Mário Alberto Perini possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1967) e doutorado pela University of Texas (1974). Atualmente é professor voluntário da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo sido professor na UFMG, na PUC-Minas, na UNICAMP e nas universidades de Illinois e Mississipi. Atua na subárea de Teoria e Análise Lingüística, com concentração em português brasileiro falado, sintaxe, ensino de português e gramática de construções. Texto informado pelo autor na Plataforma LATTES. Para conhecer mais sobre o trabalho do professor, você pode acessar o seu currículo http://lattes.cnpq.br/0127519070588616 LINGÜÍSTICA E SOCIEDADE1 Juliane Cristina, Luzia Lopes e Nathaly Fabiana2 PARLATORIUM- Qual é a sua visão sobre a lingüística e o modo como ela é tratada pela escola? PERINI- O papel da lingüística no curso de Letras, a meu ver, tem dois aspectos: primeiro, colocar o estudante em contato com a pesquisa -- não apenas seus resultados, mas principalmente seus métodos e maneira de pensar. Atualmente o aluno de Letras tem pouquíssima noção do pensamento científico, e aqui a lingüística pode ajudar (embora nem sempre ajude, mas isso já é outro problema). O outro aspecto é o de comunicar ao estudante os resultados da pesquisa lingüística, muitos dos quais podem ser úteis em sua carreira como profissional na linguagem. Por exemplo, um professor de língua estrangeira precisa ter condições de planejar um curso, formular exercícios e selecionar o melhor manual. Aqui os estudos lingüísticos podem ser de grande ajuda. Um professor de Português, por outro lado, vai ensinar Gramática e precisa ter pelo menos alguma visão das limitações do modelo tradicional que é o adotado (por enquanto) nas escolas. Eu acrescentaria que estudar lingüística é um caminho para se interessar pelos problemas do estudo da linguagem – ao contrário do que muita gente pensa, coisas como fonologia, gramática e psicolingüística são áreas de estudo absolutamente fascinantes. 1 2 Entrevista com Mário Perini realizada no dia 30 de outubro de 2006. Alunas do Curso de Letras da FAMINAS-BH. PARLATORIUM- Como é ser um lingüista em uma sociedade que valoriza tanto a estabilidade e a conservação da língua? PERINI- Eu valorizo muito a estabilidade e a conservação da língua. Só que a língua, para mim, não é a que está nas gramáticas, mas a que é usada diariamente (por escrito e principalmente na fala) por 170 milhões de brasileiros. PARLATORIUM- No seu livro Sofrendo a Gramática o senhor afirma ser um gramático mas ao mesmo tempo faz crítica à analise gramatical. Como resolver esse impasse? PERINI- Não há impasse. Ser um gramático não é ler e decorar o que está nas gramáticas, mas fazer pesquisa na área da Gramática. E fazer pesquisa pressupõe, crucialmente, criticar análises – criticar construtivamente, ou seja, dizer coisas como “essa análise tem os seguintes defeitos, e eu proponho as seguintes soluções”. Eu (e os lingüistas em geral) critico a análise tradicional, mas igualmente critico análises não tradicionais. É o único meio de promover o progresso do conhecimento da língua. PARLATORIUM - Por que o senhor escolheu a Lingüística como área de atuação? PERINI- Desde criança tive uma fascinação incrível por línguas. Ou seja, escolhi a lingüística porque eu gostava demais do negócio (e ainda gosto). PARLATORIUM- Muitas faculdades não percebem a importância do ensino de língua portuguesa no nível superior porque acreditam que os alunos já sabem ler e escrever. Como o senhor analisa esta questão? PERINI- Não creio que o estudo de lingüística tenha muito a ver com o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. A gente estuda lingüística para conhecer melhor a estrutura e o funcionamento da linguagem, não para melhorar o desempenho na escrita. Agora, dizer que não se deve estudar lingüística porque já se sabe ler e escrever é como dizer que não se deve estudar fisiologia porque nós já sabemos respirar, digerir etc. Aliás, uma observação maldosa: muitos alunos (e alguns professores) não sabem ler e escrever bem não. PARLATORIUM- Na sua opinião, nós falamos Português ou já falamos o Brasileiro? PERINI- Essa é uma questão política, ideológica, e não lingüística. Eu (falando como cidadão, não como lingüista) chamo a minha língua de Português do Brasil. PARLATORIUM- O senhor tem algum projeto de fazer uma gramática pedagógica para ser usada na escola? PERINI- Eu gostaria de fazer isso um dia. Já fiz uma tentativa, nos anos 80, mas não achei quem publicasse. Está na gaveta, quem sabe um dia eu pego de novo e faço uma nova tentativa. Por outro lado, publiquei em 2002 uma gramática portuguesa em inglês, intitulada Modern Portuguese (Yale University Press). Está em andamento um acordo para traduzi-la e adaptá-la ao mercado brasileiro. PARLATORIUM- Qual postura o senhor recomenda que os atuais e futuros professores de Língua Portuguesa tenham para que seus alunos valorizem e aceitem as mudanças, diferenças e evoluções da sua língua? PERINI- Acho que aqui falta espírito científico. O espírito científico de que falo é o que respeita os fatos acima das teorias, dos desejos e das ideologias do pesquisador. As mudanças, diferenças, variações da língua são fatos. Ou seja, é um FATO que os brasileiros dizem “me dá ele aí” – não é alguma coisa que tem que ser “aceita” ou não. É um fato, e pronto. Se a lingüística tem uma contribuição realmente relevante para dar aos alunos de Letras é essa aí: respeitar os fatos.