A variabilidade da ordem das palavras na aquisição da língua de

Propaganda
ALINE LEMOS PIZZIO
A VARIABILIDADE DA ORDEM DAS PALAVRAS NA
AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA:
CONSTRUÇÕES COM TÓPICO E FOCO
FLORIANÓPOLIS - SC
2006
ALINE LEMOS PIZZIO
A VARIABILIDADE DA ORDEM DAS PALAVRAS NA
AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA:
CONSTRUÇÕES COM TÓPICO E FOCO
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Lingüística da Universidade
Federal de Santa Catarina como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Ronice Müller de Quadros
Florianópolis, março de 2006.
Dedico este trabalho ao meu filho Bernardo que, desde
a concepção, acompanhou toda esta trajetória ao meu
lado e é a minha grande fonte de inspiração.
Agradecimentos
A realização desta dissertação só foi possível graças ao apoio e contribuição de
algumas pessoas. Meu agradecimento especial
Ao meu marido Robinson pelo amor, paciência e apoio incondicional durante
todo o mestrado;
Aos meus pais, José Antonio e Rosamaria pelo desprendimento de largar suas
rotinas por vários meses para cuidar de mim no período em que fiquei de repouso
durante a gravidez;
Aos meus familiares que sempre me deram apoio e incentivo: meus irmãos e
minha tia Yeda ( in memorian);
À minha orientadora Ronice Müller de Quadros pelo incentivo e pelos
ensinamentos durante todo o mestrado;
Aos colegas do GES pelas trocas constantes e pelas palavras de incentivo nos
momentos difíceis;
À minha amiga Roberta pelas valiosas revisões.
i
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
IV
V
LISTA DE TABELAS
VI
LISTA DE QUADROS
VII
ABREVIATURAS
IX
INTRODUÇÃO
1
1 CARACTERIZAÇÃO DA TEMÁTICA
4
1.1 AS LÍNGUAS DE SINAIS
4
1.1.1 Aquisição da língua de sinais
7
1.1.1.1 Balbucio manual
8
1.1.1.2 Primeiros sinais: estágio de um sinal
9
1.1.1.3 Estágio das primeiras combinações
10
1.1.1.4 Estágio de múltiplas combinações
11
1.2 A TEORIA GERATIVA
12
2 AQUISIÇÃO DA ORDEM DAS PALAVRAS
19
2.1 NAS LÍNGUAS ORAIS
19
2.1.1 Inglês
19
2.1.2 Russo
20
2.2 NAS LÍNGUAS DE SINAIS
24
2.2.1 Língua de sinais americana (ASL)
25
2.2.2 Língua de Sinais Holandesa (SLN)
33
ii
2.2.3 Língua de sinais brasileira (LSB)
36
3 TÓPICO E FOCO
39
3.1 TÓPICO
39
3.1.1 Tópico nas línguas de sinais
46
3.1.2 Aquisição de tópico
52
3.2 FOCO
54
3.2.1 Foco nas línguas de sinais
58
3.2.2 Aquisição de foco
66
3.3 TÓPICO VERSUS FOCO
69
4 METODOLOGIA
74
4.1 PROTOCOLO DE TRANSCRIÇÃO
75
4.1.1 Informações sobre o contexto da filmagem
76
4.1.2 Marcações manuais
79
4.1.3 Marcações não-manuais
80
4.1.4 Segmentação
81
4.1.5 Tipos de verbos
82
4.1.6 Classificadores
85
4.1.7 Tradução para o português
85
4.2 ANÁLISE DOS DADOS
86
5 ANÁLISE DOS DADOS
88
5.1 ANÁLISE QUANTITATIVA
88
5.2 ANÁLISE QUALITATIVA
97
5.2.1 Construções com tópico
98
iii
5.2.2 Construções com foco
104
5.2.3 Outras construções
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
111
iv
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar a variabilidade encontrada na ordem
das palavras durante a aquisição da língua de sinais brasileira (LSB) por uma criança
surda, filha de pais surdos, por meio de um estudo longitudinal. A ordem básica desta
língua é a SVO, mas outras ordens, como OSV, SOV e VOS, são derivadas da primeira
e são possíveis em determinados contextos lingüísticos. Dentre os fatores que podem
gerar essa variabilidade estão as construções com tópico e foco. O tópico é o
constituinte que veicula informação partilhada pelos interlocutores, enquanto o foco
apresenta a informação não pressuposta. Nos dados da criança analisada, foi constatado
que as construções com tópico e foco aparecem desde o início da aquisição da
linguagem, já no estágio das primeiras combinações, embora haja inconsistência no uso
das marcações não-manuais associadas a esses fenômenos. A criança surda apresentou
evidências da ocorrência de todos os tipos de tópico e foco possíveis na LSB. Estes
resultados revelam que os dados das crianças surdas apresentam similaridades com os
dados das crianças ouvintes, indicando que não há efeitos de modalidade na aquisição
da linguagem.
v
ABSTRACT
The objective of this thesis is to analyze through a longitudinal study the
variability of the word order in the acquisition of the Brazilian Sign Language (LSB) by
a deaf child born to deaf parents. The basic order of this language is SVO, but other
orders, such as OSV, SOV, and VOS are derived from the basic one and are possible in
some linguistic contexts. Some factors can generate this variability, such as topic and
focus constructions. Topic is the information shared by the speakers and focus is the
non-presupposed part of the sentence. In the data analyzed from the deaf child that was
the subject of this study, we can observe that topic and focus constructions appear in a
very early age, since the stage of the first words combinations. Nevertheless, the use of
non-manual marks associated with these phenomena is inconsistent. The deaf child
presented evidences of all types of topic and focus possible in LSB. These results reveal
that the data collected from deaf children is similar to the data collected from hearing
children, indicating that there are not modality effects in language acquisition.
vi
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1: Porcentagem das construções VO e OV na produção de Varvara
23
Tabela 3.1: Resumo dos tipos de tópicos com duas instâncias verbais
45
Tabela 3.2: Tipos de construção com tópico na ASL (Aarons, 1994)
48
Tabela 3.3: Elementos da estrutura de informação na ASL e LSB
66
Tabela 3.4: Idade da primeira produção consistente de cada tipo de foco
69
Tabela 5.1: Ordens de palavras encontradas na produção de LÉO
89
Tabela 5.2: Tipos de verbos produzidos com as ordens OV, OSV e SOV
92
Tabela 5.3: Tipos de sujeito no final da sentença
93
Tabela 5.4: Ocorrências por idade e percentual
94
Tabela 5.5: Ordens das palavras encontradas mês a mês
95
Tabela 5.6: Tipos de verbo em cada idade
96
Tabela 5.7: Tipos de marcação não-manual em cada idade
96
vii
LISTA DE QUADROS
Quadro 2.1: Critérios para identificação das operações de reordenação
30
Quadro 2.2: Distribuição da ordem das sentenças na LSB
37
Quadro 4.1: Exemplo do registro de início da transcrição de um
determinado trecho das filmagens
75
Quadro 4.2: Exemplo da finalização da transcrição de um determinado
trecho das filmagens
75
Quadro 4.3: Exemplo de trecho da transcrição indicando o tempo do ato
conversacional
76
Quadro 4.4: Exemplo de descrição do contexto da interação comunicativa
77
Quadro 4.5: Exemplos de possíveis contextos para o enunciado do LÉO ao
produzir a palavra LIVRO
77
Quadro 4.6: Exemplo de informação contextual relacionadas ao enunciado
78
Quadro 4.7: Exemplos de transcrições que incluem a informação quanto à
direção do olhar
78
Quadro 4.8: Exemplo de transcrição de gesto
79
Quadro 4.9: Exemplo de trecho da transcrição em que foi necessária a
utilização de várias palavras do português para expressar um único sinal
79
Quadro 4.10: Exemplo de transcrição da soletração manual
80
Quadro 4.11: Exemplo de trecho de transcrição incluindo marcas nãomanuais e com segmentação indicada por meio do símbolo |
81
Quadro 4.12: Exemplos de transcrição de trechos contendo verbos simples
82
Quadro 4.13: Exemplo de um trecho de transcrição contendo um verbo com
concordância pura
83
viii
Quadro 4.14: Exemplo de um trecho de transcrição contendo um verbo com
concordância reversa
83
Quadro 4.15: Exemplo contendo um verbo espacial
83
Quadro 4.16: Exemplo contendo um verbo simples com a incorporação do
loc de CASA
83
Quadro 4.17: Exemplo com verbos manuais
84
Quadro 4.18: Exemplo contendo verbo modal
84
Quadro 4.19: Exemplo contendo verbos com aspecto e com forma
imperativa
84
Quadro 4.20: Exemplo contendo verbo com marca de reciprocidade
85
Quadro 4.21: Exemplo contendo classificador
85
Quadro 4.22: Exemplo de transcrição com a respectiva tradução para o
português
85
Quadro 5.1: Demonstrativo do quadro de análise dos dados (LÉO)
89
ix
LISTA DE ABREVIATURAS
A – argumental
A’ – não-argumental
agr – agreement – concordância
AS – Assertion Structure – Estrutura de Asserção
ASL – American Sign Language – Língua de Sinais Amerciana
asp – aspecto
cl – classificador
CP – Complementizer Phrase – Sintagma Complementador
cv – categoria vazia
do – direção do olhar
DP – Determiner Phrase – Sintagma Determinante
DS – Deep Structure – Estrutura Profunda
E-focus – Emphatic Focus – Foco de Ênfase
FocP – Focus Phrase – Sintagma de Foco
GU – Gramática Universal
hand – handling – verbos manuais
I-focus – Information Focus – Foco de Informação
ILP – Individual Level Predicates – Predicados de Nível Individual
imp – imperativo
interrogativas s/n – interrogativas sim/não
IP – Inflection Phrase – Sintagma Flexional
ISL – Israeli Sign Language – Língua de Sinais Israelense
LAD – Languge Acquisition Device – Mecanismo de aquisição da Linguagem
LF – Logical Form – Forma Lógica
x
loc – loccus – local
LSB – Língua Brasileira de Sinais
mc – movimento de cabeça
NP – Nown Phrase – Sintagma Nominal
OagrP – object agreement phrase – Sintagma de concordância do objeto
PF – PhoneticForm – Forma Fonética
PPA – Possible Pragmatic Assertions – Asserções Pragmaticamente Possíveis
SagrP – subject agreement phrase – Sintagma de concordância do sujeito
SLN – Sign Languege of Netherlands – Língua de Sinais Holandesa
spec – specifier – especificador
SS – Superficial Structure – Estrutura Superficial
SVO – Sujeito–verbo–objeto – (SV, VO, VS, OSV, SOV, VOV, SVS, etc.)
t – trace – vestígio
t-c – tópico-comentário
tm – topic mark – marca de tópico
TopP – Topic Phrase – Sintagma de Tópico
TP – Tense Phrase – Sintagma Temporal
VP – Verb Phrase – Sintagma Verbal
WCO – Weak Cross-Over – Cruzamento Fraco
Wh – qualquer palavra Wh (Who, Where, What, When, How)
1
INTRODUÇÃO
Nesta dissertação será trabalhada a questão da variabilidade da ordem das palavras na
aquisição da língua de sinais brasileira (LSB) por uma criança surda, filha de pais surdos, por
meio de um estudo longitudinal. Mais especificamente, será analisada a aquisição de tópico e
foco. Como ponto de partida, utilizou-se um estudo semelhante realizado com a língua de
sinais americana (ASL), intitulado Word order variation and acquisition in American Sign
Language (Pichler, 2001).
As análises existentes sobre a ordem das palavras na língua de sinais brasileira (Felipe,
1989; Ferreira-Brito, 1995; Quadros, 1999) evidenciam que a ordem mais básica da frase é
SVO. Porém, as autoras afirmam a existência de outras possibilidades de ordenação que são
derivadas do movimento de determinados elementos licenciados em contextos lingüísticos
específicos. Assim, encontra-se também na LSB as ordens OSV, SOV e VOS. Dentre os
mecanismos gramaticais que podem gerar essa variabilidade estão a topicalização e as
construções com foco, que serão analisadas durante o período da aquisição da linguagem.
Para fundamentar os dados será utilizada a teoria gerativa, já que se acredita que todo
o indivíduo nasce com uma capacidade para desenvolver a linguagem e que esta é uma
habilidade presente no cérebro/mente. A união entre a capacidade inata e os fatores
ambientais faz com que a linguagem se desenvolva. Na verdade, a interação com o ambiente
apenas ajuda a torná-la mais complexa e sofisticada envolvendo fatores epifenomenais, ou
seja, questões de outra ordem que irão constituir o ser humano culturalmente e socialmente.
Este trabalho deter-se-á às questões relacionadas com a linguagem no sentido chomskiano,
isto é, a faculdade da linguagem.
Dentro dessa concepção, existe a proposta de Princípios e Parâmetros (Chomsky e
Lasnik, 1991), que compõem essa faculdade da linguagem. Os princípios são as leis gerais
2
que valem para todas as línguas naturais e compõem a Gramática Universal (GU). Dessa
forma, uma sentença que viola um princípio não é tolerada em nenhuma língua natural. Já os
parâmetros são as propriedades que uma língua pode ou não apresentar e que são responsáveis
pela diferença entre as línguas. Eles são uma espécie de comutador lingüístico, cujo valor
final e definitivo apenas é atingido durante o processo de aquisição.
Para melhor situar a temática trabalhada nesta dissertação, optou-se por destinar o
primeiro capítulo a uma revisão mais geral sobre a caracterização das línguas de sinais e
também da teoria gerativa, embora este capítulo não objetive apresentar uma discussão
exaustiva sobre tais aspectos, uma vez que existem bibliografias nacionais específicas sobre
os mesmos, conforme será indicado no próprio capítulo. Isto se justifica em virtude de os
estudos sobre a LSB no Brasil ainda estarem amadurecendo na área da lingüística. Desta
forma, ao se introduzir uma revisão desses dois assuntos, contempla-se tanto as pessoas que
necessitam de um maior conhecimento sobre as línguas de sinais, principalmente na área da
própria lingüística, quanto àquelas que necessitam aprofundar questões sobre a teoria gerativa,
como, por exemplo, profissionais do campo da surdez.
O capítulo 2 faz um apanhado de alguns trabalhos sobre a aquisição da ordem das
palavras, tanto em línguas orais, como em línguas de sinais. Além disso, mostra que a
variabilidade na ordem encontrada na língua de sinais brasileira ocorre, também, em outras
línguas de modalidade visual-espacial. Isto não quer dizer, conforme mencionado
anteriormente, que existam várias ordens possíveis na LSB, mas sim que existe uma ordem
básica, que é a SVO, e a possibilidade de movimentar determinados elementos que são
licenciados em determinados contextos lingüísticos.
No capítulo 3, são analisados os dois fenômenos citados acima que possibilitam a
variabilidade na ordem das palavras na LSB: o tópico e o foco. Assim, é feito um apanhado
3
dos trabalhos sobre tópico e foco tanto em línguas orais como em línguas sinalizadas, bem
como os resultados encontrados na aquisição dessas línguas.
No capítulo 4, é apresentada a metodologia utilizada durante a pesquisa, além do
sistema de transcrição de dados para analisar línguas de sinais, elaborado pelo grupo de
pesquisa relacionado ao projeto de aquisição da LSB da Universidade Federal de Santa
Catarina, do qual este trabalho faz parte. Os passos seguidos para a realização desta são
descritos detalhadamente, pois apesar de muitos aspectos serem protocolo padrão na
transcrição em aquisição da linguagem, o fato de as pesquisas sobre a LSB serem escassas
requer que esse tipo de cuidado seja tomado, para que outros pesquisadores tenham a
possibilidade de realizar trabalhos semelhantes.
De forma a tornar mais claro o trabalho realizado, é apresentada, no capítulo 5, a
análise detalhada dos dados e os resultados encontrados. A análise está dividida em duas
partes: na primeira, é feita uma descrição minuciosa dos dados encontrados, incluindo o
levantamento estatístico dos mesmos; na segunda, a análise é direcionada para as construções
com tópico e/ou foco, levando em consideração questões fundamentais como o contexto
discursivo e as marcações não-manuais. No capítulo final, são apresentadas algumas
discussões, conclusões e possibilidades de trabalhos futuros.
4
1 CARACTERIZAÇÃO DA TEMÁTICA
1.1 AS LÍNGUAS DE SINAIS
A língua de sinais é a língua natural da comunidade surda. Ao contrário do que
muitas pessoas pensam, ela não é universal, e cada país possui sua língua de sinais
específica, que apresenta características distintas da língua falada pela comunidade
local. Como qualquer outra língua, possui gírias e vocabulário diferente dependendo da
região onde é usada. No Brasil, tem-se a língua de sinais brasileira (LSB), utilizada pela
comunidade surda e objeto de estudo nesta dissertação, e também a língua de sinais
indígena da tribo Urubu Kaapor (Ferreira Brito, 1995; Quadros, 1995).
Durante muito tempo, as línguas de sinais foram consideradas apenas como
gestos ou pantomima, incapazes de expressar conceitos abstratos. Até hoje, ainda há
muito preconceito e desconhecimento sobre as mesmas, principalmente nos lugares
onde a pesquisa nesta área ainda está iniciando e há poucos profissionais pesquisando e
difundindo seu trabalho, não só para a comunidade acadêmica, como para a comunidade
local em geral.
As línguas de sinais só foram reconhecidas como língua quando surgiu um
sistema de notação que pudesse representar a estrutura de seus sinais. Segundo Hoiting
& Slobin (2002), os primeiros estudos que mencionam as línguas de sinais datam da
década de 1960, com os trabalhos sobre a língua de sinais americana (ASL) realizados
por Stokoe. Desta forma, as pesquisas sobre as línguas de sinais são muito recentes se
comparadas às línguas faladas, que já possuem uma longa tradição. Além disso, a
maioria delas ainda não está totalmente descrita em seus níveis fonológico, morfológico
e sintático e carecem de maior investigação. Com relação à LSB, as pesquisas
lingüísticas ainda são escassas, e há necessidade de mais trabalhos na área para que se
5
melhore a descrição da mesma. Entre os trabalhos realizados destacam-se Ferreira-Brito
(1995) e Quadros & Karnopp (2004).
Quanto à estrutura, tanto as línguas de sinais quanto as línguas faladas
apresentam as mesmas propriedades abstratas da linguagem, mas se opõem fortemente
na sua forma na superfície. Enquanto as línguas orais são apresentadas na modalidade
auditivo-oral, as línguas de sinais se apresentam na modalidade visual-espacial. Apesar
desta diferença na modalidade de percepção e produção entre línguas de sinais e línguas
orais, o termo “fonologia” é também utilizado para referir-se ao estudo dos elementos
básicos das línguas de sinais. Estas têm os mesmos princípios subjacentes de construção
que as línguas faladas, tendo à disposição um léxico, isto é, um conjunto de símbolos
convencionais, e uma gramática, ou seja, um sistema de regras que regem o uso desses
símbolos.
Segundo Quadros e Karnopp (2004), a diferença fundamental entre línguas de
sinais e línguas faladas diz respeito à estrutura simultânea de organização dos elementos
das línguas de sinais. Enquanto as línguas orais apresentam uma ordem linear (uma
seqüência horizontal no tempo) entre os fonemas, nas línguas de sinais além da
linearidade, os fonemas são articulados simultaneamente.
Os sinais são decompostos em três aspectos ou parâmetros que não carregam
significados isoladamente. Assim, as unidades mínimas que constituem os sinais são:
configuração de mão, locação da mão e movimento. Desta forma, uma mesma
configuração de mão e um mesmo movimento, mas com locação diferente resulta em
mudança de significado formando um par mínimo (como, por exemplo, os sinais para
“aprender” e “sábado”). Pares mínimos também são encontrados a partir das
configurações de mãos e dos movimentos, evidenciando, portanto, a existência das
unidades sem significado na língua que implicam em mudança de significado da
6
palavra. Análises mais recentes das línguas de sinais adicionam mais dois parâmetros ao
estudo da fonologia de sinais: a orientação da mão e as marcas não-manuais (expressões
faciais e corporais).
Quanto à morfologia, assim como as palavras em todas as línguas humanas, os
sinais pertencem a categorias lexicais ou a classes de palavras, tais como nome, verbo,
adjetivo, advérbio, etc. As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de criação de
novos sinais em que os morfemas (as unidades mínimas com significado) são
combinados. Porém, as línguas de sinais se diferenciam das línguas faladas no tipo de
processos combinatórios que cria palavras morfologicamente complexas. Nas línguas
orais, as palavras complexas são formadas, freqüentemente, pela junção de um prefixo
ou sufixo a uma raiz. Já nas línguas de sinais, estas formas resultam, muitas vezes, de
processos não-concatenativos em que um radical é enriquecido com vários movimentos
no espaço de sinalização, como é o caso dos verbos com concordância (Quadros e
Karnopp, 2004).
Em relação à sintaxe espacial, esta apresenta a possibilidade de estabelecer
relações gramaticais no espaço, através de diferentes formas. No espaço em que são
realizados os sinais, o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são
fundamentais para tais relações sintáticas. Qualquer referência usada no discurso requer
a especificação de um local no espaço de sinalização (espaço definido na frente do
corpo do sinalizador). Os pronomes são realizados por meio da apontação para um local
específico no espaço (estipulado pelo sinalizador quando a pessoa estiver ausente), ou
para a própria pessoa, se ela estiver presente. O sistema de verbos com concordância
também é realizado espacialmente. Os sinais desses verbos se movem no espaço,
carregando marcas para pessoa e número, através de indicações no espaço. Além disso,
especificam o sujeito e o objeto do verbo.
7
Conforme Bellugi et al. (1989), este uso do espaço para indicar referentes,
verbos com concordância e relações gramaticais é, claramente, propriedade única de um
sistema visual-gestual, ou seja, específico das línguas de sinais. Esta diferença na forma
de superfície entre línguas de sinais e línguas faladas possibilita novas investigações
acerca da percepção e produção da linguagem.
Estes são aspectos gerais comuns à estrutura das línguas de sinais. Entretanto,
cada língua de sinais pode apresentar suas próprias regras, diferenciando-se em alguns
parâmetros fonológicos, morfológicos e sintáticos específicos, assim como as línguas
faladas também se diferenciam nestes aspectos.
1.1.1 Aquisição da língua de sinais
A idéia que a maioria das pessoas tem é de que uma criança adquirindo a língua
de sinais se depara com uma tarefa bem diferente daquela criança que adquire uma
língua falada. Esta atividade envolve um conjunto diferente de mecanismos e a
linguagem é percebida de forma distinta, por um sistema sensorial diferente.
Apesar disso, estudos revelam que crianças surdas filhas de pais surdos
adquirem a língua de sinais da mesma maneira que crianças ouvintes filhas de pais
ouvintes adquirem a língua falada. Ou seja, os dois grupos de crianças passam pelos
mesmos estágios do desenvolvimento, mais ou menos no mesmo período, e cometem os
mesmos tipos de substituições. Estes resultados mostram que os mecanismos envolvidos
na aquisição da linguagem (psicológicos, lingüísticos e neurais), não são específicos
para a fala e a audição como muitas pessoas pensam.
A seguir serão apresentados os estágios iniciais do desenvolvimento da
linguagem em bebês surdos. É importante ressaltar que o termo ‘bebês surdos’, na
8
apresentação dos estágios da aquisição da linguagem, refere-se às crianças surdas filhas
de pais surdos, que adquirem a língua de sinais naturalmente, como as crianças ouvintes
filhas de pais ouvintes.
1.1.1.1 Balbucio manual
O surgimento do balbucio é um importante marco no início do desenvolvimento
da linguagem. Segundo Bonvillian (1999), o balbucio oral é claramente percebido por
volta dos seis a oito meses de idade em crianças ouvintes. Crianças surdas também
balbuciam, mas o início desse balbucio é tardio em comparação com as crianças
ouvintes. Além disso, esse balbucio é pobre em variação e não se desenvolve como nas
crianças ouvintes, já que o indivíduo surdo não tem o retorno da audição em suas
vocalizações e não tem experiências auditivas com a fala dos outros.
