminho aberto para o registo não convencional do concerto. Fade out no
branco/fade in do branco, e entramos numa sequencia a preto e branco (grayscale)
caraterizando o poema que remete para as memórias infantis de Heiner Müller “E Entre Dois
Vezes Dois e B-A Ba/Infância”. Durante este tema de piano e voz, a imagem adquiriu um
grão de imagem, conseguido com a passagem do sinal vídeo pelo UltiMatte 637. No tema “O
Pai”, foram utilizadas imagens vídeo de outras sessões de gravação (ensaios), onde foi
possível uma proximidade à ação que decorria no palco, impossível de conseguir nos dias
de espetáculo. Foram usadas ainda algumas imagens de arquivo de um countdown leader e
pontas de película, originalmente transferidas de um telecinema e usadas num efeito de
PinP (picture in picture), através da utilização de um canal B vídeo da mesa Abekas, que,
ligeiramente reduzido em size, resulta numa janela sobre a imagem do canal A de vídeo.
34.
35.
36.
37.
Tendo sido feita numa suite de edição On-Line A/B roll, qualquer decisão de edição, fosse ao nível de imagem,
transição entre planos, duração dos mesmos ou a escolha dos planos defenitivos, teve que ser tomada no momento
de cada insert.
“Müller” foi todo editado com este efeito Strobe 01 da mesa de edição Abekas A34. Permite que ambos os campos
de uma imagem vídeo fiquem semelhantes. Deixam de existir dois fields distintos para cada frame. O vídeo deixa de
ter o aspeto tradicional parecendo-se mais com telecinema de película. Foi largamente usado pelos realizadores de
vídeos musicais produzidos e editados na suite da Latina Europa, entre 1990 e 1997.
O vídeo é utilizado em continuidade. Não se trata de um jump-cut mas sim de um size-cut; a ação é contínua mas o
tamanho da imagem sofre um ligeiro salto na dimensão.
O equipamento de Croma Key que existia na Latina Europa. Era possível retirar o matte de uma imagem vídeo,
processada em tempo real, e ajustar os parâmetros. Por vezes obtinha-se como um grão na imagem que não era
possível conseguir através de outros equipamentos.
28
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Este efeito, já tinha experientado em trabalhos anteriores do realizador38, e foi inspirado nos
trabalhos de Peter Greenaway, nos seus vídeos e nalguns filmes de longa metragem39. A
transição para “Revi a Malvada Prima”, um tema com uma sonoridade, ritmo e dinâmica
completamente distintos é feito ainda com recurso a este efeito mas já com a dominante de
cor que a caracterizou no palco do espetáculo: os vermelhos, em oposição à dominante azul
do tema anterior. Este tema sofreu um efeito de superimpose de um loop de pelicula suja e,
pontualmente é feita a utilização ainda de alguns flashes de película escrita à mão, criando
um efeito na imagem semelhante em muito à de um filme de 16mm em condições
degradadas40. No final deste tema surge um dos dois poemas ditos sem suporte musical. “A
Ventura da Produtividade: A Noiva do Soldado” é um poema dito por Adolfo Luxúria Canibal
na boca de cena. Este é um dos momentos do filme que iria depender das imagens cujo
sincronismo corresponderia às dos takes feitos no dia escolhido para a edição da banda
sonora41. Por se tratar de um momento sem instrumentos, as três câmaras estariam sobre a
personagem de Adolfo a dizer o poema, com escalas diferentes. Um plano de conjunto/geral
da câmara central, um plano de peito pela câmara da direita. A câmara de esquerda não foi
usada na montagem final. No arranque de tarola de “Ontem Comecei”, são usadas imagens
extra, registadas de propósito para a pós-produção. Com recurso a uma caixa de luz,
filmaram-se radiografias de uma cabeça humana42 e, em contra-luz, uma mão real acaricia
estas imagens, reproduzindo os gestos de Adolfo em palco, deitado à frente do manequim
esventrado, junto ao piano. Sobre a imagem, aparece um grafismo, reproduzindo o texto do
poema que é repetido três vezes. A imagem está tintada de verde, com grão, pontuada com
momentos em slow motion, uma espécie de radiografia do próprio espetáculo. Para o tema
“Autoretrato Duas Horas da Manhã 20 de Agosto de 1959/ Auto-Crítica 2 Chave Partida”,
optou-se por não modificar a imagem, uma vez que a atmosfera criada pela luz construída
para a cena era suficientemente rica para ser adulterada. O efeito dos spotlights caindo
diagonalmente da teia, desenhavam, graças ao efeito de fumo, três fortes linhas de tensão
que foram aproveitadas nos enquadramentos feitos pelas câmaras geral e lateral esquerda,
38.
