Artigo Original Evolução dos angiossarcomas da cabeça e pescoço Terence Pires de Farias1 Marcus Vinicius Menegasse Câmara2 Fernando Luiz Dias3 Pedro Collares Maia Filho2 Leonardo Guimarães Rangel2 Bernardo Cacciari Peryassu2 Rodrigo Maia da Costa2 Head and neck angiosarcomas evolution RESUMO Introdução: Os angiossarcomas são tumores raros e agressivos da cabeça e pescoço. Surgem freqüentemente no couro cabeludo de homens idosos e em estádio avançado. Objetivo: Descrever as variáveis epidemiológicas dos casos de angiossarcoma, tratados no INCA, bem como os fatores preditivos com na evolução da doença. Métodos: Análise retrospectiva dos prontuários dos pacientes portadores de angiossarcoma tratados no INCA entre janeiro de 1996 e janeiro de 2006. Foram comparadas variáveis epidemiológicas desses tumores com os outros sarcomas de partes moles de cabeça e pescoço (SCP) e análise de fatores prognósticos daqueles. Resultados: Os angiossarcomas corresponderam a 21,1% (23 casos) dos SCP. Acometeram indivíduos com mais de 65 anos em 69,6%, homens em 61%, originaram-se no couro cabeludo em 73,9% e estadio avançado em 66,6%. A recidiva regional foi mais freqüente que os outros SCP (p= 0,03). Fatores de mau prognóstico foram o estadio avançado (p= 0,02), invasão de pele (p= 0,0003) e músculo (p=0,0002). A cirurgia foi o fator que aumentou a sobrevida global (p= 0,003). Essa foi de 14,6%. Conclusão: O angiossarcoma foi o subtipo histológico mais comum dos SCP. Acometeu mais freqüentemente os homens e idosos e com uma péssima sobrevida global. Os principais fatores preditivos de um desfecho ruim são: estádio avançado à apresentação, invasão de pele e músculo. A cirurgia mostrou-se fundamental no aumento da sobrevida desses pacientes. ABSTRACT Introduction: Angiossarcomas are rare aggressive tumors of head and neck. They appear frequently in the scalp of old men and in advanced stage. Objective: To describe the epidemiologic characteristics of the cases of angiosarcoma treated in INCA as well as the predictive factors that had impact in the evolution of the illness. Methods: Retrospective analysis of patients data records with angiosarcoma treated in the INCA between January, 1996 and January, 2006. The angiosarcoma epidemiologic characteristics had being compared with the others head and neck soft tissue sarcomas (HNS) and the angiosarcoma prognostic factors have being studied. Results: Angiossarcomas corresponded 21.1% (23 cases) of the HNS. They occurred in patients older than 65 years in 69.6%, men in 61%, originated in scalp in 73.9% and presented at advanced stage in 66.6%. The regional recurrence were more frequent than other HNS (p=0.03). The poor prognostic factors were the advanced stage (p=0.02), skin (p=0.0003) and muscle invasion (p=0.0002). The surgery was the factor that increased the overall survival (OS). The OS was 14.6%. Conclusion: Angiossarcoma was the most common histological subtype of the HNS occurring more frequently in older men and had poor prognosis. The main predictive factors of a bad outcome are: the advanced stage in the presentation, the invasion of skin and muscle. The surgery had an important role in increasing the survival of those patients. Key words: Angiosarcoma. Head and Neck Neoplasms. Sarcoma. Descritores: Angiossarcoma. Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Sarcoma. INTRODUÇÃO Os sarcomas de partes moles correspondem a menos que 1% das neoplasias malignas, dos quais 5 a 15% ocorrem na cabeça e pescoço1. Os angiossarcomas representam 0,1% de todas as neoplasias desse sítio2. De um terço a metade de todos os casos de angiossarcomas cutâneos incide na cabeça e pescoço2,3. Os subsítios mais comuns são couro cabeludo e metade superior da face4-6. Grandes revisões demonstraram que os angiossarcomas acometem mais comumente homens, caucasianos e em torno da sétima ou oitava décadas de vida3-8. Apesar de o fator etiológico do angiossarcoma ser desconhecido, a exposição solar foi proposta como fator de risco devido à baixa incidência desse tumor nos indivíduos melanocíticos10. Entretanto, alguns autores discordam dessa idéia porque os indivíduos afetados apresentam baixa incidência de carcinomas de pele7. História de trauma também foi associada ao diagnóstico de angiossarcoma8, contudo, essa 1) Mestre em Oncologia – INCA/MS/RJ. Titular da Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Coordenador da Residência Médica de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no INCA/MS/RJ. Professor em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Pontifícia Universidade Católica PUC, Rio de Janeiro, RJ. 2) Médico Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do INCA – MS – RJ. 3) Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe da Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no INCA/MS/RJ. Professor Coordenador do Curso de Pós-graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Pontifícia Universidade Católica PUC, Rio de Janeiro, RJ. Instituição: Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer INCA/MS/RJ e Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência: Terence Farias, Rua Ministro Arthur Ribeiro 98/503 – Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected] Recebido em: 07/10/2007; aceito para publicação em: 28/02/2008; publicado on-line em: 15/05/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 104 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008 relação pode ser meramente casual3,5. O fator de risco para angiossarcoma de cabeça e pescoço mais comumente demonstrado é a história de irradiação prévia6,7,9. Fatores de risco para desenvolvimento em outros subsítios, como exposição ao vinyl, piotórax, óxido de thorium e a presença de linfedema, não foram claramente implicados a lesões de cabeça e pescoço10. O paciente com angiossarcoma de cabeça e pescoço pode apresentar-se com alopecia, rinofima rosácea, mancha avermelhada assintomática, nódulos ou placas violáceos, edema crônico, celulite ou ulceração cutânea, que é a apresentação mais comum na série de Lydiatt et al.7. Doença multifocal, clinicamente óbvia ou não, também é uma apresentação desse tumor, relatada até em 32,1%6. Metástases cervicais geralmente são incomuns no exame inicial, assim como metástases à distância, apesar de um terço dos pacientes desenvolvê-las e frequentemente são para o pulmão7. O diagnóstico histopatológico do angiossarcoma é difícil, mesmo para patologistas experientes, tanto pela sua raridade, quanto por sua histologia complexa3. Pode ser agrupado macroscopicamente em nodular, ulcerativo ou macular. Histologicamente, os tumores contêm uma proliferação de canais vasculares ramificados e anastomóticos que dissecam estruturas vizinhas. As células podem ser alongadas, epitelióides ou poligonais e o tumor classificado em baixo ou alto grau dependendo da sua celularidade, pleomorfismo e atividade mitótica11. Necrose é um achado comum11. Marcadores imunoistoquímicos úteis ao diagnóstico são antígeno fator VIII, Ulex europaeus, laminina, CD 31 e CD 343,11. O tratamento ideal para o angiossarcoma em cabeça e pescoço ainda não foi completamente estabelecido. Para doença avançada, historicamente é defendida a excisão radical. Somente cirurgia ou radioterapia associada ou não à quimioterapia apresentam resultados similares. Reportou-se que apenas 2 de 19 pacientes (10,5%) que receberam uma única modalidade de tratamento estavam sem evidência de doença no momento de sua revisão e todos os 19 apresentaram falência do controle local6. O controle cirúrgico freqüentemente é pobre, devido à multifocalidade do angiossarcoma e à ausência de correlação clínica com as