No entanto, assim como as crianças ouvintes balbuciam antes de produzirem
suas primeiras palavras, as crianças surdas balbuciam com suas mãos, antes de
produzirem seus primeiros sinais (Petitto e Marantette, 1991). Este balbucio manual
aparece nas crianças surdas filhas de pais surdos no final do primeiro ano de vida.
Estudos mostram que crianças ouvintes também balbuciam manualmente e, segundo
Meier (2000), diferentemente das crianças surdas produzindo balbucio oral, as crianças
ouvintes recebem um retorno visual de seus gestos e vêem gestos não-lingüísticos
produzidos pelos adultos a sua volta.
De qualquer forma, o mais importante é que todos os bebês começam a
descobrir a estrutura fonológica da sua língua, seja visual ou falada, através do balbucio.
O fato de ambos, balbucio manual e oral, começarem no mesmo período durante o
desenvolvimento sugere que ele reflete a maturação de um mecanismo mais geral que
9
mapeia padrões perceptuais de estímulo (seja auditivo ou visual) com a sua produção
motora (seja oral ou manual). O desenvolvimento desta conexão perceptual-motora
permite que as crianças descubram as unidades que servem para expressar significados
lingüísticos, falados ou sinalizados.
Conforme Quadros (1997), “as semelhanças encontradas na sistematização das
duas formas de balbuciar sugerem haver no ser humano uma capacidade lingüística que
sustenta a aquisição da linguagem independente da modalidade da língua: oral-auditiva
ou espaço-visual”.
1.1.1.2 Primeiros sinais: estágio de um sinal
Muitos estudos sugerem que os primeiros sinais são produzidos mais cedo do
que as primeiras palavras. Segundo Emmorey (2002), pais surdos reportam o
aparecimento dos primeiros sinais em seus filhos por volta dos oito meses e meio,
enquanto as primeiras palavras aparecem entre os dez e treze meses. Outro fato
interessante é que as crianças ouvintes que estão adquirindo simultaneamente a ASL e o
Inglês falado começam a sinalizar antes de começar a falar.
Esta aparente precocidade na produção dos primeiros sinais baseia-se em um
desenvolvimento motor diferente entre as mãos e o trato vocal. Entretanto, o que pode
parecer uma vantagem em relação aos sinais é, na verdade, uma desvantagem da fala.
Isto porque todas as crianças têm condições cognitivas e lingüísticas de produzir seus
primeiros itens lexicais entre o oitavo e nono mês de vida, mas dificuldades perceptuais
e articulatórias associadas à fala atrasam esse início de produção oral em crianças
ouvintes. Já as crianças surdas não possuem estas restrições, e os primeiros sinais
aparecem antes.
10
Entretanto, o que aparece antes das primeiras palavras pode ser, na verdade,
apenas gestos e não sinais lexicais. Estes últimos são produzidos por volta dos catorze
meses, e esta produção gestual faz parte do balbucio manual. Além disso, a questão da
apontação, usada tanto por crianças surdas como por ouvintes para indicar pessoas e
objetos, é interrompida pela criança surda quando esta entra no estágio de um sinal.
Segundo Bellugi et. al. (1989), a criança surda faz uma reorganização do uso da
apontação, quando isto passa de um simples gesto (no balbucio manual) para um
elemento gramatical da língua de sinais (uso lingüístico).
Assim, as primeiras palavras e os primeiros sinais (como itens lexicais)
aparecem ambos por volta do primeiro ano de vida da criança, mostrando um mesmo
período de desenvolvimento tanto para crianças ouvintes como para crianças surdas.
Isto indica que o mecanismo maturacional que subjaz o desenvolvimento lexical
independe dos sistemas articulatório e perceptual das duas modalidades.
1.1.1.3 Estágio das primeiras combinações
As primeiras combinações de sinais surgem por volta dos dois anos de idade nas
crianças surdas. Normalmente, a ordem utilizada pelas crianças neste estágio é SV, VO
ou SVO, para estabelecer relações gramaticais.
Uma das formas de estabelecer relações gramaticais é através do sistema
pronominal, que nas línguas de sinais é feito com o uso da apontação. Entretanto, neste
estágio, o uso do sistema pronominal ocorre de forma inconsistente. Bellugi et. al.
(1989) realizaram um estudo em que constataram que o padrão da criança surda é
semelhante ao da criança ouvinte. Por exemplo, assim como a criança ouvinte tem
dificuldade com a reversibilidade dos pronomes EU e TU na língua falada, as crianças
11
surdas apresentam o mesmo padrão na língua de sinais. Os pronomes, nesta última, são
realizados por meio da apontação para si (EU) e para o outro (TU) e pode parecer fácil
para a criança surda adquiri-los. Porém, elas cometem erros, como no caso de se
referirem a si próprias com a apontação feita para o interlocutor.
Apesar da aparente relação entre a forma e o significado da apontação, a criança
não compreende o sistema pronominal rapidamente. Este fenômeno está relacionado de
forma direta com o processo de aquisição da linguagem, assim como também a
interrupção no uso da apontação mostrada no estágio anterior.
Segundo Quadros (1997), “as semelhanças na aquisição do sistema pronominal
entre crianças ouvintes e surdas sugerem um processo universal de aquisição de
pronomes, apesar da diferença radical na modalidade”.
1.1.1.4 Estágio de múltiplas combinações
Entre os dois anos e meio e três anos de idade, as crianças surdas parecem ter
uma explosão de vocabulário, e distinções derivacionais começam a ocorrer nesse
período (Quadros, 1997). A criança ainda não utiliza os pronomes para se referir aos
objetos ou pessoas que não estejam presentes fisicamente. Além disso, ela não utiliza os
substantivos associados com pontos no espaço, e as tentativas apresentam falhas na
correspondência entre a pessoa e o ponto espacial.
A partir dos três anos, a criança surda começa a utilizar o sistema pronominal
com referentes ausentes no discurso, mas ainda comete alguns erros. Muitas vezes mais
de um referente é estabelecido no mesmo ponto espacial. Com três anos e meio, ela
inicia o uso de concordância verbal com referentes presentes, mas muitas vezes ocorre a
chamada supergeneralização (Bellugi e Klima, 1990). Ou seja, a criança usa a
12
concordância mesmo com verbos que não a aceitam. O uso correto da concordância
ocorre entre os cinco e seis anos de idade. Outra posição sobre o uso da concordância é
apresentada em Quadros, Lillo-Martin e Mathur (2001). As autoras observaram que
quando há uso de concordância, há ocorrências corretas, ou seja, com verbos que pedem
concordância. Além disso, Quadros e Lillo-Martin (2005) também analisaram
detalhadamente as ocorrências de concordância precoce e chegaram à conclusão de que,
apesar de haver poucas ocorrências, há uso correto da mesma desde muito cedo.
Uma questão interessante refere-se à iconicidade nas línguas de sinais. Pode
parecer que o fato de alguns sinais apresentarem uma relação direta entre significante e
significado seja um facilitador para aquisição da linguagem na modalidade visualespacial. Entretanto, esse fato não é verdadeiro, visto que o sistema pronominal e a
concordância não são adquiridos precocemente na língua de sinais. Desta forma, as
crianças surdas adquirindo uma língua de sinais apresentam um desenvolvimento
lingüístico semelhante às crianças ouvintes adquirindo uma língua oral, mostrando que
a iconicidade/modalidade não altera o curso da linguagem.
1.2 A TEORIA GERATIVA
A Teoria Gerativa apresenta uma natureza mentalista. Ela surgiu a partir dos
estudos de Chomsky (1957), com base no pressuposto de que a linguagem é inata no ser
humano, ou seja, é uma faculdade específica da mente humana. A faculdade da
linguagem tem como componente principal um sistema de natureza computacional que
gera representações mentais a partir de um conjunto de regras e princípios. Este sistema
computacional que existe na mente de todos os falantes adultos de uma determinada
língua é chamado de gramática, sendo que o estado inicial do referido sistema é
13
nomeado de gramática universal (GU). Para Chomsky (1986, p. 23), a gramática
universal é “uma teoria do estado inicial da faculdade da linguagem, anterior a qualquer
experiência lingüística”.
Os objetivos da teoria gerativa abrangem tanto a caracterização das gramáticas
particulares das línguas humanas quanto à caracterização da GU como um conjunto de
propriedades determinadas biologicamente, isto é, inatas. Desta forma, a relação entre o
desenvolvimento deste conjunto somado à interação com o meio ambiente é o fator
determinante para a construção de uma gramática particular na mente de cada indivíduo.
Chomsky coloca algumas questões básicas como forma de definir o programa de
investigação gerativista:
1) O que constitui o conhecimento da língua?
2) Como é adquirido o conhecimento da língua?
3) Como é usado o conhecimento da língua?
4) Como as propriedades da mente/cérebro ocorrem na mente humana?
A resposta da primeira pergunta leva ao desenvolvimento da gramática gerativa
de uma língua particular, ou seja, de uma teoria que se ocupa do estado da
mente/cérebro do falante, um modelo que seja capaz de representar o sistema de
conhecimentos particular desse falante. Já a questão dois, envolve os estudos sobre
aquisição da linguagem, nos quais essa dissertação está inserida. Sua resposta está na
especificação da GU e na forma como seus princípios interagem com a experiência,
dando origem a uma língua particular. A resposta à questão três é estudada pelas teorias
de performance, enquanto a questão quatro ainda não tem uma resposta. Apesar dos
vários estudos realizados, os pesquisadores não têm muito a dizer sobre os mecanismos
neuronais que suportam o conhecimento gramatical.
14
Além disso, Chomsky (1986) faz uma distinção entre língua externa (Elanguage) e língua interna (I-language). A primeira refere-se ao conjunto de ações e
comportamentos reais de uso da língua, enquanto a segunda é a gramática internalizada
pelos falantes de uma dada língua e está representada na mente/cérebro das pessoas. É a
língua interna que é o objeto de estudo da teoria gerativa.
Uma das preocupações trabalhadas pelo gerativismo é a questão da aquisição da
linguagem, ou seja, a forma como a gramática se desenvolve na mente do falante e o
papel específico que a mente humana tem neste processo. Para Chomsky, que vem de
uma tradição racionalista, a mente humana desempenha um papel fundamental na
aquisição da linguagem. Segundo esta concepção, as propriedades da linguagem são
determinadas por princípios mentais de conteúdo especificamente lingüístico que se
desenvolvem de forma predeterminada, sendo a aquisição da linguagem uma questão de
maturação e desenvolvimento de um órgão mental biológico. Chomsky dá o nome de
“Mecanismo de Aquisição da Linguagem”, doravante LAD (do inglês Language
Acquisition Device), a este conjunto das estruturas mentais lingüísticas.
Entretanto, o papel que o meio ambiente desempenha na aquisição da linguagem
não é negado, pois a fala das pessoas que rodeiam a criança e as experiências vividas
por ela são determinantes para dar início ao funcionamento do LAD, mas não
determinam as propriedades finais alcançadas pelo sistema gramatical do adulto. Isto
quer dizer que se a criança não estiver exposta a um ambiente lingüístico, ela não
aprende a falar. Além disso, existem outros fatores - como os meios lingüístico,
educacional e emocional - que não determinam o desenvolvimento ou o conteúdo final
da linguagem, mas que desempenham um papel fundamental no grau de
desenvolvimento da linguagem pela criança.
15
Uma questão importante, segundo Raposo (1992), refere-se ao “problema da
projeção”, que consiste em identificar qual a relação existente entre os dados primários
a que a criança tem acesso durante o período de aquisição da linguagem e o sistema de
conhecimento final que caracteriza a competência lingüística do adulto. Isto porque o
sistema final da competência do adulto é muito mais complexo - tanto quantitativa
quanto qualitativamente - do que o sistema que caracteriza os dados primários da
aquisição da linguagem.
Desta forma, a questão da aquisição, segundo Raposo (1992, p. 37), leva à
seguinte conclusão:
(...) existe um mecanismo mental inato de aquisição que medeia entre os
dados primários e a gramática final e que procede à projeção quantitativa e
qualitativa que caracteriza o sistema final. Em síntese, a gramática final (o
sistema da competência) é o resultado da interação entre os dados primários e
o mecanismo mental de aquisição. A resolução do problema da projeção
consiste, pois, em determinar tão precisamente quanto possível as
responsabilidades respectivas do mecanismo de aquisição e dos dados
primários no processo de aquisição e desenvolvimento do sistema final da
competência do sujeito falante.
Para Chomsky (1986), essa questão está relacionada com o problema de Platão,
que se refere ao fato de sabermos tanto, termos um conhecimento tão complexo da
linguagem a partir de tão poucas evidências dadas no período da aquisição. A solução
proposta por Chomsky para resolver esse problema é estipular que há um componente
inato, um conjunto de princípios lingüísticos complexos que determinam a aquisição da
linguagem. A essa característica inata específica, Chomsky dá o nome de “argumento da
pobreza dos estímulos”.
A teoria gerativa passou por diversas fases ao longo dos anos. Desde seu início,
houve uma tensão entre a descrição e a explicação. O problema central estava na
dificuldade em desenvolver um sistema que fosse, ao mesmo tempo, flexível para
permitir a variação lingüística e restrito para explicar a rigidez encontrada no sistema de
conhecimentos final do falante.
16
Assim, a primeira fase da teoria foi essencialmente descritiva. Chomsky
apresentava uma preocupação com a explicação da linguagem, mas sua herança
estruturalista mantinha a descrição de forma mais evidente. É conhecida como Teoria
Padrão (Chomsky, 1965) e concebe as gramáticas como um sistema de regras que
interagem entre si através de um número restrito de relações. As línguas humanas,
dentro dessa concepção, apresentam dois tipos de regras: regras gerativas e regras
transformacionais. De forma resumida, as regras gerativas derivam a estrutura profunda
das sentenças e sobre esta se aplicam regras transformacionais, gerando a estrutura
superficial.
Devido à grande flexibilidade na construção de regras que poderiam gerar
qualquer tipo de sentença, mesmo que esta tenha probabilidade nula de ocorrência em
qualquer língua, dentre outros motivos, houve o desenvolvimento de um modelo
alternativo, a Teoria Padrão Estendida (Chomsky, 1970). Neste modelo, a preocupação
é restringir a possibilidade de regras e simplificar o seu formato. A teoria deixa de ser
uma gramática unicamente de regras, passando a ser caracterizada por regras e
princípios. Através dos princípios da teoria x-barra, as regras gerativas foram reduzidas
a um pequeno número de opções. Além disso, as regras transformacionais perderam sua
capacidade descritiva no momento em que passaram a ser consideradas através da
relação do léxico com o sistema de regras de reescrita.
Após a caminhada de aproximadamente uma década, a teoria gerativa chega ao
modelo de Regência e Ligação (1981). Nessa etapa já se percebe uma maior capacidade
explicativa, e o modelo não se limita mais a um sistema de regras, apresentando
subteorias (teoria da ligação, teoria do caso, teoria-?, entre outras) que restringem as
estruturas.
17
Dentro do arcabouço da teoria gerativa existe também a proposta de Princípios e
Parâmetros (Chomsky e Lasnik, 1991) que compõem a faculdade da linguagem. É a
partir dessa abordagem que são analisados os dados desta dissertação. Os princípios são
as leis gerais que valem para todas as línguas naturais e compõem a Gramática
Universal. Dessa forma, uma sentença que viola um princípio não é tolerada em
nenhuma língua natural. Já os parâmetros são as propriedades que uma língua pode ou
não apresentar e que são responsáveis pela diferença entre as línguas. Segundo Raposo
(1986), eles “são uma espécie de comutadores lingüísticos cujo valor final e definitivo
apenas é atingido durante o processo de aquisição, através da sua fixação numa das duas
posições possíveis com base na informação obtida a partir do meio lingüístico
ambiente”.
O modelo sintático proposto por Chomsky e representado em Mioto et. al.
(2004) apresenta o seguinte formato:
DS
SS
PF
LF
Onde: - DS: estrutura profunda, do inglês Deep Structure;
- SS: estrutura superficial, do inglês Superficial Structure;
- PF: forma fonética, do inglês Phonetic Form;
- LF: forma lógica, do inglês Logical Form.
Tal modelo auxilia na análise das sentenças das línguas naturais, consideradas
como uma seqüência de sons (representada abstratamente por PF) que possui certo
sentido estrutural (representada abstratamente por LF). A relação existente entre o som
18
e seu significado se dá através da estrutura superficial – SS, que é a representação
sintática da sentença a ser interpretada tanto fonética (PF) quanto semanticamente (LF).
A estrutura profunda DS é formada anteriormente, ou seja, é o primeiro passo na
construção de uma sentença. Ao consultar o léxico da língua, o falante seleciona as
informações necessárias para que esta primeira estrutura se forme. A partir daí, ao
passar de DS para SS, já ocorrem mudanças sintáticas que serão representadas
finalmente por PF e interpretadas por LF.
Como a língua de sinais é considerada uma língua natural independentemente de
ser em uma modalidade diferente das línguas faladas, a proposta da teoria gerativa
também se aplica a esta língua. O próprio Chomsky (1995) reconhece isto ao discutir
sobre a interface “articulatório-perceptual”, conforme observado por Quadros e
Karnopp (2004:29): “O trabalho nos últimos anos em línguas de sinais evidencia que
essa concepção é muito restrita (...)”. Além disso, “as línguas de sinais parecem
apresentar especial interesse nas pesquisas lingüísticas dentro da perspectiva gerativista.
A razão de tal interesse está relacionada à possibilidade de determinar os princípios da
GU independentemente da modalidade da língua. Se isso for possível, as línguas de
sinais podem ser exemplos de línguas que fortalecem a proposta gerativista quanto à
existência de um módulo da linguagem na mente/cérebro do ser humano” (Quadros,
1995).
19
2 AQUISIÇÃO DA ORDEM DAS PALAVRAS
Neste capítulo, será abordada a questão da aquisição da ordem das palavras pela
criança. Para isso, serão apresentados alguns estudos sobre línguas faladas e também
sobre as línguas de sinais.
2.1 NAS LÍNGUAS FALADAS
2.1.1 Inglês
A ordem das palavras no inglês não é flexível. A ordem básica nessa língua é
SVO. Para indicar a estrutura da informação, o falante do inglês não possui muitos
recursos sintáticos e se utiliza de meios fonológicos, como a entonação e a acentuação,
para tal. Entretanto, existem algumas construções pragmaticamente marcadas como as
sentenças clivadas, passivas e topicalizadas, exemplificadas respectivamente em (1a),
(1b) e (1c).
(1)
a. It’s the dictionary that my neighbor lent me.
b. The dictionary was lent to me by my neighbor.
c. His manners I really hate.
(Dyakonova, 2004: 92, 93)
Quanto à aquisição, a criança falante do inglês comete poucos erros em relação à
ordem das palavras desde as primeiras combinações (Brown 1973 apud Pichler 2001).
A grande maioria das primeiras sentenças ocorreu na ordem SVO, conforme exemplo
do autor:
20
(2)
a. Fix bike.
b. Mommy read.
c. Drink juice.
(Pichler, 2001: 50)
Dyakonova (2004) em um estudo comparativo entre o russo e o inglês observou
que a criança falante do inglês (Eve) produziu 100% das sentenças na ordem VO nos
primeiros meses analisados, ou seja, a partir de 1:9. Nenhuma sentença na ordem OV
foi verificada.
Quanto à ordem VS, houve duas ocorrências nos dados de Eve. Na primeira foi
utilizado um verbo inacusativo, e na segunda, o verbo na posição inicial foi claramente
produzido com intuito de ênfase. A ordem OSV também teve duas ocorrências, e essas
construções mostram indicação de serem casos de topicalização.
Esse pequeno número de produções em ordens não-canônicas indica que a
linguagem da criança está seguindo o padrão da sua língua materna. Entretanto, os
dados do inglês revelam que, apesar de a criança estar adquirindo uma língua com
pouca flexibilidade, ela tem acesso aos componentes da estrutura de informação.
2.1.2 Russo
Segundo Dyakonova (2004), o russo é uma língua em que a ordem das palavras
é relativamente livre. Apesar dessa flexibilidade, a ordem SVO é dita a mais básica. As
evidências para determinar o russo como uma língua de ordem SVO advêm de certas
propriedades tais como o uso de preposições ao invés de posposições e a tendência de
adjetivos qualificativos precederem substantivos (Greenberg, 1966). Outra evidência é o
21
teste de pergunta-resposta, em que a resposta mais natural para uma pergunta como “O
que aconteceu?” vai ser uma sentença na ordem SVO.
A propriedade da linguagem que permite a flexibilidade no russo é o seu rico
sistema morfológico. Os papéis temáticos dos argumentos em uma sentença podem ser
atribuídos por meio da marcação de caso ao invés da forma estritamente
configuracional. Dyakonova apresenta como exemplo a sentença (3) do inglês que pode
corresponder perfeitamente com duas sentenças do russo (4).
(3)
Raffael kissed Eva.
(Dyakonova, 2004:91)
(4)
a. Raffael
(Dyakonova, 2004:91)
potzeloval Evu.
Raffael.nom. kissed
Eva.acc.
b. Evu
potzeloval Raffael.
Eva.acc.
kissed
Raffael.nom.
Embora a interpretação temática dos argumentos em russo não seja alterada pela
sua reordenação, as sentenças (4a) e (4b) diferem no significado. Dependendo da sua
posição na sentença, o DP tem uma interpretação pragmática diferente em russo.
Outra questão dessa língua é que o russo permite construções com verbo inicial,
seguindo a restrição de intransitividade. Com verbos transitivos, as construções com
verbo inicial são muito raras.
Quanto à estrutura de informação, o russo utiliza a ordem das palavras para
marcar o status informacional dos elementos em uma sentença. O russo usa
produtivamente o movimento do DP, produzindo diferentes interpretações para a
sentença dependendo da posição dos argumentos. A principal restrição é que o tópico
22
não pode aparecer na posição pós-verbal, caso contrário seria interpretado como foco de
informação. O foco de identificação pode ser interpretado imediatamente antes do verbo
ou na posição inicial da sentença.
Após essa breve descrição da ordem das palavras em russo, Dyakonova (2004)
apresenta os dados de um estudo sobre a aquisição do russo, nos quais leva em
consideração o desenvolvimento da estrutura de informação pela criança. O objetivo era
mostrar evidências de que a criança tem acesso à estrutura de informação desde os
primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem. Sua hipótese é a de que a
estrutura de informação é adquirida em paralelo com a sintaxe, ao contrário da
afirmação corrente de que o início da linguagem da criança é puramente manifestação
do desenvolvimento morfossintático.
Os dados analisados pela autora são de um estudo longitudinal de fala
espontânea de uma menina (Varvara) adquirindo o russo como língua materna. O
período observado compreendeu as idades de 1:6 a 2:10. Foram selecionadas para a
análise as produções com pelo menos duas palavras, para ser possível investigar a
ordem das mesmas. O contexto em que uma sentença foi produzida também foi levado
em conta, dado o tipo de fenômeno gramatical investigado, ou seja, a estrutura da
informação que está associada com a interface sintaxe e pragmática. Por isso, a análise
da produção do adulto se fez necessária.
Como resultado, foi observado que a menina, desde os primeiros registros,
utilizou ambas as ordens VO e OV. Isto já era esperado devido às propriedades da
língua em questão, como mostra a Tabela 2.1:
23
Idades
1:6
1:7
1:8
1:10
2:0
2:4
2:10
Ordem VO
40%
40%
58%
66%
57%
60%
40%
Ordem OV
60%
60%
42%
34%
43%
49%
60%
Tabela 2.1: Porcentagem das construções VO e OV na produção de Varvara
Entretanto, apesar de sua língua materna ter a ordem SVO como básica, nos
dois primeiros meses analisados a produção da ordem OV foi maior em relação à ordem
VO (60% e 40%, respectivamente). Analisando a produção do input de Varvara,
Dyakonova percebeu que este apresenta uma produção maior de ordem OV do que VO,
sendo que este fato está relacionado à freqüência no uso de objetos pronominais com a
ordem OV, ao invés de NPs completos. Assim, a autora concluiu que a predominância
no uso da ordem OV nos primeiros meses reflete uma supergeneralização da regra da
posição de objeto pronominal (o qual não deve aparecer na posição final da sentença).