39.
40.
41.
42.
Mute... Life -Step Video (Tudela,1993) ou Memória de Intervenção (Tudela, 1996).
Greenaway faz uso destes efeitos de picture in picture especialmente nas produções para vídeo como a mini-série
para TV Dante – The Inferno (1990) e Death in the Seine (1991) ou as longas metragens The Baby of Mâcon (1993)
e The Pillow Book (1996).
Esta procura do efeito de filme degradado foi desenvolvido na produtora Latina Europa, tendo sido feitos alguns
ensaios conclusivos ainda durante o magazine musical POP OFF em pivots temáticos e peças de reportagem.
O áudio da edição em CD do espetáculo é composto parte por gravações de dia de espetáculo e parte de um dos
ensaios. A faixa áudio do filme corresponde exatamente à da gravação do CD.
São usadas radiografias do realizador com a idade de quinze anos, vistas de perfil e de frente. O design da bolacha
do CD reproduz uma mão radiografada, o que inspirou o uso das radiografias para este tema do filme.
29
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
tirando o máximo partido do efeito plástico do desenho de luz. No final deste tema, iria ser o
momento de transição para a viragem narrativa do filme, com “Medeaspiel”, um dos temas
mais carismáticos do espetáculo descrevendo com detalhes sórdidos as práticas de um
massacre. A dureza do texto de Heiner Müller inspiraram as opções tomadas pela realização
para este tema. Numa base de imagem pré-montada numa cassete extra, realimentou-se o
sinal vídeo out da mesa Abekas num canal de entrada vídeo da mesma mesa, de forma a
quase destruir a imagem, num desafio permanente à produção de feedback do sinal vídeo e
que pulsa ao ritmo do beat eletrónico do tema. O feedback vídeo acaba por acontecer na
totalidade em quatro momentos chave de “Medeaspiel”43. Sobre a imagem foi ainda feita a
introdução de grafismo, texto manuscrito em tempo real sobre fundo super black44, gravado
direto para uma terceira cassete e reproduzido síncrono com o evoluir do poema durante o
edit, com recurso à aceleração de velocidade de um leitor Betacam SP com dynamic
tracking45. A opção de uma imagem suja e eminentemente destruída vai ao encontro da
atmosfera crua e destruidora que o poema sugere. A distorção verde de imagem reforça a
presença perturbadora da guitarra nos momentos de transição. Na última distorção vídeo/
guitarra inicia o poema “Ontem Pela Tarde Ensolarada” segue na continuação de
“Medeaspiel” mas sem o efeito de distorção de feedback. Em “Carta de Ano Novo 1963”, a
edição por corte foi utilizada no seu limite. Este foi o único momento de todo o filme que se
recorreu a todos os planos feitos de Adolfo a interpretar o poema na parte que pergunta
incessantemente “Quem mora na minha cabeça?”, incluíndo todos os takes de video Hi8 e
dos ensaios filmados. Se houve alguma cena do filme que foi planificada, esta foi, com
certeza, a que foi mais bem planeado, com a intenção de que houvesse o máximo de
ângulos registados em grande plano do intérprete a fazer essa pergunta. A montagem não
linear é reforçada com uma aceleração do corte e a justaposição de planos que forçam à
descontinuidade espacial, possível graças ao facto das imagens usadas na sequencia terem
sido registadas em dias diferentes. No pico de tensão do espetáculo, mergulhamos no “Anjo
Azarento 2” que segue a lógica de utilização de escalas de plano identicas às dos temas
anteriores, perparando a viragem de ritmo, tom e dinâmica, fechando a sequência com um
plano em zoom in, com desfoque progressivo, à guitarra de Vasco Vaz. O plano foi feito com
a câmara que estava desafinada, dando à imagem um grão que desaparece em ”Müller no
Hotel Hessischer Hof”, o tema que se segue no alinhamento e que dá nome ao espetáculo.