margens patológicas. Em uma pequena série, observou-se bom controle local com a cirurgia de Mohs associada à biópsia por punch para mapeamento tumoral, seguida de radioterapia externa12. A falência da radioterapia no controle local pode ser atribuída à subestimação da extensão periférica da doença. Alguns autores advogam irradiação total do couro cabeludo4,6. Os cirurgiões do Centro de Câncer MD Anderson, em Houston, reportaram o uso de ressecção cirúrgica limitada, seguida por radioterapia em campo alargado para doença focal e ressecção radical mais radioterapia associada ou não à quimioterapia para doença avançada4. Apesar dos pobres resultados gerais, eles observaram diferença estatisticamente significativa na taxa de controle loco-regional em cinco anos quando a ressecção macroscópica do tumor foi possível antes do tratamento com radioterapia (40 vs. 24%)4. Além do mais, muitos autores advogam a radioterapia pós-operatória a despeito das margens cirúrgicas negativas4,6. Avanços definitivos na terapia sistêmica foram lentos de desenvolvereem-se. Devido à baixa incidência de metástases cervicais, o tratamento eletivo dos linfonodos cervicais não é recomendado7. Paclitaxel como agente único parece ser útil para angiossarcomas de couro cabeludo e face13. Radioterapia radical combinada à imunoterapia com interleucina- 2 recombinante (rIL-2) foi recomendada para lesões nodulares menores que 5cm, em parte porque a administração de altas doses de rIL-2 pode suprimir o desenvolvimento de metástases à distancia8. O consenso atual é a utilização de um tratamento Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008 combinado, incluindo excisão da doença com margens negativas, se possível, mais radioterapia associada ou não à quimioterapia10. Existe uma correlação clara entre o prognóstico e o tamanho ou estágio de um angiossarcoma2,5,6. Sangramento, dor e lesões maiores que 5cm são preditores de um desfecho ruim2,7. Todos os pacientes de uma série cujo tumor era cirurgicamente irressecável e/ou maiores que 10cm faleceram pela doença7. Os resultados da maioria das séries indicaram que nem o padrão clínico do tumor nem o seu grau foram preditivos de recorrência local ou sobrevida5,7. No entanto, um estudo indicou que a sobrevida em longo prazo pode estar positivamente relacionada com a morfologia nodular, enquanto a apresentação endofítica foi uniformemente fatal em dois anos8. Doença recidivada também confere prognóstico sombrio6,8. Apresentamos a experiência do Instituto Nacional de Câncer (INCA) no manejo e evolução dos pacientes portadores de angiossarcoma de cabeça e pescoço matriculados de janeiro de 1996 a janeiro de 2006. O objetivo é descrever as variáveis epidemiológicas dos casos de angiossarcoma, bem como os fatores preditivos com impacto na evolução da doença. MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo uni-institucional, através da análise dos prontuários de pacientes matriculados no INCA entre janeiro de 1996 e janeiro de 2006, com diagnóstico histopatológico de angiossarcoma de cabeça e pescoço, confirmado pelo setor de Patologia da instituição por análise imunoistoquímica. Os prontuários foram analisados para coleta dos seguintes dados: idade do paciente, grau histológico, tratamentos empregados e evolução da doença. Comparamos os casos de angiossarcomas com os outros sarcomas de partes moles em cabeça e pescoço não angiossarcoma, a saber, sarcoma alveolar, epitelióide, fibrossarcoma, lipossarcoma, sinoviossarcoma, dermatofibrossarcoma, leiomiossarcoma, rabdomiossarcoma alveolar, rabdomiossarcoma embrionário, neurofibrossarcoma, schwanoma maligno, fibrohistiocitoma, sarcoma sem outras especificações (SOE) e rabdomiossarcoma SOE tratados no mesmo período de tempo. A análise estatística dos dados foi feita com o programa SPSS 10.0. Para análise