Como resultado, não apenas os pronomes como também os NPs completos na posição
de objeto estão precedendo o verbo nas construções de Varvara.
Além disso, o uso da ordem das palavras indica que a menina apresentou um
desenvolvimento em forma de U. Ela começou com o uso predominante de OV,
posteriormente produziu mais na ordem VO e finalmente a ordem OV prevaleceu de
novo. Essa predominância da ordem OV com 2:10 é explicada pelo fato de a menina já
estar utilizando os pronomes produtivamente.
Quanto à ordem VS, esta também foi produzida por Varvara. As construções
com verbo inicial, conforme descrito anteriormente, restringem-se a intransitivos. Nos
dados da criança foram observadas 19 sentenças na ordem VS, de um total de 609.
Dessas 19, 13 construções foram realizadas com verbos inacusativos. Analisando o
24
status informacional das sentenças pelo contexto, é possível determinar que a escolha da
ordem VS foi para enfatizar o verbo. Esta estratégia também é observada no padrão
adulto do russo. Na verdade, este é o único caso em que o sujeito pode ser pós-verbal no
russo, isto é, quando o foco está no verbo.
Varvara produziu também sentenças na ordem OSV. Todas as construções com
objeto inicial na produção dela são instâncias de topicalização do objeto e estão de
acordo com o padrão adulto do russo.
Os dados apresentados acima fornecem evidências de que há manifestação da
estrutura de informação desde cedo na produção da criança. O uso da ordem das
palavras para expressar diferentes informações mostra que a criança tem consciência
desse recurso lingüístico e o utiliza para marcar o status informacional dos constituintes
de uma sentença.
2.2 NAS LÍNGUAS DE SINAIS
De modo geral, as línguas de sinais são línguas organizadas de forma espacial,
tão complexas, quanto às línguas oral-auditivas. Através da organização espacial das
línguas de sinais, como por exemplo a LSB e a ASL, é possível estabelecer relações
gramaticais no espaço de diferentes formas. Assim, ao se fazer uma referência no
discurso, é necessário o estabelecimento de um local no espaço de sinalização que,
segundo alguns autores, dependerá de vários mecanismos espaciais para indicar o
referente. Como exemplo, têm-se as seguintes possibilidades: fazer o sinal em um local
particular, usar um verbo direcional quando o referente for óbvio, usar um classificador
em uma localização particular, etc.
25
Na língua de sinais brasileira, os sinalizantes estabelecem os referentes
associados à localização no espaço, sendo que estes referentes podem ou não estar
presentes fisicamente. Os sinais manuais são normalmente acompanhados por
expressões faciais que podem ser consideradas gramaticais e são chamadas de
marcações não-manuais.
Quanto à ordem básica da frase, Greenberg (1966) mostra que são possíveis seis
combinações de sujeito (S), objeto (O) e verbo (V), sendo que algumas delas são mais
freqüentes do que outras. Mesmo havendo variação na ordem das palavras nas línguas,
cada uma vai eleger uma ordenação de palavras dominante. Greenberg ainda constata
que essa ordem dominante em cada língua sempre será SOV, SVO ou VSO.
A seguir serão apresentados os dados sobre a aquisição da ordem das palavras
nas línguas de sinais americana (ASL), holandesa (SLN) e brasileira (LSB).
2.2.1 Língua de sinais americana (ASL)
Em Pichler (2001), a autora propõe examinar duas generalizações propostas em
estudos anteriores sobre a ordem das palavras em línguas faladas. A primeira
generalização diz que os parâmetros da ordem das palavras são ajustados
universalmente cedo. Já a segunda propõe que a variação na ordem das palavras em
línguas com flexão rica e regular é adquirida antes daquelas com flexão pobre ou
irregular. Os dados analisados para tal foram de quatro crianças surdas, filhas de pais
surdos, entre vinte e trinta meses de idade aproximadamente, adquirindo a língua de
sinais americana como primeira língua.
Segundo a autora, a ordem canônica da ASL é SVO, mas outras ordens também
são possíveis e freqüentes na produção do adulto. Elas são derivadas da ordem SVO
26
através de operações sintáticas (movimentos). Os sujeitos pós-verbais (VS) são bastante
limitados na ASL e com exceção dos subject tags, os sujeitos com NPs completos não
podem aparecer na posição pós-verbal, conforme exemplo o (5) abaixo:
(5)
BABY SLEEP
(Pichler, 2001: 16)
*SLEEP BABY
The baby is sleeping.
Entretanto, o sujeito na forma de pronome é permitido em posição pós-verbal ou
em posição final da sentença e resulta de uma cópia do sujeito (6). Este processo é
chamado de cópia do pronome-sujeito e sua função pragmática é de confirmação ou
ênfase.
(6)
(BABY) SLEEP IX (baby)
(Pichler, 2001: 113)
‘(The baby) is sleeping (he is).’
A cópia do sujeito necessariamente deve ser um pronome; NPs completos nesta
posição são agramaticais. Pesquisas revelam que essas estruturas são acompanhadas de
movimentos de cabeça, indicando confirmação, conforme o exemplo (7):
hn
(7)
MOTHER SICK SHE
‘My mother is sick (she is). ’
(Pichler, 2001: 17)
27
Com freqüência, a cópia do pronome-sujeito ocorre juntamente com elementos
nulos, resultando numa ordem V(O)S, em que o único elemento declarado é o pronome
cópia, como em (8):
hn
(8)
Ø EAT (SUSHI) HE
(Pichler, 2001: 18)
‘(My husband) eats (sushi) (he does). ’
A outra ordem possível refere-se aos objetos pré-verbais, que normalmente são
agramaticais em ASL, conforme o exemplo (9) abaixo:
(9)
FORGET NUMBER
(Pichler, 2001: 113)
*NUMBER FORGET
‘(She) forgot the number.’
Entretanto, esta ordem pode ser gramatical quando licenciada por topicalização
do objeto. Os tópicos em ASL são acompanhados por uma marcação não-manual
específica, cujo escopo é mostrado por uma linha, conforme o exemplo (10):
top
(10)
NUMBER, (SHE) FORGET
(Pichler, 2001: 114)
‘The number, (she) forgot (it).’
A marca não-manual de tópico pode incluir uma combinação de vários traços
não-manuais como: elevação das sobrancelhas, inclinação da cabeça, elevação do
queixo, o arregalar dos olhos, inclinação do corpo, entre outros. Desta lista, a elevação
28
das sobrancelhas é universalmente considerada como a mais saliente e o único
componente obrigatório da marcação não-manual de tópico. Sem a elevação das
sobrancelhas, os tópicos são considerados inaceitáveis.
Outra possibilidade de gerar objetos pré-verbais refere-se a condições
morfológicas, cujas ocorrências incluem os verbos manuais, os verbos com aspecto e os
verbos espaciais. A questão que gira em torno desses verbos é se a ordem OV é
obrigatória nestes contextos. Segundo a autora, esta idéia parece convincente, em vista
de outros estudos conflitantes quanto à aceitabilidade da ordem SVaspO, que o objeto
pré-verbal obrigatório é uma característica dialetal da ASL. O ponto crucial é que a
ordem OV está disponível, independentemente do dialeto. O mesmo serve para os
verbos manuais e espaciais. Após conversar com sinalizantes nativos, Pichler verificou
que eles aceitam ambas as ordens (VO e OV) para certos verbos, enquanto outros
necessitavam especificamente a ordem OV. A autora ainda não encontrou uma
explicação para o fato de que a ordem OV é obrigatória em alguns contextos, mas não é
em outros. Como esta ordem é normalmente agramatical com verbos simples, a autora
acredita que deve haver questões morfológicas que licenciam esta ordem não-canônica.
Assim, ela propõe agrupar estes verbos (manuais, aspectuais e espaciais) em uma única
categoria, chamada de “reordenação morfológica”. Segue abaixo exemplos destes três
tipos de verbos, respectivamente (11a), (11b) e (11c):
(11)
a. Verbos manuais:
(Pichler, 2001: 115)
SHOES TAKE-OFF
‘(In Japan, before entering a house, people) take off their shoes.’
b. Verbos com aspectos:
(Pichler, 2001: 115)
29
PAPER TYPEasp
‘(She was) typing (and typing) her paper.’
c. Verbos espaciais:
(Pichler, 2001: 115)
MONEY PUT-on-table
‘Just put the money on the table.’
Segundo Pichler, estudos anteriores sobre a ordem das palavras em ASL se
restringem basicamente a dois autores: Hoffmeister (1978) e Schick (2001). Esses
estudos são aparentemente contraditórios. No primeiro, os achados revelam forte
preferência pela ordem canônica SVO na combinação espontânea de sinais dos três
sujeitos analisados, enquanto que, no segundo estudo, as crianças surdas de vinte e
quatro meses de idade produziram alta variabilidade na ordem das palavras na sua
produção espontânea.
Já os dados em Pichler revelam que as crianças surdas usaram a ordem canônica
das palavras de forma inconsistente, de forma similar às crianças em Schick (2001).
Entretanto, este resultado não indica necessariamente falha no ajuste do parâmetro da
ordem das palavras, ao contrário, indica que as crianças estão usando uma ordem
gramatical variada das palavras decorrente da ordem canônica.
Para testar esta possibilidade, todos os exemplos de ordem VS e OV realizados
pelas crianças foram analisados para identificar evidências de operações de reordenação
que licenciam ordens gramaticais VS e OV na produção de ASL em adultos. Os
critérios para a identificação das operações de reordenação estão resumidos no quadro
2.1:
30
Operação de reordenação
Cópia do pronome-sujeito
OV aspectual
OV espacial
OV manual
Topicalização de objeto
Característica Identificada
O sujeito pós-verbal é um pronome.
O verbo é repetido com movimentos grandes ou
produzido com grande duração.
O verbo é direcionado para um lugar específico com
fixação do olhar ou diretamente articulado sobre o
objeto.
O verbo é sinalizado com um classificador manual.
O primeiro objeto é marcado com a elevação das
sobrancelhas.
Quadro 2.1: critérios para identificação das operações de reordenação
Em relação às combinações de sujeito e verbo, todas as quatro crianças
preferiram sujeitos pronominais a NPs completos em posição pós-verbal, de acordo com
o processo de cópia de pronome-sujeito. Um exemplo dado é o (12):
(12)
I SEARCHasp I
(Pichler, 2001: 116)
‘I’m looking and looking (for my shoes).’
Quando consideradas juntas, as ordens SV e VS gramaticais em todas as sessões
superam a porcentagem de 95% em cada criança. Estes dados indicam que o
conhecimento da ordem sujeito-verbo torna-se igual ao padrão adulto cedo,
normalmente antes dos vinte e dois meses de idade.
Quanto à ordem OV gramatical devido à reordenação morfológica, ela foi
também identificada nos dados das quatro crianças, conforme exemplos (13a) e (13b):
(13)
a. YELLOW THROW-into the corner
‘I threw the yellow one (ball) into the corner.’
(Pichler, 2001: 117)
31
b. CAT SEARCHasp
(Pichler, 2001: 117)
‘I’m looking and looking for the cat.’
Em geral, verbos espaciais e manuais foram mais comuns do que os verbos
aspectuais e ocorreram em ambas VO e OV ordens. Esta variação está de acordo com o
padrão gramatical adulto, que permite flexibilidade na ordem das palavras com vários
verbos espaciais e manuais. Entretanto, a ordem OV para verbos com aspecto é
obrigatória para alguns sinalizantes e opcional para outros. Esta diferença parece ser
dialetal, e uma das crianças mostrou que está ciente desta restrição em seu dialeto.
Em algumas sentenças, as crianças produziram erros de supergeneralização,
marcando morfologia espacial e manual em verbos que normalmente não as aceitam.
Embora as crianças tenham cometido erros na sua avaliação quanto aos verbos que
suportam reordenação morfológica, estes erros constituem evidências de que elas
reconhecem a relação entre a reordenação morfológica e a flexibilidade na ordem das
palavras.
No geral, foi verificado que a variação na ordem das palavras observada na
produção inicial das crianças não é casual e reflete a variação permitida na língua
adulta.
Um achado importante refere-se à topicalização. Uma das crianças fez pouco
uso de reordenação morfológica e sua produção na ordem OV aponta para o uso precoce
da topicalização. Um exame das combinações OV desta criança, que não estavam
justificadas pela reordenação morfológica, revelou que aproximadamente metade delas
tinha como característica uma pausa prosódica entre o objeto e o verbo, sugerindo
topicalização, apesar de não apresentar a marcação não-manual obrigatória na ASL, no
padrão adulto. Segundo Pichler (2001), na língua de sinais israelense (ISL) estas pausas
32
prosódicas são as marcas utilizadas para identificar tópico, e a autora propõe, então, que
aquelas encontradas na produção da criança em questão possuem a mesma função na
ASL inicial. Apesar da tendência da literatura em ASL focar na obrigatoriedade da
marca não-manual para estruturas com tópico, as pausas prosódicas podem ser
consideradas essencialmente como uma marca de tópico na ASL, assim como na ISL.
Desta forma a autora propõe que a criança analisou de forma errônea a pausa prosódica
como a marca de tópico relevante na ASL, supondo que qualquer tipo de pausa
prosódica é suficiente para marcar tópico assim como no caso da ISL. Esta análise
coloca a aquisição do movimento de topicalização antes dos vinte e quatro meses de
idade (isto significa identificar a realização de tópico quase um ano antes do que foi
reportado por Reilly et. al. (1990)), embora outros aspectos da topicalização em ASL
ainda não tenham sido dominados (isto é, marcação não-manual do padrão adulto).
Os dados até aqui mencionados revelam que as crianças analisadas adquiriram a
reordenação morfológica juntamente com a ordem OV por volta dos vinte e cinco meses
de idade ou até antes disso. Assim, a produção precoce destas ordens não-canônicas
gramaticais associadas à ordem canônica SVO indica um ajuste precoce dos parâmetros
para ordem das palavras, estando de acordo com a primeira generalização. Com vistas à
aquisição precoce da variação da ordem das palavras pelas crianças, apesar do sistema
flexional irregular da ASL, a autora adota uma versão modificada da segunda
generalização: a aquisição precoce da variação da ordem das palavras depende da
aquisição precoce de sinais morfológicos associados com a ordem não-canônica.
Diferentemente, ordens não-canônicas associadas com a falta de sinais morfológicos
são, também, adquiridas precocemente, desde que não haja restrições sintáticas na sua
aplicação.
33
2.2.2 Língua de Sinais Holandesa (SLN)
Coerts (2000) apresenta os resultados de sua investigação sobre a idade em que
as crianças surdas adquirindo a SLN dominam características específicas da língua. A
autora se concentra em duas características: a cópia do pronome-sujeito e a ordem
básica das palavras com base na Teoria dos Parâmetros (Chomsky, 1981). Ela toma
como ponto de partida um estudo anterior de Coerts e Mills (1994), em que o foco era a
aquisição de argumentos nulos e ordem básica. Neste referido estudo foi encontrado
uma grande variedade de ordens, o que foi difícil para determinar se as crianças tinham
ajustado o parâmetro para a ordem básica.
O que a autora mostra é que a variedade de ordens encontradas pode ser
explicada pelo domínio de uma outra característica da língua que não tinha sido
identificada no primeiro estudo: a cópia do pronome-sujeito. Este último, em
combinação com o apagamento do sujeito, resulta numa ordem de superfície diferente
da ordem básica. Assim, os dados encontrados em Coerts e Mills foram reanalisados
levando em consideração esta nova característica.
A SLN é uma língua de ordem SOV ou uma língua de verbo final. Outras ordens
são possíveis, mas devem ser resultantes de regras de movimento. Isto é, a ordem SOV
pode mudar para O, SV através da topicalização do objeto, conforme exemplos (14) e
(15):
14)
WOMAN THREAD3b CUT3b
‘The woman cuts the thread.’
(Coerts, 2000: 93)
34
15)
Television, girl watch
(Coerts, 2000: 93)
‘As for television, the girl is watching it.’
Outra característica da SLN é o licenciamento de argumentos nulos. Tanto
sujeitos como objetos não precisam ser expressos por um pronome ou por um sinal
nominal. Argumentos nulos são normalmente permitidos em línguas com um rico
sistema de concordância, pois esses argumentos podem ser identificados na base dos
elementos referenciados no paradigma verbal. É possível haver concordância apenas
com um dos argumentos, mas, neste caso, é necessariamente com o objeto. Há verbos
que não apresentam concordância, mas em alguns casos apresentam sujeitos nulos (mas
não objetos). Estas ocorrências são analisadas como sendo variáveis nulas licenciadas
por questões discursivas.
A cópia do pronome-sujeito é um fenômeno comum no padrão adulto da SLN e
tem algumas características: ocorre no final da sentença ou pós-verbal, é uma cópia dos
traços do sujeito e ocorre depois que a criança produziu um enunciado em que o sujeito
foi produzido duas vezes (uma na posição inicial e outra na posição final ou pós-verbal).
A presença da cópia do sujeito-pronome pode explicar a variabilidade referente à
ordem encontrada nos dados de Coerts e Mills. Por isso, a autora decidiu reexaminar
esses dados quanto à posição do sujeito e do verbo. Ela dividiu essa reanálise em dois
estudos: no primeiro estudo, Coerts investigou se as crianças usavam a cópia do sujeitopronome e, se usavam, quando elas adquiriram esta característica específica da
linguagem. No segundo estudo, ela reanalisou os dados em relação aos constituintes de
ordens relacionados à cópia do sujeito-pronome. Os resultados deste último mostraram
que uma grande parte da variação na ordem encontrada anteriormente pode ser atribuída
35
ao uso de cópia do sujeito-pronome pelas crianças, em combinação com o apagamento
do sujeito.
Os dados examinados são de duas crianças surdas gêmeas, um menino e uma
menina, filhos de mãe surda e pai ouvinte, filho de surdos, ambos sinalizantes nativos.
As crianças foram filmadas em casa em situações espontâneas, uma vez por mês, até os
dois anos e meio de idade. As crianças eram filmadas sozinhas com a mãe por vinte
minutos.
Em relação aos primeiros estudos, foi possível perceber que as crianças
receberam no seu input a estrutura da cópia do sujeito-pronome. Além disso, elas
mostraram o uso desta característica da linguagem em suas produções, sendo que esta
foi adquirida cedo no seu desenvolvimento sintático. A ocorrência conjunta de cópia do
sujeito-pronome e apagamento do sujeito aconteceu aos 2:1 no menino e aos 2:2 na
menina.
Quanto ao segundo estudo, a análise de posição do verbo que trata do fenômeno
de cópia do sujeito-pronome resulta em um panorama mais convincente quanto à
aquisição da posição básica do verbo pelas crianças. A reanálise da ordenação das
sentenças indica que as crianças adquirem a ordem de sujeito inicial por volta dos dois
anos e meio de idade e que há um percentual altíssimo de verbos em posição final a
partir de dois anos e um mês. As crianças apresentam um padrão em relação ao que
pode seguir o verbo, com exceção dos sujeitos lexicais que são inseridos na posição
final (considerados agramaticais na produção do adulto).
Os resultados de ambos os estudos sugerem que as crianças podem adquirir
características específicas da língua num estágio inicial do seu desenvolvimento de
linguagem. Com isso, o ajuste do parâmetro para a ordem básica pode ser confirmado
com estudos anteriores.
36
2.2.3 Língua de sinais brasileira (LSB)
As análises existentes sobre a ordem da frase na língua de sinais brasileira têm
como ponto de partida as pesquisas realizadas sobre a ASL. Apesar de haver certa
flexibilidade na variação da ordem das palavras na frase, há um consenso entre os
autores que a ordem básica na ASL é SVO. As outras possibilidades de ordenação são
SOV, OSV e (S)V(O), que são derivadas da interação de diferentes mecanismos
gramaticais como a topicalização, os argumentos nulos possíveis e a elevação do objeto
devido à presença de verbos manuais, verbos com aspecto e com concordância.
Quanto à língua de sinais brasileira, segundo Quadros e Karnopp (2004), há dois
trabalhos que mencionam a flexibilidade da ordem da frase na mesma: Felipe (1989) e
Ferreira-Brito (1995). Porém, assim como na ASL, parece ter uma ordenação mais
básica que as outras: SVO. Além disso, Quadros (1999) propõe uma estrutura para a
frase na língua de sinais brasileira e reforça as evidências sobre a ordem básica da
mesma. Esses dados derivam da análise de orações simples, de orações complexas
contendo orações subordinadas, da interação com advérbios, com modais e com
auxiliares. As variações na ordenação na LSB estão ligadas a outros mecanismos
gramaticais, como a presença de concordância, de marcas não-manuais, de topicalização
e de construção com foco. Sendo assim, os dados encontrados por Quadros (1999)
mostram que a ordem básica na LSB é SVO e que OSV e SOV são ordenações
derivadas da primeira. Entretanto, combinações como VSO, OVS e VOS não são
possíveis nesta língua, mesmo que apresentem alguma marca especial. Em Quadros e
Karnopp (2004), as autoras apresentam uma atualização da pesquisa de Quadros (1999),
em que concluem que a ordem VOS é sim uma ordem possível na LSB em contextos
37
específicos como, por exemplo, nos casos de foco contrastivo. O Quadro 2.2
esquematiza a distribuição da ordem das palavras nas sentenças na LSB:
ORDEM
SVO
OSV
SOV
VOS
BÁSICA
X
COM RESTRIÇÕES
X
X
X
Quadro 2.2: distribuição da ordem das sentenças na LSB
Conforme comentado acima, as marcas não-manuais associadas às construções
com concordância estão relacionadas à flexibilidade da ordem das palavras. Nas ordens
OSV e SOV, por exemplo, é necessário o uso desses dois elementos para que a sentença
seja gramatical, caso contrário, a sentença é considerada agramatical. Os exemplos
(16a) e (16b)1 foram retirados de Quadros e Karnopp (2004: 140, 141):
(16)
a. Ordem OSV: <TVb>do IX<3>do <3ASSISTIRb>do
Ela assiste TV.
b. Ordem SOV: IX<3>do <TVb>do <3ASSISTIRb>do
Ela assiste TV.
Entretanto, apesar de essas construções estarem associadas a marcas nãomanuais, quando houver uma estrutura complexa (como uma oração subordinada) na
posição de objeto, a ordem do objeto não poderá ser mudada.
1
As glosas da LSB são representadas por palavras do português em letras maiúsculas. Os colchetes
angulares são utilizados para indicar os sinais que apresentam marcação não-manual associada (neste caso
específico a direção do olhar ‘do’). O índice ‘IX’ refere-se ao apontamento para um locus espacial
específico (no exemplo, indica a terceira pessoa do singular). No Capítulo 4, o protocolo de transcrição
será apresentado detalhadamente.
38
Outro mecanismo gramatical que está associado a essas ordens é a topicalização.
Este mecanismo apresenta a elevação das sobrancelhas como marcação não-manual
associada. A marca de tópico está relacionada somente ao sinal topicalizado, não
podendo se estender sobre o resto da sentença. Além disso, é seguida por outras marcas
não-manuais, dependendo do tipo de construção, ou seja, se é seguida por foco, por
negação, por interrogativa, etc. Esse assunto será melhor abordado no próximo capítulo.
Além da topicalização, as construções com foco podem derivar estruturas SOV,
mesmo com verbos sem concordância, em casos de foco duplicado. A ordem VOS está
também associada a foco, mas no contexto de foco contrastivo (Arrotéia, 2003). Essas
questões também serão abordadas com mais detalhes no capítulo seguinte.
Para finalizar, é importante dizer que as sentenças com verbos com concordância
apresentam mais liberdade de ordenação do que aquelas com verbos sem concordância.