43.
44.
45.
Sendo que o último faz transição com o tema seguinte. Resulta numa degradação da imagem vídeo, distorcendo-a
verticalmente enquanto se funde com uma forte cor verde sólida. Este efeito foi conseguindo com a alavanca de
controlo manual de mistura de imagem do Abekas A34, feito em tempo real, durante o comando de edição.
O Super Black corresponde a 0 IRE units, na utilização de sinal vídeo permitindo fazer Luma Key.
Leitores de vídeo analógicos que estabilizam a imagem, podendo reproduzir slow motion sem produção de ruido
horizontal.
30
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Este, mais atmosférico e planante, funciona como ressonância de toda a carga pesada e
tensa dos quatro temas anteriores, caraterizados pela força da interpretação em palco,
agora em contraponto, oferecendo possibilidade ao espatedor do vídeo de se respirar um
pouco mais tranquilamente, experiência vivida seguramente pela plateia do CCB. Com
transições suaves em mix e uma utilização de planos mais amplos sobre os interpretes no
palco, o conjunto deixa fluir o texto do poema nesta falsa tranquilidade. Outro momento
preparado com antecedência foi “Cárie Dentária em Paris”, tema com uma composição
musical a remeter para o universo do teatro de cabaret. Isso permitiu criar uma fuga ao lado
realista e formal do vulgar registo ao vivo, dando um tratamento à imagem a sugerir um filme
da época do cinema mudo expressionista alemão. Este efeito tinha sido ensaiado em várias
situações. O resultado mais satisfatório foi obtido na edição de pivots realizados no POP
OFF, onde foram criados quadros de cinema mudo obedecendo aos arquétipos habituais
desta época da história do cinema. Para o efeito, recorreu-se a um loop de película
desgastada, transcrito para vídeo em telecinema e à aceleração de imagem para o dobro da
velocidade. Ocasionalmente, um ou dois jump cut46 para dar a ilusão de que houve uma
colagem na película que partiu. Mais uma vez se recorreu a alguns planos extra. O tema
“Hiena” é o segundo poema no espetáculo que não tem suporte musical. Mas ao contrário
de “A Ventura da Produtividade: A Noiva do Soldado”, foi apenas usado o plano da câmara
central, se qualquer corte e foi pedido ao operador que deixasse um espaço livre do lado
direito para que em pós-produção fossem colocadas imagens de arquivo de uma hiena em
negativo, sobre o negro. No final do poema, aparece timidamente o último verso “seu deus é
o zero” escrito a branco sob as patas do animal, antes deste se fundir no negro. Morte de
Teatro, repete o efeito de luz de palco dos três projetores diagonais. Mas para que não
houvesse uma repetição da atmosfera criada para “Autoretrato Duas Horas da Manhã...” a
imagem foi ligeiramente esticada na vertical com diminuição da saturação original e tintada
para uma dominante amarelada, atribuindo um tom nostálgico a um tema de sonoridade
circense. Para “Floresta em Sonho”, houve um aproveitamento quase na íntegra da
montagem vídeo para o tema escolhido pela editora para a promoção do disco. O video
musical foi montado com recurso a efeitos de sobreposição de texto, imagens deterioradas e
uma passagem remissiva de todo o espetáculo, durante a parte instrumental47. Na versão
incluída no filme do espetáculo, apenas esta parte de revisitação foi substituída por uma
montagem não linear e de manipulação do tempo-filme de uma forma não realista,
distendendo-o na sua duração e recorrendo à repetição da ação no palco.
