Relato de Caso Angiossarcoma em couro cabeludo. Relato de um caso Angiosarcoma of the scalp. Case report Marcello Weynes Barros Silva 1 Klecius Leite Fernandes 2 Humberto David Menezes de Siqueira Brito 3 Alexandre Rolim da Paz 4 Resumo Abstract Introdução: O angiossarcoma cutâneo é um tumor vascular maligno e raro, que afeta principalmente idosos após os 60 anos, e de causa desconhecida. Tratamento cirúrgico curativo só é possível em alguns casos, devido à extensão larga e o crescimento multifocal subclínica. Objetivo: Apresentar a evolução clínicocirúrgica de um angiossarcoma de couro cabeludo. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 87 anos, apresentando lesão na região frontoparietal direita do couro cabeludo, de caráter vascular, nodular escurecida e ulcerada há 6 meses. Submetido a exérese cirúrgica, cujo diagnóstico foi confirmado pela histopatologia. Comentários finais: Discute-se a apresentação clínica, as alterações radiológicas e o tratamento. Introduction: The cutaneous angiosarcoma is a malignant and rare vascular tumor that affects mainly older people after age 60, of unknown cause. Curative surgical treatment is only possible in some cases due to the large extent and subclinical multifocal growth. Objective: To present the clinical-surgical evolution of a scalp angiosarcoma. Case report: Male patient, 87 years, showing injury in the right frontoparietal region of the scalp, vascular character, and ulcerated nodular darkened 6 months ago. Underwent surgical excision, whose diagnosis was confirmed by histopathology. Comments: We discuss the clinical presentation, radiological findings and treatment. Key words: Sarcoma; Hemangiosarcoma. Descritores: Sarcoma; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Hemangiossarcoma. Head and Neck Neoplasms; Introdução Relato de caso Angiossarcoma, também conhecidos como hemangioendotelioma ou hemangiossarcoma, é tumor vasculares maligno resultante a partir de células endoteliais vasculares, que compreendem 2% de sarcomas de tecidos moles. O local mais comum de envolvimento é a região da cabeça e pescoço, sendo responsável por 52% dos casos, ocorrendo principalmente em idosos, tendo uma predileção para o sexo masculino.1 Angiossarcomas geralmente ocorrem como lesões multifocais e assintomáticas que podem resultar em edema local, sangramento e ulceração. Eles são agressivos e de rápido crescimento, apresentando difícil delimitação das margens cirúrgicas - o que explica as altas taxas de recorrência local e metástases.2,3 Neste artigo, será relatado um caso de um paciente de 87 anos apresentando angiossarcoma na região do couro cabelo e que foi submetido à ressecção completa da lesão. Paciente de 87 anos, sexo masculino, cor branca, agricultor, procedente de Belém, Paraíba. Portador de Hipertensão Arterial Sistêmica em uso de Losartana, ex-etilista e ex-tabagista durante 50 anos. Atendido no serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital São Vicente de Paula, João Pessoa-PB em fevereiro de 2015. Ao exame, apresentava lesão de aspecto nodular multifocal com coloração violácea na região frontoparietal direita do couro cabeludo, com 6 meses de evolução. Referia dor constante na região do couro cabeludo acompanhada de vertigens e parestesias. Não apresentava linfonodomegalias cervicais. Enquanto tinha a lesão, referia ter dor na região do couro cabeludo mesmo em repouso acompanhada de tontura, sendo que utilizava compressas de gelo para amenizar. Relatou que outrora já havia duas lesões anteriores de menor magnitude, que desapareceram sem tratamento. O paciente não apresentava linfadenomegalias. 1)Graduando em Medicina. Acadêmico de Medicina da UFPB. 2)Residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Instituto Nacional de Câncer-RJ. Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Cirurgia Craniofacial - PUC/INCA/RJ. Título de Especialista da SBCCP. Médico. Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital São Vicente, João Pessoa/PB. Professor/Coordenador do Módulo de Doenças prevalentes na região da Cabeça e Pescoço da UFPB. 3)Residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço – UFC. Médico. Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital São Vicente, João Pessoa/PB. 4)Residência médica em patologia na Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Título de especialista em patologia pela AMB e SBP. Patologista Hospital Napoleão Laureano. Professor UFPB Instituição: Hospital São Vicente de Paulo. João Pessoa / PB – Brasil. Correspondência: Marcello Weynes - Rua José Alexandre de Farias, 693 – Bancários - João Pessoa / PB – Brasil – CEP: 58051-550. Artigo recebido em 18/07/2015; aceito para publicação em 21/01/2016; publicado online em 30/06/2016. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. 30 R��������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 30-32, Janeiro / Fevereiro / Março 2016 Angiossarcoma em couro cabeludo. Relato de um caso. A ressonância (Figura 1) revelou no plano cutâneo e subcutâneo imagens nodulares de contorno lobulado, apresentando sinal intermediário na ponderação de T1 e sinal hiperintenso na ponderação de T2/FLAIR. A reconstrução em 3 dimensões apresentou uma imagem de lesão nodular nos planos cutâneo e subcutâneo. Durante a cirurgia, realizou-se uma ressecção do tumor de couro cabeludo com margens laterais de 10 mm e margem profunda ao nível do periósteo sem intercorrências durante o procedimento. O defeito cirúrgico ficou para fechamento por segunda intenção. Paciente evoluiu bem, com leves dores na ferida cirúrgica, bom estado geral, consciente, orientado, eupneico e afebril. Sem alterações relevantes nos outros parâmetros fisiológicos. Ferida operatória cruenta, fechamento por segunda intenção e com bom aspecto na avaliação. Recebeu alta no dia seguinte ao da cirurgia sem sangramentos ativos e com as devidas orientações quanto aos cuidados com o curativo. O material recebido para exame consta de material elíptico pardacento, medindo 9,0 x 8,0 x 1,0 cm. Na superfície, nota-se lesão nodular e enegrecida, medindo 3,0 x 2,8 cm, distando 0,8 cm da margem cirúrgica mais próxima. O diagnóstico do histopatológico revelou Angiossarcoma ulcerado e ausência de invasão neoplásica angiolinfática e perineural. Margens laterais e profundas livres de neoplasia. As lâminas (Figura 2) da biópsia foram coradas em Hematoxilina-eosina mostrando presença de mitoses atípicas com núcleos bizarros e angiossarcoma infiltrando difusamente a derme. Já a imunohistoquímicas revela amostra positiva para o marcador vascular CD31. Paciente obteve uma boa evolução clínica (Figura 3) e prosseguiu para consulta posterior de acompanhamento com oncologista, que relatou um bom prognóstico pósoperatório. O tratamento quimioterápico e radioterápico não foi recomendado para prosseguimento neste caso. O paciente está em seguimento Oncológico conjunto com a Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Oncologia Clínica, sem evidência de doença recidivada local, regional ou à distância. Silva et al. Figura 1. (A). Lesão com sinal intermediário na ponderação de T1. (B). Lesão com sinal hiperintenso na ponderação de T2/FLAIR. Figura 2. (A). Lâmina de imunohistoquímica revela amostra fortemente positiva para o marcador vascular CD31. (B). Lâmina com hematoxilinaeosina mostrando figuras de mitose e angiossarcoma infiltrando difusamente a derme. Figura 3. Lesão vascular-sanguinolenta, nodular e enegrecida na região frontoparietal direita do couro cabeludo. Prosseguindo para exérese cirúrgica do angiossarcoma. Pós-operatório da lesão ainda com curativo, em processo de cicatrização e uso tópico de neomicina. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 30-32, Janeiro / Fevereiro / Março 2016 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 31 Angiossarcoma em couro cabeludo. Relato de um caso. Silva et al. Discussão Apesar de o fator etiológico do angiossarcoma ser desconhecido, há evidências que associam exposição solar, trauma, linfedema crônico e irradiação prévia.2,3 Há vários relatos de casos de angiossarcoma surgindo espontaneamente de hemangiomas e malformações vasculares. O mecanismo de transformação maligna em tumores vasculares benignos não está claro porque há poucos relatos de casos. Uma história de trauma pode ser um fator etiológico de uma lesão pré-existente. 1 Clinicamente, há manifestação de máculas e/ ou placas eritematosas, hemorrágicas e assintomáticas com rápido crescimento centrífugo e infiltrante.5 Exames baseados em imagem podem corroborar o diagnóstico, o que significa que tanto a ressonância magnética e a tomografia computadorizada podem ser realizados. O diagnóstico é confirmado por uma biópsia e estudo histopatológico com pesquisa imunoistoquímica do tecido.1,3 Vários diagnósticos diferenciais devem ser considerados na suspeita da patologia. Por exemplo, Hemangioma, Sarcoma de Kaposi, Melanoma maligno, malformação vascular venosa e metástases desconhecidas. 