Além disso, a marcação não-manual é obrigatória no primeiro tipo de verbo e opcional
no segundo. Os verbos com concordância permitem também a ocorrência de
argumentos nulos, fato que não acontece com os verbos sem concordância.
Como pode ser percebido, esta seção teve como objetivo apresentar brevemente
as estruturas que derivam outras ordenações possíveis na LSB. Nos próximos capítulos,
serão abordadas somente as estruturas que podem derivar tópico e foco, com o intuito
de verificar como estas ocorrem durante o período da aquisição.
39
3 TÓPICO E FOCO
Neste capítulo serão abordados os dois constituintes que podem gerar mudança
na ordem básica da frase na LSB, ou seja, o tópico e o foco. Normalmente, as línguas se
utilizam tanto da estrutura da sentença quanto das marcas prosódicas para marcar esse
tipo de elemento. Por meio da interpretação semântica e sintática, será mostrado que
estes constituintes veiculam informações diferentes - apesar de muitas vezes serem
confundidos um com o outro - e são determinados por um contexto específico. O tópico
apresenta informação que já é partilhada pelos interlocutores, enquanto o foco veicula a
informação não pressuposta. Além disso, o primeiro é destacado do resto da sentença
por uma pausa, enquanto o segundo se destaca na sentença através da acentuação.
Nas próximas seções, será trabalhada a questão do tópico e do foco, tanto em
línguas faladas quanto em línguas de sinais, assim como na aquisição da linguagem.
3.1 TÓPICO
Uma das formas de dividir uma sentença é através da relação tópico-comentário.
Conforme dito anteriormente, o tópico é o constituinte que veicula informação
partilhada pelos participantes do discurso e normalmente é destacado do resto da
sentença por uma pausa. Sua contraparte é o comentário, ou seja, o domínio de onde o
tópico é destacado, veiculando informações não pressupostas ou informações já
mencionadas anteriormente no discurso.
Há uma forte tendência nas línguas de apresentar o tópico como um elemento
deslocado, geralmente na posição inicial da sentença e separado desta por uma pausa.
Entretanto, ele pode aparecer também deslocado à direita ou então intercalado na
40
sentença-comentário. Além disso, o tópico pode ser retomado na sentença por diferentes
tipos de elementos, conforme as particularidades de cada língua. De acordo com Soares
(2004), por exemplo, no português brasileiro o tópico pode ser retomado por um
pronome tônico, um epíteto, um clítico ou uma categoria vazia, gerando diferentes
construções1.
Os tópicos geralmente apresentam informação velha, embora informação nova
possa aparecer na posição de tópico. Além disso, nem toda a informação dada é um
tópico. Existem outros elementos que apresentam informação velha e que não possuem
a função de tópico. Uma das propriedades que o distingue dos demais constituintes é o
fato de estar separado do resto da sentença por uma pausa (que na escrita é representada
por uma vírgula), conforme exemplo em (1)2:
(1) A Maria, ela foi ao cinema ontem.
Para alguns autores, como Reinhart (1995) e Zubizarreta (1998), a relação
tópico-comentário é representada em termos de predicação, em que o tópico é o sujeito
e o comentário é o predicado proposicional na relação de predicação. É preciso tomar
cuidado para não confundir com a relação entre o sujeito e o predicado, que também é
uma relação de predicação, mas estabelecida de forma diferente. Considerando a
sentença em (1), percebe-se primeiramente o tópico A Maria e logo após um
comentário sobre o mesmo: ela foi ao cinema ontem. Como pode ser visto, o
comentário é composto por uma sentença completa que apresenta sujeito e predicado.
1
Abaixo segue um exemplo de cada tipo de elemento que pode retomar um tópico em português (Soares,
2004: 15). Para melhor visualização, estes elementos estão destacados nas sentenças.
(i) A minha irmã, ela não gostava de comer arroz.
(ii) A capacidade, eu tenho cv, agora falta estudo.
(iii) O João, a Maria não quer vê-lo no cinema.
(iv) A Maria, eu vi a cretina no cinema ontem.
2
O tópico da sentença será representado em negrito ao longo deste Capítulo. .
41
Sendo assim, não é possível confundir o sujeito ela, que é um elemento do comentário,
com o tópico A Maria. Estes dois elementos, tópico e sujeito, são constituintes
diferentes, com características e funções distintas.
Conforme Rizzi (1997), essas duas relações de predicação ocorrem em domínios
diferentes. Enquanto a relação entre o tópico e o comentário ocorre no domínio do CP,
caracterizando uma predicação “alta”, a relação entre o sujeito e o predicado ocorre no
domínio do IP, interna à sentença, constituindo uma predicação “baixa”.
Além da questão da predicação, Zubizarreta (1998) também propõe que a
interpretação de um constituinte topicalizado pode ser representada por duas asserções
que formam a Estrutura de Asserção (AS) da sentença. A AS se constrói após a LF e
contém duas asserções ordenadas, A1 e A2. A proposta da autora é ilustrada com o
exemplo em (2):
(2)
a. E os feijões? Quem comeu eles?
b. Os feijões, o Fred comeu eles.
Com base na pergunta-contexto em (2a), observa-se que Fred é o foco e os feijões é o
tópico da sentença (2b). A AS de (2b) é representada em (3):
(3)
A1: os feijõesy / existe um x, tal que x comeu y.
A2: os feijõesy / o x (tal que x comeu y) = Fred.
Considerando as duas asserções ordenadas, encontramos na A1 o tópico os feijões e a
pressuposição de uma estrutura de foco. A A2 é composta novamente pelo tópico e pela
asserção principal de uma sentença com foco. Zubizarreta ressalta que a representação
42
de uma sentença contendo tópico na AS mostra que o tópico não pode ser identificado
com o foco, já que o tópico é o sujeito de um predicado proposicional e o foco está
contido dentro deste predicado. Isso evidencia que tópico e foco são constituintes
distintos.
Quanto à Reinhart (1995), além de assumir que a bipartição tópico-comentário é
representada em termos de predicação, a autora trabalha com a noção de conjunto de
Asserções Pragmaticamente Possíveis (Possible Pragmatic Assertions – PPA). A cada
sentença é associado um conjunto PPA, que varia de acordo com o tipo de sentença.
Assim, uma sentença SVO tem três membros em seu conjunto PPA (SVO, S/SVO,
O/SVO), enquanto outras estruturas dispõem somente de alguns desses membros. Este é
o caso de uma sentença inacusativa do tipo there, cujo PPA não aceita a sentença
S/SVO, pois não pode apresentar sujeito indefinido como tópico. Sentenças com
deslocamento à esquerda, que marcam o tópico explicitamente, dispõem de apenas um
membro em seu PPA.
Reinhart ainda afirma que a noção de conjunto PPA é relevante para o
julgamento do valor de verdade de sentenças. A avaliação do valor de verdade envolve
a checagem da predicação, em que um elemento da sentença é tomado como argumento
(o tópico) e o resto da sentença como o predicado (o comentário). Dessa forma, quando
o conteúdo proposicional de uma sentença for acessado via o PPA S/SVO, é necessário
verificar se o conjunto definido pelo sujeito tem as propriedades definidas pelo
predicado, para avaliar o valor de verdade dessa sentença. Por outro lado, se o conteúdo
proposicional for acessado via o PPA O/SVO, então é preciso verificar se o conjunto
definido pelo objeto tem as propriedades definidas pelo predicado. Reinhart exemplifica
através das sentenças em (4):
43
(4)
a. Two American kings lived in New York.
(Dois reis americanos viveram em Nova Iorque)
b. There were two American kings in New York.
(Havia dois reis americanos em Nova Iorque)
De acordo com Reinhart, quando um grupo de pessoas foi solicitado para julgar
o valor de verdade da sentença (4a), a mesma foi considerada falsa ou indefinida pelas
pessoas do grupo. Já a sentença (4b) foi unanimemente julgada falsa. Para a autora, a
intuição do grupo de pessoas pode ser capturada via o conjunto PPA dessas sentenças.
Assim, as AS de (4a) e (4b) estão representadas, respectivamente, em (5) e (6):
(5)
a. Dois reis americanos viveram em Nova Iorque.
b. Dois reis americanos (x)/ x viveram em Nova Iorque.
c. Nova Iorque (y)/ dois reis americanos viveram em y.
(6)
a. Havia dois reis americanos em Nova Iorque.
b. Nova Iorque (x)/ havia dois reis americanos em x.
Em um contexto neutro, qualquer membro do PPA poderia ser selecionado. No
caso da sentença (4a), algumas pessoas consideraram-na indefinida, selecionando a
representação em (5b), pois o DP dois reis americanos não apresenta referência, não
sendo possível manter uma relação de predicação. Já as pessoas que julgaram (4a) falsa,
selecionaram a representação em (5c), já que o constituinte topicalizado Nova Iorque
tem referência e o predicado dois reis americanos não se aplica a nenhum morador
dessa cidade.
44
Em relação à (4b), conforme mencionado anteriormente, todas as pessoas
atribuíram o mesmo valor de verdade, julgando-a falsa. Este fato se explica visto que
um sujeito indefinido não pode funcionar como tópico em uma sentença do tipo there.
Assim, uma representação como (5b) não está disponível para (4b). Apenas a
representação (6b) com o elemento Nova Iorque topicalizado, comparável a (5c) está
disponível para essa sentença. Com os exemplos acima, foi possível mostrar que o
tópico não só desempenha uma função relevante no julgamento do valor de verdade da
asserção a que pertence como também possui uma função discursiva.
Ainda em relação ao tópico, uma análise interessante é apresentada por Bastos
(2001). A autora faz uma descrição de construções com duas instâncias do mesmo verbo
em uma mesma sentença, no português brasileiro, como sendo topicalização de
constituintes verbais na periferia esquerda da sentença. A autora analisa tais casos e os
classifica em três tipos de acordo com suas propriedades sintáticas e semânticopragmáticas.
No primeiro caso, o verbo infinitivo está sozinho na periferia esquerda e está
separado do resto da sentença por uma “entonação de vírgula”. A autora o denomina de
Tipo1, e o mesmo é gerado por movimento sintático3. Já no segundo caso (Tipo2), o
verbo está acompanhado de seus argumentos internos e o constituinte verbal à esquerda
também está separado do resto da sentença por uma “entonação de vírgula”. Este
segundo tipo também é gerado por movimento. Os exemplos (7) e (8) foram retirados
de Bastos (2001:10, 11) e ilustram respectivamente os Tipos 1 e 2:
(7) Emprestar, o João emprestou a caneta para a Maria.
(8) Emprestar a caneta para a Maria, o João emprestou, mas ele já pediu de volta.
3
Para obter essa informação, Bastos aplicou testes clássicos para identificação de movimento sintático,
como os testes utilizando configurações sintáticas das quais é impossível extrair constituintes (ilhas
sintáticas), como por exemplo, orações relativas.
45
O terceiro caso (Tipo 3) é composto por um verbo no infinitivo e seus
argumentos internos, mas esses últimos têm como característica o fato de serem NPs
nus4 associados ao verbo infinitivo em sentenças com aspecto imperfectivo. Este tipo de
tópico é gerado na base, conforme exemplo em (9):
(9) Emprestar caneta, eu tenho um colega que nunca empresta.
(p. 14)
Os três tipos de tópicos com duas instâncias verbais podem ser resumidos na
tabela abaixo:
Tipo 1
Tipo 2
Tipo 3
Categoria sintática
só verbo
verbo + argumentos plenos
verbo + NPs nus
Tipo de geração sintática
por movimento
por movimento
na base
Tabela 3.1: Resumo dos tipos de tópicos com duas instâncias verbais.
A proposta de Bastos para os casos de topicalização de constituintes verbais
gerados por movimento é a de que as duas instâncias do verbo são cópias, de acordo
com a teoria de movimento por cópia (Chomsky 1993; Nunes 1995, 1999, 2000) e que
estes casos devem ser analisados como realização fonética de cópias múltiplas. Para os
casos de topicalização de constituintes verbais gerados na base, ela propõe que não há
nenhuma relação sintática entre as duas instâncias verbais.
4
Os NPs nus são formados pelo nome comum (núcleo), em sua forma básica, sem determinante e sem
marca de plural, como o destacado na sentença em (9).
46
3.1.1 Tópico nas línguas de sinais
As construções com tópico também são comuns nas línguas de sinais. Elas estão
associadas à marcação não-manual específica, conforme será apresentado ao longo
desta seção.
Segundo Sandler e Lillo-Martin (2006), o uso de tópico é muito produtivo na
ASL. Ele é encontrado geralmente em posição inicial da sentença, mas pode aparecer
também na posição interna. Quando em posição inicial, ele pode ser movido para uma
posição fora da oração (através do processo de topicalização) ou ser gerado na base em
tal posição, respectivamente (10a) e (10b):
(10)
a. MARY, JONH LIKE.
b. MARY, JOHN LIKE IX-3rd.
(Aarons, 1994: 148)
Entretanto, a identificação do tipo de tópico pode não ser uma tarefa fácil, visto
que a ASL permite a existência de pronomes nulos (Lillo-Martin, 1986a, 1986b). Desta
forma, em uma sentença como (10a) parece impossível identificar o tipo de tópico, se
movido ou gerado na base. Porém, Aarons (1994) descobriu que existem marcações
não-manuais distintas associadas a cada um desses tópicos.
Na verdade, Aarons identificou três tipos diferentes de tópicos na ASL, que
apresentam estrutura e função distintas5. Além disso, eles diferem quanto à marcação
não-manual. As sentenças (11), (12) e (13) representam os três tipos de tópicos
encontrados pela autora:
5
Apesar de Aarons (1994) tratar todos os três tipos de marcas não-manuais como tópico, sabe-se que nem
todas se tratam realmente de tópico e sim de foco. Na sessão 3.2.1, será apresentada a reanálise dessas
marcas não-manuais realizada por Lillo-Martin e Quadros (2005).
47
tm1
(11) MARYi, JOHN LIKE ti
(Aarons, 1994: 148)
“Mary, John likes”
tm2
(12) VEGETABLE, JOHN LIKE CORN
(Aarons, 1994: 152)
“As for vegetables, John likes corn.”
tm3
(13) MARYi, JOHN LIKE IX-3rdi
(Aarons, 1994: 148)
“You know Mary, John likes her.”
De acordo com Aarons, o primeiro tipo de tópico, representado em (11), é o
único movido. O objeto elevado é parte de uma cadeia argumental ligando o objeto
movido com o seu vestígio na posição canônica pós-verbal. Ele é utilizado para
identificar um membro particular do universo do discurso, para ênfase ou para foco
contrastivo.
O segundo tipo de tópico, conforme exemplo (12), é gerado na base e é
necessariamente associado a um argumento da oração seguinte. O tópico e o argumento
interno da oração podem pertencer a uma mesma classe, apresentando uma relação
semântica. Ele é usado para introduzir nova informação que muda o tópico discursivo.
O terceiro tipo de tópico (13) também é gerado na base e é sempre co-referencial
com um argumento da sentença em posição canônica. Segundo a autora, esse tipo de
tópico é utilizado somente com referentes conhecidos pelo interlocutor e introduz uma
mudança importante no tópico discursivo.
Para melhor compreender os três tipos de tópicos, eles estão resumidos na tabela
a seguir, extraída de Aarons (1994: 156):
48
Tipo de
Tópico
tm1
(movido)
Características
não-manuais
elevação da testa,
cabeça levemente
inclinada para
baixo e para o lado,
olhos arregalados e
movimento de
cabeça para baixo e
para frente.
tm2 (gerado amplo movimento
na base)
da cabeça para trás
e para o lado, olhos
arregalados,
movimento de
cabeça para baixo e
para frente.
tm3 (gerado cabeça para frente,
na base)
inclinada levemente
para cima e para
baixo, boca aberta,
lábio superior
elevado, testa
elevada olhos bem
abertos, olhar fixo,
movimentos de
cabeça bem rápidos
Relação com
argumentos
parte de uma cadeia
argumental
Função
foco contrastivo ou
nova informação de
um conjunto
limitado.
às vezes classemembro, às vezes
co-referencial com
um argumento
mudança no tópico
discursivo, introduz
nova informação.
co-referencial com
um argumento
só pode ser usado
com referentes
conhecidos.
Introduz uma
mudança
significativa no
discurso.
Tabela 3.2: Tipos de construção com tópico na ASL (Aarons, 1994).
Aarons ainda faz mais algumas considerações sobre os tópicos na ASL. A autora
observou que em estruturas encaixadas é possível ter um tópico no início da mesma,
mas somente se a oração for infinitiva, conforme ilustrado em (14).
(14)
a. TEACHER REQUIRE JOHN LIPREAD MOTHER
“The teacher requires John to lipread mother.”
tm1
b. JOHN, TEACHER REQUIRE LIPREAD MOTHER
“John, the teacher requires to lipread mother.”
(Aarons, 1994: 168)
49
Além disso, Aarons afirma que há no máximo dois tópicos por sentença na ASL
e que há restrições nos tipos e ordens desses tópicos. Se ambos os tópicos são gerados
na base e forem do tipo dois (tm2), eles podem aparecer em ambas as ordens, desde que
estejam numa mesma classe (relação de membros de um elemento da sentença) ou que
estejam relacionados a um pronome co-referencial na sentença, como ilustrado em (15a,
b e c). Entretanto, quando um tópico está relacionado a um pronome co-referencial na
sentença, este tópico deve preceder o tópico que pertence à classe (relação de membro),
como em (15d).
tm2
(15)
tm2
a. JOHNi, GIRL-group, IX-3rdi LIKE MARY
(Aarons, 1994: 175, 176)
“As for John, as for girls, he likes Mary.”
tm2
tm2
b. CHINA IX, VEGETABLE, PEOPLE PREFER BROCCOLI
“In China, as far as vegetables are concerned, people prefer broccoli”
tm2
tm2
c. JOHN IXi, MARY IXj, IX-3rdi LOVE IX-3rdj
“John (there), Mary (there), he loves her.”
tm2
tm2
d. JOHNi, VEGETABLE, IX-3rdi PREFER ARTICHOKE
“As for John, as far as vegetables are concerned, he prefers artichokes.”
Quando dois tópicos são uma combinação de tm1 e tm2, eles devem estar na
ordem tm2, tm1, como mostrado em (16):
tm2
(16)
tm1
a. ??JOHNi, MARYj, IX-3rdi LOVE tj
“As for John, Mary he loves.”
50
tm1
tm2
b. *MARYj, JOHNi, IX-3rdi LOVE tj
(Aarons, 1994: 177, 178)
“Mary, as for John, he loves.”
Além disso, dois tópicos tm1 não são permitidos6. Os tópicos tm3 podem coocorrer com ambos tm1 ou tm2, desde que o tópico tm3 seja o primeiro. Aarons sugere
que a razão para estas restrições na ordenação é que o argumento do tópico movido
ocupa uma posição próxima a CP para reger adequadamente seu vestígio. Além disso,
quando uma tm2 marca uma classe, a proposição que a segue deve ser um comentário
sobre um elemento específico dessa classe expressa pelo tópico. Itens marcados com
tm3 têm como função trazer para o início do discurso informação específica para
contextualizá-lo. Assim que essa informação é estabelecida, outros tópicos podem ser
introduzidos.
Em relação à LSB, Quadros e Karnopp (2004) afirmam que o tópico é também
uma construção muito comum nessa língua. Ele está associado à marca não-manual de
elevação das sobrancelhas, sendo que a mesma não pode se espalhar sobre a sentença.
Entretanto, ela é seguida por outras marcas não-manuais, de acordo com o tipo de
constituinte que a segue (negação, interrogativa, foco, etc). Os exemplos (17), (18), (19)
e (20) são fornecidos pelas autoras (p. 147, 148):
(17) <FUTEBOL>top <JOÃO GOSTAR>mc
De futebol, o João gosta.
(18) <FUTEBOL>top <JOÃO GOSTAR NÃO>neg
De futebol, o João não gosta.
6
Isso acontece porque de fato tm1 trata de foco e dois focos não são permitidos em uma mesma sentença,
como será apresentado na seção sobre foco.
51
(19) <FUTEBOL>top <JOÃO GOSTAR>sn
De futebol, o João gosta?
(20) <BOLA FUTEBOL>top <ONDE JOÃO PEGAR>qu
Esta bola de futebol, onde o João pegou?
Geralmente os tópicos na LSB estão associados a posições argumentais, sendo
possível topicalizar o sujeito, o objeto, ou ambos. Além disso, é possível gerar um
tópico sem que este esteja ligado a uma posição argumental. Nesse tipo de construção, o
tópico pode apresentar uma relação semântica com um argumento da sentença. Segundo
Quadros e Karnopp, para esses casos existe uma análise sintática que sugere haver uma
“cópia” completa do constituinte topicalizado.
(21) <FRANÇAi>top < EU IR ti>mc
(22) <EUj>top <FRANÇAi>top tj <IR ti>mc
(23) <ANIMAIS>top EU GOSTAR GATO
(Quadros e Karnopp, 2004: 149, 150)
A sentença (21) mostra um exemplo em que apenas o objeto é topicalizado. Já
em (22), tanto o sujeito quanto o objeto estão topicalizados. No caso de (23), o tópico é
gerado na base e existe uma relação semântica entre o tópico e o objeto da sentença.
Nesse tipo de construção, é possível ter uma cópia do tópico ou um pronome coreferencial na posição de argumento da sentença, conforme ilustrado em (24) e (25):
(24) <FUTEBOL>top JOÃO GOSTAR FUTEBOL
(25) <MARIAi>top JOÃO GOSTAR ELAi
(Quadros e karnopp, 2004: 151)
52
Todas essas possibilidades de ordenações apresentadas acima, a partir das
construções com tópico, são derivadas da ordem básica da LSB, ou seja, SVO e geram
estruturas como SOV, OSV, OSVO, SSVO.
3.1.2 Aquisição de tópico
De Cat (2003) apresenta dados que revelam que as crianças já nos primeiros
estágios da aquisição da linguagem têm a competência necessária para codificar tópicos.
Ela mostra evidências por meio da produção espontânea de crianças adquirindo o
francês falado. Segundo a autora, no francês falado, a associação entre elementos
deslocados e a interpretação de tópico é extremamente robusta. Os tópicos são
obrigatoriamente deslocados e os elementos deslocados são obrigatoriamente
interpretados como tópicos.
Nos dados das crianças, os elementos deslocados foram identificados com base
nos seguintes aspectos: a presença de elementos resumptivos, a prosódia e a aparente
interrupção da ordem canônica dos constituintes. De acordo com De Cat, a primeira
observação dos dados indicou que os elementos deslocados pelas crianças são sempre
compatíveis com a interpretação de tópico, mesmo quando a produção não está
completamente de acordo com o modelo adulto. Esses elementos expressando tópico
apareceram no início da combinação de palavras das crianças. O uso de deslocamentos à
direita e à esquerda não apenas se parece com o modelo adulto, como também está em
conformidade com seus requisitos: a produção das crianças sugere que elas apenas
deslocam elementos indefinidos quando uma interpretação de tópico é permitida e que
elas cumprem a exigência de que sujeitos pesados de ILPs (Individual Level Predicates)
53
são deslocados, exceto quando estão em foco. Esses aspectos demonstram que as
crianças são capazes de identificar e codificar tópicos como no modelo adulto.
Quanto à língua de sinais, Pichler (2001), conforme mencionado brevemente no
capítulo 2, apresenta os dados de uma criança surda que apontam para um uso precoce
de topicalização na ASL. A criança em questão (ABY) apresenta uma produção maior
de sentenças VO do que as demais crianças analisadas. Seu uso de reordenação
morfológica, que gera a elevação do objeto, é pequeno, e sua produção na ordem OV
deve ser licenciada por outros fatores e não como resultado de reordenação morfológica.
Estudos anteriores, como Reilly et al (1990), apontam para o uso de
topicalização na criança somente a partir dos três anos de idade, quando aparece a
marca não-manual típica associada ao tópico. Na produção de ABY, essa marca não
aparece; entretanto é possível perceber uma pausa entre o objeto e o resto da sentença.