46.
47.
Um jump cut retirando entre três a cinco frames, permite a ilusão de um salto suave, mas já percetível.
Para efeitos de promoção do CD, optou-se por dar uma visão geral do espetáculo, antes do filme ficar pronto.
31
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Adolfo, na fase final do strip-tease da faixa abdominal, é mostrado a fazê-lo em várias
variações da velocidade dentro do plano e de uma forma descontínua, com recurso ao jumpcut. Imagens de todas as sessões gravadas foram mais uma vez usadas nesta sequência.
No último instante, na revelação do feto estampado no figurino, são utilizadas imagens dos
vários dias de espetáculos gravados e misturadas em simultâneo. O filme termina, com um
efeito de sobreposição48 da imagem em negativo de um feto, numa ecografia. O plano geral
do palco, feito pela câmara central, funde a negro e sobre os últimos acordes de “Floresta
em Sonho”, a imagem da ecografia repousa no enquadramento do filme exatamente onde
Adolfo descaiu e se aninhou no palco, numa posição fetal.
A opção de se utilizar recursos na edição vídeo, como foi o caso das imagens de arquivo,
reflete a vontade de utilizar o vídeo como recurso cénico durante o espetáculo, projetando
as imagens diretamente sobre o cenário em fundo, ou em zonas do palco. Essa
oportunidade aconteceu no ano seguinte, no espetáculo ao vivo dos Armazéns Abel Pereira
da Fonseca e ainda no Lux-Frágil, numa versão minimal com momentos apenas de cores
sólidas projetadas em palco. Em 1998, os Mão Morta atuaram no Coliseu dos Recreios e
foram utilizadas imagens projetadas em dois ecrãs simétricos sobre o palco e em diversos
monitores vídeo espalhados na boca de cena. O espetáculo foi planificado previamente e o
trabalho de mistura de vídeo foi coordenado com o desenho de luz concebido para palco,
mais uma coisa que passou a ser obrigatório no método de criação colaborativa que o grupo
sempre promoveu.
No entanto, e de uma forma mais completa, onde o vídeo ocupou um papel narrativo na
estrutura da própria encenação, só aconteceu no espetáculo “Maldoror por Mão Morta”, dez
anos depois de “Müller”.
Hoje em dia, com a transição para as suites de edição digitais não lineares, montar um
trabalho desta natureza tornou-se uma tarefa mais simples. No entanto, requer o mesmo
empenhamento na organização e catalogação de forma a que a pós produção seja fluida e
eficaz. Uma das grandes vantagens é a utilização de metadata nos ficheiros de captura
digital. A organização e catalogação da informação referente a cada plano digitalizado fica
inscrita no prórpio ficheiro e pode ser transferido sempre que o ficheiro é copiado. Outra
48.
Tal como foi usado em usado no tema “A Hiena”.
32
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
vantagem é a não degradação, na cópia de material, para outros suportes (HD ou DVD de
dados), ou, por outras palavras, a não existência de “geração de cópia”. Há que considerar
também a não existência de desgaste mecânico durante a função de montagem do filme. O
facto de se montar de uma forma não linear é ainda outra vantagem, podendo o operador
montar o filme por etapas, seguindo uma metodologia mais livre de decisões. Esta mudança
pode influenciar a forma como se pensa também a realização de filmes. Era comum os
realizadores estarem presentes na montagem mas, não necessariamente, se se tornarem
operadores da montagem. Hoje, com um simples laptop mais potente que permita ter
versões light ou full de software de edição vídeo, como o Final Cut Pro ou Adobe Premiere
acontece a verdadeira democratização e agilização dos meios de pós-produção. É cada vez
mais comum serem os realizadores a fazer a primeira montagem, um rough cut, quando não
toda a montagem do filme.