univariada, utilizou-se o teste de x2, considerando p significativo quando menor que 0,05. Foram utilizados o teste de Kaplan-Meier para o cálculo da sobrevida global e o teste Log Rank para o estudo das diferenças entre as curvas de sobrevida. O protocolo de pesquisa descrito foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do INCA. RESULTADOS Foi analisado um total de 148 prontuários de pacientes portadores de sarcomas de partes moles em cabeça e pescoço (SCP). Desses, 109 eram adultos e 23 casos de angiossarcoma, o que representou 21,1% dos SCP em adultos. Em nossa casuística, nenhum paciente menor que 18 anos de idade era portador de angiossarcoma (p = 0,002), portanto, quando um paciente menor de 18 anos é acometido por um SCP, é muito pouco provável que se trate de um caso de angiossarcoma. A idade média dos pacientes acometidos por essa neoplasia foi de 67 anos (33 a 85anos – gráfico1). Dos pacientes portadores desse tumor, 16 (69,6%) tinham mais que 65 anos contra 20 (23,3%) dos outros SCP. Essa diferença foi altamente significativa (p < 0,0001), confirmando a maior incidência do angiossarcoma na população idosa (tabela 2). 105 Gráfico – Distribuição etária dos casos de angiossarcomas tratados no INCA. Essa neoplasia foi mais prevalente nos homens. Quatorze dos 23 casos de angiossarcoma eram do gênero masculino (relação homem:mulher = 1,5). O sítio primário mais incidente foi o couro cabeludo com 73,9%. Houve um caso em seio maxilar, um em cavidade oral, um em órbita, dois em nariz e um em mandíbula (gráfico 2). A presença de alto grau histológico não diferiu entre os angiossarcomas e os outros SCP (66,7 x 42,5% com p= 0,11; tabela 2), todavia, estádio avançado (III e IV) à admissão mostrou uma tendência a ser mais freqüente nos angiossarcoma em relação aos outros SCP (66,7 x 40,8% com p= 0,07; tabela 2). Observamos diferença estatisticamente significante (p= 0,03) dos angiossarcomas progredirem para metástase linfonodal (42,9%) frente aos outros SCP (16,3%), assim como a recidiva regional dos angiossarcomas foi maior (14,3 x 2,7% com p= 0,03; tabela 2). A recidiva geral dos angiossarcomas em nossa série foi de 38,1%, 14,3% de recidiva local e 14,3% de recidiva à distância (tabela 2), não havendo diferença com as taxas de recidiva dos outros SCP. Ao analisar o tratamento efetuado, podemos observar que a cirurgia associada à radioterapia foi o mais empregado tanto para os angiossarcomas (47,1%) quanto para os outros SCP (47,1%) e não houve diferença significante (p= 0,89) quanto à modalidade de tratamento empregado (tabela 2). A sobrevida global dos pacientes portadores de angiossarcoma de cabeça e pescoço foi de 14,6% (média, 23 meses). A análise dos fatores prognósticos dos angiossarcomas, está discriminada na tabela 3. Tabela 2. Dados epidemiológicos dos angiossarcomas de cabeça e pescoço comparados aos outros SCP tratados no INCA. Gráfico 2 – Distribuição por sítio primário dos angiossarcomas tratados no INCA. Com relação ao TNM inicial desses pacientes, T1 e T2 representaram respectivamente 26,3 e 73,7%. Quanto ao estadiamento dos linfonodos regionais, 88,9% eram N0 enquanto 11,1% eram N1. Nenhum caso apresentava metástases à distância na avaliação inicial. Quanto ao estádio clínico, 26,7% estádio I, 6,7% estádio 2, 53,3% estádio III e 13,3% estádio IV (tabela 1). Estádio clínico avançado (III e IV) foi observado em 10 pacientes (66,6%). Logo, o perfil epidemiológico dos portadores de angiossarcomas tratados no INCA foi de um paciente idoso com angiossarcoma acometendo o couro cabeludo e em estádio avançado. Tabela 1 – TNM e estádio clínico dos angiossarcomas de cabeça e pescoço tratados no INCA. SCP: sarcomas de cabeça e pescoço; N+: linfonodo clinicamente positivo; M+: Metástase clínica; pN+: Metástase linfonodal positiva no exame histopatológico; SG: Sobrevida Global; NE: Não estudado; RXT: Radioterapia; QT: Quimioterapia. 