Ao considerar o fato de que a topicalização implica em uma pausa entre o elemento
topicalizado e o resto da sentença, Pichler analisa algumas instâncias da produção de
ABY como construções de tópico. Apesar de o padrão prosódico de ABY não ser
exatamente o mesmo do adulto, percebe-se que ela está marcando a topicalização de
forma consistente por meio da prosódia.
Isso pode ser confirmado pelo fato de ABY apresentar a marca prosódica de
pausa somente nas ocorrências OV. No entanto, mesmo que a pausa indique o uso
produtivo de sentenças com tópico na linguagem de ABY, cobre apenas 41% das
sentenças OV. Isto quer dizer que as demais sentenças devem ter sido motivadas por
outras questões. Das 38 construções OV produzidas por ela, 21 aconteceram com o
verbo WANT. Há uma associação dessas construções com WANT com as
interrogativas s/n e talvez esse fato esteja licenciando a elevação do objeto.
54
Com base nesses dados, Pichler tenta explicar parte das produções de ABY
como topicalização que acontece por volta dos 24 meses de idade. Com esse resultado, a
aparição de construções com tópico dá-se quase um ano antes do que foi reportado por
Reilly et al. (1990). Essa diferença dá-se em função de considerar a pausa entre o objeto
e o verbo como indício de topicalização, apesar da ausência da marcação não-manual.
O conhecimento necessário para que o adulto produza sentenças com tópicos na
ASL envolve três aspectos: (a) as estruturas de topicalização, (b) as marcas não-manuais
associadas com os tópicos e (c) os contextos discursivos em que se aplicam. Segundo
Pichler, ABY parece conhecer (a), mas não (b) e (c). Além disso, ABY utiliza com
freqüência referentes desconhecidos de seu interlocutor como se fossem informações
conhecidas, afetando as condições discursivas para a produção de tópicos. Essas
questões, entre outras, ainda precisam ser mais investigadas na produção da criança
adquirindo uma língua de sinais.
3.2 FOCO
As sentenças também podem ser estruturadas a partir da bipartição focopressuposição. O foco é o elemento da sentença que contém a informação não
pressuposta e a pressuposição apresenta os constituintes que são conhecidos dos
interlocutores de um determinado contexto discursivo, ou seja, a informação partilhada.
Em um contexto neutro, não é possível identificar o foco e a pressuposição de
uma sentença. Zubizarreta (1998) se utiliza de uma pergunta Wh para determinar como
a sentença se divide em foco e pressuposição, no caso de foco não-contrastivo. Assim, o
foco é o elemento que substitui na sentença-resposta o elemento Wh da perguntacontexto, conforme exemplos em (26).
55
(26)
a. Quem comeu a torta?
[F O JOÃO] comeu a torta.7
b. O que o João comeu?
O João comeu [F A TORTA].
c. O que o João fez com a torta?
O João [F COMEU] a torta.
d. O que aconteceu?
[F O JOÃO COMEU A TORTA].
De acordo com os exemplos acima, observa-se que a pergunta-contexto em
(26a) focaliza o sujeito, em (26b) o foco é no objeto e em (26c), no verbo. No caso de
(26d), toda a sentença é focalizada, caracterizando foco neutro. Além de a perguntacontexto determinar o foco da sentença, pois ela solicita que o ouvinte forneça uma
informação que o falante desconhece, ela pode também identificar a pressuposição. Para
tal, basta substituir o elemento Wh da pergunta por um indefinido. Como a resposta de
uma pergunta Wh tem a mesma pressuposição da pergunta, o foco na afirmação será
identificado pela parte que substitui o elemento Wh no contexto da pergunta, ou seja, o
indefinido. O resto é a pressuposição, conforme os exemplos em (27) referentes às
respostas de (26a) e (26b) respectivamente.
(27)
a. Alguém comeu a torta.
b. O João comeu alguma coisa.
Zubizarreta (1998) sugere que, assim como a articulação tópico-comentário, a
estrutura foco-pressuposição de uma sentença também pode ser representada por duas
asserções ordenadas que formam a Estrutura de Asserção (AS). A primeira asserção
(A1) contém a pressuposição fornecida pela pergunta-contexto. A segunda asserção (A2)
contém o elemento focalizado e é chamada de asserção principal. Retomando as
7
Está sendo utilizada a letra F subscrita para indicar o foco nas sentenças, que está identificado dentro de
colchetes. Além disso, o foco está representado em letras maiúsculas.
56
sentenças em (26), as duas asserções ordenadas para cada exemplo seriam como em
(28), respectivamente:
(28)
a. A1: Existe um x tal que x comeu a torta.
A2: O x tal que x comeu a torta = [F O JOÃO].
b. A1: Existe um x tal que o João comeu x.
A2: O x tal que o João comeu x = [F A TORTA].
c. A1: Existe um x tal que João fez x com a torta.
A2: O x tal que João fez x com a torta = [F COMEU]
d. A1: Existe um x tal que x aconteceu.
A2: O x tal que x aconteceu = [F O JOÃO COMEU A TORTA].
Em (28), a asserção A1 expressa o pressuposto presente nas sentenças (26)a, b, c
e d. A asserção A2, que é tida como a asserção principal, é uma sentença equativa e
contém a expressão definida (o x e os predicados O JOÃO em (26a), A TORTA em
(26b), COMEU em (26c)) e correspondem ao elemento focalizado. Na ASs em (28d), o
foco é uma proposição que consiste em um predicado e seus dois argumentos. Até aqui
foram mostrados exemplos de contextos de foco não-contrastivo, ou seja, o foco
entendido somente como a informação que a pergunta solicita, sem estabelecer
contraste.
Entretanto, Zubizarreta apresenta também a AS para o foco contrastivo8. O
contexto para esse tipo de foco é fornecido por uma afirmação prévia. Ele também
estabelece um valor para uma variável, mas de forma diferente do foco não-contrastivo,
pois tem dois efeitos. Por um lado, nega o valor atribuído à variável na AS da sua
8
Para diferenciá-lo do foco não-contrastivo, o foco contrastivo será representado por letras maiúsculas e
itálico.
57
afirmação prévia, mas por outro lado, atribui um valor alternativo para tal variável. Em
(29a) é apresentada a afirmação prévia para (29b):
(29)
a. O João está vestindo uma camiseta azul.
b. O João está vestindo uma camiseta VERMELHA (não uma azul).
Em (29b) o falante nega o valor atribuído para a variável (azul) e introduz um
novo valor para a mesma (VERMELHA), que é o foco da sentença. A interpretação do
foco contrastivo é representada como na AS abaixo:
(30)
A1: Existe um x tal que João está vestindo x
A2: Não é o caso que o x (tal que João está vestindo x) = uma camiseta azul & o
x (tal que João está vestindo x) = uma camiseta VERMELHA.
Em (30), assim como em (28), a asserção A1 é formada pela pressuposição
existencial. A asserção A2 é constituída por duas asserções. Na primeira é negado o
valor atribuído anteriormente para a variável x (uma camiseta azul) e na segunda é
introduzido um novo valor para essa variável (uma camiseta VERMELHA). Assim,
apesar de os dois tipos de foco terem semelhanças, já que ambos introduzem um valor a
uma variável, o foco contrastivo apresenta uma diferença importante: ele faz uma
declaração sobre a verdade ou a correção da asserção introduzida pelo seu contexto (sua
afirmação prévia).
Nesse quesito, o foco contrastivo assemelha-se à ênfase, já que esta pode negar a
asserção introduzida pela sua afirmação prévia (31). A ênfase pode também afirmar
58
uma informação previamente dada (32). Os exemplos em (31) e (32) foram retirados de
Zubizarreta (1998):
(31)
(32)
a. Someone lied to you.
(contexto)
b. NOBODY lied to me.
(resposta)
c. ‘there is no x, such that x lied to me’
(asserção)
a. I think Mary lied to you.
(contexto)
b. You are right; Mary DID lie to me.
(resposta)
c. ‘there is an x, such that x (=Mary lied to me) happened’
(asserção)
3.2.1 Foco nas línguas de sinais
O foco nas línguas de sinais também é acompanhado de marcação não-manual
específica, de acordo com o tipo de foco produzido. Lillo-Martin e Quadros (2004)
mostram que a ASL e a LSB apresentam semelhanças e diferenças, dependendo do tipo
de foco.
No que diz respeito ao foco de informação, este pode aparecer em posição inicial
da sentença em ambas as línguas de sinais. Também é possível encontrá-lo in situ,
conforme exemplos em (33), dados pelas autoras:
(33)
a. WHAT YOU READ?
(pergunta-contexto)
“What did you read?”
b. BOOK STOKOE I READ (sentença-resposta com foco em posição inicial)
c. I READ BOOK STOKOE (sentença-resposta com foco in situ)
59
“I read Stokoe’s book.
Em ambas as construções, o foco de informação é acompanhado pela marcação
não-manual tm1 (Aarons, 1994).
O foco de ênfase é uma construção bastante freqüente nessas línguas, mas possui
diferenças entre elas. Segundo alguns autores, como Petronio (1993), Petronio e LilloMartin (1997) e Quadros (1999), o elemento enfatizado pode aparecer em posição final
da sentença ou pode ocorrer na sentença duas vezes: uma na sua posição usual (interna
na sentença) e também duplicado no final da sentença. Construções duplas podem
ocorrer com modais, verbos, negação, substantivos, quantificadores, elementos Wh e
advérbios. Esses dois tipos de foco de ênfase estão relacionados entre si, conforme será
explicado posteriormente. Exemplos de foco duplicado e de foco final são apresentados,
respectivamente, em (34) e (35) e foram retirados de Quadros e Karnopp (2004: 171 a
173):
(34)
a. EU PODER IR <PODER>mc
“Eu POSSO ir (a algum lugar).9”
b. EU TER DOIS CARRO <DOIS>mc
“Eu tenho DOIS carros.”
c. EU PERDER LIVRO <PERDER>mc
“Eu PERDI o livro.”
d. <QUEM GOSTAR GATO>qu <QUEM>qu
“QUEM gosta de gato?”
e. EU <NÃO IR>neg <NÃO>neg
9
O elemento focalizado está representado em letras maiúsculas.
60
“Eu NÃO vou (a algum lugar).”
f. AMANHÃ ELE COMPRAR CARRO <AMANHÃ>mc
“AMANHÃ, ele comprará o carro.”
(35) a. EU PODER IR <PODER>mc
“Eu POSSO ir (a algum lugar).”
b. EU TER DOIS CARRO <DOIS>mc
“Eu tenho DOIS carros.”
c. EU PERDER LIVRO <PERDER>mc
“Eu PERDI o livro.”
d. <QUEM GOSTAR GATO>qu <QUEM>qu
“QUEM gosta de gato?”
e. EU <NÃO IR>neg <NÃO>neg
“Eu NÃO vou (a algum lugar).”
f. AMANHÃ ELE COMPRAR CARRO <AMANHÃ>mc
“AMANHÃ, ele comprará o carro.”
Segundo Petronio (1993), existem algumas propriedades que caracterizam as
construções duplas:
§
a duplicação ocorre no final da sentença;
§
a duplicação é um núcleo e não uma projeção máxima;
§
só há um elemento duplicado por sentença;
§
o elemento que foi duplicado não pode estar dentro de uma ilha sintática;
§
apenas o Wh duplicado pode ocorrer numa pergunta Wh direta (nunca um modal
ou verbo duplicado)
61
Na análise de Petronio sobre a ASL, a duplicação no final da sentença não é
resultado de movimento, mas é um elemento gerado na base, na posição de núcleo. O
elemento que foi duplicado (que está na posição interna da sentença) em ASL é um
operador de foco. Em sua proposta, Petronio trata os elementos focados na ASL de
forma análoga aos elementos Wh e à negação. O elemento duplicado é licenciado por
estar em uma configuração especificador-núcleo com o elemento in situ no nível da LF.
Assim, a duplicação ocupa a posição de núcleo do CP, o qual está no lado direito na
ASL. A representação proposta pela autora é apresentada em (36):
(36)
CP
C’
spec
o
TP
spec
T’
o
SagrP
spec
Sagr’
o
OagrP
spec
Oagr’
o
VP
Algumas vezes, construções duplas podem ocorrer sem o elemento interno que
foi duplicado, aparecendo apenas a sua cópia, conforme os exemplos em (35).
Quanto à LSB, Quadros (1999) observa que existem algumas semelhanças com
a ASL nas construções duplas, como o fato de apresentarem os mesmos tipos de
62
elementos duplicados (modais, quantificadores, verbos, negação, advérbios, e elementos
Wh), de serem restritos a núcleos e de não ter uma cópia do elemento em uma ilha
sintática. Entretanto, Quadros adota uma proposta diferente para a estrutura da sentença.
Ela segue a proposta de Kayne (1994), em que toda a estrutura da sentença é ramificada
à direita. Desta forma, o elemento focado não pode aparecer na posição final da
sentença simplesmente por ter sido gerado no núcleo do C, já que toda a sentença segue
C. Todo o resto deve mover-se para a esquerda. A representação de Quadros para o foco
duplicado é apresentada em (37):
(37)
Estrutura acima de IP
CP
FP
IP/SagrP
De acordo com sua proposta, existe uma projeção especial (FP) para o elemento
focado. O núcleo de FP é gerado na base com o traço [+F] e o IP/SagrP deve subir para
a posição [Spec, FP] para a checagem de traço. Além disso, o elemento focado deve ser
acompanhado da marca não-manual aceno de cabeça.
Outra diferença encontrada por Quadros entre a ASL e a LSB é em relação ao
número de focos. Enquanto Petronio observou apenas um foco por sentença na ASL,
Quadros (1999: 227) encontrou um foco por oração na LSB, conforme ilustrado em
(38):
(38)
a. <I WOULD-LIKE PAY HOUSE WOULD-LIKE>hn
b. < I WOULD-LIKE PAY HOUSE PAY>hn
63
c. < I WOULD-LIKE PAY HOUSE PAY>hn <WOULD-LIKE>hn
“I would like to pay for the house.”
Esse fato traz como conseqüência a possibilidade de a LSB permitir o foco
duplicado em orações relativas (39a), diferentemente da ASL. Em contrapartida, a LSB
acompanha a ASL no que se refere à impossibilidade de duplicar um elemento que
esteja numa ilha sintática (39b).
(39)
a. GIRL <BICYCLE FALL BICYCLE>r IS HOSPITAL
b. *GIRL <BICYCLE FALL>r IS HOSPITAL <FALL>hn
“The girl that fell off the bicycle is in the hospital.”
(Quadros, 1999: 222)
Em relação ao foco contrastivo, este aparece no final da sentença na LSB e é
acompanhado da marcação não-manual aceno de cabeça (Arrotéia, 2003). O foco
contrastivo pode ocorrer no objeto (40), no verbo (41) ou no sujeito (42) e vai depender
do contexto. O sujeito em posição final na LSB apresenta restrição e só pode ocorrer em
casos de foco contrastivo. Os exemplos foram retirados de Arrotéia (2003) e foram
obtidos através de um teste de pergunta e resposta baseado em Bastos (2001).
(40)
[o que o homem perdeu: a chave ou a aliança?]
HOMEM PERDER <ALIANÇA>mc (<CHAVE NÃO>neg)
(41)
a. [o que o garçom fez com o cheque: rasgou ou apagou?]
GARÇOM CHEQUE <APAGAR>mc (<RASGAR NÃO>neg)
b. [o que o menino fez com a carteira: devolveu ou roubou?]
<CARTEIRA>top MENINO <ROUBAR>mc (<DEVOLVER NÃO>neg)
64
(42)
[quem comprou a casa: Artur ou Maria?]
COMPRAR CASA <ARTURa IXa>mc (<MARIAb IXb NÃO>neg)10
Em todas as sentenças acima ocorreu a marcação não-manual ‘aceno de cabeça’.
Em (40) a sentença foi produzida na ordem canônica da LSB, ou seja, SVO. Já em (41)
é possível perceber dois tipos de construção. Na primeira sentença o objeto aparece em
posição pré-verbal gerando a ordem SOV e na segunda, aparece topicalizado no início
da mesma, produzindo OSV. A sentença (42), conforme dito anteriormente, é a única
possibilidade de ocorrência de sujeito em posição final da sentença.
Em relação às marcas não-manuais referentes ao foco, Lillo-Martin e Quadros
(2004) fazem uma reanálise dos tipos de marcas não-manuais de tópico encontrados por
Aarons (1994), observando que tm1, na verdade, é usado para marcar foco de
informação e chamam o mesmo de “I-focus”. Este pode co-ocorrer com um tópico
gerado na base11, conforme o exemplo em (43):
(43)
a. FRUIT, WHAT JOHN LIKE?
‘As for fruit, what does John like?’
t-c
I-focus
b. FRUIT, BANANA, JOHN LIKE MORE
‘As for fruit, John likes bananas best.’
10
(Lillo-Martin e Quadros, 2004: 11)
Segundo a notação de Arrotéia (2003), o índice (IX) refere-se ao apontamento de um locus espacial
específico; corresponde a um pronome (IX1, IXa IXb...). Glosas do tipo ARTURa indicam associação de
um sinal a um locus específico.
11
Este tópico gerado na base corresponde ao tm2 de Aarons (1994), que Lillo-Martin e Quadros chamam
de ‘t-c’.
65
As autoras verificam também que em uma mesma sentença é possível encontrar
um foco de informação e um tópico movido12 (ambos descritos por Aarons como tendo
a marca tm1), conforme ilustrado abaixo:
(44)
a. WHAT YOU READ IX SCHOOL?
‘What did you read at school?’
I-focus
top
b. BOOK STOKOE, IX SCHOOL, I READ
top
c. IX SCHOOL, I READ BOOK STOKOE
‘At school, I read Stokoe’s book.
O foco contrastivo e a ênfase, apresentados por Aarons como tendo tm1, são
representados por Lillo-Martin e Quadros como sendo, respectivamente, C-focus e Efocus. O primeiro ocupa a mesma posição na sentença que o foco de informação, ou
seja, a posição inicial. Já o segundo é encontrado na posição final da sentença, tanto em
construções duplas como em finais. A representação em (45) é resultante da
combinação das estruturas para tópico, foco de informação e ênfase:
(45)
T-C P
FocP
TopP
E-focP
TP
12
As autoras não abordam o tipo de tópico que é permitido nesta posição, elas simplesmente o
denominam como informação velha.
66
Assim, o foco de ênfase requer a topicalização do restante para [spec, TopP]. Os
tópicos gerados na base podem co-ocorrer com o foco de ênfase. Para melhor
visualização, na Tabela 3.3 (retirada de Lillo-Martin e Quadros, 2004: 16) é apresentado
um resumo dos elementos da estrutura de informação:
gerado na base
Marca não-manual
(Lillo-Martin e
Quadros)
t-c
Marca nãomanual
(Aarons)
tm2
movido
I-focus
tm1
movido
top
tm1
movido +
movimento
do restante
E-focus
tm1 (sem
movimento
do restante)
Tipo
Análise
tópico
(tópicocomentário)
foco (de
informação e
contrastivo)
tópico
(informação
velha)
foco de
ênfase
Tabela 3.3: Elementos da estrutura de informação na ASL e LSB
3.2.2 Aquisição de foco
De Cat (2004) mostra que existem vários fatores (relativos à posição estrutural e
ao uso de marcações DP-internas) que influenciam na forma como novos referentes no
discurso são codificados e que esses fatores interagem entre si. Segundo a autora, os
trabalhos existentes sobre a aquisição da primeira língua têm investigado este último
tipo de marcação, concluindo que as crianças inicialmente diferem do adulto na sua
codificação de referentes novos. Entretanto, para ela, quando é levado em conta o
quadro geral da forma como os novos referentes são codificados na linguagem do
adulto, o comportamento das crianças resulta em uma semelhança maior com o modelo
adulto do que vem sendo descrito na literatura sobre o assunto.
67
De acordo com De Cat, não é possível testar a competência da criança nessa área
sem levar em consideração os aspectos acima mencionados. A autora analisa os
resultados apresentados em dois estudos de produção eliciada, Hickmann et al. (1996) e
Hickmann e Hendriks (1999), que focalizam ambos os aspectos: distinções de
definitude e posição estrutural. Em seguida, a autora apresenta os resultados de um
estudo seu sobre o assunto, mas por meio da produção espontânea de crianças. Os três
tipos de erros13 que poderiam ser esperados não ocorreram nos dados de De Cat.
Entretanto, a interpretação que a autora dá para os resultados de Hickmann et al. (1996)
sobre as dificuldades encontradas pelas crianças com a codificação de referentes novos
é a de que estas são limitadas a um conjunto de casos em que um referente não saliente
é considerado saliente e, portanto, codificado como um tópico (definido). Isso sugere
que os ditos “erros” não são devido à indisponibilidade inicial de certas marcações do
que é novo, já que o uso de indefinidos e o uso de posições focais parecem estar
disponíveis por volta dos dois anos de idade (no início da combinação de palavras). A
autora sugere, na verdade, que esses desvios do padrão adulto são referentes a questões
extralingüísticas. A violação do requerimento de saliência não quer dizer que a criança o
ignora, mas que ainda tem dificuldade em avaliar a diferença do mesmo em certas
situações do discurso. Desta forma, essa dificuldade estaria ligada a fatores cognitivos e
não a fatores lingüísticos. Contudo, mais pesquisas devem ser realizadas para confirmar
sua hipótese.
13
De Cat (2004) aponta três tipos de erros esperados na produção das crianças:
(i) Tipo I: se a criança não associa informação nova com indefinitude, pode-se esperar que ela codifique
referente novo como definido. Se ela sabe que referentes novos aparecem, como regra geral em posição
focal, daí surge o erro do tipo I;
(ii) Tipo II: se informação nova e indefinitude não estão ligadas na mente da criança, pode-se esperar que
ela use indefinidos ao acaso em posição deslocada em contextos em que são impossíveis na linguagem do
adulto;
(iii) Tipo III: se a criança não sabe que, para serem codificados como tópico, referentes novos têm que ser
salientes o suficiente para serem identificáveis pelo ouvinte, então se espera o erro do tipo 3.
68
Quanto à língua de sinais, Lillo-Martin e Quadros (2004) fizeram um estudo
comparativo entre a aquisição de construções com foco em crianças surdas adquirindo a
ASL e a LSB, por meio da análise de produção espontânea. As autoras buscavam
encontrar a idade em que as primeiras evidências de foco apareciam. Considerando os
diferentes tipos de foco, as autoras tinham duas hipóteses:
1) o foco de informação e o foco de ênfase são construções distintas e não são
adquiridas ao mesmo tempo;
2) os focos de ênfase duplicado e final são construções relacionadas e devem ser
adquiridas ao mesmo tempo.
Estas suposições são contrárias àquelas propostas por Neidle et al (2000). De
acordo com eles, não há relação sistemática entre construções com foco final e
duplicado. Este último seria, em algumas situações, como construções envolvendo
‘tags’14.
Os dados encontrados por Lillo-Martin e Quadros (2004) confirmam as
hipóteses formuladas pelas autoras. De fato as construções de foco duplicado e final
estão relacionadas e são adquiridas na mesma época. Estas construções apareceram bem
cedo na produção de todas as crianças analisadas. Além disso, conforme o previsto por
Lillo-Martin e Quadros, o foco de informação não está relacionado com os focos de
ênfase. Suas primeiras produções consistentes apareceram desde a primeira sessão de
cada criança onde elas produziram uma sentença com mais de um sinal, em resposta a
uma pergunta do adulto.
Assim, o foco de informação parece ser adquirido antes do foco de ênfase. Na
tabela abaixo, extraída de Lillo-Martin e Quadros (2004), é possível observar a idade
14
‘Tags’ consistem em uma repetição, embora em versão reduzida, do conteúdo da oração principal.
69
em que o primeiro uso consistente de cada construção com foco aparece nas crianças
analisadas.
