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ESTÁGIO EM ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
AULA 04: PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
TÓPICO 02: O ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA A PARTIR DE GÊNEROS TEXTUAIS
O ensino de língua portuguesa deve privilegiar os gêneros não apenas
porque essa é a orientação dos PCN ou o direcionamento que se verifica no
livro didático, mas, sobretudo, porque os alunos sabem, ainda que
intuitivamente, que os textos que produzem (orais ou escritos) adequam-se a
formatos textuais, que, por sua vez, atendem ao contexto de interação do
qual participam.
Nós sabemos que os alunos se dão conta de situações em que se deve
protestar, aconselhar, pedir desculpas, contar um fato, solicitar algo, por
exemplo. A escolha do gênero é, pois, determinada pela situação de uso do
texto que se pretende produzir. E, para o aluno materializar sua escolha com
eficiência, isto é, ser bem-sucedido no seu projeto de dizer, faz-se necessário
o saber acerca da língua e de seu funcionamento.
Um dos aspectos mais relevantes na adoção dos gêneros textuais como
base para o ensino de análise linguística diz respeito ao fato de ser possível a
superação da dicotomia, demasiadamente restrita, do "certo" e do
"errado" ((sobre a qual falamos na aula 1)) , tão presente nas aulas de
gramática.
Ao considerarmos os gêneros textuais, as regras linguísticas ganham
funcionalidade em razão de serem definidas de acordo com as peculiaridades
de cada gênero. Desse modo, a língua virtual, a idealizada, tal qual se
encontra descrita nas gramáticas normativas, cede lugar à língua real, que se
caracteriza pela atuação dos sujeitos falantes. Nesse contexto, os conceitos de
“certo” e “errado” não caberiam, pois o foco passa a ser a adequação (ou
inadequação) de determinadas estruturas ou recursos linguísticos ao gênero
que dá forma ao texto resultante da situação de comunicação realizada.
Escolhemos, assim, o gênero textual das práticas sociais e discursivas
com as quais o aluno está envolvido. Uma vez escolhido o gênero, podemos
explorar fenômenos linguísticos mais recorrentes no gênero em questão. Por
exemplo, se optamos por estudar o gênero conto ou crônica, possivelmente
encontraremos marcadores temporais ((advérbios, locuções adverbiais,
orações adverbiais)) , elementos linguísticos que compõem a estrutura desse
gênero.
Em outras palavras, sob a perspectiva do atual paradigma de ensino,
passamos a reconhecer, comparar, analisar e categorizar fenômenos
linguísticos, de natureza morfológica, sintática, semântica e pragmática,
identificando sua ocorrência, diferenciada em função do gênero, da
modalidade (oral/escrita), do registro (formal/informal), da variedade da
língua (culta/não padrão) e dos fatores que condicionam as variedades
linguísticas (de idade, de região, de nível socioeconômico, entre outros).
Para que possamos entender melhor o que está sendo proposto, vejamos
a seguir uma atividade elaborada para trabalhar com o gênero receita e o
emprego do modo verbal imperativo.
EXEMPLO 1
Leia o texto (Adaptada de uma atividade elaborada por alunos do
Curso de Letras da UFC para a disciplina 'Gêneros Textuais e Ensino') a
seguir:
TEXTO I
ARROZ À GREGA DE FORNO
(Pronto em 45 min. Rende: 8 porções)
Ingredientes:
◾ 3 colheres (sopa) de manteiga
◾ 1 pimentão vermelho picado
◾ 2 talos de salsão picados
◾ 1 cebola picada
◾ 2 dentes de alho amassados
◾ 4 xícaras (chá) de arroz branco cozido
◾ 1 lata de mix de ervilha e cenoura escorrida
◾ 1 lata de milho verde escorrido
◾ 1 tomate sem sementes picado
◾ 1 xícara (chá) de azeitonas verde picadas
◾ 2 colheres (chá) de sal
◾ 2 xícaras (chá) de queijo mussarela ralado
grosso
◾ Margarina para untar
Preparo:
Em uma panela, em fogo médio, aqueça a manteiga e frite o
pimentão, o salsão, a cebola e o alho por 3 minutos ou até dourar
levemente. Em um refratário médio untado com margarina, misture
esse refogado com o arroz, o mix de ervilha e cenoura, o milho
verde, o tomate, as azeitonas e o sal. Cubra com o papel alumínio e
leve ao forno médio, pré-aquecido, por 20 minutos. Retire do forno,
retire o papel, espalhe o queijo mussarela e retorne ao forno por
mais 10 minutos ou até derreter o queijo e dourar levemente. Sirva
em seguida.