Uma experiência na realização de um filme como foi a de “Müller no Hotel Hessischer Hof”
pode parecer pouco atual se o olharmos à luz da evolução da tecnologia e dos meios de
produção e pós-produção. Mas há detalhes que são transversais e atemporais. Se
pensarmos que ainda hoje são válidas as teorias da montagem cinematográfica que os
autores soviéticos formularam, resultado das suas investigações práticas no início do século
XX - e muitas delas adotadas nas metodologias e técnicas de montagem dos videos
musicais mais de meio século depois- o mesmo se aplica à realização, onde não há senão a
paixão pelos temas e a disciplina da organização a encabeçar todas as regras possíveis. É
essencial passar este sentimento de entrega e paixão, mas também a consciência para a
disciplina e organização de trabalho que passa muito por elaborar todos os documentos de
apoio ao seu trabalho pessoal e do qual depende o sucesso das funções de todos os seus
colaboradores. Com esta orientação, cada novo realizador deverá dotar-se das ferramentas
essenciais à boa concretização do seu trabalho e o dos outros nele envolvidos. A
necessidade de organização é uma constante, independentemente da fase de trabalho em
que um realizador se encontra. Na pré-produção, deve ser elaborada a planificação de
trabalho, com recurso a uma série de documentos, onde se organiza e se prevê todos os
passos da produção da obra. Na pós-produção, todo o material recolhido deve manter a
mesma lógica e disciplina de organização de armazenamento, de forma que não se percam
tempo e rumo no trabalho. Assim, é possível, inclusive, passar o trabalho a terceiros
segundo uma planificação de trabalho lógica e fácil de entender. Por vezes é preferível
perder algum tempo na ordenação, catalogação e organização das ideias e do material
recolhido, o que será fundamental para que seja fácil executar a tarefa seguinte. Isso aplica-
33
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
se à decoupage e consequente planificação das ideias para que a produção seja eficaz e
objetiva. Também na pós produção se deve investir um pouco mais de tempo na
organização e catalogação das digitalizações, dando nome correto a cada pasta e cada
ficheiro para que na montagem seja fácil identificar cada plano ou sequência.
Na aplicação destes conceitos básicos à prática pedagógica, deve ser incutida esta
necessidade de organização e disciplina, fundamentais para o sucesso nas funções de
realização e montagem e que convém que seja promovido. O prazer de se trabalhar na
produção de vídeos musicais não deve ser confundido com displicência e descuido no
desempenho de funções que requerem o máximo de concentração e de uma constante
capacidade de antecipação das necessidades. Tudo o resto depende muito da sua própria
intuição e talento natural, não devendo nunca esquecer-se que a realização é uma função
que tem tanto de liderança como de partilha.
A utilização do filme como instrumento de criação artística em colaboração com a música
pode tomar diversas configurações, dependendo do formato, suporte e modos de exibição.
O vídeo musical deve ser encarado como elemento de expressão cultural importante e dá
oportunidade à experimentação no sentido mais vanguardista do termo. É um motor de
liberdade criativa e tem que ser introduzido com frequência nos modelos de ensino
audiovisual, quer como objeto de estudo quer como exercício estilístico de expressão
criativa. A sua estrutura é flexível e pode ser criado para se utilizar em vários suportes e
formatos distintos, atravessando os media em todas as suas vertentes. A sua produção e
realização tem apenas como limite a imaginação
34
Nuno Tudela – videos musicais 1993 - 2009
Bibliografia
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Rabiger, Michael (2004). Directing the Documentary. Burlington: Focal Press
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Pank, Bob – editor (1998). The Digital Fact Book edition 9, Newbury, England: Quantel
Pank, Bob - editor (1994). The Digital Fact Book edition 7, Newbury, England: Quantel
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Scorcese, Martin, The Last Waltz, Unitd Artists, 1978 (MGM, 2002, ed. DVD)
Work of Director Vol 1: Spike Jonze, Palm Pictures, 2003
Work of Director Vol 2: Chris Cunningham, Palm Pictures, 2003
Work of Director Vol 3: Michel Gondry, Palm Pictures, 2003
Work of Director Vol 4: Mark Romanek, Palm Pictures, 2007
Work of Director Vol 5: Jonathan Glazer, Palm Pictures, 2007
Work of Director Vol 6: Anton Corbijn, Palm Pictures, 2007
Work of Director Vol 7: Stephane Sednaoui, Palm Pictures, 2007
Tindersticks Bareback: Nine films by Martin Wallace, Warner Bros, 2005
ZEN tv DVD – The Best of Ninja, Ninja Tune, 2003
Mão Morta – Müller no Hotel Hessischer Hof, Cobra Discos, 2006
Maldoror por Mão Morta, Cobra Discos, 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=Rm_qnHfeTsE (26Dez2012)
http://www.youtube.com/watch?v=Vi76bxT7K6U (26Dez2012)
Anexos
No DVD vídeo, o filme “Mão Morta - Müller no Hotel Hessischer Hof”
(A cada capítulo no filme corresponde ao início de cada tema do alinhamento do espetáculo)
No DVD dados, trabalhos vídeo do candidato referidos no texto deste artigo.