Criança
Aby (ASL)
Sal (ASL)
Ana (LSB)
Leo (LSB)
Foco de Inform.
1:9
1:7
1:6
1:10
Foco Duplicado
2:1
1:9
2:0
2:1
Foco Final
2:0
1:9
2:1
2:2
Tabela 3.4: Idade da primeira produção consistente de cada tipo de foco
De acordo com os dados apontados na tabela acima, as autoras concluem que
realmente não há relação entre a aquisição do foco de informação e do foco de ênfase.
Por outro lado, os dados revelam que há uma relação grande entre a aquisição de
construções duplicadas e finais, fornecendo evidências suficientes desses dois tipos de
foco como instâncias de ênfase. Além disso, os resultados encontrados pelas autoras vão
ao encontro da hipótese por elas formulada de que as crianças são capazes de
representar a estrutura do discurso muito cedo. Esta questão está em consonância com
os dados apresentados por De Cat (2004) no início desta seção.
3.3 TÓPICO VERSUS FOCO
O tópico é o elemento compartilhado, conhecido pelos membros do discurso,
enquanto o foco é o constituinte que veicula a informação não pressuposta. O primeiro é
destacado na sentença por uma pausa, já o segundo é destacado por meio de uma
determinada acentuação. Apesar de serem interpretados de forma distinta, esses dois
elementos podem se estruturar de maneira semelhante quando estão na periferia
esquerda da sentença.
70
Rizzi (1997) apresenta cinco propriedades sintáticas que diferenciam tópico de
foco. A primeira delas é quanto à retomada por um pronome resumptivo. O tópico pode
ser retomado por um pronome no comentário (46c), já o foco não tem essa
possibilidade, deixando a sentença agramatical, conforme exemplos em (46a,b)15:
(46)
a. O JOÃO t comeu a torta.
b. *O JOÃO ele comeu a torta.
c. O João, ele comeu a torta.
A segunda propriedade que difere tópico de foco é quanto aos efeitos do
cruzamento fraco (WCO - Weak Cross-Over). O tópico não sofre os efeitos de WCO,
enquanto o foco reage aos mesmos.
(47)
a. *O JOÃOi a mãe delei ama ti (não a Maria).
b. O Joãoi, a mãe delei ama elei.
Em (47a) observa-se que o foco O JOÃO não pode estar co-indexado com o
pronome dele e nem com t, tornando a sentença agramatical. A variável ti deveria estar
vinculada diretamente ao foco, sem a interrupção do pronome. Já (47b) é bem formada,
pois o tópico está co-indexado com os pronomes dele e ele, indicando que ele não reage
aos efeitos de WCO.
A terceira diferença refere-se aos elementos quantificacionais nus (Bare
Quantificational Elements). Os quantificadores nus não podem ser topicalizados (48b),
mas podem aparecer na posição de foco (48a).
15
O foco das sentenças a partir de (46) está em letras maiúsculas para destacá-lo na sentença, enquanto o
tópico é separado do resto da sentença por uma vírgula e está em negrito.
71
(48)
a. NINGUÉMi a Maria convidou ti para a festa.
b. *Ninguémi, a Maria convidou cvi para a festa.
Outra diferença indicada por Rizzi é a unicidade do foco. Uma sentença pode ter
mais de um tópico (49), mas apenas um foco é aceito, ou seja, só existe uma posição
estrutural para a focalização, como ilustra a agramaticalidade de (50).
(49)
O livro, para o João, ontem, Maria entregou a ele.
(50)
*PARA O JOÃO MARIA entregou o livro.
A explicação para tal restrição está no fato de a categoria FocP possuir apenas
uma posição para acomodar o elemento focalizado, isto é, o especificador de FocP. Se
uma sentença apresentar mais de um foco, como (50), é necessário incluir mais uma
categoria FocP na estrutura, para que o outro foco ocupe o especificador desse segundo
FocP, gerando a representação em (51)16:
(51)
FocP
XP
Foc’
Foc1
YP=Foc2
ZP
Foc’
Foc2
16
WP
A estrutura representada em (51) foi retirada de Rizzi (1997: 297)
72
Entretanto, isso não é possível visto que o complemento de FocP conteria uma
informação nova (FocP2), o que é incompatível com a noção de pressuposição que deve
conter apenas informação previamente dada no discurso. O mesmo não acontece com o
tópico. Ele não precisa ser único na sentença, como mostra (49), pois o comentário pode
ter informação já partilhada no discurso ou informação não pressuposta.
Por último, a quinta diferença entre tópico e foco é a compatibilidade com
perguntas Wh. Um operador Wh é compatível com o tópico (52), em uma ordem fixa
(Top Wh), enquanto é incompatível com o foco (53), independente da ordem em que
aparece.
(52)
O João, que livro ele comprou?
(53)
*O JOÃO que livro comprou? (não a Maria)
A agramaticalidade de (53) é facilmente explicada levando em consideração a
proposta de Zubizarreta (1998). Segundo a autora, o foco de uma sentença corresponde
à resposta de uma pergunta Wh. Dessa forma, tanto o foco da resposta quanto o
elemento Wh da pergunta estariam competindo pela mesma posição, ou seja, o
especificador de FocP. Como não é possível projetar mais de uma vez a categoria FocP
em uma sentença, a incompatibilidade entre o foco e o elemento Wh é verificada.
De acordo com Rizzi (1997), as três primeiras propriedades que diferem tópico
de foco estão relacionadas ao fato de o foco, mas não o tópico, ser de natureza
quantificacional. O autor segue a afirmação de Lasnik e Stowell (1991) de que WCO é
uma característica distintiva de relações A’ envolvendo quantificação genuína. Assim,
há dois tipos de relações A’: aquelas que envolvem quantificação que liga uma variável
a um quantificador e as que envolvem ligações A’ não-quantificacionais. Nesta última,
73
o constituinte não-quantificacional vincula uma categoria vazia que não é uma variável,
e é chamada de constante nula (nc – null constant).
Assim, uma sentença como (47a), em que o foco sofre os efeitos de WCO,
mostra que a mesma envolve uma relação A’ quantificacional entre o constituinte
focalizado e a categoria vazia. Já (47b) não sofre os efeitos de WCO, indicando que a
co-indexação entre o tópico e o pronome envolve uma relação A’ não-quantificacional.
Em relação aos quantificadores nus, Rizzi afirma que eles não podem ser
topicalizados porque são operadores inerentes e devem vincular uma variável em
posição A. Como a relação entre o tópico e a categoria vazia não é de natureza
quantificacional, não há variável no comentário para ser vinculada pelo operador. Por
sua vez, não há restrição sobre a focalização de um quantificador nu, já que o foco é
quantificacional.
Para finalizar, o fato de o foco não poder ser retomado por um pronome
resumptivo (ele deve ser retomado por uma categoria vazia (cv)) também está
relacionado à sua natureza quantificacional. O motivo disso é que o resumptivo é
[+pronominal] não podendo ser identificado como uma variável que é [-pronominal]. O
foco só pode vincular uma variável que é [-pronominal] em posição-A. Assim, em
(46b), O JOÃO é um constituinte quantificacional e não há uma variável para que a
vinculação possa ser estabelecida.
Como foi possível perceber ao longo deste capítulo, existem diferenças
semânticas e sintáticas que diferem o tópico e o foco. Estes dois constituintes veiculam
informações distintas e possuem como características propriedades sintáticas
específicas.
74
4 METODOLOGIA
Os dados analisados são de uma criança surda, filha de pais surdos, que está
adquirindo a língua de sinais brasileira como sua primeira língua. Estes dados foram
coletados de forma longitudinal pelos pesquisadores do projeto “Tópicos em Aquisição
da Sintaxe: estudos interlingüísticos e intermodais”, que tem como responsável a Profa.
Dra. Ronice Müller de Quadros. O sujeito analisado é um menino (LÉO), que foi
filmado de um ano e oito meses até os quatro anos de idade. O período analisado dos
dados do LÉO para esta dissertação foi de 1:8 a 2:5, em virtude dos dados já estarem
todos transcritos e revisados.
As filmagens foram realizadas, inicialmente, uma vez por semana com
duração média de uma hora. Algumas sessões ocorreram com uma periodicidade maior,
com intervalo de quinze dias. LÉO foi filmado em ambientes familiares a ele, como por
exemplo, na sua própria casa, na escola, interagindo lingüisticamente com seus pais ou
com a pessoa que realizou as filmagens. Esta pessoa é surda, fluente na língua de sinais.
Foram realizadas brincadeiras com ele utilizando seus próprios brinquedos e livros, bem
como, um conjunto comum de brinquedos e livros a todas as crianças que participam do
projeto. O objetivo de incluir estes materiais foi de poder contar com elementos que
possam, eventualmente, favorecer o mesmo tipo de produção em diferentes crianças.
Quanto à transcrição, ela “deve ser feita por usuários da língua de sinais,
preferencialmente surdos. Caso tenham ouvintes envolvidos na transcrição, pelo menos
uma das revisões deve ser realizada por surdos fluentes na língua de sinais. Também há
uma preferência pelos falantes nativos da língua” (Quadros e Pizzio, 2005). Nesta
pesquisa, a transcrição foi realizada por alunos bolsistas de iniciação científica
conhecedores da LSB, sendo que um deles era surdo. A revisão da mesma também foi
75
feita por um surdo e por uma falante nativa da língua. O protocolo de transcrição de
dados utilizado será descrito a seguir.
4.1 PROTOCOLO DE TRANSCRIÇÃO1
Como procedimentos padrão, ao iniciar a transcrição de uma sessão nova, o
pesquisador incluía as informações sobre a sessão, tais como: o número da sessão, a
data da mesma, o nome fictício da criança, a data de nascimento e a idade na sessão. Ao
abrir o documento e iniciar a transcrição, o pesquisador identificava o documento de
transcrição incluindo as seguintes informações:
Pesquisador: Pedro
Tempo de início da transcrição: 00:01
Quadro 4.1: Exemplo do registro de início da transcrição de um determinado trecho das filmagens.
Ao final ele deve encerrar sua transcrição com as seguintes informações:
Pesquisador: Pedro
Tempo final da transcrição: 00:22
Quadro 4.2: Exemplo da finalização da transcrição de um determinado trecho das filmagens.
O pesquisador deve salvar o arquivo sistematicamente no próprio computador.
Ao final de seu trabalho, o documento deverá ser salvo também no CD correspondente.
As convenções utilizadas na transcrição devem ser explicitadas para melhor
leitura da mesma. Os sinais produzidos são representados por palavras do português em
letras maiúsculas. Quando mais de uma palavra representa um único sinal, elas devem
aparecer unidas por hífen, assim como também as letras das palavras que são soletradas
1
Parte deste protocolo foi elaborado com Ronice Müller de Quadros e aceito para publicação na revista
Cadernos de Estudos Lingüísticos da Unicamp, sob o título ‘Aquisição da língua de sinais brasileira:
constituição e transcrição dos corpora’.
76
através do alfabeto manual. O nome das pessoas envolvidas em cada diálogo deve
constar no início da sua fala, colocando-se um asterisco e o nome da pessoa em letras
maiúsculas. Quando há uso de apontação, o sinal será transcrito com letras minúsculas
dentro da marcação IX< >, conforme exemplos dados a seguir.
O tempo da transcrição2 deve ser inserido a cada momento que a conversação for
reiniciada incluindo o nome das pessoas envolvidas a cada entrada do diálogo,
conforme o exemplo a seguir3:
00.26.48
*LÉO: LIVRO
*MÃE: <IX<livro> NÃO>neg ESCOLA SOMENTE
*LÉO: <LIVRO>top EU | <2PEGAR1>imp
Quadro 4.3: Exemplo de trecho da transcrição indicando o tempo do ato conversacional.
As entradas devem estar ordenadas seqüencialmente. Se alguma informação não
for compreendida, são utilizados parênteses com um ponto de interrogação
acrescentando, quando possível, o sinal que parece ser apesar de não haver certeza a
respeito: (CARRO?) ou, simplesmente, (?).
As marcas não-manuais devem ser incluídas na própria transcrição sobre o seu
escopo, que também será representado entre < >, e as demais informações relativas à
transcrição em si, na seqüência, conforme detalhamento a seguir.
4.1.1 Informações sobre o contexto da filmagem
O pesquisador deve incluir informações suficientes para que ele tenha
condições de identificar o que a criança quis dizer. Por outro lado, não se deve incluir
2
O termo “tempo de transcrição” refere-se ao tempo de sessão transcorrido desde o início do vídeo até o
reinício da conversação.
3
00:26:48 significa 26 minutos e 48 segundos de vídeo transcorrido.
77
informações que sejam irrelevantes e que venham a tomar muito tempo de transcrição
de cada sessão. A proposta é equilibrar o tempo e o esforço da transcrição com as
informações que sejam de fato necessárias para os pesquisadores que venham acessálas. Conseguir expressar o contexto em si de forma apropriada favorece a identificação
dos dados relevantes para a sua pesquisa.
O pesquisador deve apresentar o contexto de cada bloco de interação
comunicativa. Não é necessário incluir cada detalhe e repetir informações
sistematicamente, mas sim apresentar a situação. Veja o exemplo a seguir:
LÉO está brincado com o conjunto de brinquedos levado pelo filmador juntamente
com sua mãe. Há também outros brinquedos pessoais e uma caixa de livros. Após
brincar com os brinquedos levados, LÉO pega os livros e pede para a mãe contar as
histórias.
Quadro 4.4: Exemplo de descrição do contexto da interação comunicativa.
Os vários atos de fala, nos quais a criança torna clara a sua intenção, são
fundamentais. Entre eles, destacam-se os seguintes: solicitar informação, solicitar
alguma coisa, solicitar alguma ação, desejar alguma coisa, dar ordens, descrever uma
situação, um estado de eventos ou um objeto.
A seguir são apresentados os possíveis contextos para o enunciado
produzido seguidos de traduções para o português. Cabe ressaltar que as informações
sobre o contexto são iniciadas com o símbolo de porcentagem (%):
*LÉO:
LIVRO
%LÉO quer o livro.
%LÉO solicita informação sobre o livro.
%LÉO pede o livro.
%LÉO identifica o livro.
Me dá o livro.
Onde está o livro?
Me alcança o livro.
Isto é um livro.
Quadro 4.5: Exemplos de possíveis contextos para o enunciado do LÉO ao produzir a palavra LIVRO.
78
Estes são alguns exemplos do que a criança quer dizer quando produz
uma sentença, mesmo sendo esta composta apenas por uma única palavra. A pessoa que
está realizando a transcrição não tem a tarefa de determinar o que a criança quer dizer,
mas sim de dar elementos suficientes para que os pesquisadores possam identificar a sua
intenção ao produzir um determinado sinal, ou sinais.
A transcrição deve estar focada na produção da criança e deve-se deixar
claro com quem a criança está interagindo através de sinais. Também se deve ter o
cuidado de incluir informações quanto aos objetos relacionados com a expressão da
criança.
*LÉO:
BATER++4
%LÉO pede para o boneco bater no outro boneco.
Quadro 4.6: Exemplo de informação contextual relacionadas ao enunciado.
Quando a direção do olhar não estiver associada a um verbo, deve-se
acrescentar a informação em relação à direção do olhar para um objeto, pessoa ou
localização.
%LÉO está apontando para o brinquedo e olhando para o adulto.
%LÉO está caminhando em direção ao sofá enquanto olha para a cozinha.
%LÉO fala com o pai olhando para o brinquedo.
Quadro 4.7: Exemplos de transcrições que incluem a informação quanto à direção do olhar.
Se a produção for gestual, isto também deve ser registrado. Assumimos os
critérios de Casey (2003) para determinar se a criança produz um gesto ou um sinal,
apresentados a seguir por ordem de importância:
1) Forma: qual configuração de mão, movimento, lugar da articulação e orientação
teve a produção? Esta é parecida com sinais da língua ou é uma produção
4
O símbolo “++” após o verbo BATER indica que este sinal foi repetido mais de uma vez pela criança.
79
comum em termos gestuais (como acontece com o gesto DAR) em todas as
crianças independentemente de serem surdas ou ouvintes?
2) Contexto semântico: se parece ser um sinal da língua, o seu significado encaixa
com o contexto? Caso contrário, qual o seu significado na referida situação?
3) Contexto lingüístico: se a produção foi mera imitação ou não.
4) Idade da criança: as produções até 1:11 de idade parecem ser mais gestuais do
que gramaticais.
5) Intuição do falante nativo: esta deve ser considerada quanto a uma possível
produção gestual.
O registro deve ser feito da seguinte forma:
* LÉO:
DAR
%LÉO produz o gesto de DAR.
Quadro 4.8: Exemplo de transcrição de gesto.
4.1.2 Marcações manuais
Como já foi comentado anteriormente, utilizam-se glosas com palavras do
português (e do inglês) para expressar o que está sendo produzido em língua de sinais.
Algumas vezes, são necessárias várias palavras do português (e do inglês) para
expressar o significado em um único sinal. Nesse caso, serão utilizadas as palavras do
português que dão sentido ao sinal produzido, indicando por meio do hífen que houve a
produção de um único sinal.
*LÉO:
CAMINHAR-PARA-CIMA-E-PARA-BAIXO CANSADO
O Léo subiu e desceu (as escadas) ficando cansado.
Quadro 4.9: Exemplo de trecho da transcrição em que foi necessária a utilização de várias palavras do
português para expressar um único sinal.
80
O alfabeto manual será expresso por meio de letras do alfabeto separadas
por hífen.
*MÃE:
TU L-É-O
Tu és o Léo.
Quadro 4.10: Exemplo de transcrição da soletração manual.
4.1.3 Marcações não-manuais
Foram considerados os quatro tipos de marcadores não-manuais, conforme
apresentado por Hoiting, N.; Slobin, D. I. (2002):
1. Operadores: têm escopo sobre uma expressão ou oração (negação, interrogação,
tópico, oração relativa, condicional).
2. Modificadores: podem acrescentar uma dimensão para o significado referencial
de um item lexical ou uma proposição por meio de uma articulação nãocanônica do sinal e/ou pelo acompanhamento de expressões faciais, tanto
aumentativas quanto diminutivas de tamanho, proporção ou intensidade.
3. Afetivos: são acompanhamentos dos sinais realizados pelo rosto, boca ou corpo,
indicando a postura do sinalizador frente à situação que está sendo comunicada
(surpresa, excitamento, angústia, raiva).
4. Marcas do discurso: regulam o fluxo da conversação, as trocas entre os
interlocutores, verificando se há compreensão, concordância, por parte dos
mesmos. Esses componentes não-manuais correspondem à entonação e
interjeições nas línguas faladas.
A transcrição dos dados deve contemplar estas diferentes categorias. As
duas primeiras serão diferenciadas através de símbolos sob o escopo da marcação. A
81
terceira será indicada no contexto. A última apresenta um papel fundamental na
segmentação.
As marcações não-manuais dos operadores são as seguintes:
Interrogativa QU à <qu>
Interrogativa QU~5 à <qu~>
Interrogativa sim/não à <s/n>
Negativa à <neg>
Tópico à <top>
Foco de ênfase à <E-foc>
Foco de contraste à <C-foc>
Oração relativa à <r>
Condicional à <c>
4.1.4 Segmentação
As marcas não-manuais, principalmente as marcas do tipo operadores e do tipo
do discurso, são fundamentais para indicar a segmentação. As pausas também indicam a
segmentação. Observando apenas a transcrição manual, a compreensão da mesma tornase bastante confusa. A seguir apresentamos o primeiro exemplo sem segmentação e
posteriormente passamos a segmentá-lo:
*LÉO: NÃO ÁGUA DAR ESPERAR
*LÉO: <NÃO>neg <ÁGUA>top <2DAR1>imp | <ESPERAR>mc
Não! Me dá a água. Está certo, tenho que esperar.
Quadro 4.11: Exemplo de trecho de transcrição incluindo marcas não-manuais e com segmentação
indicada por meio do símbolo | .
5
São aquelas interrogativas da LSB que aparecem normalmente em orações subordinadas com expressão
facial diferenciada.
82
4.1.5 Tipos de verbos
Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos na LSB, bem como na ASL,
estão divididos nas seguintes classes:
a) Verbos simples (+plain) – são verbos que não se flexionam em pessoa e número e
não incorporam afixos locativos. Alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto.
Todos os verbos ancorados no corpo são verbos simples. Há também alguns que são
feitos no espaço neutro. Exemplos dessa categoria são CONHECER, AMAR,
APRENDER, SABER, INVENTAR, GOSTAR.
*LÉO: IX<1> COMER.
Eu como.
*LÉO: IX<Zeca> TOMAR LEITE.
Zeca toma leite.
Quadro 4.12: Exemplos de transcrição de trechos contendo verbos simples.
b) Verbos com concordância (+agr) – são verbos que se flexionam em pessoa, número e
aspecto, mas não incorporam afixos locativos. Exemplos dessa categoria são DAR,
ENVIAR, RESPONDER, PERGUNTAR, DIZER, PROVOCAR, que são subdivididos
em concordância pura e reversa (backwards). Os verbos com concordância apresentam
a direcionalidade e a orientação. A direcionalidade está associada às relações semânticas
(source/goal). A orientação da mão voltada para o objeto da sentença está associada à
sintaxe marcando Caso. Assim, sempre que possível, deve-se indicar nas anotações do
contexto a marcação da orientação da mão e da direção.
83
Concordância pura
*MÃE:
IX<Zeca>a aDAR1 LEITE.
Ele me dá leite.
*LÉO: ÁGUA 2DAR1.
Tu me dás água.
%Comentário: O verbo DAR foi sinalizado com a marcação da direção e da
orientação da mão.
Quadro 4.13: Exemplo de um trecho de transcrição contendo um verbo com concordância pura.
Concordância reversa
*PAI: IX<1> ESCOLA 2BUSCAR1
Eu te busco na escola.
%Comentários: O verbo BUSCAR foi sinalizado da segunda pessoa para a primeira
com a orientação da mão voltada para a segunda pessoa.
Quadro 4.14: Exemplo de um trecho de transcrição contendo um verbo com concordância reversa.
c) Verbos espaciais (+loc) – são verbos que têm afixos locativos. Exemplos dessa classe
são COLOCAR, IR, CHEGAR.
*PAI: IX<2> CAIXA locyMOVERlocz
Tu moves a caixa daqui para lá.
Quadro 4.15: Exemplo contendo um verbo espacial.
d) Verbos simples incorporando pontos espaciais (+plain, +agr, +loc)
*PAI: IX<1> CASAd PAGARd
Eu paguei a casa.
Quadro 4.16: Exemplo contendo um verbo simples com a incorporação do loc de CASA.
O sinal de casa foi estabelecido em um ponto no espaço (d) e o sinal do
verbo foi realizado em cima deste mesmo ponto tornando a expressão definida e
específica.
84
e) Verbos manuais (+hand) – são os verbos que representam a ação incorporando
instrumentos ou outros objetos.
*MÃE:
IX<1> BOLO ABRIR-FORNO COLOCAR-FORNO-BOLO
Eu abri o forno e coloquei o bolo dentro dele.
Quadro 4.17: Exemplo com verbos manuais.
f) Verbos modais – PODER, DEVER.
*LÉO: <IX<1> PODER DORMIR>qu
Posso dormir?
*MÃE: IX<2> DEVER DORMIR 9H
Tu deves dormir às nove horas.
Quadro 4.18: Exemplo contendo verbo modal.
g) Outras flexões – podem ser incorporadas ao verbo outras flexões, como aspecto
(+asp) - que pode ser durativo, contínuo, incessante, exaustivo, entre outros - e também
a forma imperativa (+imp), conforme exemplos a seguir:
*PAI: IX<2> RODAR++ (+asp)
Tu rodaste insistentemente.
*PAI: DORMIR 1IRb (+imp)
Vá dormir.
Quadro 4.19: Exemplo contendo verbos com aspecto e com forma imperativa.
A força da flexão de aspecto obriga a mudança na ordem da frase
recolocando o verbo em posição final (Sujeito Objeto Verbo+aspecto) (Quadros e
Karnopp, 2004).