Alho mais saboroso
Para realçar o sabor, descasque o dente de alho, corte-o ao meio
no sentido do comprimento e elimine o miolo esverdeado.
FONTE: Livro de receitas: Arroz de forno (Série PURO
SABOR).
1. Responda:
a) O texto acima pertence a que gênero? Que características permitem
reconhecê-lo como tal?
b) Qual o propósito desse gênero?
c) Esse gênero é apresentado obrigatoriamente na modalidade
escrita? Justifique.
Leia agora este outro texto:
TEXTO II
RECEITA DA FELICIDADE
Ingredientes:
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
◾
1 xícara de serenidade
3 colheres de sopa de paciência
2 xícaras de caridade
4 colheres de compreensão
1 dose de respeito
a mesma medida de tolerância
1 dúzia de amor
1/2 litro de carinho
3 copos de alegria
1 kg. de fé
2 kg. de pensamento positivo
1 pitada de inteligência
e muita humildade para semear.
Preparo:
Misture tudo, coloque dentro do seu coração aquecido para
aproximadamente tempo infinito.
Rendimento:
Para todos que buscam a felicidade.
Fonte [1]
d) Que gênero está servindo à composição do texto II?
e) Podemos afirmar que o propósito do texto II é o mesmo do texto I?
Justifique sua resposta.
f) Tanto no texto I quanto no texto II, os ingredientes são indicados
recorrendo-se à classe dos substantivos. Comparando os dois textos, que
diferença há entre os substantivos que indicam os ingredientes de um e de
outro texto?
g) Em relação à linguagem empregada, que diferença há entre os dois
textos?
h) Podemos dizer que os dois textos pertencem ao mesmo gênero?
Justifique sua resposta.
i) Agora volte sua atenção, em ambos os textos, para a parte do
Preparo. Qual é o modo verbal (indicativo, subjuntivo ou imperativo)
predominante? Por que se emprega esse modo verbal nesse gênero
textual?
2. Vamos focar nossa atenção agora no emprego do imperativo.
Observe:
Texto I
Em uma panela, em fogo médio, aqueça a manteiga e frite o
pimentão, o salsão, a cebola e o alho por 3 minutos ou até dourar
levemente.
Texto II
Misture tudo, coloque dentro do seu coração aquecido para
aproximadamente tempo infinito.
Veja:
Responda:
a) A que pessoa do discurso (2ª – tu; ou 3ª – você), as formas
destacadas nos trechos selecionados se referem?
Como você pode observar, houve o que chamamos de uniformidade
de tratamento, isto é, manteve-se o mesmo pronome pessoal para as
formas verbais empregadas. No entanto, a uniformidade de tratamento,
recomendada para os textos em que se deve empregar a variedade culta,
nem sempre é seguida.
Observe o refrão de uma propaganda veiculada pela Caixa Econômica
Federal.
VEM PRA CAIXA VOCÊ
TAMBÉM, VEM!
b) Podemos dizer que neste enunciado a forma verbal ("vem") é a que
corresponde ao pronome empregado ("você")?
c) Assinale a opção que identifica a intenção do autor do enunciado ao
desobedecer ao que dita a gramática normativa.
◾
Desacreditar os preceitos gramaticais que não são seguidos.