anexo
A_budapeste.mov
B_problema.mov
C_shambalah.mov
D_asfalto.mov
E_chabala.mov
F_VitorinoHabana99.mov
G_CuidadoComOCao.mov
H_dancemos.mov
I_paixao.mov
J_guiao.pdf
K_storyboard.pdf
L_shooting_board.pdf
M_saliva.mov
N_tudisseste.mov
O_gnoma.mov
P_rei.mov
Q_todagente.mov
R_joana.mov
S_dedicatória.mov
T_teelvisão.mov
U_parvo.mov
V_alentejanas.mov
X_dormia.mov
Y_Muller_mkgof.mov
Z_Muller_mixs.mov
ZA_Muller_Blitz_JL_2006,pdf
ZB_Muller_Catálogo_CCB.pdf
ZC_Muller_creditos.pdf
ZD_Notas_edit_muller.pdf
ZE_Muller_VPC1998.psd
ZF_Videolisboa1999.pdf
ZG_decl_muller1997.pdf
conteúdo
Mão Morta “Budapeste” (Tudela, 1992)
Clã “Problema de Expressão” (Tudela,1997)
Mão Morta “Shambalah” (Tudela, 1993)
Mão Morta “Sangue no Asfalto” (Tudela 1995)
Mão Morta “Chabala” (Tudela, 1996)
“Vitorino La Habana 99” (Tudela, 1999)
“Cuidado com o Cão” (Tudela, 2001)
Sérgio Godinho “Dancemos no Mundo” (Tudela, 2000)
Rui Veloso “Paixão (segundo Nicolau da Viola)” (Tudela, 2001)
letra de “Chabala” manuscrita por Adolfo Luxúria Canibal
storyboard para o vídeo musical “Chabala”
shooting board para o vídeo “Chabala”
GNR “Saliva” (Tudela, 1988)
Mão Morta “Tu Disseste” (2001)
Mão Morta “Gnoma” (2004)
Mão Morta “Gumes 5 - O Rei Mimado” (Tudela, 2004)
Da Weasel “Todagente” (Tudela, 1997)
Fúria do Açucar “Joana Bate-me à Porta”(1997)
Mind Da Gap “Dedicatória” (Tudela, 1998)
Mão Morta “Em Directo (para a Teelvisão)” (Tudela, 1998)
Sitiados “Outro Parvo no meu Lugar” (Tudela, 1999)
Vitorino “Alentejanas e Amorosas” (Tudela, 2002)
Jorge Palma “Dormia tão Sossegada” (Tudela, 2001)
“Müller Making Of” (Tudela, 1997)
“Müller Misturas” (Tudela, 2006)
Recortes Notícias JL e Blitz 2006
Catálogo espetáculo Müller 1997, CCB - Lisboa
Créditos finais para vídeo em 1997
Notas de edição vídeo de 1997
Documentos 2ª Mostra Vídeo Português, Lisboa
Excertos do catálogo VideoLisboa 1999
Declaração de cedencia de direitos para edição vídeo em VHS(1997)
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