A marcação de reciprocidade na língua de sinais brasileira se dá da mesma
forma descrita por Klima e Bellugi (1979) na ASL, ou seja, através da duplicação do
sinal feita simultaneamente.
85
*PAI: OLHARAM-SE (recíproco)
Os dois olharam-se reciprocamente.
Quadro 4.20: Exemplo contendo verbo com marca de reciprocidade.
A flexão de aspecto está relacionada com as formas e a duração dos
movimentos. As flexões de foco e aspecto temporal são diferentes das flexões de
aspecto distributivo, uma vez que referem exclusivamente a distribuição temporal sem
incluir a flexão de número.
4.1.6 Classificadores
O uso de classificadores é indicado através da abreviatura ‘cl’. Os sinais
produzidos sempre são glosados de forma descritiva. Várias palavras do português são
usadas descritivamente unidas através de hífens para indicar o uso de um classificador.
*LÉO:
LEITE <ENCHER-COPO-DEVAGAR-PEGANDO-PONTASACO>cl
Coloca o leite no copo devagar pegando na ponta do saco.
Quadro 4.21: Exemplo contendo classificador.
4.1.7 Tradução para o português
Para compreensão do significado da transcrição torna-se necessária a
tradução para o português. Observou-se que, muitas vezes, a partir apenas das glosas,
não há compreensão do significado produzido pela criança.
*LÉO: <NÃO>neg <ÁGUA>top <2DAR1>imp | <ESPERAR>mc
Não! Me dá a água. Está certo, tenho que esperar.
Quadro 4.22: Exemplo de transcrição com a respectiva tradução para o português.
86
Os itens apresentados acima são os utilizados no protocolo de transcrição dos
dados de aquisição da língua de sinais nas pesquisas realizadas pela Universidade
Federal de Santa Catarina. Este protocolo ainda está em desenvolvimento, pois o
objetivo é aprimorá-lo, tornando-o ainda mais sistematizado através do equilíbrio entre
a sofisticação e a simplificação. Entretanto, a sua criação já representa um avanço nos
estudos da língua de sinais brasileira.
4.2 ANÁLISE DOS DADOS
Quanto à análise dos dados, primeiramente foi feito um levantamento de todas as
produções das crianças que apresentavam verbos e feita uma análise quantitativa dos
mesmos: qual o número total de verbos, quantos foram realizados isoladamente, com
argumentos nulos, quantos tinham pelo menos um argumento, qual a ordem em que os
elementos da sentença apareciam e quantas ocorrências destas ordens apareciam, quais
os verbos mais utilizados pela criança, etc. Num segundo momento, foram utilizadas
somente as produções das crianças que continham, pelo menos, um verbo e um
argumento (NP) para verificar a ordem da frase, classificando esses verbos de acordo
com os tipos descritos acima e verificando a distribuição dos mesmos na produção da
criança. Nesta etapa inicial da análise dos dados, não estão sendo analisadas as
sentenças interrogativas que, assim como os verbos com argumentos nulos, foram
retiradas da análise. Aquelas produções em que a apontação foi utilizada
indiscriminadamente foram eliminadas da análise, pois poderiam se tratar puramente de
gestos. Assim, somente as produções em que a apontação referia-se a pronomes ou
diretamente a um objeto ou local específico foram consideradas para a análise. As
87
produções que representavam uma repetição da fala do adulto também foram
desconsideradas, por não serem produções espontâneas da criança.
A partir desta seleção, foram analisados os seguintes aspectos que
poderiam estar influenciando na ordem das palavras na frase: os contextos de omissão
dos argumentos, as diferenças entre os verbos com concordância e sem, tópico, foco, os
verbos no imperativo, mudança do objeto por reordenação morfológica, entre outros.
Depois desta análise preliminar, a pesquisa se deteve às construções de tópico e foco.
Essas questões serão melhor abordadas no capítulo referente à análise dos dados.
88
5 ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos dados refere-se ao sujeito desta pesquisa, LÉO, do qual foram
analisadas as produções durante o período de um ano e oito meses a dois anos e cinco
meses de idade, perfazendo um total de vinte quatro sessões transcritas. Para uma
melhor compreensão de todo o processo de pesquisa, esta análise está dividida em duas
partes. Primeiramente será apresentada uma análise quantitativa dos dados observados,
com tabelas mostrando a evolução dos dados ao longo do tempo. Em seguida, será
apresentada uma análise qualitativa, direcionada para o objeto de estudo específico
deste trabalho: as construções com tópico e foco na aquisição da ordem das palavras.
A relevância de uma análise descritiva detalhada, conforme a realizada abaixo,
justifica-se pelo fato de existirem poucas pesquisas sobre o tema na língua de sinais
brasileira, podendo os dados aqui apresentados contribuírem para trabalhos futuros.
5.1 ANÁLISE QUANTITATIVA
Primeiramente foi feito um levantamento nas transcrições de todas as produções
do LÉO que continham um verbo. Todas as ocorrências encontradas foram colocadas
em um quadro, preenchido com algumas informações relevantes para a pesquisa,
conforme exemplo no quadro 5.1.
Para preencher o quadro com as informações sobre a estrutura da frase, foi
necessário assistir novamente às filmagens, nos tempos marcados, para verificar as
pausas e outros elementos importantes para a segmentação. Assim, foi possível definir
quais os elementos que pertenciam à mesma sentença, para poder determinar a ordem
em que os mesmos foram combinados.
89
CD Seção
Idade
Tempo
Sentenças
Tipos de
Verbos
Estrutura
Contexto
O QUEqu
Léo quer
+plain
Wh (S)V(O)
COMERt++
comer.
IX<estante>
Léo quer saber
00:05:18
+plain Adj (S) Vowh
BEBER OQUEqu
onde está a bebida.
01.08.19
COZINHAR IX
<brinquedo>
06/05/02
+hand
(S)VO
Léo está
COMER++
00:06:12
+plain
(S)VO
brincando
<arroz>cl |
+plain
O(S)V
de cozinhar
IX<panela>
COMER++
Quadro 5.1: Demonstrativo do quadro de análise dos dados (LÉO)
00:03:48
1
1
Logo após, foi feita uma análise quantitativa destes dados. Informações como o
número total de produções com verbo, quantas ocorrências de cada tipo de verbo foram
encontradas, quais as ordens de palavras realizadas pela criança, quantas vezes cada
uma foi produzida, foram consideradas e organizadas em tabelas e gráficos.
Com isso, foi possível verificar que o número total de sentenças com verbos no
período observado foi de 711, sendo que 380 destas (53,4%) foram produzidas com
argumentos nulos, o que as desqualificam para a análise proposta. Além disso, onze
ocorrências (1,5%) foram de sentenças interrogativas, que também não seriam
analisadas. Sendo assim, restaram 320 ocorrências (45,1%) com pelo menos um NP
pronunciado para serem analisadas. Na tabela 5.1, são apresentadas as ordens das
palavras encontradas, em ordem decrescente de porcentagem, bem como o número de
ocorrências de cada uma delas.
Ordem
Ocorrência
Percentual
VO
109
34%
OV
70
21,9%
SV
51
15,9%
VS
26
8,1%
SVO
20
6,3%
OVO
20
6,3%
VOV
9
2,8%
SOV
4
1,3%
SVS
4
1,3%
VSO
2
0,6%
OSVO
2
0,6%
OVS
1
0,3%
OSV
1
0,3%
VOS
1
0,3%
Tabela 5.1: Ordens de palavras encontradas na produção de LÉO
90
Como pode ser percebido, a ordem com maior número de ocorrências é a VO,
fato que vai ao encontro da ordem básica na LSB, ou seja, SVO. A omissão do sujeito
nesta etapa da aquisição é comum e, pelo contexto, a maioria das ocorrências se refere à
própria criança. As ocorrências com sujeito declarado são menos freqüentes. Como
mostra a Tabela 5.1, em apenas 35% das ordens de palavras o sujeito está declarado,
enquanto que nos outros 65% o sujeito é nulo. As sentenças SV também são
consideradas canônicas e, nos dados de LÉO, 73% dessas ocorrências foram de verbos
que não precisavam de complemento. Pichler (2001) também considera como ordem
canônica todas as ocorrências SV, estando ou não o objeto presente, e VO, estando o
sujeito declarado ou não. Por fim, a ordem canônica SVO foi encontrada em 6,3% dos
dados. Se forem consideradas as ordens SVO, SV e VO juntas, Léo produziu 56,2% de
sentenças na ordem canônica da LSB. Em (1) é apresentado um exemplo de cada uma
dessas ordens:
(1)
a. SVO:
*LÉO: IX<1> VER IX<filmador>
(LÉO 2:1)
Eu vejo o filmador.
b. SV:
*LÉO: IX<nenê> CHORAR
(LÉO 2:4)
O nenê chora.
c. VO:
*LÉO: COMER <arroz>cl
(Eu) comerei arroz.
(LÉO 1:8)
91
Assim como na pesquisa de Pichler, foram analisadas as sentenças com ordens
VS e OV, que são ordens não-canônicas, mas gramaticais em alguns contextos do
padrão adulto da LSB (como na presença de concordância, de marcas não-manuais, de
elevação do objeto, de topicalização e de foco). Sendo assim, a segunda ordem mais
freqüente foi a OV, com 21,9% dos verbos analisados.
(2)
OV:
*LÉO: IX<brinquedo> VER
(LÉO: 2:4)
(Eu) vejo o brinquedo.
Se forem consideradas também as ocorrências OV com sujeito declarado, temos
as ordens gramaticais OSV e SOV, elevando o percentual para 23,5%.
(3)
a. OSV:
*LÉO: IX<pote> IX<1> QUERER
(LÉO: 2:2)
Eu quero o pote.
b. SOV:
*LÉO: IX<2> IX<bolinho> <TIRAR-BOLINHO-ESCUMADEIRA>cl
Tu tiras o bolinho com a escumadeira.
(LÉO: 1:11)
Um aspecto importante relacionado a essas ordenações é o tipo de verbo
produzido. Sabe-se que o objeto em posição pré-verbal ocorre na presença de verbos
com concordância e de marcas não-manuais. Sendo assim, a tabela abaixo apresenta os
tipos de verbos produzidos com cada ordem. Vale ressaltar que as marcações não-
92
manuais não estão sendo consideradas nesta tabela. O item “gestuais” se refere aos
casos em que LÉO não utilizou o sinal convencionado do verbo, mas sim um gesto.
Simples
C/concordância
Espaciais
Manuais
Gestuais
39
13 (18,6%)
6
12
(55,7%)
(8,6%)
(17,1%)
OSV
1
(100%)
SOV
3
1
(75%)
(25%)
Tabela 5.2: Tipos de verbos produzidos com as ordens OV, OSV e SOV.
OV
Os dados da Tabela 5.2 mostram que houve uma maior produção de verbos sem
concordância, chamados de verbos simples. Este tipo de verbo, juntamente com a
marcação não-manual apropriada, pode licenciar o objeto pré-verbal nos casos de tópico
e foco. Esses casos serão analisados detalhadamente na próxima seção.
A ordem VS foi a quarta ordem mais produzida, com 8,1% das ocorrências
analisadas. Além dela, outras duas ordens apresentam o sujeito na posição final da
sentença: SVS e VOS. Com isso, o total de ocorrências com sujeito na posição final da
sentença é de 10,7%.
(4)
a. VS:
*LÉO: COMER ZECA
(LÉO: 1:9)
O Zeca vai comer.
b. SVS:
*LÉO: MÃE DORMIR MÃE
(LÉO: 2:4)
A mãe foi dormir.
c. VOS:
*LÉO: COMER IX<doce> IX<1>
Eu vou comer o doce.
(LÉO: 2:2)
93
Um dado interessante de verificar foi se o sujeito na posição final é um pronome
ou um NP completo, já que existem, na LSB, os casos de foco duplicado com
apagamento do primeiro elemento duplicado. Na tabela 5.3 está apresentada essa
questão.
VS
SVS
VOS
Sujeito final: pronome
Sujeito final: NP completo
20 (76,9%)
6 (23,1%)
2 (50%)
2 (50%)
1 (100%)
Tabela 5.3: Tipos de sujeito no final da sentença.
Conforme os dados da Tabela 5.3, apenas a ordem VS apresentou uma diferença
significativa quanto aos tipos de sujeito produzidos, sendo que o percentual maior
ocorreu com a presença de pronome. Já na ordem SVS não houve diferença, aparecendo
o mesmo percentual tanto para pronome quanto para NP completo como sujeito final. A
ordem VOS teve apenas uma ocorrência, não sendo estatisticamente relevante.
Outras ordenações possíveis realizadas por LÉO, mas com um número pequeno
de ocorrências são VOV, OVO e OSVO. Todas elas apresentam um elemento
duplicado, que podem ser casos de tópico gerado na base ou de foco duplicado. Essas
questões serão discutidas na seção seguinte.
(5)
a. VOV:
*LÉO: COMER OVO COMER
(LÉO: 1:8)
Eu vou comer ovo.
b. OVO:
*LÉO: IX<caixa> VER IX<caixa>
(LÉO: 1:9)
Eu quero ver a caixa.
c. OSVO:
*LÉO: TAMPA IX<1> locPEGAR1 TAMPA
Eu vou pegar a tampa.
(LÉO: 2:1)
94
As outras duas ordenações produzidas, VSO e OVS, são agramaticais e não
serão discutidas nesse trabalho. Cada uma delas teve apenas uma ocorrência de forma
que, comparadas à quantidade de ocorrência das outras ordenações, essas duas ordens
em questão podem ser desprezadas.
Para finalizar a análise quantitativa, foi feita uma análise mais refinada dos
dados, para verificar a ocorrência destas ordens longitudinalmente, ou seja, mês a mês.
Assim, chegou-se aos seguintes resultados:
Idades
1:8
1:9
1:10
1:11
2:1
2:2
2:3
2:4
2:5
Verbos com Interrogativas Verbos
arg. nulos
analisáveis
36
15 (41,7%)
4 (11,1%)
17 (47,2%)
21
4 (19%)
2 (9,5%)
15 (71,5%)
43
25 (58,1%)
18 (41,9%)
59
33 (55,9%)
2 (3,4%)
24 (40,7%)
188
109 (58%)
79 (42%)
101
47 (46,5%)
1 (1%)
53 (52,5%)
38
21 (55,3%)
17 (44,7%)
151
74 (49%)
2 (1,3%)
75 (49,7%)
74
52 (70,3%)
22 (29,7%)
Tabela 5.4: ocorrências por idade e percentual
Total de verbos
N° de sessões
analisadas
2
2
2
2
4
4
2
3
2
Como pode ser visto, não há um padrão quanto às ocorrências dos verbos em
cada período. Nas idades de 1:8, 1:9, 2:2 e 2:4, houve um maior número de verbos para
a análise, enquanto nas outras idades os verbos com argumentos nulos tiveram maior
ocorrência. A idade de 2:0 não apresenta dados em função de problemas na filmagem
que impossibilitaram a observação da criança.
Quanto à ordem das palavras na sentença, como pode ser observado na Tabela
5.5, as ordens VO e OV apareceram em todas as idades, sendo que a ordem VO teve
maior ocorrência na maioria delas. As outras ordenações que também tiveram uma
produção significativa, como SV, SVO, VS e OVO, apresentam ocorrências distribuídas
na maioria das idades. As demais ordenações aparecem em idades isoladas, devido a
pouca quantidade de ocorrências. Os dados encontrados na tabela em questão mostram
95
que conforme a idade da criança vai aumentando, ela vai produzindo uma variabilidade
maior na ordem das sentenças, indo ao encontro do padrão encontrado no adulto.
Ordem
VO
1:9
7
(46,6%)
2
(13,3%)
-
OSV
1:8
8
(47%)
2
(11,8%)
1
(5,9%)
4
(23,5%)
-
1
(6,7%)
-
2
(11,1%)
4
(22,2%)
-
SOV
-
-
-
VS
-
SVS
-
1
(6,7%)
-
VOS
-
OVO
-
VOV
OSVO
2
(11,8%)
-
VSO
-
OVS
-
SV
SVO
OV
1:10
9
(50%)
-
1:11
6
(25%)
3
(12,5%)
9
(37,5%)
-
Idades
2:1
32
(40,5%)
6
(7,6%)
4
(5%)
21
(26,7%)
-
1
(5,6%)
-
1
(4,2%)
1
(4,2%)
-
6
(7,6%)
-
-
-
-
-
4
(26,7%)
-
2
(11,1%)
-
3
(12,5%)
-
-
-
-
-
-
1
(4,2%)
-
5
(6,3%)
4
(5%)
1
(1,3%)
-
2:2
18
(33,9%)
13
(24,5%)
4
(7,5%)
6
(11,4%)
1
(1,9%)
-
2:3
6
(35,3%)
3
(17,6%)
1
(5,9%)
2
(11,8%)
-
2:4
19
(25,3%)
14
(18,6%)
7
(9,3%)
21
(28%)
-
2:5
4
(18,2%)
8
(36,5%)
1
(4,5%)
2
(9,1%)
-
-
5
(9,5%)
1
(1,9%)
1
(1,9%)
2
(3,7%)
-
3
(17,6%)
-
2
(2,7%)
5
(6,7%)
2
(2,7%)
-
1
(4,5%)
4
(18,2%)
1
(4,5%)
-
1
(5,9%)
1
(5,9%)
-
3
(4%)
2
(2,7%)
-
-
-
1
(1,9%)
1
(1,9%)
Tabela 5.5: ordens das palavras encontradas mês a mês.
-
-
1
(4,5%)
-
-
-
Outro dado estatístico importante para a análise é o da produção dos diferentes
tipos de verbos por idade. Conforme ilustrado na Tabela 5.6, é possível perceber que os
verbos simples (sem concordância) têm maior quantidade de ocorrências em todas as
idades, enquanto os verbos com concordância só foram produzidos uma vez1. A
produção gestual se refere tanto ao uso de gestos quanto de verbos com concordância
nos casos em que o verbo não foi flexionado. Este fato deve explicar a pouca incidência
1
A baixa incidência de verbos com concordância se dá com argumentos pronunciados. Com argumentos
nulos ele tem uma produção significativa, mas eles não foram considerados na análise.
96
de verbos com concordância na produção do LÉO, evidenciando que ele ainda faz
pouco uso deste tipo de verbo com argumentos pronunciados.
Idades
1:8
1:9
1:10
1:11
2:1
2:2
2:3
2:4
2:5
V. Simples
12 (70,6%)
12 (80%)
13 (72,2%)
6 (25%)
41 (51,9%)
40 (75,5%)
11 (64,7%)
56 (74,7%)
13 (59,1%)
V. c/ conc. V. Espaciais
V. Manuais
3 (17,6%)
2 (11,8%)
1 (6,7%)
1 (6,7%)
3 (16,7%)
2 (11,1%)
1 (4,2%)
3 (12,5%)
6 (25%)
21 (26,6%)
7 (8,9%)
3 (5,7%)
7 (3,2%)
4 (23,5%)
14 (18,7%)
2 (2,7%)
8 (36,4%)
1 (4,5%)
Tabela 5.6: tipos de verbo em cada idade.
Gesto
1 (6,7%)
8 (33,3%)
10 (12,6%)
3 (5,7%)
2 (11,8%)
3 (4%)
-
Total
17
15
18
24
79
53
17
75
22
Quanto às marcações não-manuais, LÉO apresentou oscilação entre o uso e a
ausência destas marcas em sua produção. Dentre as marcas utilizadas por ele estão: a
direção do olhar, o movimento de cabeça (também chamado de aceno de cabeça) e a
elevação das sobrancelhas. Apesar de haver inconsistência no uso desse recurso
gramatical, é possível perceber que, conforme sua idade vai aumentando, a ausência de
marcas não-manuais vai diminuindo, dando lugar à presença das mesmas na maioria das
idades. Na tabela 5.7, são apresentados os dados observados quanto a esse aspecto, mas
somente nas sentenças com ordem não-canônica, em que essas marcas são importantes
para o licenciamento das mesmas.
Sem marca
não-manual
Idades
1:8
1:9
1:10
1:11
2:1
2:2
2:3
2:4
2:5
Com marca
não-manual
Direção do
Movimento
Elevação das
olhar
de cabeça
sobrancelhas
6 (86%)
1 (14%)
3 (50%)
3 (50%)
1 (16,7%)
3 (50%)
2 (33,3%)
1 (10%)
5 (50%)
1 (10%)
3 (30%)
9 (22%)
21 (51,2%)
2 (4,8%)
9 (22%)
6 (35,3%)
9 (53%)
2 (11,7%)
2 (28,6%)
5 (71,4%)
15 (37,5%)
15 (37,5%)
6 (15%)
4 (10%)
3 (42,9%)
3 (42,9%)
1 (14,2%)
Tabela 5.7: Tipos de marcação não-manual em cada idade
Total
7
6
6
10
41
17
7
40
7
97
Na próxima seção será feita uma análise qualitativa das construções que podem
derivar tópico e foco.
5.2 ANÁLISE QUALITATIVA
Para compor os dados desta seção, foram analisadas todas as sentenças que
poderiam derivar construções com tópico e foco, ou seja, as sentenças com as ordens
não-canônicas OV, VS, VOV, OVO, OSVO, SVS, OSV, SOV e VOS. O procedimento
realizado foi verificar novamente na filmagem cada sentença, observando as marcações
não-manuais produzidas pela criança e o contexto anterior à produção, para poder
determinar se seriam possíveis casos de construções com tópico ou foco.
Em alguns casos não foi possível identificar qual o tipo de construção produzida,
devido a limitações impostas pela filmagem. Dentre elas, estão os problemas com o
contexto anterior (o adulto que está participando da filmagem aparecer de costas, não
sendo possível observar sua produção; a câmera estar direcionada somente para a
criança, impedindo a observação do interlocutor; o ambiente estar com pouca
iluminação, dificultando a identificação dos sinais e marcações não-manuais, etc.) e
também com a própria produção da criança (ela estar de lado ou de costas para a
câmera, dificultando a compreensão de seus sinais e de suas marcações não-manuais; a
pouca iluminação do ambiente, etc.).
Quanto às marcações não-manuais, LÉO ainda faz uso inconsistente das mesmas
nas diferentes construções. Algumas vezes ele utiliza algum tipo de marcação nãomanual, outras vezes suas produções não apresentam esse elemento. Dentre os tipos
mais utilizados por LÉO estão os movimentos de cabeça e a direção do olhar. Na seção
98
5.2.1 será apresentada a análise das construções com tópico e na seção 5.2.2, a das
construções com foco.
5.2.1 Construções com tópico
A análise dos dados de LÉO evidenciou que ele faz uso de construções com
tópico. Conforme dito anteriormente, algumas vezes ele utiliza elementos não-manuais
em suas produções, mas nem sempre isso acontece. Seu uso ainda é inconsistente, não
só pelo fato de apresentar omissões, como também de não utilizar a marcação adequada.
Em alguns casos, ele não utiliza a marca de elevação das sobrancelhas, que é a marca
associada ao tópico, mas outras marcas como a direção do olhar e o movimento de
cabeça.
A primeira evidência concreta de construção com tópico aparece na sexta sessão,
quando LÉO está com um ano e dez meses de idade. Nessa sentença, ele não faz uso da
marca não-manual associada ao tópico, mas se utiliza da direção do olhar. Além disso,
pelo contexto também é possível determinar que se trata de construção com tópico2. Em
(6) é apresentada a sentença em questão:
(6)
<ÁGUA>do IX<água>, COMER++ IX<água>
Nessa sentença, LÉO produziu um tópico gerado na base. Além disso, há um
pronome co-referencial do tópico na posição de objeto, gerando a ordem O(S)VO. Pelo
contexto, é possível perceber que o constituinte “água” era uma informação partilhada
por LÉO e seu interlocutor. Este último já havia mencionado, na brincadeira com as
2
Cabe ressaltar que anteriormente ele produziu sentenças que poderiam conter um elemento topicalizado,
mas por dificuldades em visualizar a produção na filmagem, não foi possível a confirmação desse tipo de
construção.