◾
Promover a variedade não-padrão falada pela maioria dos brasileiros.
◾
Aproximar-se do público-alvo fazendo uso do registro coloquial.
◾
Seguir a variedade praticada pelos publicitários.
d) O gênero, bem como o seu propósito, pode condicionar a
uniformidade de tratamento no emprego do imperativo? Cite exemplos
que ilustrem sua resposta.
Agora compare:
(i) Desce já daí, menino, que você pode cair. (uma mãe da região
sudeste falando para seu filho)
(ii) Desça já daí, menino, que você pode cair. (uma mãe da região
nordeste falando para seu filho)
3. Conclua:
Podemos afirmar que há variação no uso do imperativo? Essa
variação se deve a fatores de natureza social ou geográfica? Cite outros
exemplos que comprovem sua resposta.


POSSÍVEIS RESPOSTAS
1. a) Gênero receita (culinária). A estrutura do texto, dividido em:
ingredientes, modo de preparo e rendimento (opcional); o uso de
unidades de medida; o emprego do modo imperativo; a presença de
sequências injuntivas.
b) O propósito do gênero em questão, receita, é dar instruções
àquelas pessoas que desejam preparar algum alimento a ser servido
em alguma refeição.
c) Não, podemos encontrar também na modalidade oral.
d) Receita (culinária).
e) Não, pois o texto II não tem prioritariamente a intenção de
ensinar alguém a fazer algo, mas, sim, a de sensibilizar o leitor.
f) No texto I, há predominância de substantivos concretos; no
texto II, de substantivos abstratos.
g) No texto I, a linguagem é objetiva, denotativa; no texto II, a
linguagem é subjetiva, há elementos metafóricos.
h) Não, pois o texto I é uma receita, e o texto II é um poema. No
texto II, o poema assume a forma composicional de uma receita, o que
permite identificá-lo como receita poética.
d) Imperativo, pelo fato de ambos os textos apresentar/dar
instruções para execução de algo, ainda que, no texto II, a intenção
maior não seja verdadeiramente a de instruir o leitor a executar algo.
2. a) você
b) Não
c) ( ) Aproximar-se do público-alvo fazendo uso do registro
coloquial.
d) Sim. No gênero carta pessoal, por exemplo, podemos escrever:
Estou te escrevendo para contar as novidades. Assim você fica
sabendo do que anda acontecendo por aqui na sua ausência.
3. Sim, há variação no uso do imperativo no português brasileiro e essa
variedade se deve, notadamente, a fatores de natureza geográfica.
Falantes da região sul e sudeste empregam mais a forma “Fecha a
porta; apaga a luz”; falante da região nordeste empregam mais a forma
“Feche a porta; apague a luz”. A mistura de tratamento é um traço
típico da variedade culta informal.
OLHANDO DE PERTO
Sobre a variação no uso do imperativo no português brasileiro, leia o
artigo "O uso do modo imperativo em revistas em quadrinhos do Menino
Maluquinho", de Jeferson Alves, disponível em:
Link Externo [2] (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)
DICAS
Quer conhecer outra proposta de trabalho com a gramática a partir de
um gênero textual específico?
Acesse link [3] e veja o que propõe Terezinha Costa-Hübes, no artigo
Uma tentativa de análise linguística de um texto do gênero "Relato
Histórico".
Clique aqui para baixar o arquivo. (Visite a aula online para realizar
download deste arquivo.)
Os gêneros que podem ser explorados em sala de aula não são somente
os que se apresentam impressos, em livros, jornais ou revistas. Há uma
variedade de gêneros na web, ainda que nem sempre saibamos como nomeálos, que possibilitam trabalhos bem interessantes em sala de aula. Quer ver
como isso é possível? Veja, então, o exemplo a seguir.
EXEMPLO 2 (ESTA ATIVIDADE TAMBÉM PODE SER APLICADA EM SALA DE
AULA, DESDE QUE SE TENHA ACESSO À INTERNET PARA QUE OS ALUNOS
POSSAM ASSISTIR AO VÍDEO INDICADO)
Vocês costumam ver vídeos no YouTube?