106 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008 Tabela 3 – Fatores preditivos da sobrevida global e sobrevida livre de doença em pacientes com angiossarcoma de cabeça e pescoço tratados no INCA. cirurgia no manejo desse tumor. No entanto, quando se compara o tipo de tratamento efetuado, não se observa diferença estatisticamente significante desses índices entre os pacientes que foram submetidos ao tratamento cirúrgico exclusivo, cirurgia mais radioterapia adjuvante e quimioterapia mais radioterapia, sendo que a segunda modalidade de tratamento foi a mais freqüentemente utilizada em nosso serviço (47,1% – tabela 2). O esvaziamento cervical quando realizado não foi um fator significativo no aumento da SG e SLD – tabela 3. Quanto à recidiva do angiossarcoma, notamos pela tabela 3 que a recidiva local e à distância não interferiram na SG, mas a recidiva regional, como era de se esperar, teve um importante impacto na diminuição da SLD (p = 0,001 – tabela 3). DISCUSSÃO Apesar de a maioria dos nossos casos de angiossarcomas serem pacientes idosos, a idade maior de 65 anos não foi um fator que influenciou negativamente na SG e SLD (p= 0,75, Log Rank = 1,1 – tabela 3). Também não houve diferença desses indicadores entre os gêneros (tabela 3). Estádio clínico avançado no momento do diagnóstico (p= 0,02, Log Rank = 5,3) foi um fator de mal prognóstico, assim como invasão de pele e músculo (p = 0,0003; Log Rank = 13,15 e p= 0,0002; LK= 13,16 respectivamente – tabela 3). Esse comportamento já era previsto, uma vez que dois terços dos pacientes foram admitidos para o tratamento em nossa instituição com a doença em estádio avançado (tabela 2) e, em 73,9% dos casos, o sítio primário foi o couro cabeludo (gráfico 3), logo, um tumor que se originou na pele desse local. O diagnóstico histopatológico de angiossarcoma de alto grau foi uma variável com uma tendência estatística (p= 0,05; Log Rank = 3,63 – tabela 3) de impacto negativo na SG. Entretanto, essa variável influencia no estadiamento do tumor e, como visto, o estádio clínico avançado influencia negativamente a SG. Quando se analisa o fator realização ou não de cirurgia, observa-se que os pacientes que foram operados tiveram maior SG (p= 0,003; Log Rank = 8,4 – tabela 3) quando comparados com os que não foram operados. Além do mais, as margens cirúrgicas quando livres, apesar de não influenciarem na SG (p= 0,37) foram de fator melhora da SLD (p= 0,04; Log Rank = 4,1 – tabela 3). Esses dados mostram o papel central da Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008 A casuística do INCA foi de 148 casos de sarcomas de partes moles de cabeça e pescoço foi levantada em um período de 10 anos. Trata-se de uma das mais numerosas nesse espaço de tempo, quando comparado com a literatura15. Conforme citado15, Wanebo relatou 214 casos em oito anos, Dudhat 72 em 14 anos e Le Vay 52 em oito anos. Relatos com número de casos maiores que 100 como os de Weber, Farhood e Tran, foram levantados em períodos maiores como 22, 45 e 43 anos, respectivamente15. Em nossa série, levando-se em conta a população maior de 18 anos, o angiossarcoma foi o tipo histológico mais comum (21,1%), seguindo a tendência de outras séries, como a de Sturgis e Potter1, do MD Anderson, onde foi o segundo tipo histológico mais comum em 11,2%. Na casuística de Bentz et al., do Memorial Sloan-Kettering, também foi o segundo mais comum com 16,14 % dos SCP15. Não tivemos nenhum caso de angiossarcoma de cabeça e pescoço em pacientes menores de 18 anos. Quando comparamos com os outros SCP estudados, constatamos uma diferença estatisticamente significativa (p= 0,002) entre os angiossarcomas e outros SCP quanto à incidência em indivíduos menores de 18 anos. Patel et al.14 também não