4 O laudo histopatológico é fundamental para o diagnóstico, mesmo que seja difícil, tanto pela raridade como pela histologia complexa. Marcadores imunoistoquímicos úteis ao diagnóstico são antígeno fator VIII, Ulex europaeus, laminina, CD 31 e CD 34.1,2 Histologicamente, um angiossarcoma bem diferenciado é formada por uma rede de canais vasculares irregulares bem formadas na derme, em geral delimitada por células endoteliais planas. Um tumor menos diferenciado contém aglomerações de canais vasculares delineadas por várias camadas de células endoteliais atípicas que frequentemente mostram proliferação intraluminal e pleomorfismo.3 O objetivo cirúrgico é ressecar toda doença clinicamente identificável. O controle microscópico das margens cirúrgicas podem ter um papel na condução da extensão da ressecção. Em muitos pacientes, a cirurgia não é possível por causa da natureza multifocal e padrão de disseminação local do tumor.4 A cura cirúrgica costuma ser rara, especialmente para os tumores do couro cabeludo, porque é difícil de se ressecar com margens cirúrgicas tridimensionais adequadamente amplas.1 Pacientes de um estudo cujo tumor era cirurgicamente irressecável e/ou maiores que 10 cm faleceram pela doença.2 Angiossarcomas geralmente respondem à radioterapia em algum grau e a maioria dos estudos sugerem que uma combinação de cirurgia e de radioterapia oferece bom controle. Em casos inadequados para cirurgia, radioterapia sozinho pode ser considerada; no entanto, normalmente, apenas respostas parciais são alcançados. 4 A sobrevida global em doentes que sofrem de angiosarcoma da região de cabeça e pescoço permanece baixa, de modo que 32 R��������������������������������������������� a taxa de sobrevivência de cinco anos variam de 12 a 33%.4,5 O estádio avançado na apresentação, a invasão de pele e músculo revelaram-se fatores importantes para o prognóstico. A cirurgia mostrou-se fundamental no aumento da sobrevida desses pacientes.2 A classificação TNM para os sarcomas inclui a graduação histológica (G). Os angiossarcomas são sempre considerados tumores de alto grau (G4). O estádio T se refere ao tamanho da lesão e a sua profundidade em relação à fáscia (T1 inferior ou igual a 5cm, T2 superior a 5cm).2,3 A doença tem uma alta probabilidade de reincidência local e disseminação hematogênica principalmente no pulmão seguido pelo gânglios linfáticos, ossos e tecidos moles.1 No relato de caso apresentado, o estadiamento estabelecido foi cT2N0M0G4. O estudo de Farias et al (2008) corrobora com o nosso relato de caso. A lesão nodular parece ter uma evolução mais positiva e também por ser menor que 5 cm pode ter um desfecho mais favorável mesmo com a presença de dor e de sangramento. Conclusão O angiossarcoma de couro cabeludo é um tumor raro, com poucos casos na literatura. Devido a raridade, agressividade, rápido crescimento e diversidade de diagnósticos diferenciais, ele é diagnosticado tardiamente levando a um mau prognóstico. Em nosso caso, apresentamos um paciente de idade avançada com lesão de rápida evolução (6 meses). Relatamos uma alta probabilidade de cura por meio da ressecção cirúrgica da lesão com margens livres. Referências 1.Yang XJ, Zheng JW, Zhou Q, Ye WM, Wang YA, Zhu HG, Wang LZ, Zhang ZY. Angiosarcomas of the head and neck: a clinico-immunohistochemical study of 8 consecutive patients. Int J Oral Maxillofac Surg. 2010 Jun;39(6):568-72. 2.Farias TP, Camara MVM, Dias FL, Maia Filho PC, Rangel LG, Peryassu BC, COSTA RM. Evolução dos angiossarcomas da cabeça e pescoço. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 104 - 108, abril / maio / junho 2008 3.Juca NBH, Miranda WLL, Costa IS, Oliveira LMP, Gonçalves HS. Primary angiosarcoma of the scalp and lepromatous leprosy: an uncommon combination in an elderly patient. Surg Cosmet Dermatol. 2011;3(1):63-5. 4.Selim A, Khachemoune A, Lockshin NA. Angiosarcoma: a case report and review of the literature. Cutis. 2005 Nov;76(5):313-7. 5.Sturgis EM, Potter BO. Sarcomas of the head and neck region. Curr Opin Oncol. 2003; 15(3):239-52. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 1, p. 30-32, Janeiro / Fevereiro / Março 2016