99
panelinhas, que LÉO estava bebendo água. Além de ser uma informação prévia, LÉO
ainda faz uma pausa entre o elemento “água” e o resto da sentença, confirmando essa
sentença como uma construção com tópico.
Se olharmos para a sentença isoladamente, é possível pensar que a mesma é
agramatical, pois não se come água, e sim, bebe. Contudo, ao analisar a situação
comunicativa, percebe-se que ela é gramatical pelo fato de ele ter uma panela na mão e
estar dando a idéia de que vai comer o que será colocado dentro da mesma, ou seja, a
água. Além disso, nessa mesma situação, Léo produziu outras sentenças em que utilizou
o verbo ‘beber’.
A sentença em (6) poderia ser representada conforme (7):
(7)
TopP
spec
ÁGUAi
Top’
Topo
IP
spec
cvi
I’
I
comerl
VP
spec
cvj
V’
V
DP
tl
IX<água>i
Além desse primeiro exemplo, LÉO produziu outras sentenças com tópico
gerado na base, fazendo uso de marcação não-manual na maioria das vezes. Embora se
100
utilize desse recurso, ele ainda não definiu qual marcação usar, variando entre a
elevação das sobrancelhas e a direção do olhar.
(8)
<ÁGUA>top, 2PEGARmc ÁGUA
(9)
<TAMPA>do, IX<1> locPEGAR1 TAMPA
Nos exemplos (8) e (9), há uma cópia do tópico na posição de objeto e há uma
pausa entre o tópico e o resto da sentença. A diferença existente entre as duas
construções é em relação ao tipo de marca não-manual e também em relação ao sujeito.
No exemplo (8), o sujeito da sentença é nulo enquanto em (9), o sujeito está
pronunciado, gerando a representação em (10):
(10)
TopP
spec
TAMPAi
Top’
Topo
IP
spec
IX<l>j
I’
PEGARl
VP
spec
tj
V’
V
tl
DP
TAMPAi
101
LÉO também produziu construções com tópico movido. Nesses casos, o uso de
marcas não-manuais também é inconsistente. Em (11) é apresentado um exemplo desse
tipo de construção, em que o objeto foi elevado para a posição inicial da sentença e a
marca associada ao tópico é utilizada. Além disso, há uma pausa entre o tópico e o resto
da sentença.
(11)
<BICO>top, 1ENTREGAR2
Em sua produção é possível perceber o uso de diferentes tipos de verbo em
construções com tópico. Em (12), são apresentados alguns exemplos:
(12)
a. <CANUDO>do, PEGAR
b. IX<forma de gelo>do, VER
c. IX<pote>, IX<1> QUERER
d. IX<2>, IX<bolinho>top, TIRAR-BOLINHO_ESCUMADEIRA
Em (11), o verbo utilizado é denominado com concordância, embora LÉO o
tenha produzido na forma de gesto. Já em (12a), ele utilizou um verbo espacial, em
(12b, c) o verbo é sem concordância, enquanto que em (12d) o verbo é manual. (12c) e
(12d) diferenciam-se das demais, pois o sujeito está pronunciado, enquanto nos outros
exemplos o sujeito é nulo. A sentença (12d) também se diferencia das demais pelo fato
de apresentar dois tópicos (o sujeito e o objeto estão topicalizados). Quanto à marcação
não-manual, apenas (12c) não apresentou nenhum tipo marca. Em (12d), o primeiro
tópico não apresenta marca não-manual, mas é realizada uma pausa entre ele e o
segundo tópico, que apresenta a marca associada ao tópico.
102
A representação para os exemplos (11) e (12a,b) seria como (13) e para (12c)
como (14). No caso de (12d), a representação é composta por duas projeções de tópico,
conforme (15):
(13)
TopP
spec
BICOj
Top’
Topo
IP
spec
cvj
I’
VP
ENTREGARl
spec
tj
V’
V
tl
(14)
DP
ti
TopP
spec
IX<pote>i
Top’
Topo
IP
spec
IX<l>j
I’
QUERERl
VP
spec
tj
V’
V
tl
DP
ti
103
(15)
TopP
spec
IX<2>j
Top’
Topo
TopP
IX<bolinho>i
Top’
Topo
IP
tj
I’
VP
TIRARl
V’
tj
V
DP
tl
ti
Os dados apresentados acima são compatíveis com aqueles apresentados no
capítulo três sobre a aquisição do francês e da ASL. Ou seja, a criança é capaz de
produzir sentenças com tópico desde o início do estágio das primeiras combinações de
palavras. Além disso, conforme os achados de Pichler (2001) sobre a ASL, também na
LSB o uso da marcação não-manual é inconsistente, oscilando entre presença e ausência
de marcas ou uso de outras marcas que não a associada ao tópico. Quanto ao uso de
pausas, as duas línguas de sinais mostraram que as crianças são capazes de utilizá-las
para indicar o tópico da sentença.
104
5.2.2 Construções com foco
As construções com foco apareceram bem cedo na produção de LÉO. Para
determinar o foco de uma sentença foi observado o contexto anterior. Como
apresentado no capítulo três, o contexto para o foco de informação é uma interrogativa
Wh, sendo o foco da sentença a resposta ao elemento Wh. Para o foco contrastivo, o
contexto anterior é uma afirmação prévia que contém uma variável com um
determinado valor, que será negado ou corrigido pelo foco.
Assim sendo, já na primeira sessão filmada foi possível encontrar uma sentença
com foco de informação. Em (16), é apresentado o contexto dessa produção:
(16)
PAI: O-QUE>qu
LÉO: IX<panela> COMER
(LÉO, 1:8)
Nessa sentença, ele não realiza marcação não-manual, mas o contexto indica
tratar-se de uma informação nova, pois a sentença responde a uma interrogativa Wh. Ao
longo de toda a produção de LÉO, foram identificadas ocorrências de foco de
informação. Na maioria delas não houve marcação não-manual.
Quanto ao foco de ênfase, várias ocorrências foram verificadas, tanto de foco
duplicado como de foco final. No primeiro caso, a maioria das sentenças apresentou a
duplicação do verbo, mas também apareceu duplicação do sujeito e do objeto. Em (17),
são apresentados alguns exemplos:
(17)
a. <VER>do IX<filmador> VER
(2:1)
b. IX<sacola> DAR IX<sacola>
(2:1)
105
c. TIBIRIÇA DAR TIBIRIÇA
(2:2)
Em (17a) o elemento duplicado é o verbo ‘VER’, já em (17b) é o objeto e em
(17c), é o sujeito que está duplicado. Quanto às marcas não-manuais, no primeiro
exemplo há presença de direção do olhar, enquanto nos outros não há nenhum tipo de
marcação. Os elementos duplicados apareceram mais tarde na produção de LÉO se
comparados ao foco de informação. A primeira evidência concreta apareceu aos 2:1.
As construções com foco final também aparecem na produção de LÉO, com os
mesmos tipos de elementos que o foco duplicado. Contudo, a primeira ocorrência
aconteceu um pouco mais cedo, com 1:10. Assim, as construções com foco final
aparecem em posição intermediária em relação aos outros dois tipos de foco. Em (18),
são apresentados alguns exemplos:
(18)
a. COMER IX<1>mc
(1:10)
b. CHORAR IX<2>
(2:1)
Como pode ser visto, em (18a) há marcação não-manual, enquanto em (18b) isso
não acontece. Como contexto anterior, ambas as sentenças apresentaram uma afirmação
dada pelo interlocutor que é enfatizada por LÉO. Além disso, as duas sentenças
apresentam um pronome como elemento final, de acordo com o padrão adulto.
Em relação ao foco contrastivo, LÉO apresentou evidências do mesmo em
algumas situações. A primeira evidência foi na sessão 10, aos 2:1, quando a mãe de
LÉO diz que ele vai quebrar a televisão se não tiver cuidado. LÉO, então, diz que o
balcão é que vai quebrar. Assim, ele nega a afirmação anterior, de que ele quebraria a
106
televisão e atribui um novo valor para a afirmação (é o balcão que pode quebrar),
conforme (19).
(19)
QUEBRAR IX<balcão>do
(LÉO, 2:1)
Na sentença (19), a direção do olhar é utilizada como elemento não-manual. Em
(20), LÉO também utiliza a mesma marca não-manual (direção do olhar). Em ambas as
sentenças (19) e (20), o sujeito está em posição pós-verbal, indo ao encontro dos dados
encontrados por Arrotéia (2003). O que ainda não está de acordo com o modelo adulto é
a marcação não-manual.
(20)
BEBER IX<2>do
(LÉO, 2:3)
Em (20) a mãe de LÉO diz que ele vai beber o que está no copo de brinquedo,
mas ele nega e diz que é ela quem vai, atribuindo um novo valor para o sujeito da
sentença.
Assim como os resultados apresentados no capítulo 3 sobre a aquisição de foco,
os dados aqui analisados também indicam o uso de construções com foco pela criança
no início da aquisição da linguagem. Apesar de ainda não dominar o uso das marcações
não-manuais, LÉO produz sentenças com os três tipos de foco existentes na LSB.
5.2.3 Outras construções
Algumas sentenças não apresentaram o contexto anterior por diferentes motivos,
como problemas na filmagem ou limitação da mesma. Já outras sentenças, foram
107
produzidas na ordem não-canônica, mas não apresentaram características que pudessem
indicá-las como instâncias de tópico ou de foco. Dessa forma, nessa sessão são
apresentados alguns exemplos para uma análise numa próxima pesquisa.
Assim como mencionado por Quadros e Karnopp (2004), também foi observado
que os verbos manuais mudam a ordem da sentença, deslocando o objeto para a posição
inicial da mesma. Esse fato foi observado em todas as produções de LÉO com verbos
manuais. Pichler (2001) considera esses casos como reordenação morfológica na ASL, e
o mesmo pode ser verdade para o caso da LSB, sendo necessárias mais pesquisas sobre
o assunto para a confirmação. Em (21) são apresentados alguns exemplos:
(21)
a. IX<panela> COZINHAR
(LÉO, 1:8)
b. IX<gelo> COLOCAR-DENTRO-DO-COPO
(LÉO, 2:1)
c. IX<ferro> PASSAR-ROUPA
(LÉO, 2:2)
d. IX<prato>do BOTAR-SAL
(LÉO, 2:4)
Uma questão interessante encontrada nos dados de LÉO foi a ocorrência de duas
sentenças na ordem VOV, que têm sido consideradas na literatura sobre línguas de
sinais como foco de ênfase, com uma pausa entre o primeiro verbo e o resto da
sentença. Este fato pode indicar um possível caso de tópico, conforme os resultados de
Bastos (2001) sobre o português brasileiro. Em (22), são apresentados os dois exemplos
mencionados:
(22)
a. COMER, IX<tudo aquilo> COMER
(LÉO, 1:8)
b. VER, IX<boneco> VER
(LÉO, 2:3)
108
Tanto (22a) quanto (22b) não apresentaram marcação não-manual, mas nos dois
casos foi percebida uma pausa entre o verbo inicial e o resto da sentença. Mais
pesquisas sobre o assunto são necessárias para a confirmação de tal hipótese.
Os dados analisados nesse capítulo mostram evidências de que a aquisição da
linguagem ocorre de maneira semelhante entre crianças surdas e ouvintes, já que não foi
percebido nenhum efeito de modalidade que tivesse implicação no desenvolvimento da
linguagem.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta dissertação foi trabalhada a questão da variabilidade da ordem das
palavras na LSB por meio dos dados de uma criança surda filha de pais surdos (LÉO)
que adquire a língua de sinais como sua primeira língua. Dentre os fenômenos que
podem derivar a mudança na ordem básica da LSB, que é a ordem SVO, foram
abordados o tópico e o foco na aquisição da linguagem.
Nos dados da criança analisada foi observada, além da ordem canônica SVO, a
produção das ordens não-canônicas OV, VS, VOV, OVO, SOV, OSVO, SVS, OSV,
VOS. A análise das mesmas quanto a possíveis instâncias de tópico e foco, juntamente
com a observação do contexto lingüístico, revelaram que desde cedo LÉO realiza esses
dois tipos de construções. Entretanto, há inconsistência no uso das marcações nãomanuais que acompanham o tópico e o foco. Em determinados momentos ele utilizou
tais marcas, mesmo que não fosse a adequada para o tipo de construção produzida, já
em outros, observou-se a ausência de elementos não-manuais.
Em relação às construções com tópico, percebeu-se a utilização tanto de tópicos
movidos como de tópicos gerados na base. LÉO fez uso também de construções com
dois tópicos. A marcação associada ao tópico foi realizada por ele, mas ainda não está
sistematizada. Quanto à pausa existente entre o tópico e o resto da sentença, ele a
produziu em todas as situações exemplificadas no capítulo cinco, mostrando que essa
característica já está bem compreendida.
Quanto às construções com foco, encontraram-se também evidências nos dados
de LÉO da produção de todos os tipos de foco existentes na LSB. O foco de informação
foi o que apareceu mais cedo nos dados da criança, com 1:8, assim como observado por
Lillo-Martin e Quadros (2004). Os focos de ênfase (final e duplicado) apareceram um
110
pouco mais tarde na produção de LÉO, respectivamente com 1:10 e 2:1. Ao contrário do
que foi observado pelas autoras anteriormente citadas, houve um intervalo entre a
ocorrência do foco final e do duplicado. Essa diferença se dá porque os casos analisados
como foco de ênfase por Lillo-Martin e Quadros (2004), foram considerados como
tópico e foco seguindo Bastos (2001). Apesar disso, ambos ocorreram posteriormente
em relação ao foco de informação, assim como observado por Lillo-Martin e Quadros.
O foco contrastivo apareceu com 2:1. O contexto em que ele aparece está adequado às
suas características, porém ainda não apresenta a marcação associada ao padrão adulto.
Alguns aspectos apresentados, entretanto, precisam ser melhor analisados.
Várias sentenças, que não apresentavam claramente o contexto, podem se tratar de casos
de tópico e foco, como as construções VOV identificadas como possíveis tópicos. Além
disso, há a questão dos verbos manuais que geram a elevação do objeto para a posição
pré-verbal. São necessárias mais pesquisas para identificar o que acontece com esses
verbos para alterarem a ordem das palavras.
Contudo, os dados apresentados nessa dissertação demonstram que a criança
surda é capaz de compreender e produzir sentenças com tópico e foco desde os
primeiros estágios do desenvolvimento da linguagem, da mesma forma que crianças
ouvintes. Esta similaridade entre as línguas de sinais e as línguas faladas mostra que a
modalidade da língua não tem implicação na aquisição da linguagem. Dessa forma, os
estudos sobre as línguas de sinais trazem elementos que corroboram para a existência de
princípios gerais que regem as línguas humanas, independentemente da modalidade.
111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AARONS, D. (1994) Aspects of the syntax of American Sign Language. Boston, MA:
Ph.D. Dissertation, Boston University.
ARROTÉIA, J. (2003) O papel do marcador ‘aceno de cabeça’ em sentenças nãocanônicas da língua de sinais brasileira (LSB).
BASTOS, A. C. P. (2001) Fazer, eu faço! Topicalização de constituintes verbais em
português brasileiro. Campinas, SP. Dissertação de mestrado. Unicamp.
BELLUGI, U.; KLIMA, E. (1990) Properties of visuospatial language. Paper for
International Congress: Sign Language Research and Applications, Conference.
Siegmund Prillwitz (ed.) Hamburg. March 23-25.
BELLUGI, U.; POIZER, H.; KLIMA, E. (1989) Language, modality and the brain.
Trends in neurosciences - reviews – TINS, vol. 12, nº 10, p. 380-388.
BONVILLIAN, J. (1999) Sign language development. In: BARRET, M. (Ed.) The
development of language. Hove, Sussex: Psychology Press. p. 277-310.
CASEY, S. K. (2003) “Agreement” in gesture and signed languages. PhD.
Dissertation. University of California. San Diego.
CHOMSKY, N. (1986) O conhecimento da língua sua natureza, origem e uso.
______ . (1970) Remarks on Nominalization. In: Readings in English Transformational
Grammar, eds. R. Jacobs and P. Rosenbaum, 184-221. Waltham, MA: Ginn.
______ . (1957) Syntactic structures. The Hague: Mounton.
______ . (1965) Aspects of the theory of syntax. MIT Press. Cambridge, Massachusetts.
______ . (1981) Lectures on government and binding. The Pisa Lectures. Foris
Publication. Dordrecht.
______ . (1993) A minimalist program for linguistic theory. In: HALE, K.; KEYSER,
S.J. (eds.). The view from building 20: essays in linguistics in honor of Sylvain
Bromberger. Cambridge, Massachusetts: MIT. p. 1-52.
______ . (1995) The minimalist program. Cambridge, Massachusetts: MIT Press.
CHOMSKY, N.; LASNIK, H. (1991) Principles and Parameters Theory. Syntax: An
International Handbook of Contemporary Research. Walter de Gruyter. Berlin.
COERTS, J. A. (2000) Early sign combinations in the acquisition of sign language of
the Netherlands: evidence for language-specific features. In: CHAMBERLAIN, C.;
112
MORFORD, J. P.; MAYBERRY, R. I. Language acquisition by eye. LEA: London.
p. 91-109.
COERTS, J.; MILLS, A.E. (1994) Early sign combinations of deaf children in Sign
Language of the Netherlands. In: Perspectives on sign language usage. Papers from
the 5th International Symposium on sign language research, vol. 2, ed. I. Ahlgren,
B. Bergman and M. Brennan. 319-331.
De Cat, Cécile (2003). "Syntactic manifestations of very early pragmatic competence".
in B. Beachley, A. Brown and F. Conlin (Eds). Proceedings of BUCLD27.
Somerville, MA, Cascadilla Press: 209-219.
______ . (2004) "A fresh look at how young children encode new referents".
International Review of Applied Linguistics 42: 111-127.
DYAKONOVA, M. (2004) Information structure development: Evidence from the
acquisition of word order in Russian and English. In: Nordlyd: Tromso Working
Papers in Language Acquisition. Vol. 32, nº 1, Kristine Bentzen (ed.).
EMMOREY, K. (2002) Sign language acquisition. In: EMMOREY, K. Language,
cognition and the brain: insights from sign language research. New Jersey:
Lawrence Erlbaum. p. 169 – 204.
FELIPE, T.A. (1989) A estrutura frasal na LSCB. In: Anais do IV Encontro Nacional da
ANPOLL, Recife.
FERREIRA-BRITO, L. (1995) Por uma gramática das línguas de sinais. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro.
GREENBERG, J. H. (1966) Universals of language. Cambridge: MIT Press.
HICKMANN, M.; HENDRIKS, H. (1999). Cohesion and anaphora in children’s
narratives: a comparison of English, French, German, and Chinese. Journal of Child
Language, 26:419-452.
HICKMANN, M.; HENDRIKS, H.; ROLAND, F.; LIANG, J. (1996). The marking of
new information in children’s narratives: a comparative o English, French, German,
and Mandarin Chinese. Journal of Child language, 23:591-619.
HOFFMEISTER, R. (1978) Word order in the acquisition of ASL. MS. Boston
University.
HOITING, N.; SLOBIN, D. I.. (2002) Transcription as a tool for understanding: the
Berkeley Transcription System for sign language research (BTS). In: G. Morgan &
B (Eds). Directions in sign language acquisition. Amsterdam/Philadelphia: John
Benjamim. p. 55-75.
KAYNE, R. (1994) The antisymmetry of syntax. Cambridge, MA: MIT Press.
113
KLIMA, E. & BELLUGI, U. (1979) The signs of language. Cambridge: Harvard
University Press.
LASNIK, H.; STOWELL, T. (1991) Weakest cress-over. Linguistic inquiry 22, 687720.
LILLO-MARTIN, D. (1986a). Two kinds of null arguments in american sign language.
Natural Language and Linguistic Theory 4:415-444.
______ . (1986b). Parameter setting: evidence from use, acquisition, and breakdown in
american sign language. Ph.D. Dissertation, University of California, San Diego.
LILLO-MARTIN, D. & QUADROS, R. M. de. (2004). Structure and acquisition of
focus constructions in ASL and LSB. Paper presented at TISLR 8, Universitat de
Barcelona.
MEIER, R. P. (2000) Diminishing diversity of signed languages. Science, 288, 19-65.
MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. (2004) Novo manual de sintaxe.
Florianópolis: Insular. 280 p.
NEIDLE, C.; KEGL, J.; MACLAUGHLIN, D.; BAHAN, B.; LEE, R.G. (2000) The
syntax of Americam Sign Language. Cambridge, MA: MIT Press.
NUNES, J. (1995) The Copy Theory of Movement and Linearization of Chains in the
Minimalist Program. Doctoral dissertation. University of Maryland at College Park.
NUNES, J. (2000) Linearizaton of chains and sideward movement. Ms., UNICAMP.
NUNES, J. (1999) Linearization of chains and phonetic realization of chain links. In:
EPSTEIN; HORSTEIN (eds.). Working minimalism. Cambridge, Massachusetts:
MIT.
PETRÔNIO, K. (1993) Clause structure in ASL. Ph.D. Dissertation. university of
Washington.
PETRONIO, K.; LILLO-MARTIN, D. (1997). WH-movement and the position of specCP: Evidence from American Sign Language. Language 73:18-57.
PETTITO; MARENTETTE. (1991) Babbling in the Manual Mode: Evidence for the
Ontonegy of language. In: Science. vol. 251. American Association for the
advancement of Science. p. 1397-1556.
PICHLER, D. C. (2001) Word order variation and acquisition in American Sign
Language. PhD dissertation, University of Connecticut.
QUADROS, R. M. de. (1995) As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa
com base na Língua Brasileira de Sinais e reflexos no processo de aquisição.
Dissertação de Mestrado. PUCRS. Porto Alegre.
114
______ . (1997) Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed.
______ . (1999) Phrase structure of brasilian sign language. Porto Alegre: PUCRS,
Tese de Doutorado.
QUADROS, R. M. de; LILLO-MARTIN, D.; MATHUR, G. (2001) O que a aquisição
da linguagem em crianças surdas tem a dizer sobre o estágio de infinitivos
opcionais?. Letras de Hoje. Porto Alegre. v. 36, nº 3, p. 391-397, setembro.
QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B.. (2004) Língua de sinais brasileira: estudos
lingüísticos. Porto Alegre: Artmed.
QUADROS, R. M. de; LILLO-MARTIN; D. (2005) What sign language acquisition
data have to tell us about verbal morphology in ASL and LSB. In: Workshop in
Sign Language Verbal Morphology.
QUADROS, R. M. de; PIZZIO, A. L. Aquisição da língua de sinais brasileira:
constituição e transcrição dos corpora. Cadernos de Estudos Lingüísticos,
Campinas. (artigo aceito para publicação no final de 2005)
RAPOSO, E. P. (1992) A teoria da gramática. A faculdade da linguagem. Lisboa:
Caminho.
REILLY, J. S.; McINTIRE, M. L.; BELLUGI, U. (1990) Faces: the relationship
between language and affect. In: From Gesture to Language in Hearing and Deaf
Children, eds. Virginia Volterra and Carol J. Erting, 128-141. Berlin: SpringerVerlag.
REINHART, T. (1995) Interface strategies. Research Institute for Language and
Speech Utrecht University.
RIZZI, L. (1997) “The fine structures of left periphery”. In: L. Haegeman (ed) Elements
of Grammar: 281-337. Klumer Academic Publishers.
SANDLER, W.; LILLO-MARTIN, D. (2006). Sign language and linguistic universals.
Cambridge: Cambridge University Press.
SCHICK, B. (2001) The development of syntax in deaf toddlers learning ASL.
Dissertação de Mestrado. University of Colorado, Boulder.
SOARES, S. R. (2004) Sentenças com tópico no português brasileiro. Dissertação de
mestrado. UFSC. Florianópolis.
ZUBIZARRETA, M. L. (1998) Prosody, Focus and Word Order. MIT Press.
Download