O texto – esquete (pequena sequência cômica) – com o qual vamos
trabalhar foi veiculado originalmente no programa Jô Onze e Meia, em
2007, e logo ganhou reprodução no YouTube.
Vamos assistir, então, ao vídeo "A revolta da letra i"?
Link Externo [4]
"A REVOLTA DA LETRA I"
"A REVOLTA DA LETRA I"
Atividade elaborada a partir de sugestão apresentada por
Anderson Carnin, Maria Julia Macagnan e Fabiana Kurtz, no
artigo, cuja leitura recomendamos, "Internet e ensino de línguas:
uma proposta de atividade utilizando vídeo disponibilizado pelo
YouTube", disponível em: clique aqui para baixar.
macagnan.pdf (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.)
1. Respondam oralmente:
a) Segundo o texto, quais as desvantagens de ser a letra “i” no Brasil?
b) Em relação a outras línguas, que desvantagens a protagonista
apresenta?
c) Considerando o posicionamento da personagem e os argumentos
por ela utilizados, qual seria a saída menos dolorosa para que a letra “i”
ficasse satisfeita?
d) Que características você identifica nesse tipo de gênero (vídeo
veiculado pelo YouTube)?
e) Qual o propósito desse vídeo?
f) Que outros propósitos os vídeos veiculados pelo YouTube
apresentam? Cite exemplos que comprovem sua resposta.
g) Que relação este vídeo pode ter com uma aula de língua
portuguesa?
h) Em que “conteúdos” da gramática tradicional são tratadas questões
como a que é abordada no vídeo?
2. Relembre esta fala da personagem: “Porque o ‘a’ pode usar todos os
acentos que quiser”.
Se usar o acento, a letra “a” pode aparecer em várias palavras.
Preencha o quadro abaixo observando a sílaba tônica em que a letra “a”
deve aparecer.
Com acento agudo
Com acento circunflexo
Oxítona:
Oxítona:
Paroxítona:
Paroxítona:
Proparoxítona:
Proparoxítona:
3. Que exemplo(s) de palavras oxítonas terminadas em "a" com acento
circunflexo você encontrou?
4. A que conclusão você pode chegar sobre o emprego do acento
circunflexo na letra "a" em posição final de palavra?
5. Agora reflita sobre o emprego dos acentos (agudo e circunflexo) em
relação ao timbre da vogal (aberto ou fechado). Em seguida, preencha
corretamente as lacunas.
O acento agudo é empregado para indicar que a vogal deve ser
pronunciada com timbre
, como em bálsamo,
fácil,
sofá;
já
o
acento circunflexo indica que
, como em câmara, câncer.
o
timbre
é
DESAFIO
A exemplo da proposta apresentada para trabalhar o vídeo "A revolta
da letra i" e com base no artigo de Carnin, Macagnan e Kurtz (2008),
elabore uma atividade para o vídeo "Assalto a língua portuguesa",
disponível em:
http://www.youtube.com/embed/xKPigUEkCqU
OBSERVAÇÃO
Ao trabalhar com os gêneros, o professor deve evitar o que chamamos
"didatização do gênero", isto é, a focalização somente nos aspectos
formais, aqueles mais prototípicos, ligados à estruturação do gênero. O
professor não deve deixar de explorar a dinamicidade e plasticidade dos
gêneros bem como seus contextos de produção e circulação.
FONTES DAS IMAGENS
1. http://www.simoneautoajuda.com/receita_felicidade.htm
2. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br//arquivos/File/2010/artigos_
teses/LinguaPortuguesa/artigos/modo_imperativo.pdf
3. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151876322010000100009&script=sci_arttext
4. http://www.youtube.com/watch?v=Is3moTcWy3E)
Responsável: Profª. Ana Célia Clementino Moura
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual
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