descreve incidência de angiossarcoma de cabeça e pescoço em paciente pediátrico nem menores que 40 anos. Assim como Bentz et al.15, em nossa série a idade do paciente não foi um fator prognóstico. Observamos uma maior incidência em pacientes masculinos, assim como em outros relatos1,3-8,14. Não foi observada influência do gênero no prognóstico dos pacientes tratados em nossa instituição, diferente de McIntosh e Narayan, que referiram pior SG nos pacientes femininos de sua série16. Não pudemos analisar a incidência pela etnia, pois nossa população é grandemente miscigenada e não obtivemos esse dado com precisão. O sítio primário mais comumente observado foi o couro cabeludo em 73,9 %, como classicamente descrito pela literatura1-16. Na casuística do MD Anderson, é descrito uma incidência de 85,5% nesse sítio, 4,4% no trato sino-nasal, 7,7 % no pescoço e parótida e 2,4 % no trato aéreo digestivo alto, orelha e base de crânio. O alto grau histológico e a apresentação clínica em estádio avançado também foram fatores comuns às outras casuísticas publicadas sobre esse assunto1,4-6,14. Conforme descrito1,14, observamos que o alto grau histológico não foi um fator de mau prognóstico. Isso se deve ao fato de a maioria dos angiossarcomas serem de alto grau. Assim como relatado2,5,6, constatamos a importância do estádio clínico avançado como fator de prognóstico ruim (p= 0,02). Em nossa casuística, a modalidade de tratamento mais efetuada foi a cirurgia associada à radioterapia adjuvante (47,1%), seguida a cirurgia isolada (35,3%). Brandon et al. relataram tratamento com cirurgia isolada em 42% e cirurgia associada à radioterapia em 27%. Demonstramos que a cirurgia é um fator de impacto positivo na SG (p= 0,003). A cirurgia foi referida como pilar central no tratamento dessa 107 neoplasia, mas sem especificação do grau de evidência dessa informação1,14.Tendo em vista esses dados e a natureza infiltrativa, multicêntrica e recidivante do angiossarcoma, mantemos a recomendação de Strugis e Potter e Patel et al. de que o tratamento ideal é a cirurgia associada à radioterapia, onde os primeiros relataram SG de 43% e os outros, melhora do controle local e SG com essa modalidade. Em nosso estudo, não demonstramos diferença de melhora da SG e SLD entre o tratamento cirúrgico versus cirurgia associada à radioterapia (tabela 3). Salientamos a importância da ressecção com margens livres na SLD (p= 0,04). Embora se tenha demonstrado aumento de SG com a ressecção completa14, em nossa série não observamos isso (p= 0,37). Em nossa casuística, houve progressão do angiossarcoma para metástase cervical significativamente mais freqüente que os outros SCP (42,9 x 16,3%, p = 0,03; tabela 2), assim como apresentaram recidiva regional maior (14,3 x 2,7% p = 0,03; tabela 2). Referiu-se presença de metástase cervical em 10%1 e 10 a 15%14. Em nossa série, observamos que 11% dos angiossarcomas apresentaram linfonodos positivos à admissão. Contudo, não observamos impacto na SG quando os linfonodos estão patologicamente positivos quando ressecados (p = 0,31; tabela 3) nem quando progrediram para positivos. O esvaziamento cervical, quando realizado, não trouxe benefício na SG (p = 0,13) e, aparentemente, quando não realizado, foi um fator com uma tendência estatística (p = 0,06) de melhora da SLD. Esse achado, aparentemente contraditório, pode ser devido ao fato de que o esvaziamento cervical não foi realizado nos pacientes cujo angiossarcoma foi primário de outro subsítio que não o couro cabeludo e esses pacientes, em geral, apresentaram sobrevida maior que os primeiros, em concordância com Patel et al. que reportaram menor agressividade do angiossarcoma quando incidindo nos sítios da face comparado ao que incide no couro cabeludo14. Também levamos em consideração o fato de que o paciente que é submetido ao esvaziamento cervical ou é o paciente com metástase regional ou é aquele submetido a acesso para reconstrução microcirúrgica, portanto apresenta estádio avançado ou pela metástase ou pelo tamanho do tumor cuja ressecção foi reconstruída com retalho livre. Essas razões explicam a pior evolução dos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical em comparação aos que não foram submetidos a esse procedimento. Portanto, mantemos a indicação da dissecção do pescoço quando esse for clinicamente positivo1,7,14. Constatamos que a invasão cutânea e invasão muscular foram fatores fortemente associados a um prognóstico ruim nos angiossarcomas de cabeça e pescoço (p= 0,0003 e 0,0002, respectivamente). Não encontramos relato semelhante nos trabalhos publicados sobre esse assunto, especificamente no caso desse tipo histológico. REFERÊNCIAS 1. Sturgis EM, Potter BO. Sarcomas of the head and neck region. Curr Opin Oncol. 2003;15(3):239-52. 2. Maddox JC, Evans HL. Angiosarcoma of skin and soft tissue: a study of forty-four cases. Cancer. 1981;48(8):1907-21. 3. Naka N, Ohsawa M, Tomita Y, Kanno H, Uchida A, Aozasa K. Angiosarcoma in Japan. A review of 99 cases. Cancer. 1995;75(4):98996. 4. Morrison WH, Byers RM, Garden AS, Evans HL, Ang KK, Peters LJ. Cutaneous angiosarcoma of the head and neck. A therapeutic dilemma. Cancer. 1995;76(2):319-27. 5. Holden CA, Spittle MF, Jones EW. Angiosarcoma of the face and scalp, prognosis and treatment. Cancer. 1987;59(5):1046-57. 6. Mark RJ, Tran LM, Sercarz J, Fu YS, Calcaterra TC, Juillard GF. Angiosarcoma of the head and neck. The UCLA experience 1955 through 1990. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1993;119(9):973-8. 7. Lydiatt WM, Shaha AR, Shah JP. Angiosarcoma of the head and neck. Am J Surg. 1994;168(5):451-4. 8. Sasaki R, Soejima T, Kishi K, Imajo Y, Hirota S, Kamikonya N, Murakami M, Kawabe T, Ejima Y, Matsumoto A, Sugimura K. Angiosarcoma treated with radiotherapy: impact of tumor type and size on outcome. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2002;52(4):1032-40. 9. Chen KT, Hoffman KD, Hendricks EJ. Angiosarcoma following therapeutic irradiation. Cancer. 1979;44(6):2044-8. 10. Glickstein J, Sebelik ME, Lu Q. Cutaneous angiosarcoma of the head and neck: a case presentation and review of the literature. Ear Nose Throat J. 2006;85(10):672-4. 11. Wenig BM. Atlas of Head and Neck Pathology. Philadelphia: Saunders; 1993.pp.88- 9. 12. Bullen R, Larson PO, Landeck AE, Nychay S, Snow SN, Hazen P, Kinsella T, Lamond J. Angiosarcoma of the head and neck managed by a combination of multiple biopsies to determine tumor margin and radiation therapy. Report of three cases and review of the literature. Dermatol Surg. 1998;24(10):1105-10. 13. Fata F, O'Reilly E, Ilson D, Pfister D, Leffel D, Kelsen DP, Schwartz GK, Casper ES. Paclitaxel in the treatment of patients with angiosarcoma of the scalp or face. Cancer. 1999;86(10):2034-7. 14. Patel SG, Shaha AR, Shah JP. Soft tissue sarcomas of the head and neck: an update. Am J Otolaryngol. 2001;22(1):2-18. 15. Bentz BG, Singh B, Woodruff J, Brennan M, Shah JP, Kraus D. Head and neck soft tissue sarcomas: a multivariate analysis of outcomes. Ann Surg Oncol. 2004;11(6):619-28. 16. McIntosh BC, Narayan D. Head and neck angiosarcomas. J Craniofac Surg. 2005;16(4):699-703. CONCLUSÃO Os angiossarcomas são tumores raros e agressivos, incidem mais freqüentemente em homens, idosos e no couro cabeludo. Foi o subtipo histológico de sarcoma de partes moles em cabeça e pescoço mais freqüente e com sobrevida global 14,6%. Os principais fatores preditivos de um prognóstico ruim são: o estádio avançado na apresentação, a invasão de pele e músculo. A cirurgia mostrou-se fundamental no aumento da sobrevida desses pacientes. 108 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008